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Bourbon Street Fest: evento comemora seus 20 anos de conexão New Orleans-São Paulo

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                                                O baixista e cantor Tony Hall, no 20.º Bourbon Street Fest

Neste momento em que as relações diplomáticas e econômicas entre o Brasil e os Estados Unidos estão bastante estremecidas, a realização do 20.º Bourbon Street Fest (em São Paulo, na semana passada) provocou uma breve reflexão. Não fosse a admiração que as plateias brasileiras cultivam há mais de um século por diversos gêneros da música norte-americana (relação que se tornou de mão dupla desde a explosão mundial da bossa nova nos anos 1960), hoje seria mais difícil imaginar que um evento como esse pudesse festejar seu 20.º aniversário.

Tive a sorte de acompanhar toda a trajetória desse festival criado por Edgard Radesca e Herbert Lucas, diretores do Bourbon Street Music Club. Inaugurada em dezembro de 1993 com um histórico show do “rei do blues” B.B. King, essa casa noturna paulistana nasceu sob a inspiração da rica cena musical e gastronômica de New Orleans – a cidade mais famosa do estado norte-americano de Louisiana. E assim, dedicando sua programação ao jazz, ao blues, ao R&B e outras vertentes da black music, além da música brasileira, naturalmente, tornou-se um dos melhores clubes do gênero na América Latina.

Depois de trazerem a São Paulo dezenas de conceituados artistas da cena musical de New Orleans, como Bryan Lee, Marva Wright, Charmaine Neville e Jon Cleary, para temporadas de shows no clube,os diretores do Bourbon Street decidiram elevar essa ponte musical a outro patamar. Para comemorar os 10 anos da casa, em 2003, criaram o Bourbon Street Festival, evento que segue o perfil eclético do New Orleans Jazz & Heritage Festival, um dos maiores eventos musicais do mundo, realizado naquela cidade desde 1970.

Em meio às eventuais dificuldades para contar com patrocínios regulares, durante essas duas décadas, Edgard Radesca e Herbert Lucas seguiram à risca a missão de trazer ao Brasil mostras da diversidade que caracteriza o cenário musical de New Orleans. Não foi diferente nesta edição: o elenco do festival paulistano exibiu destaques como o tecladista e compositor Ivan Neville, herdeiro de uma das famílias musicais mais importantes de New Orleans, a banda The Rumble, a cantora JJ Thames e o baixista Tony Hall, já conhecido pela plateia de São Paulo. Vale lembrar, sempre com alguns shows gratuitos, na programação.

Por tudo que já fizeram para manter essa preciosa ponte musical entre São Paulo e New Orleans (duas cidades cosmopolitas que valorizam a cultura e, de modo geral, são conhecidas por receberem bem os imigrantes que as escolhem para morar), os diretores do Bourbon Street Fest já mereceriam ser condecorados, tanto no Brasil como nos Estados Unidos.



Rodolfo Stroeter: baixista do grupo Pau Brasil lança "Madurô", um autorretrato musical

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                         O baixista e compositor paulistano Rodolfo Stroeter - Foto de Gal Oppido/Divulgação  

Um dos fundadores do conceituado grupo instrumental Pau Brasil, com o qual se apresenta e tem feito gravações desde os anos 1980, o contrabaixista, compositor e produtor paulistano Rodolfo Stroeter vai surpreender seus fãs. “Madurô”, seu segundo disco solo (lançamento do selo Pau Brasil), destaca um repertório autoral com dez canções e três temas instrumentais.

“Este disco é uma espécie de autorretrato musical, que inclui minha família e meus amigos”, sintetiza Stroeter. Nessas gravações, ele reencontra parceiros como os cantores Sérgio Santos, Joyce Moreno, Marlui Miranda e Céline Rudolph, o baterista Tutty Moreno, o pianista Helio Alves e seu filho Noa Stroeter, contrabaixista do Caixa Cubo Trio. E ainda, naturalmente, o quinteto Pau Brasil.  

Vale lembrar que, em seu primeiro disco solo (“Mundo”, lançado em 1986 pelo selo Continental), Stroeter já demonstrara ser um compositor que dialoga com diversas influências: da MPB ao instrumental brasileiro; do jazz à música clássica. Joyce e Marlui também participaram do elenco desse álbum, assim como o pianista e arranjador Nelson Ayres, do Pau Brasil.  

Contrapontos com parceiros

Agora, ao conceber “Madurô”, Stroeter decidiu dedicar mais espaço às suas canções inéditas – algumas compostas ainda nos anos 1980. Acostumado a trabalhar em grupo, mesmo quando produz o disco de algum intérprete, ele gosta de estabelecer contrapontos com os parceiros. “Quando comecei a fazer este disco, percebi que agora o contraponto seria comigo. Não consigo fazer isso sozinho”, admite Stroeter, que mais uma vez convocou parceiros e amigos, para formar um elenco de alto quilate.

Interpretada por Sérgio Santos, a singela canção “Boa Noite, Sereno” desfia sensações e descobertas de um primeiro namoro. O belo timbre do cantor mineiro também empresta brilho especial à lírica canção que dá título ao álbum. Curiosamente, conta Stroeter, a letra de “Madurô” ficou inacabada até ele reencontrá-la em um velho caderno. Logo depois achou a solução que buscava para conclui-la graças a uma sugestão de Noa.

Três cantoras, com as quais Stroeter desenvolve parcerias há décadas, também contribuíram para outras belezas do álbum. Já gravada por Monica Salmaso, a canção “Estrela de Oxum” ressurge na voz de Joyce, em delicado arranjo que destaca o piano de Nelson Ayres, a bateria de Tutty Moreno e o baixo do próprio autor. Em “Cantiga da Estrela”, a cantora franco-germânica Céline Rudolph demonstra sua bagagem jazzística, utilizando a voz como instrumento, em um criativo duo improvisado com o baixo elétrico de Stroeter.  

Exaltação aos indígenas

Outra surpresa do disco é “Rap Americano”, poema de Stroeter que exalta os povos indígenas das Américas, escrito para a “Ópera dos 500 / Popular e Brasileira”. Encenada por Naum Alves de Souza, em 1992, essa ópera pretendia desmistificar o suposto heroísmo de Cristóvão Colombo. Como não entrou na versão final do espetáculo, o poema estreia agora na voz do autor, acompanhado pelo Caixa Cubo Trio. Os vocais de Marlui Miranda, em idioma indígena, criam um contraponto inquietante com os versos.

O samba “Feiticeira” também demorou pelo menos uma década e meia para sair da gaveta. Fã de João Gilberto, Stroeter tem uma paixão especial pelo lendário LP de capa branca do pai da bossa, lançado em 1973. Quando soube que João frequentava a casa do baterista Tutty Moreno, em Nova York, teve a ideia de compor um samba com cara de bossa nova e enviá-lo para o mestre. “Até fiz a música, mas não mandei”, conta, sorrindo. Agora, para inclui-la em “Madurô”, convidou o cantor Zé Renato e Tutty para gravá-la de maneira bem despojada, como fez João Gilberto, em seu cultuado álbum.  

Stroeter agradece por duas sugestões de intérpretes que recebeu do violonista Swami Jr., também presente no disco. “Ele entendeu onde eu queria chegar com duas composições minhas de cunho mais popular”, reconhece. No contagiante samba “Na Boca do Povo” (parceria com o letrista Paulo César Pinheiro), Fabiana Cozza soa bem à vontade, como se estivesse cantando numa roda de amigos. Já “Viva Jackson do Pandeiro” é um alegre tema instrumental de Hermeto Pascoal, para o qual Stroeter escreveu uma letra, que imagina um encontro do carismático músico paraibano com o “bruxo” de Alagoas. Convidado a interpretá-lo, Chico Cesar personifica Jackson, carregando na pronúncia dos “erres”, para reviver um divertido sotaque do passado.

Parceria de quatro décadas

Por outro lado, Stroeter nem precisou pensar em quem gravaria “Aboio”, um dolente tema instrumental, e o gingado samba “Levada da Breca” – parcerias com Noa, que o Pau Brasil tem incluído em suas apresentações. “Eu toco com esse grupo de amigos há mais de 40 anos. Não existe a possibilidade de eu fazer um disco meu sem o Pau Brasil”, afirma o contrabaixista.

Escolhida para fechar o álbum, “A Voz da Oração” nasceu como uma letra de Stroeter que foi musicada por Noa. Com forma e conteúdo de uma prece, ela inspirou a emocionante interpretação de Sergio Santos, que expressa o significado especial dessa canção para o baixista do Pau Brasil e sua família. “Ela foi dedicada ao Noa e meus outros filhos. Não tenho religião que não seja a música, mas acabou saindo uma canção que abarca o sentido de amor aos de muito perto”, ele explica.

Cinco anos atrás, Stroeter enfrentou um grave problema cardíaco, que o levou a refletir mais sobre o sentido da vida, nos últimos anos. Hoje, ele percebe que a decisão de gravar um disco de canções como “Madurô” também tem relação com a experiência extrema que vivenciou. “O fato de eu ter, literalmente, apagado e, minutos depois, ter voltado à vida, me trouxe um sentido de liberdade essencial para fazer um disco como esse. Se não tivesse passado pelo que passei, eu jamais teria a coragem de me expor como faço nesse disco”, conclui. Em outras palavras, Rodolfo Stroeter amadureceu, madurô.

                                                                                          Texto escrito a convite do selo Pau Brasil 


Show de lançamento do álbum "Madurô"
- Dia 6/12/24 (sexta), às 21h, na Sala Crisantempo (Rua Fidalga, 521, Vila Madalena, zona oeste de São Paulo). Entrada franca. Com Rodolfo Stroeter (baixo acústico e elétrico), Hélio Alves (piano) e Tutty Moreno (bateria). Participações especiais de Sérgio Santos (voz), Analu Sampaio (voz) e Paulo Bellinati (violão). 

São Paulo Jazz Weekend: novo festival abraça a bossa, o choro e o som instrumental brasileiro

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                                                                             A cantora norte-americana Dianne Reeves     

Muita gente pensa que os grandes festivais de música ao ar livre surgiram na segunda metade da década de 1960, época em que a geração hippie sonhava com uma sociedade libertária e naturalista, em um mundo mais pacífico. Impulsionados pelo carisma de ídolos do rock e da música negra daquele período, como Jimi Hendrix, Janis Joplin e Otis Redding, festivais nos Estados Unidos, como o Monterey Pop (em 1967) e Woodstock (1969), difundiram essa impressão errônea.  

O pioneirismo nesse setor do showbiz pertence, de fato, ao Newport Jazz Festival, hoje chamado de “avô dos festivais de música”. Esse evento comemorou 70 anos em julho último, em Rhode Island, com uma edição recheada de craques do gênero. Seu fundador, o pianista e produtor George Wein (1925-2021) também foi responsável pela criação de outros eventos similares, como o New Orleans Jazz & Heritage, megafestival que segue firme em sua trajetória de 54 anos, na Louisiana. Na edição deste ano, sua atração principal foi simplesmente a banda inglesa The Rolling Stones.      

Quem quiser conferir as credenciais do veterano Newport Jazz vai se surpreender ao assistir ao clássico documentário “Jazz on a Summer’s Day” (de Bert Stern e Aram Avakian, disponível no YouTube). Cenas filmadas durante a edição de 1958 desse festival captam com requinte a descontração e as reações dos fãs na plateia, em meio a brilhantes performances de Thelonious Monk, Anita O’Day, Louis Armstrong e Gerry Mulligan, entre outros.

Passadas sete décadas, hoje os festivais de jazz são realizados nos mais diversos cantos do mundo. Para atender seu público, que pode reunir diversas faixas etárias, os organizadores sabem que já não é suficiente oferecer apenas boa música. Muitos frequentadores valorizam a possibilidade de tomar um drinque e se alimentar bem, em meio à maratona musical, ou mesmo dispor de locais agradáveis para relaxar ou se refrescar entre um show e outro.

Um festival diferente de seus pares

A preocupação com o conforto da plateia também está na lista de itens essenciais do São Paulo Jazz Weekend, festival que realiza sua primeira edição nos dias 28 e 29/09 (sábado e domingo), na área externa do Memorial da América Latina. Mas o que mais chama atenção é o seu menu musical, que combina diversos estilos de jazz, bossa nova, choro e muita música instrumental brasileira. Em outras palavras, um festival diferente de quase todos por aí: sem rap, rock, metal, funk carioca ou música sertaneja, em seus dois palcos.

“Nosso objetivo maior é fomentar o mercado”, afirma a produtora Giselle Ventura, que assina a direção do evento com o músico Thiago Espírito Santo. “A gente cria uma oportunidade para um público que virá ao Memorial por causa dos shows de Dianne Reeves, do Shai Maestro Trio ou de Seu Jorge & Daniel Jobim. Ali esse público vai encontrar um leque de sons e músicos jovens que ainda não conhece”, diz ela.

O nome do “bruxo” Hermeto Pascoal chegou a ser anunciado para o primeiro dia do festival, mas seu show foi cancelado porque ele terá que passar por uma intervenção cirúrgica. “Isso pegou a gente de surpresa. Não é fácil substituir um músico como o Hermeto, porque muita gente vai ao festival na expectativa de assistir ao show dele”, admite Thiago. A solução foi convidar Yamandu Costa, que estará de passagem pelo Brasil. O conceituado violonista gaúcho, que hoje vive em Portugal, terá a seu lado dois antigos parceiros: o baterista Edu Ribeiro e o próprio Thiago, no baixo.

O diretor do Jazz Weekend conta que o projeto do novo festival já existe há oito anos, mas ainda não tinha saído do papel por falta de patrocínio. “Em 2020 quase deu certo, mas aí veio a pandemia”, relembra Thiago. “São poucos os festivais que se arriscam a mexer com música instrumental”, comenta, observando que após o longevo Free Jazz Festival (realizado de 1985 a 2001), quase todos os eventos do gênero no Brasil se tornaram “abrangentes”. Em outras palavras, exageram nas doses de música pop e derivados.

Conforto para a plateia

Além da programação musical de alta qualidade, Thiago destaca também a estrutura do Jazz Weekend, criada para que a plateia se sinta confortável ao encarar a maratona de shows. “Eu não posso fazer um festival com 10 horas de duração e oferecer banheiros químicos. Então teremos uma estrutura com 98 cabines de banheiros de louça, com pia e espelho. Já na área de alimentação, mesas de piquenique vão permitir que as pessoas possam se sentar para comer”. 

Diferentemente de outros festivais com mais de um palco, o evento não vai programar shows simultâneos – livrando assim os frequentadores de serem obrigados a escolher entre um show ou outro. As apresentações no Palco Laércio de Freitas (homenagem ao pianista e compositor paulista, que morreu em julho) vão durar de 40 a 60 minutos.  

Texto publicado no caderno de cultura do jornal "Valor Econômico"

Programação        

Sábado (28/9)
Roda de Choro (às 11h10), Irmãos e Brothers (às 12h25), Carol Panesi (às 13h40), Henrique Mota (às 14h55), Amaro Freitas (às 16h10), Scott Kinsey Group (às 17h40), Yamandu Costa Trio (às 19h10) e Dianne Reeves (às 20h30).

Domingo (29/9)
Morgana Moreno e Marcelo Rosário (às 11h15), Dani e Débora Gurgel Big Band (às 12h30), Octeta (às 14h), Brazú Quintê (às 15h05), Salomão Soares e Guegué Medeiros (às 16h15), Shai Maestro Trio (às 19h), Seu Jorge e Daniel Jobim (às 20h30).   

Ingressos e horários

Abertura dos portões: dia 28, às 11h; dia 29, às 11h

Onde: Memorial da América Latina - Acesso para o público pelo Portão 2, na Rua Tagipuru.

Ingressos: R$ 85,00

Onde comprar: 
https://spjw.byinti.com/#/event/UtXz3Q4u0vYLlfI3Cvrw



       
   

Bourbon Street Fest: clube paulistano celebra a diversidade musical de New Orleans

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                                                                       O trombonista Corey Henry, líder da banda Tremé Funket  

Após o longo hiato imposto pelo período mais dramático da pandemia, um dos principais e mais simpáticos festivais brasileiros de música reativa o formato que o consagrou. O Bourbon Street Fest estreia na próxima semana sua 18.ª edição, com três shows por noite, de quarta (21/9) a domingo (25/9), no clube homônimo paulistano. Já nas tardes de sábado e domingo (24 e 25/9), essa festa musical se estende até o Parque Burle Marx, a partir das 13h, com entrada franca.

Quem já teve a oportunidade de acompanhar alguma das edições anteriores desse festival sabe o quanto ele é original. Edgard Radesca e Herbert Lucas, produtores do Bourbon Street Music Club, costumam escolher as principais atrações desse evento na eclética cena musical de New Orleans, uma das cidades mais musicais do mundo. Localizada na região da Louisiana, no sul dos Estados Unidos, essa cidade realiza anualmente o New Orleans Jazz & Heritage Festival – um dos maiores festivais de jazz e música negra deste planeta.

Três dos artistas do elenco desta edição do Bourbon Street Fest já são conhecidos pela plateia de São Paulo: o conceituado saxofonista e compositor de jazz moderno Donald Harrison; o trompetista e cantor Leroy Jones, que cultiva o jazz tradicional ao estilo de New Orleans; e o acordeonista e cantor Dwayne Dopsie – expoente do zydeco, tradicional e dançante gênero musical da Louisiana.

Outras vertentes essenciais da música produzida em New Orleans estarão bem representadas por talentosos artistas em ascensão na cena musical dessa cidade: o neo-soul e o R&B da cantora e violonista Bobbi Rae, que terá a companhia do guitarrista brasileiro Igor Prado e sua banda Just Groove; o funk do trombonista Corey Henry, líder da energética banda Treme Funket; e o jovem tecladista e cantor Kevin Gullage, revelação do soul e do blues, com sua banda The Blues Groovers.

Conheça a programação completa do 18.º Bourbon Street Fest neste link:
fest.bourbonstreet.com.br/

Amazonas Green Jazz Festival: um espaço para mergulhar na música instrumental

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Um dos grandes festivais de jazz e música instrumental de nosso país, que mais enfatizam a educação musical e a formação de público, o Amazonas Green Jazz Festival criou para a edição deste ano o projeto Casa do Jazz. Esse espaço cultural estará aberto ao público da cidade de Manaus até este sábado (30/7), das 9h às 21h.

Com acesso gratuito, a Casa do Jazz fica ao lado do lendário Teatro Amazonas, no centro da capital amazonense. Ao entrar na primeira sala da exposição, o visitante já é apresentado a alguns dos instrumentos mais característicos desse gênero musical, como o saxofone, o trompete ou o trombone. Na sala Faça o Seu Som, os mais animados podem até se relacionar com alguns instrumentos.

A Casa do Jazz também oferece um espaço em que se pode circular pela réplica de um típico clube de jazz de Nova York. Os visitantes têm ainda a oportunidade de ampliar seus conhecimentos musicais, em uma sala dedicada às preciosidades sonoras de dois dos mais cultuados músicos do jazz moderno: o trompetista Miles Davis e o saxofonista John Coltrane, ambos também compositores.

Outro jazzista homenageado é o pianista e compositor Chick Corea, cuja música criativa serviu de inspiração para uma instalação de artes plásticas. “Queremos que os visitantes se sintam imersos no mundo do jazz”, diz Inês Daou, produtora do Amazonas Green Jazz Festival, que coordenou esse projeto.  


Pedro Gomes e Pipoquinha: Instrumental Sesc Brasil reúne craques do baixo

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                             Pedro Gomes e Michael Pipoquinha, em show do projeto Instrumental Sesc Brasil

Não é qualquer músico que teria a generosidade de convidar um colega (que poderia ser encarado como concorrente), para participar de seu show. Foi o que se viu ontem (10/5) na bela apresentação do baixista e compositor mineiro Pedro Gomes, que contou com a participação especial de outro jovem músico: o cearense Michael Pipoquinha, revelação na área da música instrumental, que tem colecionado elogios por onde toca seu baixo elétrico de seis cordas.

Um dos vencedores do Prêmio BDMG Instrumental 2021, Pedro veio acompanhado por um talentoso sexteto para sua estreia em São Paulo, em show da série Instrumental Sesc Brasil, no teatro do Sesc Consolação. São estes os seus atuais parceiros: Breno Mendonça (sax tenor e soprano), João Machala (trombone), Samy Erick (guitarra), Lucas de Moro (piano e teclado) e Paulo Fróis (bateria).

Num ato falho revelador, Pedro se referiu a algumas de suas composições instrumentais como “canções”, mas depois se corrigiu. No entanto, a evidente beleza das melodias de “Delicadeza” ou “Mosaico”, entre outros de seus temas autorais, certamente pode resultar em canções muito atraentes, se um dia ganharem versos escritos por um bom letrista.

“É incrível ver esse cara tocar”, elogiou Pedro, ao chamar Pipoquinha ao palco. Os olhares e sorrisos que os dois trocaram durante os improvisos confirmaram a admiração musical que um tem pelo outro. Se você não estava na plateia desse show, ontem, ainda pode assisti-lo no canal do Sesc no YouTube: youtube.com/instrumentalsescbrasil




 

Rádio: série sobre a cena musical de New Orleans estreia na Cultura FM

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                                                  Uma típica banda de metais, tocando no New Orleans Jazz Fest 

Quem costuma ler este blog já sabe que eu acompanho a cena musical de New Orleans há mais de duas décadas. Além de ser uma cidade apaixonante e diferente do resto dos Estados Unidos, ela promove um dos maiores festivais de música do mundo. Realizado desde 1970, o New Orleans Jazz & Heritage Festival não é só um imenso evento anual dedicado ao jazz. Sua missão é bem mais ampla: preservar a herança da música afro-americana e apresentá-la às novas gerações.

Depois de várias viagens a New Orleans, cheguei até a pensar em escrever um livro para registrar o essencial do que ouvi e conheci nessa cidade tão musical. Um convite da rádio Cultura FM (de São Paulo) permitiu que eu faça essa retrospectiva de uma maneira mais agradável: vou poder compartilhar com seus ouvintes minhas experiências musicais na cidade do grande Louis Armstrong.

Estreia neste domingo (7/11), às 14h, a série “New Orleans, Um Caldeirão Musical”, que estou escrevendo e vou apresentar durante as próximas semanas, na Cultura FM (103,3). Em 13 programas, vou traçar um painel de diversos estilos do jazz e de outros gêneros da música afro-americana cultivados nessa cidade da Louisiana, no sul dos Estados Unidos.

Para o programa de estreia preparei uma seleção de preciosas apresentações do Jazz Fest (é assim que os moradores de New Orleans se referem ao seu imenso festival de jazz e música negra), registradas em diversas edições. Quatro astros da cena musical de hoje nessa cidade estão no elenco desse episódio: o trompetista Kermit Ruffins e os cantores John Boutté, Irma Thomas e Germaine Bazzle.

Como não tenho a pretensão de narrar uma história musical de New Orleans, os programas dessa série serão temáticos. O segundo episódio é dedicado ao trompetista e cantor Louis Armstrong – o músico de New Orleans mais popular de todos os tempos.

No terceiro e no quarto episódio, vou focalizar famílias da cidade que se destacam em sua cena musical há décadas, como os Marsalis, os Nevilles ou os Bouttés. Já o quinto episódio será dedicado ao lendário pianista e cantor Professor Longhair e alguns de seus discípulos mais famosos, como Dr. John, James Booker e Henry Butler. E assim por diante.

Agradeço a Alexandre Tondella e Inez Medaglia, diretores da Cultura FM, pela oportunidade de realizar essa série com muito incentivo e liberdade. Aproveito a ocasião para dedicar esse projeto a amigos com os quais, desde 1998, já dividi muitas horas de prazer em festivais e shows em New Orleans: Ilana Scherl, Diego Rose, Eddy Pay, Beth Caetano, Ana & Paulo Olmos, Edgard Radesca, Herbert Lucas e Luiz Fernando Mascaro (em memória).

Além de acompanhar a série pela Cultura FM, ao vivo, os episódios podem ser ouvidos online, no site da rádio, onde ficam arquivados logo após a transmisssão, neste link: 
https://cultura.uol.com.br/radio/programas/new-orleans-um-caldeirao-musical/

Depois de serem exibidos, semanalmente, todos os episódios da série estarão disponíveis no site da emissora: https://cultura.uol.com.br/radio/




Sesc Jazz 2021: quinteto Pau Brasil festeja 40 anos, enfim, ao vivo

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                                                                          O quinteto Pau Brasil, em show no festival Sesc Jazz
                                      

A plateia foi chegando aos poucos, meio ressabiada. Em outras épocas, uma apresentação do brilhante quinteto Pau Brasil certamente teria lotado o teatro do Sesc Vila Mariana, provocando até uma descontraída balbúrdia, antes da abertura da sala. Ontem à noite, um sábado, o saguão de espera estava vazio. Outros como eu, que passaram cerca de 20 meses distantes dos shows ao vivo, por causa das necessárias restrições de enfrentamento da pandemia, também devem ter achado esse retorno um tanto estranho.

Já no teatro, um pouco mais de 50% das poltronas estavam cobertas por capas, indicando que as pessoas só poderiam se sentar nos lugares pré-determinados. Além dessa medida para garantir o necessário distanciamento social, vale lembrar, ao entrar na unidade do Sesc todos tiveram que mostrar seus certificados de vacinação contra a Covid-19 e estavam usando máscaras de proteção.

“Gente, que saudade disso tudo”, disparou o saxofonista Teco Cardoso, quebrando de vez o gelo, logo após uma fusão do samba-canção “No Rancho Fundo” (de Lamartine Babo e Ary Barroso) com a clássica “Ária da Bachiana n.º 4”, de Heitor Villa-Lobos. Foi com essa inusitada associação musical que Teco, o pianista Nelson Ayres, o baixista Rodolfo Stroeter, o violonista Paulo Bellinati e o baterista Ricardo Mosca -- evidentemente emocionados -- abriram o show, incluído na programação do festival Sesc Jazz.

“Tocar para celular é horrível. E assistir ‘live’ de pijama, em casa, vocês também não aguentavam mais, não é?”, seguiu Teco, provocando mais risos. E ao comentar que o quinteto está comemorando 40 anos de atividade musical, o bem-humorado saxofonista fez até seus parceiros rirem de si mesmos. “Depois da pandemia tomamos uma decisão muito sábia. A gente não tem mais produtora, agora temos cuidadora”.

Pronto! Após uma explosão geral de risadas, já estávamos mais à vontade para nos deliciarmos com uma combinação de clássicos e belezas do repertório que o grupo acumulou durante essas quatro décadas, como o contagiante “Caixote” (xote de Ayres), a criativa releitura jazzística de “O Pulo do Gato” (composição de Bellinati) ou a lírica “Cidade Encantada” (de Nelson e Milton Nascimento).

E a festa musical não parou por aí. Também entrou no repertório material mais recente que o quinteto paulistano já tinha experimentado em alguns shows. Além do samba “Levada da Breca” (parceria de Rodolfo com seu filho baixista Noa Stroeter), o baião “Juazeiro” (de Luiz Gonzaga) ganhou como introdução a delicada “Aboio” (outra de Rodolfo e Noa), com Teco ao sax alto e ao pífano.

Que bela noite para se comemorar o tão esperado retorno dos shows ao vivo, em São Paulo. Salve o Pau Brasil! Salve o Sesc Jazz!

Esse show foi gravado e está disponível online neste link:
https://www.youtube.com/watch?v=14arLXs65DE&t=4497s





Criasom: evento sobre economia criativa da música prossegue com conversas e shows

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                                                       O trio do guitarrista Igor Prado, no Bourbon Street Music Club  

Gratuito e transmitido online pelo YouTube, o evento Criasom dá sequência, nesta semana, à sua extensa programação de conversas a respeito da economia criativa, com foco no segmento da música ao vivo.

Hoje (8/3), às 20h, o entrevistado é Edgard Radesca, proprietário e diretor do Bourbon Street Music Club, o maior clube de jazz e música negra do país. Em conversa com o jornalista Eugênio Martins Jr. (criador e produtor do evento), Radesca vai abordar temas como a gestão de um clube de música, realização de festivais e turnês de shows.

O evento prossegue nesta terça (9/3), no mesmo horário, com o empresário e produtor artístico Cajaíba Jr., que vai narrar suas experiências nas áreas da gestão de carreiras musicais e produção executiva de shows. O tema da gestão de carreira também será discutido por dois craques da cena do blues no país: o guitarrista Igor Prado (na quarta, 10/3) e o gaitista Flávio Guimarães (na quinta, 11/3). Prado também vai tocar com sua banda Just Groove, em uma live, na sexta (12/3).

Já no dia 16/3 (terça), vou conversar com Eugênio Martins Jr. sobre o jornalismo cultural em nosso país, além de outros temas relacionados, como a cobertura de festivais de jazz e blues no Brasil e no exterior.

A programação completa do Criasom você encontra no blog do Eugênio: o Mannish Blog.

E para acompanhar as entrevistas e lives do evento, clique neste link:
https://www.youtube.com/user/eugeniomjrgmail/aboute



Clubes na pandemia: JazzB e JazzNosFundos fazem campanha para não fechar

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                                                                           A Nelson Ayres Big Band, em show no clube JazzB

A cidade de São Paulo corre o risco de perder dois de seus palcos mais ativos, na veiculação do jazz e da música instrumental brasileira. Sem apresentações desde o início da quarentena (em março), os clubes JazzNosFundos e JazzB tiveram que recorrer a uma campanha de financiamento coletivo para não fechar as portas definitivamente.

As contribuições podem ser feitas por meio da plataforma Benfeitoria, até 29/11, no site benfeitoria.com/jazz. Entre as diversas recompensas para quem colaborar há placas com os nomes dos benfeitores, uma obra de arte de arte de Máximo Levy (fundador do JazzNosFundos), vinhos e camisetas.

“Durante todos esses meses, trabalhamos nos bastidores vendendo o estoque de bebidas, procurando por parceiros, tentando linhas de crédito em instituições públicas e privadas, submetendo projetos em editais, produzindo conteúdo on-line, mas sem sucesso”, explica Levy. “Agora chegamos no nosso limite e precisamos de ajuda para não só encerrar os pagamentos que iniciamos em março, mas também para continuar nosso sonho”.

Jazzistas de prestígio no cenário internacional, como a clarinetista israelense Anat Cohen, o guitarrista americano Mike Moreno e a cantora francesa Camille Bertaut já se apresentaram nesses clubes, assim como craques do instrumental nacional, como Hamilton de Holanda, Nelson Ayres, André Mehmari e Toninho Horta. Sem esses dois palcos paulistanos, centenas de músicos vão perder espaço para exibirem seus trabalhos.  

Bourbon Street: clube paulistano reabre com Nuno Mindelis, em tributo a B.B. King

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                                                                                                        O guitarrista e bluesman Nuno Mindelis 

Uma notícia animadora para os paulistanos apreciadores do blues, do jazz e da black music, que já estavam com saudades de um bom show ao vivo, depois de tantos meses trancafiados por causa da quarentena. O Bourbon Street Music Club, uma das melhores casas do gênero na América Latina, reabre nesta quinta-feira (dia 15/10), de cara nova.

A charmosa casa noturna, que já existe há quase 27 anos, no bairro de Moema (zona sul de São Paulo), ganhou um novo espaço: o Bourbon Street Jazz Café, que vai funcionar também durante o dia. Com um ambiente mais claro e arejado por quatro janelões, esse café será integrado à calçada da rua dos Chanés, que já sediou várias edições do Bourbon Street Fest.

A atração da noite de reinauguração será o guitarrista e bluesman angolano Nuno Mindelis, que vai apresentar uma homenagem ao grande B.B. King (1925-2015), com participação do guitarrista Tuco Marcondes. A escolha tem tudo a ver com a história da casa: além das várias temporadas de shows que liderou no Bourbon Street, o lendário “rei do blues” também a inaugurou, em 1993.

Entre as atrações deste mês, no Bourbon Street, destacam-se: o cantor Tony Gordon (16/10); o cantor e violonista Toquinho (com Camila Faustino e Nailor Proveta, dia 17/10); André Frateschi & Miranda Kassin (18/10); o trombonista Joabe Reis (22/10); a banda Serial Funkers (24/10); e “Elis e Eu”, talk show de João Marcelo Bôscoli (25/10).

Reservas pelo tel. (11) 5095-6100

Duofel: após 42 anos juntos, Luiz Bueno e Fernando Melo anunciam fim da dupla

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Afastados há quase seis meses por causa da pandemia, os violonistas Fernando Melo e Luiz Bueno anunciaram o final do Duofel – uma das parcerias mais longevas e inventivas da música instrumental brasileira. A despedida oficial será nesta sexta (31/7), às 20h, em uma “live” transmitida pelo YouTube.

Confesso que fiquei surpreso e triste ao saber dessa notícia. Acompanho o Duofel desde o início dos anos 1980, quando ainda era estudante de música. Além do alto quilate das composições e da criatividade dos arranjos da dupla, a empatia que Fernando e Luiz revelam dentro e fora dos palcos sempre chamou minha atenção, nos vários shows que assisti e nas entrevistas que já fiz com eles.

Por isso, fico pensando que, apesar de essa “live” ter sido anunciada com o aparentemente definitivo título “The End”, o suposto adeus tem grandes chances de ser apenas um “até breve”. Uma separação como essa seria um imenso desperdício musical. Não vou perder a “live” de amanhã, naturalmente, mas já estou esperando ver o Duofel de volta aos palcos, em 2021, para comemorar seus 43 anos.





Noa Stroeter: baixista do Caixa Cubo Trio exibe seu trabalho autoral no álbum "Prece"

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Conhecido na cena atual da música instrumental brasileira como contrabaixista do Caixa Cubo Trio, Noa Stroeter encara agora, com mais intensidade, o desafio do trabalho autoral. Em “Prece”, seu primeiro álbum solo, ele assina todas as composições e lidera um quinteto que inclui outros talentosos instrumentistas de São Paulo. 

“Essas músicas são meio autobiográficas, tentam contar algumas coisas que fazem parte da minha história”, revela o instrumentista paulistano, hoje com 32 anos. Seu interesse pela composição musical foi acentuado durante os seis anos em que frequentou como bolsista a graduação e o mestrado no Conservatório Real de Haia, na Holanda.

Além do contato mais próximo com a música clássica, viver na Europa lhe proporcionou um ponto de vista diferente do Brasil. “Essa experiência de poder olhar de longe o lugar onde nasci e cresci foi engrandecedora, porque na Europa nossa música é respeitada de uma maneira muito diferente comparada à que se encontra no Brasil. Perceber essa afinidade do povo europeu com a música brasileira me deu confiança para afirmar minhas raízes e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de encontrar o que é essa raiz em mim”, reflete Noa.

Constatar que a cultura brasileira é reverenciada na Europa, com um olhar focado principalmente na bossa nova e na batucada, trouxe um desafio ao compositor. “Perceber isso provocou em mim a necessidade de produzir um material que proponha uma visão diferente do músico e da música brasileira. A busca de como posso trazer essa característica para o meu trabalho foi e talvez ainda seja meu maior estímulo para criar", completa o compositor.

A ligação de Noa com o contrabaixista e produtor Rodolfo Stroeter – seu pai, que dividiu com ele a produção deste trabalho – também inspirou a faixa que dá título ao álbum. “Prece” começa com um emotivo solo de contrabaixo à capela, que evolui para a sensível melodia tocada pelos sopros. “É uma carta de amor, que se refere à benção de ser filho dele”, comenta Noa. Sentimental também é “Dinda”, bela composição do contrabaixista dedicada a seu avô paterno, que abre o disco.

Foi na Holanda que nasceu a lírica “Ornitorrinco e Tatu”, composição de Noa já gravada pelo grupo Batanga & Cia, em 2018. Idealizada originalmente para um quarteto de saxofones, ela foi adaptada para a nova formação. O compositor a criou pensando em seu irmão caçula, que tinha cinco anos na época. “Kim estava estudando os bichos, na escola, e criou junto com meu pai uma história em quadrinhos. Os heróis eram um ornitorrinco e um tatu”, relembra.

Já a romântica “Isis” traz uma surpresa para o ouvinte. Noa a dedica à sua companheira, cuja “envolvente variação de humor” (em suas palavras) transparece na estrutura da composição. A delicada melodia da introdução, tocada pela flauta, é seguida pelo característico ritmo de marcha-rancho, marcado pelo baterista Vitor Cabral. Bem popular na MPB dos anos 1950 e 1960, infelizmente, esse ritmo foi deixado de lado pelos compositores, com o passar do tempo.

Também não poderia faltar um samba-jazz, uma das referências musicais do Caixa Cubo Trio (vale lembrar que antes de lançar os álbuns “Misturada”, “Enigma” e “Saturno”, o grupo já havia gravado dois discos como duo). No contagiante “Beco das Garrafas”, o piano elétrico de Marcos Romera empresta uma sonoridade mais contemporânea à tradicional instrumentação do quinteto de jazz, com trompete, sax tenor, contrabaixo e bateria. Bem jazzístico também é “Veridiana”, tema em ritmo ternário, que destaca intervenções de Josué dos Santos, ao sax tenor, e Daniel D’Alcântara, ao flugelhorn.

Outra surpresa vem em “Varanda”, um bolero à Henri Mancini, um dos heróis musicais de Noa, inspirado na atmosfera boêmia de decadentes bares do centro de São Paulo. No saboroso arranjo, o ritmo de bolero se transforma em cha-cha-chá. Vale notar que o som volumoso do sax tenor e a surdina do trompete remetem a sonoridades das dançantes orquestras dos anos 1950.

Pergunte a Noa, como fiz, quais são suas maiores influências e vai receber uma lista um tanto inusitada. Ao lado de grandes compositores da música clássica, como Claude Debussy e Sergei Rachmaninnof, mestres da música brasileira, como Dorival Caymmi e Nelson Cavaquinho, ou ainda jazzistas do primeiro time, como Duke Ellington e Charles Mingus, poderão estar o pintor Pablo Picasso e o cineasta Martin Scorsese.

“Seja o que for aquilo que um artista procura em sua arte, o mais importante é a busca e o processo de afirmar sua própria voz, encontrar sua maneira de se expressar artisticamente. Nessa busca não tem atalhos nem fórmula mágica, ela vem conforme nos dedicamos todo dia a ela, com paciência e muito amor. É uma busca por viver uma vida da maneira mais artística possível”, reflete o músico.

Além do alto quilate da música autoral que Noa exibe neste álbum, ao ouvi-lo definir sua filosofia artística com toda essa sabedoria, não tenho dúvida alguma de que ele está no caminho certo.






Zerró Santos: baixista comanda 'Tarde de Jazz', com shows gratuitos em São Paulo

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                                                               O contrabaixista Zerró Santos e o trombonista Bocato 

Uma dica para os fãs do jazz e da música instrumental, que vivem na cidade de São Paulo. Zérró Santos, contrabaixista e arranjador paraense que já dividiu palcos e gravações com grandes músicos brasileiros (de Johnny Alf a Paulo Moura), está à frente do recém-lançado projeto "Tarde de Jazz no Javari StrEat Park".

Ontem, no segundo show dessa série mensal, Zerró trouxe como convidado especial o trombonista Bocato, craque da cena instrumental paulistana, além dos jovens Fernando Amaro (bateria) e Igor Bollos (guitarra). No repertório desse quarteto, pérolas do jazz moderno, como “Footprints” (Wayne Shorter), “Maiden Voyage” (Herbie Hancock) e “Tenor Madness” (Sonny Rollins), em releituras que, em alguns momentos, ganharam intensidade e levadas típicas do rock.

O Javari StrEat Park 
 um descontraído espaço de 850m², que fica em frente ao estádio do Clube Atlético Juventus, no bairro paulistano da Moóca — define-se como uma “balada de família”. Sem cobrança de ingresso, nem couvert artístico, oferece música ao vivo de graça, bar com cardápio de cervejas e drinques, além de foodtrucks que servem pizzas e hamburgers.

O próximo show da série Tarde de Jazz está agendado para o último sábado de março (28/3), das 17h às 21h. Segundo Zerró Santos, o convidado especial será o conceituado baterista e compositor Duda Neves. Ouvir músicos desse quilate, de graça, é um privilégio.

Mais informações sobre o Javari Streat Park: 
facebook.com/javaripark/


Duduka da Fonseca Trio: tocante homenagem a Dom Salvador, no clube Bourbon Street

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                                                             O baterista Duduka da Fonseca e baixista Guto Wirtti   

A relação entre músicos de diferentes gerações, especialmente no universo do jazz, costuma chamar minha atenção. A admiração que um instrumentista tem por outro mais experiente, que lhe apontou caminhos musicais ou até mesmo o incentivou a se tornar músico profissional, lembra a relação de um discípulo com seu mentor. Quem teve a sorte de conviver com um(a) professor(a) muito especial, que abriu seu horizonte intelectual ou lhe deu o estímulo que faltava para abraçar uma carreira até então inusitada, sabe do que estou falando.

Voltei a pensar nisso durante a apresentação do Duduka da Fonseca Trio, no último domingo (10/11), no clube Bourbon Street, em São Paulo. Grande baterista carioca, radicado em Nova York desde 1975, Duduka aprendeu a tocar acompanhando discos de jazzistas americanos e brasileiros. Por isso, em 1980, quando o pianista e compositor paulista Dom Salvador (pioneiro do samba-jazz, que também já vivia em Nova York) o chamou para substituir o baterista de seu grupo, Duduka, já próximo dos 30 anos, brincou com ele: “Eu toco com você desde os meus 14 anos”. Ali começou uma parceria e uma amizade de quatro décadas, que prossegue até hoje.   


Duduka narra esse episódio no encarte do excelente álbum que gravou em 2018, com 11 composições de Dom Salvador. Nas gravações de “Duduka da Fonseca Trio Plays Dom Salvador” (CD lançado pelo selo Sunnyside), ele já tinha a seu lado o pianista David Feldman (na foto ao lado) e o baixista Guto Wirtti, jovens craques da cena jazzística carioca, que também o acompanharam no Bourbon Street.

Entre várias belezas musicais, os três tocaram “Retrato em Branco e Preto” (de Tom Jobim e Chico Buarque) e “Waiting for Angela” (Toninho Horta), mas a maior parte do repertório do show saiu mesmo do disco dedicado a Dom Salvador: composições como “Gafieira”, “Farjuto” e “Samba do Malandrinho”, que trazem a assinatura rítmica do original pianista de Rio Claro (SP), além da sensível balada “Mariá”, que ele dedicou à sua esposa.

A admiração que Duduka revela ao anunciar as composições de Salvador é inspiradora. Nestes tempos em que o ódio e a violência parecem ter se tornado tão comuns em nosso cotidiano, a homenagem de um músico a outro de uma geração anterior (numa área profissional em que também há muita competição) soa como uma lição de fraternidade e amor. Uma noite especial para quem estava na plateia do Bourbon Street.



Sesc Jazz: festival paulista reverencia a arte do saxofonista Gary Bartz

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                                                                             O saxofonista Gary Bartz e o pianista Barney McCall 

Em mais uma noite do festival Sesc Jazz, ontem (20/10, no teatro do Sesc Pompeia, em São Paulo), o saxofonista e compositor norte-americano Gary Bartz foi logo avisando à plateia que não costuma interromper seus shows para receber aplausos, nem mesmo para anunciar a próxima música do repertório.

O veterano jazzista não estava brincando. Só interrompeu o show depois de tocar por mais de uma hora, para recuperar o fôlego. Então trocou o sax alto pelo soprano e anunciou uma pérola de seu repertório naquela noite: “Si Tu Vois Ma Mère” 
 a  singela composição de Sidney Bechet, pioneiro do jazz de New Orleans, que Woody Allen resgatou na trilha sonora de filme “Meia-Noite em Paris” (de 2011).

Em seguida, tocou um trecho da melodia de “Ponta de Areia” (de Milton Nascimento), que provocou sorrisos na plateia. Pouco depois veio “Just Friends”, clássica canção americana que os jazzistas tocam com frequência (não à toa gravada por Charlie Parker, o genial saxofonista cuja influência levou Bartz a adotar esse instrumento). Não faltaram também canções compostas pelo próprio Bartz, como “I’ve Known Rivers” e “Precious Energy”, que ele mesmo cantou.

É bem provável que grande parte da plateia estava ali ouvindo Bartz pela primeira vez e que tenha se interessado por ele ao saber de sua parceria com Miles Davis, ainda no final dos anos 1960. Embora seja muito menos conhecido que seu antigo parceiro, Bartz também tocou com outros gigantes do jazz, como Art Blakey, Charles Mingus, Eric Dolphy, McCoy Tyner e Max Roach 
 seu currículo musical é capaz de deixar qualquer jazzista com inveja.    

O que importa mesmo é que Bartz e seus talentosos parceiros – Barney McCall (piano), James King (contrabaixo) e Francisco Mella (bateria) 
 cativaram a plateia durante duas horas de show, sem recorrer a um repertório mais conhecido. Ver um músico de 79 anos exercer seu ofício com tanta dedicação e respeito por sua plateia é algo estimulante.

Sesc Jazz: Gismonti encanta plateia paulista e anuncia álbum com clássicos da MPB

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                                                                 O pianista e compositor Egberto Gismonti

Ontem, ao assistir ao emocionante show de Egberto Gismonti (no festival Sesc Jazz, em São Paulo), fiquei pensando como tive sorte. Pertenço a uma geração que cresceu e amadureceu acompanhando de perto os discos e os shows de Gismonti, Hermeto Pascoal, Paulo Moura, Naná Vasconcelos, Victor Assis Brasil, Cesar Camargo Mariano, Pau Brasil, Cama de Gato e Duofel, entre tantos outros – para ficar apenas no campo de nossa preciosa música instrumental, que tantas belezas produziu desde os anos 1960.

Ao lado do filho Alexandre, talentoso violonista, Gismonti ofereceu à plateia do Sesc Pompeia, praticamente, uma síntese de sua obra musical. Alternando o violão e o piano, como gosta de fazer, sugeriu novas relações entre algumas de suas composições mais conhecidas, misturando-as em inventivas fusões. Também surpreendeu a plateia com belíssimas releituras de “Carinhoso” (talvez a mais emotiva e original versão do choro-canção de Pixinguinha que já ouvi até hoje) e “Retrato em Branco e Preto” (de Tom Jobim e Chico Buarque).

Não bastassem esses dois presentes musicais, Gismonti também revelou durante o show que já está gravando há algum tempo, na Europa, um álbum com releituras de clássicos da música popular brasileira que aprecia. Segundo ele, a sugestão partiu de Manfred Eicher, o produtor do selo alemão ECM, para o qual Gismonti tem gravado desde “Dança das Cabeças”, o cultuado disco que fez em duo com Naná Vasconcelos, em 1976.

Já ao final da noite, ao retornar ao palco, atendeu dois pedidos de bis entre os muitos que partiram da plateia. Primeiro, tocou a lírica “Palhaço”, uma de suas composições mais populares. Depois, uma versão instrumental de “Água e Vinho”, canção cheia de melancolia do seu álbum homônimo de 1972, que encantou muita gente de minha geração. Num país mais sério do que este, um músico do quilate de Gismonti seria homenageado diariamente.



Jazzmeia Horn: cantora e compositora é herdeira de grandes vozes do jazz

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                                               A vocalista Jazzmeia Horn - Foto de Jacob Blickenstaff/Divulgação  

Os apreciadores do jazz ainda não tinham visto e ouvido, nesta década, uma vocalista jovem tão surpreendente e bem-dotada como ela. Depois de vencer a competição do conceituado Instituto Thelonious Monk, em 2015, a cantora Jazzmeia Horn vem excitando plateias com seus improvisos vocais. Na próxima semana, fará suas primeiras apresentações no Brasil: dia 10 (quinta), no Teatro Bradesco, em São Paulo; e dia 11 (sexta), no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

“Penso que estou dando continuidade a um legado, a uma tradição familiar”, diz a vocalista e compositora de 28 anos, que cresceu em uma igreja batista de Dallas, no Texas, cujo pastor era seu avô. Jazzmeia acredita que a avó, organista, lhe transmitiu o dom musical ao sugerir seu inusitado nome de batismo. Embora adorasse jazz e blues, a avó não pôde se dedicar à música não religiosa por ser a primeira dama da igreja.

Foi só na adolescência que Jazzmeia descobriu e se envolveu com o jazz. “Eu pensava que o jazz era música de gente velha, porque os jovens que eu conhecia só ouviam hip hop e r&b. Isso aconteceu porque as rádios americanas, com exceção de poucas emissoras especializadas, deixaram de tocar jazz. Se não tivessem discos de jazz nas casas de suas famílias, os jovens de minha geração não podiam ouvir jazz”.

Jazzmeia tinha 14 anos, quando recebeu de um professor um CD com gravações de diversos cantores e músicos de jazz. Fascinada pelos sofisticados vocais de Sarah Vaughan (1924-1990), passou meses ouvindo os discos dessa grande intérprete, para reproduzir seu “scat singing” (maneira improvisada de cantar, usando sílabas sem sentido). Com o tempo percebeu que ouvir solos de instrumentistas também poderia inspirá-la no desenvolvimento de seu próprio estilo vocal.

“Gosto de saxofonistas, mas tenho uma coisa especial com os trompetistas”, brinca a cantora, ao explicar que sua afinidade musical com o trompete tem a ver com o timbre e a sonoridade desse instrumento, além da extensão melódica. “Para mim é bem mais fácil cantar as mesmas notas de um trompete do que, por exemplo, cantar as notas de um saxofone. Além disso, adoro a liberdade e a fluidez que o trompete oferece para se improvisar”, afirma.

Depois da obsessão inicial por Sarah Vaughan, Jazzmeia ampliou suas paixões e referências vocais. Em seus dois álbuns, “Social Call” (2017) e o recém-lançado “Love and Liberation”, não é difícil perceber influências de outras grandes cantoras do gênero no passado, como Betty Carter, Ella Fitzgerald e Abbey Lincoln. Outra marcante influência vem de Rachelle Ferrell, cantora de jazz e R&B com um estilo vocal bastante original, que Jazzmeia não esconde ser a sua favorita.

“Quando a ouvi cantar pela primeira vez, fiquei chocada. Não só pela habilidade dela ao fazer tudo que consegue fazer com a voz, mas também pelo uso do corpo. Adoro sua presença no palco, a intimidade que ela estabelece com a plateia e a maneira como se comunica com seus músicos. Tudo isso em um pacote completo. Uma pena que Rachelle não tenha recebido todo o reconhecimento que merece. Ela me inspirou tremendamente”, afirma.

O repertório de Jazzmeia não se limita ao material mais clássico do jazz. Além de eventuais composições próprias, ela combina releituras bem pessoais de standards, como “East of the Sun (West of the Moon)” ou “I Remember You”, com pérolas de grandes jazzistas, como “Tight” (Betty Carter), “Moanin’” (Bobby Timmons) e “Afro Blue” (Mongo Santamaria). Ou ainda versões de sucessos da soul music e do r&b, como “People Make The World Go Round” (do grupo vocal Stylistics) ou “I’m Going Down” (da cantora Mary J. Blige).

“Quando seleciono uma canção, o que mais me atrai de imediato é o ‘feeling’ (sentimento). Nada a ver com os versos, nada a ver com a melodia, mas principalmente com o que eu sinto ao ouvi-la”, diz a cantora, justificando suas escolhas. “Se a canção me dá vontade de dançar, se ela é positiva ou transmite felicidade, é bem provável que eu a escolha na hora, mas isso varia. Às vezes alguma coisa especial na letra de uma canção também pode me estimular a cantá-la”.

Dizendo-se “muito feliz” por ter sua primeira oportunidade de conhecer o Brasil, ela surpreende ao revelar que pratica capoeira, além de ter feito parte de um grupo de maracatu durante três anos, no descolado bairro do Brooklyn, em Nova York. “Essa viagem é muito importante para mim, porque vou poder conhecer melhor a capoeira e o maracatu no lugar onde nasceram”, festeja a cantora, que já reservou alguns dias para conhecer a Bahia.

Jazzmeia Horn
Dia 10/10 (quinta), às 21h, no Teatro Bradesco, em São Paulo. Ingressos de R$ 50 a R$ 260
Dia 11/10 (sexta), às 20h, no Theatro Municipal, no Rio de Janeiro. Ingressos de R$ 80 a R$180

(Texto publicado no caderno cultural do jornal "Valor", em 4/10/2019)



Madeleine Peyroux: cantora americana aborda distopias da era Trump em suas canções

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                                                     A cantora Madeleine Peyroux - Foto: Yann Orhan - Divulgação

Os fãs da cantora americana Madeleine Peyroux já tiveram algumas oportunidades de ouvi-la em palcos brasileiros durante esta década. Seu timbre vocal e sua maneira particular de entoar os versos das canções chamaram atenção, na segunda metade dos anos 1990, pela semelhança com Billie Holiday (1915-1959), a mais cultuada intérprete do universo do jazz. Madeleine volta a se apresentar em cinco capitais do país, de 12 a 22 de setembro.

Desta vez ela traz no repertório canções do disco que, na opinião de alguns críticos, é o mais maduro e antenado com seu tempo entre os oito álbuns de estúdio que já lançou. Tratando-se de uma intérprete conhecida pelo tom intimista ou mesmo confessional das canções que compõe ou escolhe para suas gravações e shows, chega a ser surpreendente o fato de algumas faixas de seu álbum “Anthem” (lançado pela gravadora Verve no final de 2018) terem sido influenciadas pelo ambiente político nos Estados Unidos durante os meses que culminaram com a eleição de Donald Trump.

“Começamos a compor material para um novo álbum em fevereiro de 2016 e, já em novembro, Trump foi eleito para a presidência”, relembra a cantora. “Quando ele assumiu o cargo, no início de 2017, liguei para (o produtor e parceiro) Larry Klein e disse a ele que só precisava fazer mais uma canção para começarmos a gravar um disco. Sem dúvida, Trump foi uma das razões para que esse álbum existisse”.

A arte gráfica de “Anthem”, primeiro disco de Madeleine sem sua imagem na capa, já sugere que ele traz algo de diferente em relação aos trabalhos anteriores da cantora. Dispostas de maneira simbólica na capa, uma faixa vermelha, uma branca e outra azul receberam um efeito de desfoque, como se a bandeira norte-americana tivesse sido desfigurada. Em entrevistas, na época do lançamento do álbum, Madeleine disse que essa foi uma maneira que encontrou para provocar debates.

“Eu queria questionar o significado de democracia para as pessoas e perguntar o que poderíamos fazer para mantê-la”, justifica a cantora, ressaltando que, por outro lado, em momento algum pensou em abordar temas políticos como esse nas novas canções, de maneira literal. Nos shows que fez nos Estados Unidos ao longo de 2016, durante o período da campanha eleitoral e dos debates entre os candidatos, ela sentiu que sua relação com as plateias começou a mudar bastante. “Tornou-se mais íntima e profunda de uma maneira que jamais senti antes”, avalia.

Mesmo sinalizando a preocupação de Madeleine e seus parceiros (David Baerwald, Larry Klein, Brian McLeod e Patrick Warren) com as aberrações da disruptiva era Trump, as canções de “Anthem” estão longe de soar panfletárias, nem oferecem lições típicas de obras de autoajuda. A letra da agridoce “On My Own”, que abre o álbum, parece projetar para um futuro muito próximo um ser humano autocentrado, hostil e completamente solitário. Já a bem-humorada “Down on Me” aborda com leveza e alguma ironia o problema das perdas financeiras enfrentadas por parte da população americana, que viu seus empregos serem extintos em função de mudanças tecnológicas.

Curiosamente, ao ouvir um elogio à qualidade de sua safra atual de canções, Madeleine revela um grau de autocrítica inesperado para uma artista que já compõe a maior parte do material que grava há mais de uma década. “Em geral, eu acho que minhas canções não são tão boas quanto outras que já cantei, mas continuo tentando. Preciso expressar certas coisas que eu sinto, coisas que fazem parte de minha vida. Isso me estimula a seguir compondo, mesmo que, como cantora, eu não goste muito delas”, confessa.

Talvez seja também uma questão de ambição artística, porque ao escolher material de outros autores para acompanhar as dez canções que ela e seus parceiros fizeram para esse disco, Madeleine revela seus altos padrões. “Anthem”, a bela canção que empresta seu título ao álbum, foi composta pelo poeta e cantor canadense Leonard Cohen (1934-2016). Gravada originalmente por ele no álbum “Future” (1992), essa canção traz na letra dois versos (“Há uma rachadura em tudo /É assim que a luz penetra”), que parecem escritos sob encomenda para transmitir um raio de esperança em tempos tão sombrios.

Outro cultuado poeta, o surrealista francês Paul Éluard (1895-1952), é o autor de “Liberté”, poema que escreveu durante a ocupação da França pelos nazistas, na Segunda Guerra Mundial. Musicados por Madeleine, os versos desse poema são cantados por ela, no álbum, em francês. “Originalmente, Éluard o escreveu como um poema de amor para sua companheira, mas acabou percebendo que ele se tornou um protesto pela liberdade”, comenta a cantora.

Incluída no CD como faixa-bônus, “Last Time When We Were Young”, clássico da canção americana que Harold Arlen e E.Y. Harbug compuseram em 1935, ganhou um arranjo moderno e um quê de bossa nova, reforçado pelo solo de Chris Cheek ao sax tenor, que lembra a sonoridade de Stan Getz (o parceiro americano de João Gilberto, em clássicas gravações do gênero). A interpretação de Madeleine, delicada e melancólica, prova que a influência de Billie Holiday já não a assombra mais.

Voltando ao trabalho de composição, segundo Madeleine, a parceria com o produtor Larry Klein, iniciada em 2009 no seu quarto álbum (“Bare Bones”), a ajuda bastante a transformar suas ideias em canções. “Ele tem sido um cara muito especial nessa parceria, porque sempre abriu muito espaço para ouvir minhas ideias. Larry é bastante crítico, o que me agrada, porque eu também sou. Ele gosta de diversos tipos de música, como eu, e possui uma mente bem aberta. Temos muito em comum”.

Na lista de 17 músicos que participaram das gravações de “Anthem”, há uma surpresa: o nome da cantora e compositora paulistana Luciana Souza. Radicada desde os anos 90 nos Estados Unidos, onde desenvolve uma carreira muito bem-sucedida no segmento do jazz, ela é creditada no disco como percussionista 
 outro talento que costuma exibir nos palcos. “Sou fã de Luciana há muito tempo, antes mesmo que ela e Larry se casassem. Adoro os discos dela”, elogia a americana. 

Ao ouvir que as referências às distopias da era Trump, presentes em algumas de suas canções mais recentes, podem soar familiares às plateias brasileiras, Madeleine concorda e se revela otimista. “Sim, acho que isso pode acontecer, porque muitas das canções que escrevemos são universais. Eu sinto por vocês terem que lidar com Bolsonaro no Brasil, assim como eu lamento a vitória de Trump ou lamento o Brexit. Mas eu penso que, se nos mantivermos unidos, podemos superar tudo isso”. 


(Texto publicado no caderno de cultura do "Valor Econômico", em 6/9/2019) 

A turnê de Madeleine Peyroux pelo Brasil: 
Porto Alegre: dia 12/9, às 21h, no Auditório Araújo Viana
Curitiba: dia 13/9, às 21h, no Teatro Guaíra
São Paulo: dia 14/9, às 22h, no Tom Brasil
Belo Horizonte: dia 20/9, às 21h, no Palácio das Artes
Rio de Janeiro: dia 21/9, às 20h30; e dia 22/9, às 20h, no Theatro Municipal








Seamus Blake: saxofonista até cantou em português na sua primeira turnê brasileira

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                          O saxofonista Seamus Blake, com Vinicius Gomes (guitarra) e Bruno Migotto (baixo) 

Em sua primeira turnê pelo Brasil, o saxofonista Seamus Blake se apresentou ontem à noite (14/8), no auditório do Sesc Pinheiros, em São Paulo, depois de tocar no Savassi Festival, em Belo Horizonte (MG). A seu lado também estava o quarteto do guitarrista Vinicius Gomes, que inclui outros talentosos músicos da cena instrumental paulistana: Edu Ribeiro (bateria), Bruno Migotto (contrabaixo) e Gustavo Bugni (piano).

Inglês crescido no Canadá, Blake radicou-se em Nova York, onde conquistou prestígio como integrante da Mingus Band, além de tocar ao lado de craques do jazz, como John Scofield e Dave Douglas. Versátil, mostrou no show de ontem que, além de ser um improvisador enérgico e criativo, também é um compositor inspirado, ao exibir sua balada “Gracia” e o jazzístico samba “Betty in Rio” (cuja harmonia ele assume, sorrindo, ter emprestado de “Along Came Betty”, conhecida composição do saxofonista Benny Golson).

Declarando-se fã da música brasileira, Blake mencionou Tom Jobim e João Gilberto entre seus favoritos. E surpreendeu a plateia do Sesc ao cantar, em português, sua canção “A Beleza que Vem”. Tomara que essa breve turnê do saxofonista e compositor 
 que também vai comandar um workshop nesta sexta-feira (16/8), às 14h, no auditório da EMESP Tom Jobim, em São Paulo  seja a primeira de uma série.



 

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