Chico Pinheiro: unindo a sofisticação da canção brasileira com a liberdade do jazz

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Não é à toa que a carreira de Chico Pinheiro tem crescido no exterior. “Flor de Fogo” (lançamento Atração), o quarto álbum desse talentoso violonista e compositor paulista, mostra que sua obra combina com elegância o melhor de dois mundos musicais: a sofisticação melódica e harmônica da moderna canção brasileira com a liberdade e a improvisação do jazz.

Os vocais da cantora norte-americana Dianne Reeves, na romântica “There’s a Storm Inside” ou na inventiva releitura de “Buritizais” (composição do disco de estréia de Pinheiro), reforçam o tom jazzístico desse projeto. Por outro lado, há também a voz suave e emotiva de Luciana Alves, que acentua o lirismo das canções “Recriando a Criação” e “A Sul do Teu Olhar”.

E não bastassem os criativos improvisos e arranjos de Pinheiro, ele revela ter evoluído como vocalista, ao interpretar a jazzística balada “Our Love Is Here to Stay” (de Gershwin) ou o gingado samba “Boca de Siri” (parceria com Paulo César Pinheiro), entre outras. Um disco que não pode faltar nas listas de melhores de 2010.


(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos e Filmes", em 17/12/2010)


Eric Clapton: guitarrista e cantor dá uma lição de dignidade em seu novo álbum

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Ao contrário de muitos de seus fãs, Eric Clapton jamais levou a sério a fama de “deus” da guitarra que herdou ainda na década de 1960. E está longe de ser um desses patéticos roqueiros com mais de 30 anos, que insistem em posar de adolescentes. Em "Clapton" (lançamento Warner), seu 19º álbum, o guitarrista e cantor britânico, que já polarizou tantas vezes as atenções no universo do rock e do pop, mostra que está envelhecendo com dignidade. Esse é um de seus melhores discos.

Como em outros momentos essenciais de sua obra, Clapton voltou ao blues, sua maior fonte de inspiração. Na verdade, foi até mais fundo: no eclético repertório desse álbum, mistura relíquias do blues rural e urbano com alguns clássicos da canção norte-americana e pérolas obscuras do rhythm & blues. Ele abre o disco com “Travelin’ Alone”, vibrante blues do texano Melvin Jackson (1915-1976). Mas é a versão bem relax e acústica de “Rocking Chair”, a canção folk de Hoagy Carmichael popularizada por Louis Armstrong durante décadas, que melhor sintetiza a atmosfera geral de Clapton.


Entre as surpresas do álbum destacam-se duas canções do repertório do gaiato jazzista Fats Waller (1904-1943). Descontraído, Clapton ironiza a própria fama, em “When Somebody Thinks You’re Wonderful”, e interpreta “My Very Good Friend The Milkman” com igual dose de humor. Em ambas, as participações do trompetista Wynton Marsalis, do pianista Allen Toussaint e do trombonista “Shorty” Andrews, entre outros músicos da Louisiana, trazem o tempero sonoro típico de New Orleans.

Inusitadas também são as releituras das baladas “How Deep Is the Ocean” (de Irvin Berlin) e, especialmente, “Autumn Leaves” (Kosma e Mercer), que Clapton interpreta com uma serenidade rara de se ouvir em suas gravações. E o solo de guitarra não fica atrás, em elegância e discrição. Seu antigo parceiro J.J. Cale (autor dos hits “Cocaine” e “After Midnight”) também participa. Além de contribuir com vocais e a guitarra, ele assina dois charmosos blues: o sombrio “River Runs Deep” e o quase gospel “Everything Will Be Alright”, ambos em arranjos tingidos pelas cordas da London Session Orchestra.


Com pegada suficiente para tocar no rádio, o dançante blues-rock “Run Back to Your Side” é a única faixa composta por Clapton. Nem precisava. Só como intérprete, o bluesman britânico já garante um álbum delicioso. E dá, aos 65 anos, uma lição de integridade artística. 

(resenha publicada na revista "Bravo!", edição de novembro de 2010)



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Chuck Berry & Bo Diddley: show de 1985 promove saboroso encontro de dois pais do rock

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Chuck Berry e Bo Diddley, reconhecidos pais do rock, encabeçam o saboroso documentário “Rock‘n’Roll All Star Jam” (lançamento The Store for Music/ST2), filmado por ocasião de um concerto na Califórnia, em 1985. Não bastasse o prestígio desses veteranos astros do rhythm & blues, a banda de apoio formada por famosos roqueiros e blueseiros é capaz de excitar qualquer fã do gênero. Os guitarristas Ron Wood (Rolling Stones) e Carl Wilson (Beach Boys), o tecladista John Mayall e o gaitista John Hammond estão entre os “acompanhantes”.

Apesar do destaque que recebe na capa deste DVD, Berry é só um convidado. Sua participação se resume a três números: seu hit “My Ding-a-Ling”, o blues “Destination” e o clássico “Rock ‘n’ Roll Music”, de Diddley, o verdadeiro dono da festa.


Além de desfilar vários sucessos, como “I’m a Man”, “Who do You Love” e “Hey Bo Diddley”, o bem humorado bluesman do Mississipi oferece uma lição de sociologia musical, ao explicar que a suposta divisão entre o rock ‘n’ roll e o rhythm & blues tem origem racista: foi criada nos EUA, nos anos 50, quando brancos e negros ainda viviam separados. “Não há diferença entre eles”, afirma o pai do rock.

(resenha publicada no “Guia Folha – Livros, Discos, Filmes, em 26/11/2010)




Bebeto: "rei do suingue" volta a gravar depois de seis anos

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Um dos mais populares expoentes do samba-rock, autor dos hits “Segura a Nega” e “A Beleza É Você, Menina”, Bebeto nasceu em São Paulo, mas despontou cantando em bailes de subúrbios do Rio, no final da década de 1970. O título de seu novo álbum, "Prazer, Eu Sou Bebeto" (lançamento EMI), o primeiro em seis anos, é bem pragmático: ele quer ser apresentado ao público mais jovem que ainda não o conhece.

Talvez para sublimar de vez o estigma de imitador de Jorge Ben que o perseguiu durante anos, Bebeto homenageia o mestre carioca com o suingado samba-rock “Tudo Bem (Big Ben)”. Não à toa, derivações desse ritmo marcam outras das melhores faixas do álbum, como “Herdeiros da Raça”, “Me Leva Que Eu Vou” e “De Bem Com a Vida”.


O baile só desanda um pouco quando Bebeto decide exibir sua faceta mais lírica. Cantando a romântica “Linda” ou a piegas “Amor Infinito”, o “rei do suingue” (como era chamado no passado) fica aquém dos limites de seu poder musical. 

(texto publicado no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 26/11/2010)


Benjamim Taubkin e André Mehmari: criativas releituras de Chico Buarque e Beatles

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Dois brilhantes pianistas brasileiros inauguram a série Solo Lounge (lançamento MCD), que propõe releituras instrumentais de canções conhecidas. No álbum que dedica a Chico Buarque, Benjamim Taubkin ressalta o lirismo do compositor carioca, revelando novas nuances melódicas e rítmicas. Em suas versões, os sambas “Quem Te Viu Quem Te Vê” e “Samba e Amor” viram baladas jazzísticas, assim como “Valsinha” ganha um tratamento mais erudito.

Ao reler 14 sucessos dos Beatles, André Mehmari também aproxima algumas canções, como “Because” e “Here Comes the Sun”, do universo da música clássica, além de transformar “Penny Lane” em choro. Mais inusitada ainda é a “licença poética” de citar um trecho da caipira “A Tristeza do Jeca” (de Angelino de Oliveira) na releitura de “Norwegian Wood”. Tomara que os próximos volumes da série mantenham esse nível de criatividade. 


(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos e Filmes", em 26/11/2010)



Mariene de Castro: uma carismática cantora baiana sem os clichês da axé music

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Exceto pela origem baiana, ela é bem diferente dessas cantoras de axé music que soam fabricadas em série. Com 15 anos de carreira e uma íntima ligação com o samba de roda e outros ritmos tradicionais da região do Recôncavo baiano, Mariene de Castro começa enfim a ser “descoberta” pelo resto do país. “Santo de Casa” (lançamento Universal), seu segundo álbum, é o primeiro com distribuição nacional.


Neste show gravado no Teatro Castro Alves, em Salvador, ela esbanja carisma, cantando pot-pourris de sambas de roda, cirandas, ijexás e umbigadas, incluindo várias composições de Roque Ferreira, mestre nesse universo musical. Faixas como “Samba de Terreiro” e “Prece do Pescador” remetem à religiosidade do candomblé, outra influência marcante pela qual Mariene já foi comparada à mineira Clara Nunes (1943-1983).

Contrariando o provérbio do santo de casa que não faz milagre, essa talentosa baiana conseguiu resgatar toda uma riqueza rítmica e poética que a hegemônica axé music e seus trios elétricos ignoram há décadas. 

(publicado no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 26/11/2010)




                                                

"Isso é Jazz?": projeto combina shows de música instrumental brasileira e debate

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Começa hoje, no Rio de Janeiro, um projeto que pode não só agradar aos fãs da música instrumental brasileira, mas também fazer balançar as convicções de ouvintes mais puristas. Com curadoria da jornalista Monica Ramalho, “Isso É Jazz” leva ao teatro de arena da Caixa Cultural cinco shows e um debate para discutir e iluminar as relações do choro, do samba e da bossa nova com o jazz.

O criativo grupo Aquarela Carioca (na foto acima) abre hoje a série, que prossegue, sempre às 19h, com os shows da big band UFRJazz Ensemble (dia 9), do guitarrista Victor Biglione (dia 10), do bandolinista Hamilton de Holanda (dia 11) e do sexteto Jazzafinado (dia 12). Também no domingo, às 17h30, o jornalista Roberto Muggiati e o compositor Bernardo Vilhena conversam com o público.

Mais informações no blog de Monica Ramalho.




 

John Legend & The Roots: canções de protesto dos anos 70 inspiram nova geração do soul

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O título imperativo (“acorde!”) e a presença da politizada banda The Roots já antecipam o tom engajado deste álbum de John Legend, astro da nova geração do soul e do R&B. Ao idealizar “Wake Up!” (lançamento Sony), ainda em 2008, estimulado pela campanha de Barack Obama para a presidência dos EUA, o cantor norte-americano pretendia fazer “música socialmente relevante”, como sugere em texto no encarte do CD.

Para isso, Legend foi buscar inspiração na soul music das décadas de 1960 e 1970, resgatando clássicas canções de protesto, como “Hard Times” (de Curtis Mayfield), “Compared to What” (Eugene McDaniels), “Wholy Holy” (Marvin Gaye) e “I Can’t Write Left Handed” (Bill Withers), entre outras. Ele e seus parceiros da The Roots utilizam batidas de funk e hip hop, vocais de rap ou mesmo guitarras pesadas para criar versões mais modernas dessas canções, sem descaracterizá-las.

Em meio à onda conservadora que tem crescido nos EUA, “Wake Up!” soa pertinente em sua intenção de fazer diferença, mas mereceria ser ouvido até em outra conjuntura política. Legend e The Roots fizeram música que vale por si só. 


(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 26/11/2010)





                                            

Charlie Haden: novo álbum do Quartet West destaca vozes femininas do jazz

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Nas últimas décadas, raros grupos da cena do jazz têm demonstrado tanta elegância e consistência musical quanto o Quartet West – liderado há quase 25 anos pelo contrabaixista Charlie Haden, ainda com Ernie Watts (sax tenor) e Alan Broadbent (piano) da formação original. Com seu repertório de clássicos do bebop e belezas da canção norte-americana, esse grupo já lançou seis álbuns deliciosos e o sétimo não fica atrás.

“Sophisticated Ladies” (lançamento EmArcy/Universal) retoma o conceito do álbum “The Art of the Song” (1999), trazendo vozes de conhecidas cantoras, como Norah Jones, Melody Gardot e Diana Krall, em meio a arranjos de cordas. Entre esses números vocais, destaca-se a sublime versão de “My Love and I” (de Mercer e Raksin), com o vozeirão sereno de Cassandra Wilson. Em meio à atmosfera romântica que ocupa grande parte desse álbum, também não faltam temas instrumentais, como o sensual “Angel Face” ou os vibrantes bebops “Today I Am a Man” e “Wahoo”, perfeitos para que o Quartet West possa mostrar todo seu know-how jazzístico.


(texto publicado no “Guia Folha – Livro, Discos, Filmes”, em 26/11/2010)







                                                              

 

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