Mostrando postagens com marcador ECM. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador ECM. Mostrar todas as postagens

Sesc Jazz: Gismonti encanta plateia paulista e anuncia álbum com clássicos da MPB

|

                                                                           
                                                                 O pianista e compositor Egberto Gismonti

Ontem, ao assistir ao emocionante show de Egberto Gismonti (no festival Sesc Jazz, em São Paulo), fiquei pensando como tive sorte. Pertenço a uma geração que cresceu e amadureceu acompanhando de perto os discos e os shows de Gismonti, Hermeto Pascoal, Paulo Moura, Naná Vasconcelos, Victor Assis Brasil, Cesar Camargo Mariano, Pau Brasil, Cama de Gato e Duofel, entre tantos outros – para ficar apenas no campo de nossa preciosa música instrumental, que tantas belezas produziu desde os anos 1960.

Ao lado do filho Alexandre, talentoso violonista, Gismonti ofereceu à plateia do Sesc Pompeia, praticamente, uma síntese de sua obra musical. Alternando o violão e o piano, como gosta de fazer, sugeriu novas relações entre algumas de suas composições mais conhecidas, misturando-as em inventivas fusões. Também surpreendeu a plateia com belíssimas releituras de “Carinhoso” (talvez a mais emotiva e original versão do choro-canção de Pixinguinha que já ouvi até hoje) e “Retrato em Branco e Preto” (de Tom Jobim e Chico Buarque).

Não bastassem esses dois presentes musicais, Gismonti também revelou durante o show que já está gravando há algum tempo, na Europa, um álbum com releituras de clássicos da música popular brasileira que aprecia. Segundo ele, a sugestão partiu de Manfred Eicher, o produtor do selo alemão ECM, para o qual Gismonti tem gravado desde “Dança das Cabeças”, o cultuado disco que fez em duo com Naná Vasconcelos, em 1976.

Já ao final da noite, ao retornar ao palco, atendeu dois pedidos de bis entre os muitos que partiram da plateia. Primeiro, tocou a lírica “Palhaço”, uma de suas composições mais populares. Depois, uma versão instrumental de “Água e Vinho”, canção cheia de melancolia do seu álbum homônimo de 1972, que encantou muita gente de minha geração. Num país mais sério do que este, um músico do quilate de Gismonti seria homenageado diariamente.



Annette Peacock: pioneira e vanguardista, compositora canta no Jazz na Fábrica

|


                                                   A compositora e vocalista nova-iorquina, em foto de Christian Rose 

Annette Peacock já foi chamada de ícone da vanguarda, de “figura cult do underground”, de “símbolo cult do empoderamento feminino”. Atração do festival Jazz na Fábrica, neste sábado (26) e domingo (27), em São Paulo, a compositora, pianista e vocalista nova-iorquina jamais seguiu padrões convencionais em sua música.

Embora tenha despontado na cena musical dos anos 1960, tocando piano com o expoente do free jazz Albert Ayler, ou tenha composto peças experimentais para o trio de jazz do pianista Paul Bley, ela já não se identificava como jazzista naquela época.

“Eu tinha um grande interesse pela música de vanguarda, pela liberdade, mas não me considerava uma musicista de jazz”, diz ela à Folha. “Sou antes de tudo uma compositora. Gosto de criar ambientes, de tentar romper as fronteiras entre os gêneros musicais”.

Ainda na década de 1960, Annette vivenciou uma experiência radical que alterou sua maneira de encarar a música. Ao se aproximar do psicólogo e neurocientista Timothy Leary, ideólogo do uso criativo do LSD (ácido lisérgico), foi uma das primeiras artistas a experimentá-lo.

“Timothy exerceu uma grande influência sobre mim. Só fiz uma única viagem de ácido e até hoje estou tentando voltar dela. Enfrentar a realidade não tem sido fácil”, ela comenta, rindo. “Quando nos conhecemos, perguntei a ele o que pretendia fazer com o LSD. Timothy me disse que queria influenciar as artes”.

Pioneira também na utilização dos sintetizadores eletrônicos, Annette convenceu o inventor Robert Moog a lhe emprestar um protótipo, antes mesmo de esse instrumento se tornar viável comercialmente. Com ele realizou experimentos sonoros com a própria voz.

Por ser uma artista que, ao criar e gravar sua música, não levava em conta se ela seria ou não rentável, encarou dissabores. “Quando era mais jovem, eu lançava um álbum muito segura de que aquela era a melhor coisa a ser feita naquele momento. No entanto, como eu não conseguia me conectar com o mercado, acabava ficando desiludida, frustrada”, admite.

Depois de passar mais de uma década sem gravar, em 2000 lançou pelo selo europeu de jazz ECM o hoje cultuado “An Acrobat’s Heart”, álbum que reativou o interesse por sua música. Acompanhada por um quarteto de cordas, além de seu piano, ela interpreta nesse disco uma coleção de canções dissonantes e minimalistas, com certa nostalgia.

Algumas dessas canções estarão, segundo ela, no repertório de suas apresentações no Sesc Pompeia. “Vou levar comigo um percussionista (Roger Turner), porque sei que as pessoas valorizam muito de ritmos aí no Brasil”, avisa. “Vamos tocar peças de vários dos meus álbuns. Talvez as pessoas conheçam algumas delas, mas vou rearranjá-las. Será um programa bem diversificado”.

Ao saber que, em São Paulo, deve encontrar uma plateia com jovens interessados em free jazz e música de vanguarda, ela se entusiasma. E conta que se surpreendeu com as reações dos fãs que conheceu após uma apresentação que fez há pouco, em Portugal.

“Tive uma experiência maravilhosa na cidade do Porto. Foi incrível ver aqueles jovens, com os olhos brilhando, me dizerem que adoram minha música”, relembra. “O free jazz e a música que eu faço têm tudo a ver com liberdade – os jovens buscam a liberdade”.

(Entrevista publicada parcialmente na "Folha de S. Paulo", em 26/8/2017)






 

 

Keith Jarrett e Charlie Haden: belezas e melancolia num encontro de despedida

|

                                                         O contrabaixista Charlie Haden e o pianista Keith Jarrett

A morte do contrabaixista norte-americano Charlie Haden, aos 76 anos, em julho deste ano, imprimiu um sentido melancólico ao título do álbum "Last Dance" (selo ECM, com distribuição no Brasil pela Borandá), lançado algumas semanas antes no mercado internacional. Será que Haden e o pianista Keith Jarrett, seu antigo parceiro, pressentiram no estúdio que se tratava de um derradeiro encontro de despedida?  
 
As nove faixas que compõem esse disco foram registradas, de fato, em 2007. Das mesmas sessões de gravação já havia sido extraído o álbum “Jasmine” (lançado em 2010), que marcara o reencontro desses inventivos jazzistas, depois de tocarem juntos durante os anos 1970, no quarteto e no quinteto liderados por Jarrett. 

 
Como em “Jasmine”, há algo de nostálgico na escolha do repertório, que reúne “standards” e clássicos do jazz. Temas evocativos, como “My Old Flame” (de Johnston e Coslow) ou “My Ship” (Kurt Weill e Ira Gershwin), permitem aos velhos amigos entabular um "bate-papo" musical sobre o passado comum.  

 
“Round Midnight”, obra-prima do pianista Thelonious Monk, começa com um improviso de Jarrett, como se a "conversa" fosse flagrada já em curso. Mas, para a satisfação do ouvinte, o pianista se curva à beleza da melodia original e encerra a gravação de maneira reverente.  

 
Composição de Gordon Jenkins que já fazia parte do disco anterior da dupla, a tristonha “Goodbye” encerra o álbum, em uma gravação alternativa, logo após a serena releitura de “Every Time We Say Goodbye” (de Cole Porter).  

 
“Quero afastar as pessoas da feiura e da tristeza que nos cerca diariamente e trazer música profunda e bela para o maior número possível de pessoas”, declarou Haden, em 2013, ao receber um prêmio Grammy, já afastado dos palcos e estúdios, vítima de poliomielite. Este seu testamento musical não poderia ser mais fiel à sua vontade. 


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 25/10/2014) 

Hamilton de Holanda: em fase de alta produção, bandolinista lança três álbuns

|



Se você ainda não conhece a música de Hamilton de Holanda, já está mais do que na hora. Esse bandolinista e compositor brasiliense, radicado no Rio de Janeiro, é hoje um dos mais criativos expoentes da música instrumental brasileira, reconhecido também em vários países da Europa e nos EUA, onde tem se apresentado. Hamilton costuma dizer que, para ser acessível sem perder a sofisticação, a música precisa ser simples. Um princípio estético que tem tudo a ver com sua personalidade.

Esta entrevista foi realizada, em Olinda (PE), durante a última edição do festival Mimo, onde Hamilton se apresentou ao lado do pianista italiano Stefano Bollani. 

Você tem lançado mais de um disco por ano e, nos últimos meses, saíram três novos álbuns seus: “O Que Será” (pelo selo ECM), com o pianista italiano Stefano Bollani; “Mundo de Pixinguinha” (selo Rob Digital), com diversos convidados; e “Trio” (selo Brasilianos), do seu grupo. Como você explica essa produção tão intensa?
 
Hamilton de Holanda - A vida é movimento. Eu me sinto num momento bem produtivo e não vou me podar, mesmo que isso possa até incomodar algumas pessoas. Já ouvi fãs reclamarem de não ter dinheiro para comprar todos os meus discos. Alguns dos meus CDs estão à venda em lojas ou no iTunes, mas outros estão em meu site, de graça. Daqui a dez ou vinte anos, quero poder olhar pra eles sem ficar pensando que poderiam ter ficado melhores. Quando termino um disco, costumo me desapegar dele. Tenho consciência de que fiz o melhor naquela época.

Como surgiu seu duo com o pianista Stefano Bollani?

HH - Quando eu morava na França, ganhei um disco do Bollani que tinha composições dele, bem diferentes e com harmonias muito bonitas. Na última faixa, ele cantava “Trem das Onze”, do Adoniran [Barbosa], em italiano. Aí pensei: um dia vou cruzar com esse cara e tocar com ele. Não deu outra: em 2009, fui tocar em um festival em Bolzano, na Itália, e participei de um show do Bollani. Tocamos uma do Baden [Powell] e uma do Egberto [Gismonti]. Desde então já fizemos mais de 50 shows juntos. Gosto muito de tocar com ele. Fora o grande musico que o Bollani é, além de todo o conhecimento que ele possui do instrumento, tem muito humor na música que ele faz.

Vocês sempre tocam o repertório desse disco nos shows?

HH - Nós até repetimos uma ou outra música, alguma dele, alguma do Pixinguinha, mas sempre tocamos outras diferentes. Assim o show sempre traz surpresas para o público, mas também gostamos de [criar] surpresas para a gente. “O Que Será” é a gravação do último show de um giro que demos pela Europa, no ano passado. Foi gravado em um festival na Antuérpia, que comemorou os 90 anos do gaitista Toots Thielemans, com umas 5 mil pessoas na plateia. Foi uma noite muito especial.

O álbum “O Que Será” foi lançado pelo ECM, um dos selos independentes mais cultuados na área do jazz e da música instrumental. Você também é fã dos discos do ECM? Como é que se deu esse contato?

 
HH - Sim. Todo cara, que gosta de jazz, gosta do “Koln Concert”, do Keith Jarrett, por exemplo. Ou dos discos do Egberto (Gismonti), do Naná (Vasconcelos) e do Jan Garbarek. O Bollani já tinha um disco lançado com o Chick Corea pela ECM – esse foi o nosso canal. Ele mandou a gravação para o Manfred Eischer [criador e diretor do selo], que adorou. Os dois foram para a Noruega e mixaram o disco em Oslo.

Em “Mundo de Pixinguinha” você toca em duos com um elenco internacional de convidados, como os pianistas cubanos Chucho Valdés e Omar Sosa, o acordeonista francês Richard Galliano, o trompetista norte-americano Wynton Marsalis e o próprio Bollani, entre outros. Como foi a produção desse trabalho?

HH - O processo de criação desse disco foi mais coletivo, até porque envolveu muitos convidados. É um projeto meu, com o meu empresário, o Marcos Portinari, e a produtora Lu Araújo. A ideia surgiu em Brasília, na inauguração de uma exposição sobre o Pixinguinha. O projeto inicial era gravar com três pianistas, mas, de repente apareceu o Wynton, e gravamos o Mário Laginha, quando estive em Lisboa. Depois pensamos que também tínhamos que convidar músicos brasileiros, então entraram o [pianista] André Mehmari, a [flautista] Odette Ernest Dias e o [saxofonista e flautista] Carlos Malta. Foi um processo bem trabalhoso, mas muito divertido. A ideia é justamente expandir um pouco o universo da música do Pixinguinha.

Alguma surpresa durante as gravações? 

 
HH - Eles [os convidados estrangeiros] ficaram encantados. Quando estávamos tocando “Lamentos”, o Chucho [Valdés] parou no meio da gravação, emocionado. O [Richard] Galliano me disse que a música do Pixinguinha pode ser antiga, mas, além de popular, é uma música elaborada, o que permite que ela possa soar eterna, atemporal.

Você tem tocado e gravado em duos, com frequência. O que atrai você nesse formato instrumental? 

 
HH - Eu aprendi a tocar com o meu pai, em casa. Então, mesmo que eu não pense nisso, o duo sempre vai estar presente na minha vida. Tocar em duo é uma relação muito íntima. Tocar sozinho é a intimidade no máximo, mas é uma coisa muito solitária. O duo mantém essa intimidade, mas com alguém. Existe uma cumplicidade muito grande no duo. Tocar em duo também permite dividir a música com outra pessoa. Tenho isso em mim desde pequeno. Meu pai dizia que, se você aprender a tocar um instrumento, vai fazer muitos amigos na vida.

(Versão completa da entrevista publicada no “Guia Folha - Livros, Discos, Filmes”, em 26/10/2013) 


 

©2009 Música de Alma Negra | Template Blue by TNB