Toots Thielemans (1922-2016): o jazz perde o lirismo e o sorriso do grande gaitista

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                                         O gaitista e jazzista belga Toots Thielemans, nos anos 1960  

O jazz perdeu o talento de Toots Thielemans, ícone mundial da gaita. O músico e compositor belga morreu na manhã desta segunda-feira (22/8), dormindo em um hospital de Bruxelas, segundo sua produção. Tinha 94 anos e estava internado havia um mês, após sofrer uma queda.

Introdutor da gaita de boca (ou harmônica) na cena internacional do jazz, ele reinou absoluto por cerca de seis décadas. As limitações técnicas desse instrumento não o impediram, ainda nos anos 1950, de dividir shows e gravações com expoentes do gênero. Para isso adotou a harmônica cromática (evolução da gaita diatônica, que é mais utilizada pelos músicos de blues).

“Quando comecei a tocá-la, na década de 1940, os músicos de Bruxelas diziam que eu devia jogá-la fora. A gaita era tratada como um brinquedo, não um instrumento de verdade”, contou Thielemans a este repórter, em entrevista publicada na “Folha de S. Paulo” , em 2007.

Antes de se popularizar como gaitista, já era reconhecido como um promissor guitarrista. Em 1950, excursionou pela Europa com o sexteto do clarinetista Benny Goodman. No ano seguinte emigrou para os Estados Unidos, onde integrou por seis anos o quinteto do pianista George Shearing.

Já atuando como solista, em 1961, lançou “Bluesette” –- delicada valsa de sua autoria, em cuja gravação associou seu assobio ao som da guitarra. Gravada posteriormente por dezenas de músicos de diversos países, essa composição tornou-se um clássico do jazz e jamais saiu do repertório dos shows do gaitista.

Entre tantas parcerias com jazzistas de alto quilate, como Quincy Jones, Ella Fitzgerald, Oscar Peterson, Shirley Horn ou Jaco Pastorious, o disco que Thielemans gravou com o pianista Bill Evans, “Affinity” (1979), é um trabalho um tanto esnobado na época, que merece ser reavaliado.

A expressividade de sua gaita também o levou a ser convidado para gravar trilhas sonoras para filmes, como o hoje cultuado “Perdidos na Noite” (1969), “Os Implacáveis” (1972) e “Jean de Florette” (1986), entre outros. Também participou de trilhas sonoras de programas de TV, como “Vila Sésamo”.

Ao gravar um disco com a cantora Elis Regina (“Aquarela do Brasil”, mais tarde rebatizado de “Elis & Toots”), em 1969, Thielemans expressou sua paixão pela música brasileira, interpretando canções de Ary Barroso, Tom Jobim, Edu Lobo e Egberto Gismonti, entre outros.

Já em 1992, reacendeu o namoro com a MPB no álbum “The Brasil Project”. Produzido pelo violonista Oscar Castro-Neves, este reunia canções de Ivan Lins, Djavan, Chico Buarque, João Bosco, Milton Nascimento, Dori Caymmi, Gilberto Gil e Caetano Veloso, entre outros, além de participações dos próprios compositores. A repercussão internacional desse disco o levou a lançar “The Brasil Project 2”, no ano seguinte.

Desde 1980, quando se apresentou no 2.º Festival Internacional de Jazz de São Paulo, Thielemans retornou várias vezes ao país –- a última foi em 2009, no Festival Jazz & Blues de Guaramiranga (CE). Um festival de jazz com seu nome foi anunciado para setembro, em La Hulpe (a 25km de Bruxelas), onde vivia.

Quem teve a sorte de vê-lo tocar ao vivo, sabe que, além do lirismo rasgado de sua gaita, no palco ele revelava uma alegria contagiante, quase infantil. O sorriso de Toots também vai fazer muita falta.

(Texto publicado na “Folha de S. Paulo”, em 23/8/2016) 









China Moses: cantora mostrou seu lado "entertainer", em show no Bourbon Street

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                                                 China Moses durante seu show no Bourbon Street, em São Paulo  

O Bourbon Street Music Club merecia estar mais cheio, na noite de ontem, no primeiro e único show da cantora e atriz norte-americana China Moses, em São Paulo. Não é difícil imaginar o porquê da plateia reduzida: a intensa programação das Olimpíadas na TV; a noite fria com uma garoa tipicamente paulista; e mais uma edição do festival Jazz na Fábrica, que começa amanhã, certamente colaboraram para que alguns ficassem em casa.

Quem foi ao clube paulistano deve ter saído sorrindo, porque China não é só uma talentosa cantora de soul, blues e jazz –- aliás, herdeira do DNA vocal e artístico de sua mãe, a grande cantora de jazz Dee Dee Bridgewater. China é também uma carismática “entertainer”, no melhor sentido da palavra, que combina dotes de atriz com um rasgado senso de humor. Em alguns momentos seu show quase se transforma em uma performance de comédia “stand-up”.

Só mesmo uma comediante teria a ideia de compor “Blame Jerry”, uma inusitada canção inspirada na personagem Gabrielle Sollis -- interpretada por Eva Langoria, na popular série de TV “Desperate Housewives” (2004-2012). Antes de cantá-la no show, China também arranca risadas da plateia, falando de sua obsessão por esse seriado.

“Já perceberam que eu sou meio palhaça”, disse ela, depois de cantar, com um copo na mão, o blues “Hung Over”, em que simulou estar embriagada. Já em “Nicotine”, também uma canção de sua autoria com uma divertida introdução, ela se diz viciada em cigarros, comparando o tabaco a um namorado que não consegue largar. Outra surpresa foi a versão bastante livre de “Move Over”, do repertório da cantora Janis Joplin.

Simpática, China retribuiu os aplausos e pedidos de bis com uma carinhosa homenagem à música brasileira. Sentada à beira do palco, contou que decidiu cantar, na última hora, uma bossa nova que aprendera ainda criança, ouvindo sua mãe: “Wave”, de Tom Jobim, em uma releitura bem jazzística.

Se você ficou interessado, mora em São Paulo e não se importa de pegar uma estrada, o festival Sesc Jazz & Blues ainda oferece três oportunidades para se ver o show de China nesta semana: amanhã (quinta, 11/8), em Piracicaba; sexta (12/8), em Jundiaí; e no sábado (13/8), em Bauru.


Se não for possível ir, veja os vídeos abaixo e fique tranquilo: pelo que se viu e ouviu no show de ontem, é bem provável que China retorne outras vezes.

Mais informações e venda de ingressos no site do SESC SP.




China Moses: cantora e atriz exibe seu DNA musical pela primeira vez no Brasil

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China Moses teve sorte. Cantora e atriz norte-americana radicada na França, ela herdou não só a beleza e o carisma, mas também muito do talento musical de sua mãe, Dee Dee Bridgewater, uma das grandes intérpretes do jazz.

“Como toda adolescente, eu também não queria ser parecida com meus pais, não queria ser cantora. Foi minha mãe que percebeu essa fagulha artística em mim, foi ela que me empurrou para a música. Não me arrependo”, diz, rindo, em entrevista à "Folha de S. Paulo", por telefone.

Nesta terça (9/8), no clube Bourbon Street, em São Paulo, China vai se apresentar pela primeira vez no país. Em seguida fará três shows pelo festival Sesc Jazz & Blues, em cidades do interior paulista: em Piracicaba, na quinta; Jundiaí, na sexta; e em Bauru, no sábado.

Segundo ela, o repertório dessa turnê inclui canções do recém-lançado “Whatever”, seu sexto disco, gravado em Londres com produção do britânico Anthony Marshall.

“São composições de minha autoria, que ficam em algum lugar entre o jazz, o soul e o blues. Espero que as pessoas gostem. É sempre um pouco assustador cantar sua música para quem ainda não a conhece”, comenta.

Esse material autoral abre uma nova fase na carreira de China, que estreou aos 18 anos, em 1996, também interpretando canções próprias. De lá para cá, além de atuar como atriz, também já apresentou programas de TV e de rádio, na França.

Nos últimos anos, a repercussão de seus álbuns “This One’s for Dinah” (um tributo à cantora Dinah Washington, lançado em 2009), e “Crazy Blues” (2012), centrados em clássicos do jazz e do blues, já a levaram a se apresentar em vários continentes.

“Nunca me considerei uma cantora de jazz, mesmo quando só cantava ‘standards’ do jazz. Se alguém me disser exatamente o que é uma cantora de jazz, talvez eu mude de ideia. O que é jazz? O que é blues? O que é rock? São apenas direções diferentes que você pode tomar”, diz ela, ressaltando sua afinidade com vários gêneros da música negra.

Aos 38 anos, China não aceita que digam que o jazz e o blues já não atraem o público mais jovem, como em outras épocas.


“Música não tem idade, jamais terá. Qualquer pessoa que ama o jazz, como eu, sabe que não há idade para se apreciar essa música. Claro que o jazz sofre por ter sua imagem associada a pessoas mais intelectuais, mais sérias, mas isso é um lugar-comum. Eu não me considero velha”, afirma a cantora.


(Texto que escrevi para a "Folha de S. Paulo", publicado em 8/8/2016)







 

 

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