Mastercard Jazz: festival gratuito e ao ar livre traz jazzistas jovens a São Paulo

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                                 O trompetista Christian Scott, atração na noite de estreia do Mastercard Jazz  

Ao ver o programa da primeira edição do Mastercard Jazz, festival que pretende apresentar a um público jovem novos talentos da cena jazzística, um desavisado dificilmente imaginará que a seleção desses artistas foi feita por curadores que trabalham juntos há décadas. O novo evento oferece oito shows gratuitos, neste sábado (31/8) e domingo (dia 1/9), na área externa do Auditório Ibirapuera, em São Paulo.

Entre as realizações dessa veterana equipe de curadores estão alguns dos principais festivais do gênero em nosso país: Free Jazz (1985-2001), Tim Festival (2003-2008), BMW Jazz (2011-2014) e BrasilJazzFest (2015-2016).

“O Mastercard Jazz é um festival pequeno e voltado para uma faixa etária específica, mas nós o consideramos uma continuação do velho Free Jazz. Os festivais trocam de patrocinadores e mudam de nome, mas nós somos os mesmos”, afirma o instrumentista e produtor musical Zé Nogueira, que participou em 1985 da criação do hoje lendário Free Jazz Festival, ao lado do produtor musical Paulinho Albuquerque e das empresárias (e irmãs) Monique e Sylvia Gardenberg, da Dueto Produções.

Logo se uniu a esse time o jornalista e radialista Zuza Homem de Mello, que trazia a experiência de ter atuado como programador (o termo curador não era usado ainda) das duas edições do pioneiro Festival Internacional de Jazz de São Paulo, em 1978 e 1980. “Foi um evento que deixou todo mundo de queixo caído”, relembra Zuza. Realizado em parceria com o influente festival suíço Montreux Jazz, esse evento reuniu dezenas de músicos do primeiro time do jazz internacional, além de astros do blues, do reggae, até do tango – algo inédito até então no país.

“Muitos jovens acabaram se tornando músicos por causa daqueles festivais de São Paulo”, orgulha-se Zuza. Vale lembrar que as duas edições do evento repercutiram por todo o país graças à transmissão ao vivo dos shows pela TV Cultura e emissoras afiliadas – o diretor de TV Antonio Carlos “Pipoca” Rebesco foi premiado pela alta qualidade das imagens. “Hoje, nenhuma emissora se atreveria a transmitir durante quatro ou cinco horas um espetáculo musical como aquele”, compara Zuza (na foto abaixo, entre os curadores Pedro Albuquerque e Zé Nogueira). 

Sucessor do pioneiro festival paulista, o Free Jazz não deixou por menos. Ao longo de 16 edições, esse evento formou plateias para um gênero musical ainda considerado elitista. Durante sua existência só houve um hiato em 1990, em função das devastadoras medidas econômicas do governo Collor. “Conseguimos fazer um festival que trouxe um elenco espetacular do jazz mundial. Muita gente aprendeu a escutar essa música indo ao Free Jazz. Ele se compara aos grandes festivais do mundo”, considera Nogueira. 
                                                               
Segundo Zuza, ao escolher os artistas do elenco de um festival é necessário ter equilíbrio. “Você precisa balancear as atrações de tal forma que o festival não fique voltado apenas para algum tipo de manifestação peculiar. É preciso pensar sempre que o festival é feito para um público. Você pode até escolher algo que não gostaria de ouvir em sua casa. O importante é que funcione no evento”, observa o curador.

“É inevitável que o gosto pessoal de cada curador pese nas indicações, mas a gente tenta se preocupar mais com o que está acontecendo na cena musical”, diz o produtor musical Pedro Albuquerque, que ingressou nessa equipe em 2007 (durante a preparação da penúltima edição do Tim Festival), meses depois da morte de Paulinho, seu pai. “Quando entrei nessa história, o Zé, o Zuza e meu pai tinham uma dinâmica própria. Talvez eu tenha contribuído, humildemente, no sentido de se buscar músicos mais jovens”.

Essa foi a intenção do trio de curadores ao escolher o elenco da primeira edição do Mastercard Jazz, que oferece oito shows gratuitos, neste sábado e domingo (31/8 e 1.º/9), na área externa do Auditório Ibirapuera, em São Paulo. “Decidimos apostar em nomes mais novos, que nos parecem combinar com o interesse da juventude de hoje”, resume Zuza. Segundo ele, as dificuldades econômicas que o país atravessa levaram a produção do evento a descartar grandes nomes do gênero para essa edição, pois isso implicaria em um orçamento bem maior para se contratar apenas um ou dois artistas.

“Para pensar em um festival com um elenco mais novo, que possa atrair uma plateia jovem, fomos pesquisar o que está acontecendo nessa esfera, no mundo do jazz. É um barato ver essa garotada fazer uma espécie de retorno à África ou essa coisa de juntar jazz com hip hop”, diz Nogueira, observando que a opção por um festival ao ar livre impõe restrições na hora de definir o elenco. “Certos tipos de música não funcionam ao ar livre. Para um festival com esse formato, a música tem que ter mais pegada”.  

Zuza concorda com essa opção. “Quando se trata de um festival ao ar livre, o artista precisa se preparar para fazer um show diferente do que faria em um ambiente fechado”, diz. “Ele tem que conquistar um público que pode estar comendo pipoca, pode estar conversando, pode estar namorando. Para atrair a concentração desse público, você não pode colocar no palco um artista que faça uma apresentação muito intimista”. 

Foi com essa preocupação em mente que a equipe de curadoria escolheu as três atrações brasileiras do novo festival. Além de destacar a qualidade dos vocais e a beleza de Xênia França, Zuza elogia o trabalho do guitarrista e compositor paulista Lourenço Rebetez, que vai dividir o palco com essa cantora baiana radicada em São Paulo. Já a banda Bixiga 70 é a mais experiente entre as atrações nacionais. “É impressionante como esses garotos conseguiram penetrar no mercado internacional, de uma forma mais bem-sucedida até do que no Brasil”, surpreende-se Zuza.

Pedro Albuquerque chama atenção para o jovem quarteto Dinosaur, com destaque na cena jazzística britânica e que tem como líder a talentosa trompetista e compositora Laura Jurd. “O som do Dinosaur me lembra um pouco da fase elétrica do Miles Davis”, comenta o curador. Outra instrumentista no elenco é a nova-iorquina Lakecia Benjamin, saxofonista que virá acompanhada pela banda Soul Squad. “Lakecia não é uma virtuose do sax, mas tem uma pegada jovem, bem funky”, analisa Pedro.

Também inédito em palcos brasileiros é o show do saxofonista, tecladista e produtor californiano Terrrace Martin (na foto acima), que tem no currículo parcerias com figurões do hip hop e do R&B. Para Zé Nogueira, o fato de Martin ter tocado ultimamente com Herbie Hancock, um dos grandes astros do jazz contemporâneo, é algo natural. “Terrace e outros caras de sua geração dão continuidade ao que Hancock já fez no passado”, afirma.

Outra novidade para a plateia paulistana será o guitarrista, compositor e cantor americano Robert Randolph. Ele vem acompanhado pela Family Band e deve chamar a atenção da plateia com sua “pedal steel guitar”, tocada sobre uma bancada, em posição horizontal. “Acho que ele pode fazer um tremendo show ao ar livre”, aposta Pedro, referindo-se à dançante mistura de blues, soul, funk e rock praticada por Randolph.

Mais conhecidos entre os paulistanos, o pianista Aaron Parks e o trompetista Christian Scott já se apresentaram em outros festivais, com diferentes projetos. “Gostamos muito da música do Aaron, que embora seja jovem já está na estrada há um bom tempo. Ele esteve aqui no BMW Jazz, em 2013, com o quarteto James Farm. Já o Christian é um trompetista fantástico, que está sempre se reinventando”, considera Pedro.

Depois de trabalharem juntos por tantos anos, além dos grandes shows que presenciaram, os três curadores também guardam na memória saborosas histórias de bastidores. Como os pitis de Little Richard, o veterano cantor e pioneiro do rock & roll, que ficou furioso ao desembarcar em São Paulo para o Free Jazz de 1993, porque não encontrou uma limusine para levá-lo ao hotel.

“Monique ligou logo para mim. Pediu que eu corresse para o hotel Maksoud Plaza e preparasse uma recepção de gala para acalmar o Little Richard. Quando ele chegou, muito irritado ainda, eu me desmanchei em elogios a ele”, conta Zuza, rindo. Não bastasse esse incidente, na hora do show Richard voltou a criar problema: não queria entrar no palco antes de Chuck Berry, outro pioneiro do rock & roll escalado para fechar a mesma noite. “Foi um perereco, mas a Monique conseguiu resolver”, diverte-se o curador.

Zé Nogueira lembra de ter tido a chance de conviver por alguns dias com o trompetista Chet Baker (1929-1988), no primeiro Free Jazz, em 1985. “Até tocamos juntos, em uma canja no clube Jazzmania, aqui no Rio. Ele era uma pessoa de poucas palavras, mas muito doce”, conta o saxofonista. “Foi um sufoco mantê-lo aqui, porque ele era viciado em heroína e usava metadona para substituir a droga. Tive até que chamar um médico amigo meu, que gostava de música e aceitou acompanhá-lo durante os dias do festival”, conta Nogueira. Mas Baker enganou o médico e tomou de uma vez toda a metadona reservada para os dias que passaria no país. “Ele sobreviveu por um triz. Por pouco não morreu durante o Free Jazz”, confirma Zuza.

Já Pedro relembra a tumultuada vinda de Wayne Shorter ao BMW Jazz, em 2011. Por causa da repentina erupção do vulcão chileno Puyehue, que espalhou cinzas até a Argentina, onde o saxofonista havia tocado na noite anterior, todos os voos regulares foram cancelados. Shorter e seu grupo tiveram que viajar de ônibus até Uruguaiana (RS), onde embarcaram para São Paulo em um jatinho fretado pela produção. Chegaram cansados, pouco antes do horário de entrada no palco do Auditório Ibirapuera.

“O show foi fantástico”, comenta Pedro, que encontrou o contrabaixista John Patitucci, no dia seguinte. “Ele me disse que nem conseguiram dormir direito naquela noite. Agradeci por terem se esforçado tanto. Wayne (na época com 78 anos) poderia ter desistido, mas fez questão de fazer aquele show, demonstrando o grande respeito que tem por seu público. Essa história foi muito marcante para mim”.

Programação

Sábado (31/8), a partir das 17h30:
Aaron Parks & Little Big; Lourenço Rebetez & Xênia França, Terrace Martin e Christian Scott

Domingo (1/9), a partir das 17h30:
Bixiga 70, Dinosaur, Lakecia Benjamin & Soul Squad e Robert Randolph & The Family Band

Borandá: gravadora festeja 10 anos investindo em música de alta qualidade

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                                                         A cantora Sandra Fidalgo e o acordeonista Toninho Ferragutti

Os felizardos que lotaram ontem as mesas do Bona, em São Paulo, para ver o show comemorativo dos 10 anos da gravadora Borandá, já sabiam que a noite seria especial. Com oito craques da música instrumental e duas cantoras de alto quilate se revezando no pequeno palco, ninguém poderia esperar por menos.

Responsável pela produção e distribuição de dezenas de discos de música brasileira contemporânea, tanto instrumental como vocal, a Borandá manteve durante sua primeira década de vida um padrão de alta qualidade. Com seu catálogo recheado de ótimos discos, não deve ter sido fácil escolher o elenco de ontem.

Num show com mais de duas horas de duração, com tantas belezas musicais e demonstrações de virtuosismo instrumental, só vou destacar algumas surpresas. Como o clássico fado “Estranha Forma de Vida” (de Amália Rodrigues e Alfredo Duarte), interpretado com muita emoção pela cantora portuguesa Sandra Fidalgo e um inusitado toque de tango adicionado pelo acordeonista Toninho Ferragutti. Aliás, essa dupla acaba de lançar, pela Borandá, o CD “Paisagem Verde”. 


Intensa também foi a versão de “Corsário” (de João Bosco), que confirmou o conhecido talento da cantora Verônica Ferriani, muito bem acompanhada pelos violões de Marco Pereira (ambos na foto ao lado) e Swami Jr. Finalmente, encerrando o show, a suíte com quatro composições de Baden Powell, que o acordeonista Bebê Kramer e Marco Pereira tocaram juntos, foi simplesmente sensacional.

Parabéns a Gisella Gonçalves e Fernando Grecco, diretores da Borandá, assim como à sua talentosa equipe. Que essa pequena e corajosa gravadora continue apostando em música brasileira feita com coração e requinte instrumental. 


Gravação do show dos 10 anos da gravadora Borandá, no site da Boxcast TV

Miles Davis: trompetista deflagrou revolução silenciosa, 60 anos atrás, em 'Kind of Blue'

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Em 2009, quando veio ao Brasil para participar de concertos comemorativos do cinquentenário do álbum “Kind of Blue”, o baterista Jimmy Cobb (único remanescente dos sete músicos que participaram das gravações) admitiu, em entrevista que fiz com ele para a “Folha de S. Paulo”, que não tinha uma explicação para a imensa repercussão desse disco, considerado uma das obras-primas da música do século 20.

“Não houve qualquer planejamento, isso simplesmente aconteceu. Ao entrar no estúdio, nossa intenção era apenas fazer mais uma boa sessão de gravação com Miles”, disse Cobb, que fez parte do grupo regular do trompetista e compositor entre os anos de 1958 e 1962, em gravações e concertos.

O alto grau de liberdade que Miles costumava oferecer aos músicos de seus grupos certamente ajuda a explicar o produto dessas gravações. O trompetista entrou no estúdio da gravadora Columbia (na rua East 30th, em Nova York), em março de 1959, levando partituras que não passavam de meros esboços com os quais pretendia estimular a criatividade de seus parceiros musicais.

Se você viveu em uma caverna durante as últimas seis décadas, precisa saber que “Kind of Blue” é composto por cinco longas faixas instrumentais. Ou seja, sem vocais ou qualquer trecho cantado – característica que pode assustar ouvintes mais acostumados à linguagem das canções do universo da música pop. Mas qualquer um que se aventurar a escutar esse disco até o final, com a devida atenção, dificilmente vai se arrepender.

A enigmática introdução de “So What”, faixa que abre o álbum, desperta a atenção do ouvinte, logo conduzida, graças à simplicidade do tema, ao descontraído improviso de Miles, seguido por inventivos solos de John Coltrane (ao sax tenor) e Cannonball Adderley (sax alto). A atmosfera de relaxamento é acentuada pela faixa seguinte, o blues “Freddie Freeloader”, que destaca um radiante solo do pianista Wynton Kelly (sua única participação no disco), sucedido por intervenções de Miles e dos dois saxofonistas.

Faixa mais lírica do álbum, a delicada balada “Blue in Green” (cuja composição o pianista Bill Evans, que fazia parte do quinteto regular do jazzista na época, reivindicou posteriormente ser de sua autoria) envolve o ouvinte com uma calorosa dose de melancolia. Algo que Miles sabia fazer como poucos – especialmente quando alterava o som do trompete, utilizando o recurso da surdina, como se ouve nessa gravação.

Já em estado quase hipnótico, o ouvinte é embalado pelo valsante “All Blues”, outro tema simples e descontraído, que evolui para improvisos mais assertivos de Miles, Coltrane e Adderley. Finalmente, a sensível balada “Flamenco Sketches” encerra o disco com outro solo de trompete tingido de melancolia, além de emotivos improvisos dos saxofonistas e do pianista do sexteto.

Aos ouvidos daquela época, o diferencial desse álbum estava em sua inusitada concepção. Em vez de utilizar as harmonias complexas, a profusão de notas e os ritmos frenéticos que orientaram grande parte do jazz praticado nos anos 1950, Davis decidiu recuperar um pouco da simplicidade que esse gênero perdeu com o advento do bebop – o nervoso e inventivo estilo jazzístico que músicos como Charlie Parker e Dizzy Gillespie desenvolveram na década anterior.

O novo caminho apontado por Miles, já esboçado em seu álbum “Milestones” (1958), foi posteriormente rotulado pelos críticos e estudiosos como jazz modal. Ao substituir por modos (escalas) os improvisos calcados em progressões de acordes, ele encontrou uma maneira mais livre e espontânea de desenvolver melodias que abriu possibilidades até então inéditas para a expressão dos jazzistas.

Uma das melhores definições para o legado musical do álbum “Kind of Blue” foi cunhada por Herbie Hancock, pianista que integrou grupos de Miles nos anos 1960: “um portal para outra era”. Diferentemente do ruidoso free jazz, que quase virou do avesso a cena do jazz durante a mesma década de 1960, a revolução musical sugerida por Davis nesse disco foi mais silenciosa.

Na próxima vez que você decidir encarar uma estrada, seja de carro ou de ônibus, experimente levar “Kind of Blue” para ouvir. Tenho feito isso há décadas e, até hoje, não encontrei uma trilha sonora mais encantadora do que essa para acompanhar uma viagem. 

(Texto escrito para a "Folha de S. Paulo", publicado em 17/8/2019)




Seamus Blake: saxofonista até cantou em português na sua primeira turnê brasileira

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                          O saxofonista Seamus Blake, com Vinicius Gomes (guitarra) e Bruno Migotto (baixo) 

Em sua primeira turnê pelo Brasil, o saxofonista Seamus Blake se apresentou ontem à noite (14/8), no auditório do Sesc Pinheiros, em São Paulo, depois de tocar no Savassi Festival, em Belo Horizonte (MG). A seu lado também estava o quarteto do guitarrista Vinicius Gomes, que inclui outros talentosos músicos da cena instrumental paulistana: Edu Ribeiro (bateria), Bruno Migotto (contrabaixo) e Gustavo Bugni (piano).

Inglês crescido no Canadá, Blake radicou-se em Nova York, onde conquistou prestígio como integrante da Mingus Band, além de tocar ao lado de craques do jazz, como John Scofield e Dave Douglas. Versátil, mostrou no show de ontem que, além de ser um improvisador enérgico e criativo, também é um compositor inspirado, ao exibir sua balada “Gracia” e o jazzístico samba “Betty in Rio” (cuja harmonia ele assume, sorrindo, ter emprestado de “Along Came Betty”, conhecida composição do saxofonista Benny Golson).

Declarando-se fã da música brasileira, Blake mencionou Tom Jobim e João Gilberto entre seus favoritos. E surpreendeu a plateia do Sesc ao cantar, em português, sua canção “A Beleza que Vem”. Tomara que essa breve turnê do saxofonista e compositor 
 que também vai comandar um workshop nesta sexta-feira (16/8), às 14h, no auditório da EMESP Tom Jobim, em São Paulo  seja a primeira de uma série.



Manoel Cruz: baixista e compositor mostra suas afinidades com o jazz latino

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                                            Manoel Cruz, baixista e compositor / Foto de Adriano Damas 


O contrabaixista e compositor Manoel Cruz traz uma boa notícia para os apreciadores da música instrumental e do jazz. Seu saboroso álbum “Brazilian News” revela uma influência que o distingue do que tem se produzido majoritariamente na cena musical brasileira, nos últimos anos.

“Gosto muito de música latina. Sempre ouvi Irakere, Paquito D’Rivera, Arturo Sandoval”, diz o instrumentista radicado em São Paulo, explicitando sua afinidade com o jazz latino e os ritmos afro-cubanos. Aliás, uma influência muito saudável, que já contribuiu para enriquecer a música brasileira em outras épocas.

Essencial no elenco deste álbum é a presença de Gabriel Rosati, conceituado trompetista italiano que cultiva a sonoridade e o fraseado característicos do “latin jazz”. Essa herança musical está muito bem sintetizada na faixa “Fiesta Sunset”, contagiante composição de Cruz.

“Costumo dizer que esse ritmo é uma ‘macumbia’. É o nosso jeito de tocar música latina”, define com bom humor o compositor e arranjador brasileiro. A gravação também destaca a participação do saxofonista dominicano Sandy Gabriel, mais um craque do jazz latino, que contribui com um solo cheio de energia.

Outro destaque no repertório do álbum é o samba “Brazilian News”. A melodia é exibida pelo baixo elétrico de Cruz, que também assume na gravação os discretos vocais. A seu lado estão o pianista Ary Holland e Douglas Las Casas, parceiros experientes que já integram seu trio há alguns anos.

“Gosto de deixar os músicos bem à vontade. Este é um disco feito no peito, na amizade mesmo. Devo muito a eles”, reconhece Cruz, que também conta com participações dos guitarristas Rogério de Oliveira, no envolvente “Samba D Boa”, e Aldo Landi, em “Caboclice”, um tema em ritmo ternário que vira jazz.

Em meio a várias incursões jazzísticas, Cruz teve a ótima ideia de incluir no repertório uma releitura de “Lamento Sertanejo” (de Dominguinhos e Gilberto Gil), que serve de veículo para inspirados solos de Rosati e Holland. A bela melodia dessa canção é realçada pela interpretação sensível do contrabaixista.

No final dos anos 1980, ao visitar a ilha de Cuba, o grande trompetista e compositor Dizzy Gillespie (1917-1993) arriscou uma previsão: a de que a música cubana, o jazz americano e a música brasileira se tornariam uma só, no futuro. Por enquanto isso ainda não aconteceu, mas este álbum de Manoel Cruz demonstra a afinidade que une essas preciosas tradições musicais.

Texto escrito para a capa do álbum "Brazilian News", de Manoel Cruz, que será lançado nesta sexta-feira (16/8), em show no clube Blue Note, em São Paulo. 




 

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