Mimo Festival: cantora Totó la Momposina traz a "verdade" do folclore da Colômbia

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                                                                       A cantora colombiana Totó la Momposina

Carismática e popular no cenário da chamada música do mundo, ela é para a cumbia colombiana o mesmo que Celia Cruz (1925-2003) representou para a salsa cubana ou que Cesária Évora (1941-2011) significou para as mornas cabo-verdianas.

A cantora Totó la Momposina, 75, está entre as atrações já confirmadas do Mimo Festival. A 14ª edição desse evento vai realizar shows e mostras de filmes gratuitos nas cidades históricas de Tiradentes e Ouro Preto (MG), Paraty (RJ) e Olinda (PE), além da capital fluminense, a partir de outubro. Em julho último, o festival já realizou uma edição na cidade de Amarante, em Portugal.

“A música não tem fronteiras. Assim como os colombianos gostam da bossa nova, os brasileiros vão descobrir a verdade da música colombiana. É como um namoro”, brinca a veterana cantora, falando à “Folha” de Bogotá, por telefone.

Também dançarina e educadora, Totó (pronuncia-se “totô”) atua há mais de cinco décadas como uma informal embaixadora da música folclórica da Colômbia – em especial da região de Mompós (origem de seu codinome), na costa caribenha do país, onde nasceu. Ali também iniciou a carreira, apresentando-se nas ruas e em bares.

Hoje, depois de ter cantado cumbias e outros ritmos tradicionais colombianos em diversos países da Europa, na América do Norte e no Japão, ela destaca entre suas memórias uma turnê pela antiga União Soviética, nos anos 1970. Conta ter feito cerca de 180 shows, em grandes teatros de cinco repúblicas soviéticas.

“Também jamais vou esquecer dos concertos que fiz em teatros de ópera de Berlim e Londres. É por isso que eu digo que não existem fronteiras para a música ancestral, a qual represento. Essa música é sagrada para mim”, diz ela.

Na década de 1980, Totó viveu cinco anos na França, onde chegou a cursar história da dança, na Universidade de Sorbonne. “Conheci muitos brasileiros em Paris. Ali se ouvia muita música brasileira”, recorda, dizendo estranhar o fato de ainda não ter se apresentado no Brasil.

Um convite do politizado grupo porto-riquenho de rap Calle 13, em 2012, a aproximou do público mais jovem. Ao lado da cantora peruana Susana Baca e da brasileira Maria Rita, Totó participou da gravação da faixa “Latinoamérica”, que também rendeu um videoclipe.

“Acho que os garotos [do Calle 13] nos chamaram para gravar aquela canção por causa da verdade de nosso canto. Nós a cantamos com o coração, sentindo toda a força da América Latina”, comenta a intérprete, premiada com um Grammy Latino especial, em 2014, por sua “excelência musical”.

Totó também comentou o conflito entre os guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o governo de seu país, que já durou cinco décadas e pode estar perto do fim, com a realização do plebiscito a respeito do acordo de paz.

“Penso que ainda estamos à procura de uma maneira de conseguir paz dentro de nossa casa. Quem firma a paz são aqueles que possuem armas. Nós, artistas, não usamos armas, mas temos que estar conscientes”, disse a cantora colombiana.

Entre os destaques do 14º Mimo Festival também estarão o cantor e compositor ganês Pat Thomas, o quarteto ucraniano Dakhabrakha e o violonista e compositor cabo-verdiano Mário Lúcio Sousa. O elenco nacional inclui o bandolinista Hamilton de Holanda e os cantores Elza Soares, Emicida e Wilson das Neves, entre outros.

Confira a programação no site do Mimo Festival.


(Entrevista publicada na "Folha de S. Paulo", em 29/9/2016)






Ilhabela in Jazz: festival gratuito leva música de alta qualidade ao litoral norte paulista

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                                       Hamilton de Holanda encerra o 4º lhabela in Jazz com seu Baile do Almeidinha  
 
Não bastassem as praias e cachoeiras de Ilhabela, que costumam atrair as atenções de muitos turistas, essa privilegiada cidade do litoral norte paulista vai oferecer outras belezas a seus frequentadores durante o próximo feriadão. De 12 a 15/10, a quarta edição do festival Ilhabela in Jazz reúne atrações musicais de alto quilate em um palco instalado à beira mar. Melhor ainda: com entrada franca.

Música instrumental brasileira e jazz dão o tom geral da programação selecionada pelo pianista e curador Paulo Braga, mas mesmo os fãs de outras vertentes musicais poderão encontrar alternativas entre os 12 shows anunciados – de dançantes ritmos afro-cubanos a releituras de clássicos da canção brasileira.

Duas atrações vindas de outros países já estiveram por aqui, em festivais do gênero. O carismático baixista e cantor camaronês Richard Bona (foto abaixo) vem acompanhado pelo Mandekan Cubano -– sexteto com o qual trava um diálogo entre suas raízes africanas e a diversidade rítmica caribenha, sem deixar de lado as influências jazzísticas.  


Mais frequentes têm sido as turnês de Stanley Jordan pelo país. Tanto que esse guitarrista norte-americano já se apresenta mais de uma década com os brasileiros Ivan “Mamão” Conti, baterista do veterano grupo Azymuth, e Dudu Lima, no baixo acústico e elétrico. Clássicos do jazz e da bossa nova, além de sucessos dos Beatles, se misturam no repertório desse trio.

Vários brasileiros do elenco do 4° Ilhabela in Jazz também frequentam o circuito dos festivais internacionais. É o caso do pianista e compositor César Camargo Mariano, grande expoente da música instrumental brasileira, que vive nos EUA desde os anos 1990. Vai se apresentar com um quarteto que inclui jovens craques da cena musical paulistana: Conrado Goys (violão), Sidiel Vieira (contrabaixo) e Thiago Rabelo (bateria).

Com uma carreira que tem se tornado mais internacional a cada ano, o bandolinista Hamilton de Holanda traz seu projeto Baile do Almeidinha, acompanhado por outros craques da cena instrumental carioca, como Eduardo Neves (sax e flauta), Marcelo Caldi (acordeom) e Guto Wirtti (baixo), entre outros. No repertório, naturalmente, pérolas do choro, do samba e da MPB, em arranjos dançantes. E ainda a participação especial do cantor Ed Motta.

Outros mestres do instrumental brasileiro se destacam no elenco. O pianista e arranjador Nelson Ayres comanda sua irresistível big band, rearticulada em 2015. Com o mesmo formato e repertório de essência jazzística que já cultivava durante a década de 1970, essa orquestra paulistana tem servido de exemplo para a formação de outras jovens big bands, nos últimos anos.   


O jazz também marcou a formação musical do trombonista e compositor carioca Raul de Souza, hoje com 82 anos. Depois de se destacar entre os instrumentistas da bossa nova e do samba-jazz durante os anos 1960, na década seguinte ele se mudou para os Estados Unidos, onde desenvolveu uma carreira de sucesso. Raul (na foto abaixo) vai se apresentar com seu quinteto, no festival de Ilhabela.

Outros talentosos instrumentistas de diferentes gerações e estilos estão na programação, como o jovem quarteto do baterista paulista Edu Ribeiro, que inclui Gian Correa (violão), Guilherme Ribeiro (acordeom) e Bruno Migotto (contrabaixo). Edu também faz parte do Vento em Madeira, quinteto paulistano cultuado por seus sofisticados arranjos, que reúne Léa Freire (flautas), Teco Cardoso (sax e flautas), Tiago Costa (piano) e Fernando De Marco (contrabaixo).

De formação tanto erudita como jazzística, o violinista Ricardo Herz cultiva com seu trio, que inclui Michi Ruzitschka (violão de 7 cordas) e Pedro Ito (bateria), um repertório calcado em ritmos brasileiros. Finalmente, o trio do pianista e compositor Robson Nogueira vai representar sua cidade natal, Ilhabela, no festival.

E para os que sabem apreciar cantoras que tratam suas vozes como instrumentos, há ainda duas atrações imperdíveis. Mônica Salmaso interpreta um repertório eclético, que vai do popular Noel Rosa ao clássico Johannes Brahms, acompanhada pelos clarinetes do quinteto Sujeito a Guincho –- e ainda participa do show do quinteto Vento em Madeira. Revelação recente, a talentosa cantora Vanessa Moreno relê conhecidas canções do tropicalista Gilberto Gil, acompanhada pelo baixo de Fi Maróstica.

Com atrações musicais desse nível, não faltam motivos para se pegar a estrada e passar alguns dias em Ilhabela, no próximo feriadão. Até mesmo para quem não é muito fã de praia ou de cachoeiras.

Confira a programação e outras informações no site do festivaI lhabela in Jazz

Marco Pereira: violonista apresenta obra do mestre Dilermando Reis às novas gerações

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                                                                               O violonista e arranjador Marco Pereira  

No ano em que se comemora o centenário de nascimento de Dilermando Reis (1916-1977), esse expoente do violão brasileiro recebe uma homenagem capaz de despertar um novo interesse por sua obra. Com a técnica primorosa e a eclética bagagem musical que o credenciam como um dos maiores violonistas brasileiros, Marco Pereira interpreta composições desse mestre do violão, em arranjos com sabor mais atual, no álbum “Dois Destinos” – lançamento com o selo de qualidade da gravadora Borandá.

“Pensei em manter a brejeirice, a simplicidade da música do Dilermando, mas imaginando como ele trataria esse repertório se tivesse hoje uns 30 ou 40 anos de idade”, explica o violonista e arranjador paulista, que admite ter uma relação afetiva com a obra desse mestre das cordas. “Quando comecei a tocar violão, as primeiras músicas que eu aprendi a solar eram choros e valsas do Dilermando. Cheguei a ter um repertório grande de composições dele”, relembra.

Só o fato de ter sido um dos raros instrumentistas que se apresentavam com frequência em programas de TV, durante os anos 1950, já demonstra a popularidade de Dilermando Reis – músico que desenvolveu uma carreira de sucesso a partir da década de 1940, gravando discos e tocando em emissoras de rádio. Muita gente ainda pensa que a valsa “Abismo de Rosas” (de Américo “Canhoto” Jacomino) ou o maxixe “Sons de Carrilhões” (de João Pernambuco) –- hoje clássicos da música instrumental brasileira, que Dilermando transformou em grandes sucessos naquela época –- seriam de sua autoria.

“Ele era um músico espontâneo, com muita naturalidade para tratar a matéria musical, que ia ao encontro do gosto popular da época com seus choros e valsas”, analisa Pereira, que chama atenção para um aspecto técnico ao tentar explicar porque o interesse das plateias pelo violão de Dilermando teria diminuído a partir da década de 1960 –- justamente quando esse instrumento passou a ocupar um lugar de grande destaque na cena musical brasileira.

“Com o advento da bossa nova, veio também a moda do violão com cordas de nylon. Quem tocava violão com cordas de aço, como o Dilermando, passou a ser visto como ultrapassado”, observa Pereira, dizendo-se surpreso por não saber da existência de outros tributos musicais vinculados ao centenário de Dilermando. “O último violonista que eu me lembro de ter feito uma homenagem a ele foi o Raphael Rabello. E isso se deu há mais de 20 anos”.    


Violonista comenta suas releituras 
 
Para gravar o álbum “Dois Destinos”, Marco Pereira convidou alguns craques da música instrumental brasileira: parceiros e amigos com os quais já toca há bastante tempo, como o acordeonista Toninho Ferragutti, o flautista Toninho Carrasqueira, os baixistas Neymar Dias e Guto Wirtti, o baterista Sergio Reze e o percussionista Amoy Ribas, além dos clarinetistas Luca Raele e Diogo Maia.

“Decidi escrever arranjos para evidenciar o aspecto mais camerístico que existe na obra do Dilermando”, explica o violonista, que trabalhou nesse projeto com diversas formações instrumentais: de um inusitado duo de violão e clarone (na valsa “Dois Destinos”) a um septeto (no choro “Caxinguelê”). Só mesmo as valsas “Se Ela Perguntar” e “Flor de Aguapé” aparecem em formato de violão solo.

A releitura de “Se Ela Perguntar”, primeira faixa do álbum, já demonstra o cuidado de Pereira ao tratar as composições de Dilermando [retratado na foto abaixo]. Nesse arranjo, além de alterar a tonalidade original (mi menor) para ré menor, utilizou um truque na afinação do violão que amplia a sonoridade do instrumento.   


“Assim as notas e os acordes se prolongam mais”, explica o violonista, que também fez pequenas mudanças na harmonia para ressaltar o tom melancólico dessa valsa. “Existe uma certa simplicidade na música do Dilermando, que favorece releituras. Isso dá a você muitas opções. Se fizer com critério, sem invencionices, vai ficar bom”.   

O batuque “Xodó da Bahiana” ganhou uma versão bem-humorada. O fato de Dilermando ter praticamente decalcado o maxixe “Corta-Jaca”, de Chiquinha Gonzaga, incentivou Pereira a brincar com outras melodias nessa releitura. “Dilermando gostava de fazer empréstimos de outros compositores”, comenta o violonista, que bem ao estilo dos jazzistas se diverte citando em seus improvisos trechos de “Night in Tunisia” (clássico do trompetista norte-americano Dizzy Gillespie) e “Segure o Tchan” (sucesso do grupo baiano Gera Samba). 

 A brincadeira já começa na introdução”, aponta o violonista, ressaltando que utilizou nessa gravação a percussiva técnica do slap (ou “slapping”, que consiste em golpear as cordas do instrumento com a lateral do dedo polegar), mais comum entre instrumentistas que tocam baixo elétrico.

Falando em maxixe, o choro “Gente Boa” aparece em arranjo para trio (com violão, baixolão e percussão), num ritmo bem amaxixado. “Tive que me basear na partitura porque eu não conhecia uma gravação do Dilermando. Acho que essa música ficou quase minimalista, bem gostosa assim”, avalia Pereira, que nas releituras de outros choros, como “Caxinguelê”, “Tempo de Criança” ou “Feitico”, acabou se aproximando do ritmo do samba.

Um dos choros mais populares de Dilermando, “Magoado” ressurge em moderno arranjo de Pereira, com um tratamento rítmico e passagens improvisadas que remetem à linguagem do jazz. “Nos arranjos, sempre procurei manter a exposição dos temas, sem afetações, mas não teria sentido hoje em dia tocar um chorinho como ele foi pensado originalmente”, justifica.

Outro exemplo marcante de como Pereira soube atualizar as composições de Dilermando sem desvirtua-las está no saboroso arranjo de “Dr. Sabe-Tudo”. “Esse é um choro que já foi muito tocado. Tive a ideia de passar por cinco tonalidades diferentes, o que dá a graça desse arranjo. Como achei que ficaria interessante com acordeão, pensei logo em chamar meu parceiro Toninho Ferragutti, um verdadeiro virtuose desse instrumento”, relembra o violonista.

“Defendo há muito tempo a tese de que temos uma grande escola de violão no Brasil. Até hoje você tem violonistas da nova geração fazendo coisas incríveis por aí”, comenta Pereira. “É importante que a gente ressalte o valor de figuras musicais como o Dilermando ou o Garoto, que fizeram parte dessa história”.

Mais que uma homenagem a um mestre do violão já não tão lembrado hoje, o álbum “Dois Destinos” demonstra que, além do grande instrumentista que conhecemos, Marco Pereira é um músico completo. Graças às suas elegantes releituras, novas gerações de ouvintes vão poder descobrir mais facilmente os encantos da obra de Dilermando Reis.


(Texto escrito a convite da gravadora Borandá, por ocasião do lançamento do álbum "Dois Destinos")




F.A.M. Festival: 2ª edição em SP mantém diversidade musical e entrada franca

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                           Crianças, no primeiro F.A.M. Festival, durante show do grupo Deep Funk Session 

Nove meses após sua primeira edição, o descontraído F.A.M. Festival volta a se instalar no Jockey Club de São Paulo, agora durante dois finais de semana (nos dias 10, 11, 17 e 18/9), com entrada franca. A programação musical se mantém diversificada, com shows de música popular brasileira, instrumental, jazz, blues e música étnica, além de intervenções de DJs.

Alguns encontros musicais se destacam entre os 19 shows anunciados, como o do veterano trombonista Raul de Souza com o clarinetista Nailor Proveta, que vão tocar clássicos choros do potiguar K-Ximbinho (1917-1980). Ou a recente parceria dos violonistas do Duofel com outros dois craques do instrumental brasileiro: o flautista Carlos Malta e o baterista Robertinho Silva.  

Mais inusitado é o encontro de KL Jay (DJ dos Racionais MC’s) com o projeto Coisa Fina, que aproxima o hip hop de ritmos brasileiros e do jazz. Também com um pé na eletrônica, o reencontro dos percussionistas Guilherme Kastrup e Simone Sou promete resgatar material do Soukast –- projeto experimental que desenvolveram uma década atrás.  

A música instrumental também está bem representada em outros shows. O quinteto do percussionista Marco Lobo traz um repertório recheado de releituras de canções de Milton Nascimento. O quinteto do acordeonista Toninho Ferragutti toca choros, valsas e outras belezas de seu recém-lançado álbum “A Gata Café”. Já o saxofonista Marcelo Coelho e seu grupo McLav-in desafiam as supostas fronteiras entre a música popular, a erudita e a música de vanguarda. 

Os mais fanáticos por jazz e blues podem escolher ainda entre duas atrações. O trompetista Walmir Gil (integrante da Banda Mantiqueira) comanda um tributo a Miles Davis (1926-1991) com outras feras da cena instrumental paulistana. O organista e pianista Ari Borger toca um repertório amplo, que vai do blues tradicional ao soul-jazz, passando pelo boogie-woogie e pelo funk de New Orleans.  

Inspirado em eventos semelhantes realizados nos EUA e no Canadá, o F.A.M. Festival tem um perfil mais familiar. Além de reunir food trucks e barracas de restaurantes paulistanos, assim como stands de moda e design, também oferece atrações dirigidas ao público infantil, como a aula-show “Barbatuquices” (com integrantes do grupo de percussão corporal Barbatuques) ou o espetáculo “Beatles para Crianças”. A curadoria musical do evento é da produtora JazznosFundos.  

Mais informações na página do evento: facebook.com/foodartmusicfestival/

 

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