André Marques: um criativo tributo à obra de Hermeto Pascoal, com Blade e Patitucci

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                     Brian Blade (da esq. para a dir.), André Marques e John Patitucci / Foto de divulgação 

Se fizerem uma enquete com jazzistas de diversos países e gerações, perguntando quais músicos brasileiros eles mais admiram, Hermeto Pascoal certamente estará entre os mais lembrados. Não é difícil explicar o porquê dessa preferência. A música do genial multi-instrumentista e compositor alagoano possui tudo que os músicos do jazz valorizam: improvisos com muita liberdade, belas melodias e sofisticação harmônica. Sem falar nos inusitados objetos (de chaleiras e bacias a garrafas e copos) que o “bruxo” costuma transformar em instrumentos musicais.

André Marques – talentoso pianista, compositor e arranjador que integra o grupo de Hermeto há 21 anos, além de liderar o trio Curupira e a orquestra Vintena Brasileira – conferiu pessoalmente o prestígio internacional do mestre, quando fizeram uma turnê pela Europa, em 2013. Ao encontrarem os músicos da cultuada banda do saxofonista Wayne Shorter, André viu o baixista John Patitucci e o baterista Brian Blade reverenciarem Hermeto de uma maneira que só os admiradores mais eufóricos fazem.

Esse encontro casual acabou concretizando uma ideia que André tivera meses antes. Decidido a realizar um extenso projeto dedicado à obra de Hermeto, pensou em inicia-lo com a gravação de um álbum, contando com instrumentistas estrangeiros do primeiro time, que ainda não tivessem tido contato direto com essa música.

“Minha ideia era trazer uma sonoridade diferente para a música do Hermeto. Melhor ainda poder fazer isso com músicos que eu já admirava bastante”, comenta André, que recorreu a Rogério Boccato, percussionista paulista radicado em Nova York, para contatar Patitucci e Blade. Com o convite aceito na hora por ambos, Boccato veio a assumir a produção executiva do álbum.

Fundamental também para que o projeto pudesse se concretizar foi a parceria que André firmou com a Borandá, gravadora paulista responsável pela produção e distribuição do disco. “Logo pensei na Borandá, por conhecer o Fernando Grecco há muitos anos. Ele tocou guitarra comigo, em minha primeira experiência em grupo. Eu tinha apenas 15 anos. Conversamos bastante, conheci a Gisella Gonçalves e assim estabelecemos a parceria para produzir esse CD, o que me deixou muito feliz", conta André. 

As gravações do álbum “Viva Hermeto” foram realizadas em New Jersey, nos Estados Unidos, em novembro de 2014. Como é habitual nos meios do jazz, André e seus novos parceiros não chegaram a se encontrar antes de entrar no estúdio.

“Mandei para eles as partituras e as músicas gravadas no piano. Não houve ensaio. Chegamos no estúdio e gravamos todas as faixas em trio no mesmo dia”, conta André, que gravou as partes de piano solo, no dia seguinte. Uma semana depois já havia mixado e masterizado o disco.

O repertório selecionado combina clássicos da obra do “bruxo”, como “Bebê”, “Chorinho pra Ele” e “Tacho”, com composições que o próprio Hermeto não chegou a gravar. “Escolhi alguns temas bem conhecidos, para que o ouvinte tivesse a referência de uma melodia que já escutara antes e pudesse comparar como ela ficou tocada por esses músicos”, explica André. 

É o caso do baião “O Ovo” (gravado originalmente por Hermeto com o lendário Quarteto Novo, em 1967), que abre o álbum. “Pensei em tocá-lo de uma maneira bem livre, quase que só improvisada. Não teria sentido pedir ao Brian e ao John que o gravassem como um baião tradicional”.

Bem conhecida também é a lírica “Música das Nuvens e do Chão” (lançada por Hermeto no álbum “Cérebro Magnético”, em 1980), que ganha um colorido sonoro diferente graças ao arco que Patitucci usa para tanger as cordas de seu baixo acústico. “Como essa música tem uma parte em (ritmo) 7/4, eu a uni a ‘Capivara’, que também foi composta em 7/4”, comenta André, referindo-se a uma composição encomendada a Hermeto pelo pianista Sergio Mendes, que a gravou em seu álbum “Oceano”, de 1996. 

André também selecionou temas que poucos fãs de Hermeto conhecem, como a romântica “Ramos de Girassol”, que o “bruxo” não chegou a gravar. “Sempre fui apaixonado por essa música. Como a melodia é bem bonita, pensei em um arranjo só com o baixo tocado com arco. Escrevi a melodia uma oitava abaixo, mas o John quis complicar a situação e tocou como sentiu: uma oitava acima, bem no agudo, e num andamento mais lento”, relembra André.

Entre as composições inéditas ou desconhecidas de Hermeto, “Ferragens” soa mais próxima da música contemporânea. “Peguei a partitura e a interpretei à minha maneira. Essa é uma composição toda escrita, notinha por notinha, como uma peça erudita em quatro movimentos curtos”, comenta André, que dá um show de técnica e interpretação, extraindo das cordas do piano, literalmente, sons de ferragens.

 “Na Guaribada da Noite” (tema que Hermeto costumava tocar em shows durante a década de 1980, mas não gravou) surge em arranjo de André para o trio, com destaque para a inventiva condução rítmica de Brian Blade. “Coloquei essa música no disco, pensando nele. Imaginei a bateria bem livre, quebrando tudo”, diz o pianista.

 “Boiada” (registrada por Hermeto no álbum “Eu e Eles”, em 1999) encerra o disco com um andamento frenético, ritmo em 5/4 e uma frase repetida inúmeras vezes pelo contrabaixo que só um instrumentista como John Patitucci poderia executar em um único “take”. “Ele me disse que não queria gravar outra vez, porque se fizesse tudo de novo seu braço poderia cair”, diverte-se André.

Além de ser um criativo e merecidíssimo tributo à obra desse grande mestre da música universal, “Viva Hermeto” prova que André Marques já merece frequentar a cena internacional do jazz, ao lado de outros músicos do quilate de Brian Blade e John Patittucci. Hermeto deve ter ficado orgulhoso ao ver que mais um de seus discípulos está prestes a ser admirado no resto do mundo. 

(Texto escrito a convite da gravadora Borandá, por ocasião do lançamento do álbum "Viva Hermeto") 





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