BMW Jazz Festival: Ahmad Jamal traz seu piano sintético e elegante a São Paulo

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Aos 83 anos, ele continua a entusiasmar plateias, em festivais pelo mundo. Seus improvisos sintéticos e elegantes influenciaram até um gênio musical como o trompetista Miles Davis, seu declarado admirador.

O pianista e compositor norte-americano Ahmad Jamal é a atração principal da noite de abertura do 4º BMW Jazz Festival, nesta quinta-feira, no HSBC Brasil, em São Paulo. Quem fecha o programa é o talentoso saxofonista Kenny Garrett.

Falando à "Folha de S. Paulo", Jamal relembrou sua primeira e conturbada apresentação no Brasil, em 1978. “O piano Steinway que estava no palco era tão velho que as teclas ainda eram feitas de marfim. Quando algumas se soltaram, eu as atirei para a plateia, que adorou. Nem pude terminar o concerto”, conta, rindo.

Esse incidente não chegou a prejudicar a relação de Jamal com o Brasil. Tanto é que ele retornou outras três vezes – a última em 2010, quando se apresentou no extinto Bridgestone Music Festival. “Eu já não toco mais em clubes, nem viajo muito para tocar, só mesmo em ocasiões especiais. Estou aqui outra vez porque se trata de um evento especial”, justifica.

Seu quarteto já não é exatamente o mesmo de quatro anos atrás. Além do percussionista Manolo Badrena, seu antigo parceiro, e do baterista Herlin Riley, destaque na cena musical de Nova Orleans, desta vez Jamal trouxe o contrabaixista Reginald Veal.

Nascido em Pittsburgh, onde começou a tocar aos 11 anos, Jamal lidera seus próprios grupos desde 1951. O fato de essa cidade da Pensilvânia ter gerado outros grandes músicos do jazz, como Earl Hines, Billy Strayhorn, Erroll Gardner, Ray Brown ou Art Blakey, não é gratuito, segundo ele.

“Há um livro sobre Pittsburgh intitulado ‘There Must Be Something in the Water’ (deve ser alguma coisa na água). Poucas cidades norte-americanas, como Nova Orleans, Saint Louis, Detroit ou Memphis, revelaram tantos grandes músicos. Chamo isso de fenômeno”, define.

Quem acompanha a discografia de Jamal sabe que os standards e clássicos do jazz foram, progressivamente, cedendo espaço às composições próprias. Pergunte a ele quais são as fontes de inspiração para suas composições e a resposta virá em uma única palavra: “vida”.

“Essa proporção já foi inversa, mas hoje eu dedico 80% de meu repertório às minhas composições e apenas 20% a clássicos do cancioneiro norte-americano. Às vezes, para ser notado, você precisa tocar alguma coisa com a qual pessoas estão familiarizadas, mas o que torna tão extraordinárias as canções de Gershwin e outros desses autores é justamente a nossa interpretação”, afirma.

O fato de Jamal raramente tocar ou gravar canções compostas após os anos 1950, como chegou a fazer com “Michelle” (dos Beatles) ou “Superstitious” (Stevie Wonder), seria uma evidencia de que ele considera inferiores as gerações mais recentes de compositores?

“Estávamos discutindo isso ontem mesmo, no avião. Não sei, mas parece que a era dos músicos revolucionários está desaparecendo. Músicos como Duke Ellington, Charlie Parker, Dizzy Gillespie, John Coltrane e Miles Davis eram revolucionários. Eles ainda existem hoje? Eu continuo procurando-os entre músicos mais jovens”, diz, mencionando a promissora pianista japonesa Hiromi, sua afilhada musical.

E o que Jamal acha de o slogan “less is more” (menos é mais), às vezes mencionado para definir a sintética concepção musical de Miles Davis (com o qual jamais se apresentou ou gravou), ser utilizado também para representar seu estilo de tocar piano?

“Esse princípio também se aplica à alimentação. Se você comer uma torta inteira, pode até ficar doente. Mas se você comer apenas uma fatia por dia, durante 50 anos, tudo bem. Ele se aplica a tudo, mas prefiro chamar isso de disciplina”, conclui o sábio pianista.


Mais informações no site do BMW Jazz Festival

(entrevista publicada na edição online da "Folha de São Paulo", em 29/5/2014

 

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