Goio Lima: uma obra instrumental inspirada nas belezas da moderna música brasileira

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                                                                   O compositor e instrumentista Goio Lima

A experiência de viver durante alguns anos em outro país pode ser reveladora. São frequentes os relatos de artistas que, ao morarem fora de seus países de origem, passaram a valorizar mais sua própria cultura – como muitos brasileiros que só descobriram essa identidade ao se verem na condição de estrangeiros.

O caso do instrumentista e compositor Goio Lima é diferente. O paulista nascido na cidade de Campinas iniciou sua carreira musical em meados dos anos 1980, tocando em grupos de jazz e de música instrumental brasileira, como o Mojave. Também fez parte de bandas pop ou de música afro-cubana, como a Havana Brasil. No entanto, quando decidiu se mudar para a Inglaterra, onde viveu de 2014 a 2018, Goio já somava em seu currículo acadêmico duas décadas de estudos dedicados à música brasileira.

“Ali por 1995, já ao final do meu curso de graduação na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), descobri os discos da Nana Caymmi e me aprofundei na obra de Tom Jobim. Voltei toda a atenção, em minhas pesquisas, para a música brasileira”, observa o saxofonista e flautista, que posteriormente concluiu seu mestrado em música, na mesma universidade paulista.

Já como professor assistente da Universidade Federal de Uberlândia (em Minas Gerais), a partir de 2009, Goio acentuou seu vínculo com a moderna música popular brasileira. Criou a Orquestra Popular do Cerrado – espécie de big band com uma sonoridade mais brasileira, para a qual escreveu arranjos e, como solista e regente, se apresentou com ela ao lado de conceituados artistas da MPB, da bossa nova e da música instrumental brasileira, como João Donato, Toninho Horta, Paulo Jobim e Wagner Tiso.

“Chamei-a de orquestra popular porque sua formação é diferente de uma big band de jazz. Ela soa mais próxima dos arranjos do Luiz Eça e do Eumir Deodato, que usam mais flauta em sol, trompa, clarinete e flugelhorn do que trompetes e saxofones. Privilegia também uma seção rítmica com violão e muita percussão”, analisa o fundador da Orquestra Popular do Cerrado, que criou na mesma linha musical, em 2013, a Orquestra Popular de Araxá – o concerto inaugural contou com participação de Ivan Lins.



Influências e homenagens

A admiração que Goio Lima demonstra pela moderna música popular brasileira, assim como a marcante influência que o jazz exerceu sobre sua obra, chamam atenção nas 19 faixas deste que é seu primeiro disco autoral. Sambas e bossas instrumentais, baladas e valsas de ascendência jazzística, sobressaem neste repertório inédito e de alta qualidade, que também inclui um baião, um frevo e até uma marcha.

Nos arranjos, todos assinados pelo compositor e instrumentista, a opção por um quinteto – com sax e/ou flauta, trompete e/ou flugelhorn, piano, baixo e bateria – tem tudo a ver com o repertório do álbum. Essa é uma formação instrumental que se tornou clássica, tanto durante o nascimento e a consolidação do jazz moderno, assim como nos primeiros anos do samba-jazz.

Bem escolhido para abrir este álbum duplo, o saboroso samba “Um Abraço no Donato” é uma homenagem de Goio a João Donato, pioneiro da bossa nova. O tema se baseia em um fragmento melódico de “Lugar Comum”, uma das jóias musicais do pianista e compositor acreano, que recebeu os conhecidos versos de Gilberto Gil.

Diferentemente de algumas homenagens duvidosas que ouvimos por aí, as composições que Goio dedica a diversos músicos que o influenciaram remetem às obras ou aos estilos musicais dos homenageados. Como o inusitado baião “Mingus no Forró”, dedicada ao irreverente jazzista americano Charles Mingus; a sensível balada “Tema pro Johnny Alf”, inspirada nas líricas composições desse original precursor da bossa; ou o samba “Skateboard”, derivado de “Surfboard”, um dos temas instrumentais mais deliciosos de Tom Jobim.

Aliás, a grande admiração que revela pela obra musical de Jobim (autor de valsas belíssimas, como “Chovendo na Roseira” ou “Valsa do Porto das Caixas”) também explica o especial interesse de Goio por esse clássico gênero musical – algo incomum entre os músicos de sua geração. Belezas como “Sul de Minas” e “Valsa do Natal” destacam-se entre as seis valsas de sua autoria incluídas neste álbum.

Goio também escolheu esse gênero (no caso uma valsa de ascendência jazzística) para homenagear o músico mineiro Nivaldo Ornelas, um dos saxofonistas que mais o influenciaram, em sua composição “Nivaldo, Como Está o Tempo em BH?”. Já o norte-americano Stan Getz, outro grande saxofonista que lhe serviu de modelo, inspirou a delicada balada “Pro Getz”, na linha do “cool jazz”.  


“Sempre admirei no Getz o discurso musical, às vezes bem próximo da fala, assim como sua maneira elegante de tocar uma balada. Aliás, outra grande paixão minha que está bem representada neste CD”, comenta Goio, referindo-se a essa outra clássica forma musical que os músicos do jazz costumam cultivar. As românticas “Uma Rosa pra Fátima Guedes” e “Esperando Maria” certamente vão agradar bastante aqueles que sabem apreciar o lirismo das baladas.

Para quem, como eu, teve a oportunidade de acompanhar em clubes e outros palcos de São Paulo alguns dos trabalhos realizados por Goio Lima, ouvir agora seu primeiro álbum permite perceber como ele evoluiu como artista. Suas composições, seus arranjos e solos reunidos neste CD (capa na foto acima), que refletem sua personalidade musical, traçam a imagem de um instrumentista que fez escolhas, que praticou seus instrumentos e estudou muito, até se tornar um compositor refinado e músico completo. Que venham outros discos e projetos!

(Texto escrito para o encarte do CD "Goio Lima", que já pode ser ouvido nas plataformas digitais. Nas gravações, o saxofonista e flautista tem a seu lado os trompetistas Rubinho Antunes e João Lenhari, os pianistas Edmundo Cassis e Gabriel Gaiardo, o contrabaixista Evaldo Guedes e os bateristas Paulinho Vicente e Jorge Savedra)






 

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