Marcos Valle: da bossa nova ao funk, a trajetória de um inovador da MPB

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O lançamento simultâneo de uma caixa com os 10 primeiros álbuns de Marcos Valle e de seu CD mais recente, “Estática” (ambos em edições da EMI), permite conferir como a obra desse original compositor, cantor, tecladista e violonista carioca se manteve atraente e contemporânea, sem aderir a modismos passageiros.

A caixa “Marcos Valle Tudo” cobre o período 1963-1974. Em seus primeiros álbuns, “Samba Demais” (de 1963) e “O Compositor e o Cantor” (de 1965, que já trazia os sucessos “Samba de Verão” e “Preciso Aprender a Ser Só”), Valle revelou-se um talentoso integrante da segunda geração da bossa nova.


Em “Mustang Cor de Sangue” (1969), ele rompeu com esse modelo inicial: abriu-se a influências da música pop, aproximando-se do soul (“O Evangelho Segundo San Quentin”) e do funk (“Tigre da Esso, Que Sucesso”). Canções como “Black Is Beautiful” e “O Cafona”, do álbum “Garra” (1971), exemplificam a vocação de Valle para criar eficazes grooves.


A caixa inclui também o CD “The Lost Sessions”, com gravações inéditas que o produtor Charles Gavin encontrou ao realizar a pesquisa. Trata-se de um álbum incompleto, que deveria ter sido o terceiro de Valle, mas este desistiu do projeto após uma longa temporada nos EUA. Mesmo que só quatro faixas tragam vocais (incluindo as conhecidas “Os Grilos” e “Batucada Surgiu”), os saborosos arranjos orquestrais de Eumir Deodato, Geraldo Vespar e do próprio Valle já se bastam.


Gravado pelo selo londrino Far Out, “Estática” também inclui canções e temas instrumentais. Além da variedade rítmica que caracteriza seus discos, Valle cerca-se aqui de parceiros de diferentes gerações, como Joyce (no divertido samba “Papo de Maluco”), Ronaldo Bastos (“Baião Maracatu”) e Marcelo Camelo (no samba-funk “Eu Vou”).


Também não poderia faltar seu antigo parceiro, o irmão Paulo Sérgio Valle, com o qual assina o irresistível baião “Arranca Toco”. Aos 67 anos, o compositor e cantor que já fez um radical elogio à juventude, na canção “Com Mais de 30” (“não confie em ninguém com mais de 30 anos”), prova, ironicamente, que modernidade nem sempre vem acompanhada por pouca idade.


(resenha publicada originalmente no “Guia Folha – Livros, Discos, Filmes”, edição de 26/8/2011)





Marcelo Nova: quem diria que o ícone do rock dos anos 80 agora gosta de jazz?

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Acredite se puder: Marcelo Nova, um dos expoentes do rock brasileiro dos anos 1980, virou apreciador de jazz. Nos últimos anos, o cantor, compositor e ex-líder da banda Camisa de Vênus tem comprado com frequência discos de jazz gravados nas décadas de 1930, 40 e 50, aos quais dedica suas horas de lazer.

Nesta entrevista, publicada parcialmente na “Folha de S. Paulo”, Marcelo declara-se fã tardio de mestres do swing e do jazz clássico, como o saxofonista Ben Webster (1909-1973), os trompetistas Harry Edison (1915-1999) e Charlie Shavers (1920-1971) ou o baterista Joe Jones (1911-1985). E faz comentários que revelam sua intimidade com o estilo musical desses jazzistas.

Mas não pense que, nos palcos e estúdios, o irreverente cantor e guitarrista baiano mudou de estilo musical. Ele acaba de lançar “Hoje no Bolshoi”, CD duplo gravado ao vivo, num show em Goiânia, que também chega às lojas na versão DVD e, em breve, Blu-ray. Nessa gravação, Marcelo revê suas três décadas de carreira musical, incluindo alguns de seus sucessos e duas canções inéditas. 




 
É verdade que você tem ouvido muito jazz nos últimos anos?
Marcelo Nova - Sou um jazzmaníaco tardio. No final da década de 70, na Bahia, trabalhei na programação da Aratu FM. Na madrugada, eu tocava um disco de Ben Webster (no video acima), saxofonista com um timbre rude, que eu adorava mesmo sem conhecer nada de jazz. Mas logo comecei a ouvir Sex Pistols, formei o Camisa de Vênus e me afastei do tal do jazz. Uns anos atrás, por acaso, vi numa loja um disco do Ben Webster, que levei para casa. Não sei como pude ficar tanto tempo sem ouvir esse cara. Comecei a comprar todos os discos dele e dos caras que tocavam com ele. Ao contrário do rock and roll, que eu descobri aos 9 anos, descobri o jazz já depois dos 50. Como cheguei ao jazz com muito atraso, passei a comprar disco adoidado.

Que outros músicos de jazz te interessam?

Marcelo - Como eu não era um estudioso do jazz, antes só conhecia o que todo mundo conhece: Miles Davis, John Coltrane, Tommy Dorsey, as coisas mais emblemáticas de cada período. Achei o som do Ben Webster tão interessante, que fui atrás dos caras que tocavam com ele. Comecei a ouvir Harry “Sweets” Edison e Charlie Shavers, no trompete; Ray Bryant, no piano; Jo Jones, na bateria. De certa maneira, havia ali uns 15 ou 20 caras – um gravava com o outro. O mais interessante é que, quando tocavam nos discos que não eram de si próprios, eles demonstravam um grande respeito pelo estilo do líder naquele momento. Quando tocavam com o Ben Webster, por exemplo, todos tocavam pianinho, ficavam ali acompanhando o que ele fazia.

O que os seus colegas do rock acham desse seu interesse tardio pelo jazz? Já te chamaram de traidor?

Marcelo - Detesto roqueiros, esses caras que vão a lojas de vinil, no fim de semana, para ficar discutindo se o som analógico é melhor que o digital. Sempre fui um individualista. Eu gosto é de ir ao shopping center comprar sutiãs meia taça, calcinhas e cintas-ligas pra minha mulher. Sempre fui um romântico. Em 1983, gravei uma canção com um refrão que diz: “Não vai haver amor nesse mundo nunca mais”. Essa é a frase mais romântica que eu ouvi até hoje. Tenho passado muitas noites ouvindo Ben Webster.

E o que te atrai na música do Ben Webster?

Marcelo - Ele é um apreciador da melodia, um homem que respeita a harmonia, mas nem de longe é um músico meloso. É um cara que toca suas baladas, mas quando resolve enfiar a boca é de uma categoria impressionante. O que fez eu me apaixonar pela música de Ben Webster é essa identidade que ele imprime à sua música.

Alguns fãs do punk têm afinidade com o jazz de vanguarda. Como você explica sua preferência pelo jazz tradicional?

Marcelo - Eu gosto mesmo é de swing, de jazz dos anos 30 aos 50. Sou um homem da tradição, o único cara do rock brasileiro que gravou Adelino Moreira. Jamais suportei as vanguardas. Esse pessoal de vanguarda entrega logo a retaguarda (risos). Sou um cara que veio da tradição. O que faz que o meu rock and roll seja identificável é a minha maneira de interpretar. Não sou um grande cantor, mas consigo dar uma cara minha ao que eu interpreto. Musicalmente, nessa gama de raízes do rock, que vai do rockabilly ao country e ao blues, eu percebo que os artistas que mais aprecio são aqueles que não se afastaram dessas raízes. Talvez por isso eu tenha apreciado o punk, naquela época, por ser uma coisa absolutamente brutal e primitiva. De alguma maneira, Steve Jones retomou Chuck Berry na guitarra.

Seu novo álbum, “Hoje no Bolshoi”, foi gravado ao vivo. Que critério você usou para escolher o repertório?

Marcelo - Sempre gostei de rock, no sentido mais amplo. Esse disco representa o que eu fiz durante 31 anos e tem o vigor que sempre pretendi levar ao palco. Escolhi hits dos meus discos de ouro e algumas canções dos meus discos de couro, aqueles que não venderam nada – aliás, gosto mais deles do que dos discos de ouro. Também coloquei duas músicas inéditas, porque continuo compondo.

“O Galope do Tempo” (de 2006) é seu disco mais maduro e ambicioso, mas foi pouco comentado. Isso te decepcionou?

Marcelo - Se eu tivesse de assinar em baixo de um disco meu, seria esse, sem dúvida. É um trabalho autobiográfico que levei 13 anos para compor. Acho que ele merecia mais exposição, mas eu faço música para mim. Se ela agradar alguém, ótimo. Vou relança-lo em 2012.

Como você encara hoje a geração do rock brasileiro dos anos 80?

Marcelo - Assim como nos Estados Unidos e na Europa, o rock brasileiro foi feito por 10% de gente que tinha valor artístico e 90% sem nenhum talento. Aliás, quando notei que todas as bandas cariocas que tocavam no Circo Voador usavam bermudas e camisetinhas de cores cítricas, criei a expressão “rock de bermudas”, que me custou algumas inimizades (risos). Posso perder uma eventual amizade, mas uma bela piada jamais.

(entrevista publicada parcialmente no “Guia Folha - Livros, Discos e Filmes”, em 26/08/2011)

Eli Joory e Maria Teresa Madeira: a facilidade de transitar entre o clássico e o popular

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                                                                                                  Foto de Bruno Veiga/Divulgação

A formação erudita do compositor e saxofonista Eli Joory, conhecido na cena da música instrumental brasileira, chama atenção em "Tomara que Chova" (lançamento Delira), álbum que reúne nove de suas peças para piano solo ou duos de música de câmara. Quem as interpreta é a pianista Maria Teresa Madeira (na foto acima, com Joory), presente em todas as faixas, além de alguns instrumentistas convidados.

Em “Cirandas”, que abre o disco, a cantiga folclórica “Atirei o Pau no Gato” serve de tema para uma criativa fantasia, na qual a popular melodia surge em diversas variações, que a pianista conduz com elegância. Em “Gonzagueando”, peça marcada pelo ritmo do baião, a flauta e o sax soprano de Carlos Malta são os protagonistas, costurando as melodias de sucessos associados a Luiz Gonzaga (“Asa Branca”, “Assum Preto” e “Maria Bonita”). Ao transitar com facilidade entre a tradição clássica e a música popular, Joory sugere que quem mais ganha com isso é seu ouvinte.

(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos e Filmes", em 29/7/2011)

Jaques Morelenbaum: violoncelista e arranjador é atração do 2º Festival Telefônica Sonidos

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Entre o grande público, o nome do violoncelista e produtor Jaques Morelenbaum costuma ser associado às parcerias que manteve com Tom Jobim ou Caetano Veloso. Muitos não sabem que ele é um dos músicos brasileiros mais produtivos e requisitados durante as últimas três décadas. Sua extensa lista de serviços prestados à música brasileira e internacional inclui mais de 2 mil concertos e shows, cerca de 700 gravações e a produção de mais de 60 discos. 

 
"Não gosto de desperdiçar oportunidades. Adoro ter um tempinho livre para cuidar das minhas plantas, para apreciar a natureza, e acho que muito da inspiração que tenho para a música vem dessa apreciação da vida. Mas, como não costumo recusar bons convites, acabo trabalhando como um workaholic", diz o músico carioca de 57 anos, que vai se apresentar com o pianista cubano Omar Sosa, na quinta-feira, em São Paulo, na segunda edição do festival Telefônica Sonidos.

Morelenbaum e Sosa se conheceram pessoalmente, uma década atrás, num show do cubano, em Paris. "Fiquei alucinado com o que ouvi naquela noite. O Omar tem um conceito musical universalista, sem fronteiras, com o qual me identifico muito", relembra o brasileiro, que se surpreendeu ao saber que Sosa já apreciava seus trabalhos. Depois de se reencontrarem algumas vezes, em meio a turnês por diversos países, Morelenbaum aceitou o convite do cubano para participar como arranjador de um projeto com a Big Band da NDR, a Rádio Estatal de Hamburgo (Alemanha), em 2007.

"Foi um desafio, um projeto bem complexo. Eu já tinha escrito para orquestra sinfônica, mas nunca antes para uma 'big band'. Curtimos muito esse trabalho, porque o resultado ficou bastante saboroso", comenta Morelenbaum, lembrando que também apresentaram esse repertório durante o Festival Internacional de Jazz de Barcelona, no ano passado. E a parceria parece estar só no início. O músico brasileiro aproveita o show da próxima semana, em São Paulo, para gravar um disco que Sosa já começou a produzir, com o trompetista italiano Paolo Fresú.

Outra artista escalada para esta edição do Telefônica Sonidos, que, coincidentemente, também já contou com o know-how de Morelenbaum, é Julieta Venegas, cantora californiana de ascendência mexicana. "Ela tem um lado que toca minha faceta 'beatlemaníaca', um jeito meio Beatles de compor. O trabalho dela me encanta", elogia o carioca, que coproduziu e escreveu arranjos para o CD "Acústico MTV", que Julieta lançou em 2008 e foi premiado com dois Grammys latinos.

Além de arranjar, de produzir gravações e de acompanhar intérpretes e músicos brasileiros de diversos estilos e gerações, como Gal Costa, Vanessa da Mata, Chico Buarque, Marisa Monte, Titãs, Milton Nascimento, João Bosco, Carlinhos Brown e Gilberto Gil (com o qual tem tocado nos últimos anos), Morelenbaum também já colaborou com conceituados artistas de diversos países, como o cantor britânico Sting, os guitarristas americanos John Scofield e Bill Frisell, as cantoras lusitanas Marisa e Dulce Pontes, o compositor angolano Paulo Flores e as cantoras cabo-verdianas Cesária Évora e Mayra Andrade, entre outros.

O produtor e arranjador conta que, em seu primeiro contato com algum artista estrangeiro, costuma ouvir referências a álbuns como "Fina Estampa" (1994) ou "A Foreign Sound" (2004), resultantes de sua parceria de 14 anos com Caetano Veloso, ou aos discos que fez durante os dez anos em que tocou na banda de Tom Jobim. Também ouve com frequência elogios às gravações que fez com o músico e compositor japonês Riuichi Sakamoto - especialmente "Casa" (2001), álbum que inclui a cantora Paula Morelenbaum, sua mulher, e foi gravado na casa em que Tom Jobim (1927-1994) viveu suas últimas décadas, no bairro do Jardim Botânico, no Rio.

"Volta e meia encontro alguém que se refere a ele, dizendo: 'Esse é o disco da minha vida'. 'Casa' é um disco muito emocional, até pelo fato de, anos após a morte do Tom, a gente ter voltado àquele ambiente, ao templo musical onde convivemos com ele por tanto tempo. Essa colaboração com o Sakamoto, que também é fã incondicional do Tom, é um marco na minha vida", afirma o músico carioca, revelando que, no fim de outubro, vai retomar a parceria com ele, integrando seu novo trio.

Após tantas parcerias, Morelenbaum diz que já se acostumou a enfrentar novos desafios a cada experiência musical. 'Tocar com Egberto Gismonti, por exemplo, foi um desafio em termos técnicos. Ele é um virtuose, um músico extremamente dotado. A música concebida por ele exige muito do instrumentista", analisa. Já a parceria com Tom Jobim apresentou outro tipo de desafio. "No primeiro ensaio, perguntei o que ele queria que eu tocasse. Tom respondeu que eu poderia tocar o que quisesse. Então pensei: 'Como posso fazer algo à altura dessa música que eu acho tão perfeita e inatingível?'", relembra.

A facilidade de transitar por diversos gêneros e estilos musicais - do samba ao jazz, passando pelo fado português ou pelo chá-chá-chá cubano - tem a ver, acredita Morelenbaum, com sua formação clássica. "A música erudita e a minha aproximação da música popular, que foi bastante precoce, abriram minha visão no sentido de admirar diversos tipos de música. A música erudita oferece um campo bastante amplo, que inclui músicas de diversas nacionalidades e vários tipos de influências. Isso me proporcionou a visão de que a música é um fenômeno universal. É aí que está a beleza da música."

Em sua segunda edição, que ocupará dois palcos instalados no Jóquei Clube de São Paulo, de quarta a sábado, o festival Telefônica Sonidos mantém o formato de encontros de brasileiros com bandas e músicos de diversos países de ascendência latina. A noite de estreia anuncia, no Palco Jazz Latino, show do pianista cubano Chucho Valdés com o bandolinista carioca Hamilton de Holanda. Para o mesmo espaço também estão programados os encontros do guitarrista cubano Alex Cuba com a cantora paulista Tulipa (dia 26) e do cantor espanhol Pitingo com Marina de la Riva, brasileira de origem cubana (dia 27).

A programação no Palco Pop Urban resume-se ao fim de semana, mas oferece mais atrações por noite. No dia 26, apresentam-se: a banda venezuelana Los Amigos Invisibles com o carioca Seu Jorge; Julieta Venegas e a carioca Marisa Monte; a banda cubana Juan Formell y Los Van Van com o baiano Carlinhos Brown. No dia 27, entram em cena o trio mexicano Camila com a dupla mineira Victor e Leo; a dupla argentina Illya Kuryaki & The Valderramas com a banda mineira Jota Quest. Um programa musical bem heterodoxo.

Mais informações: www.telefonicasonidos.com.br


(texto publicado no caderno “Eu & Fim de Semana”, do jornal “Valor”, em 19/8/2011)


Gisele De Santi: cantora é revelação promissora da cena musical de Porto Alegre

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Revelação da cena musical de Porto Alegre (RS), a cantora Gisele De Santi, 25, despontou no ano passado, já como autora do repertório de seu primeiro disco (lançamento independente). A temática amorosa predomina nas 12 faixas, mas elas revelam uma saudável diversidade rítmica: da sensível e romântica “Chama-me”, bem tingida por cordas e percussão, ao dançante samba-rock “Há Milênios”; da levada pop de “Outono” à bossa “Morena Branca”.

Destacam-se também os arranjos do álbum, assinados pelo violonista Fabrício Gambogi, pelo baterista Gilberto Ribeiro Jr. e pela própria cantora, que buscam combinações sonoras menos comuns. Pena que a voz doce de Gisele ainda remeta com frequência a outras cantoras contemporâneas, como Vanessa da Mata ou Céu, mas sua estréia promissora indica que talento não lhe falta. Só precisa amadurecer mais um pouco e deixar de vez seus modelos vocais para trás.


(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Disco e Filmes", edição de 29/07/2011).

9º Bourbon Street Fest: uma multidão para se divertir aos sons de New Orleans

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                                                                                          Photos by Carlos Calado
A tranquila Rua dos Chanés, em Moema, na zona sul de São Paulo, voltou a ser uma festiva New Orleans por um dia. Uma multidão participou, no último domingo, dos shows de encerramento do 9º Bourbon Street Fest. Difícil calcular quantas pessoas estavam ali, já que não só a rua, mas também suas transversais, ficaram abarrotadas de gente. Como acompanho esse festival desde o primeiro ano, posso dizer com segurança que essa foi sua edição mais concorrida. 

 
Os shows começaram com o sol ainda iluminando com intensidade o palco instalado ao lado do Bourbon Street Music Club. O sexteto do trombonista Delfeayo Marsalis (na foto acima), que também destaca o experiente pianista Victor Atkins, fez uma excitante exibição de jazz moderno. O clímax do show foi a frenética versão de "Pontius Pilates' Decision"
(de Marsalis), com um solo quase “free” do sax tenor Mark Shim. 


O acordeonista e cantor Nathan e sua banda The Zydeco Cha Chas entraram em seguida, provando que a plateia paulistana já assimilou e curte bastante o zydeco, gênero dançante típico da Louisiana, que possui certa semelhança com o nosso forró. Como outros artistas atuais do zydeco, Nathan tem um repertório eclético, que mistura o clássico gospel “Amazing Grace” com o hit soul “Fa-Fa-Fa-Fa-Fa (Sad Song)”, de Otis Redding.

 

Última atração do programa, a Dirty Dozen Brass Band (na foto acima) animou mais ainda a plateia com seus irresistíveis funks ao estilo de New Orleans. O palco mal tinha espaço suficiente para as “canjas” dos músicos de Nathan e Delfeayo Marsalis com a banda. Até alguns lencinhos brancos, típicos dos desfiles das bandas de rua de New Orleans, foram vistos na plateia, quando a Dirty Dozen e seus convidados tocaram o tradicional hino “When the Saints Go Marchin’ In”. 


 
Edgard Radesca, diretor artístico do Bourbon Street Fest, revelou a este blog que já está pensando em alternativas para ampliar o palco da Rua dos Chanés, permitindo assim que mais gente possa participar da comemoração de 10 anos do evento, no próximo ano. Quem esteve lá, no último domingo, certamente vai querer voltar em 2012. 





 

Alligator Records: conceituado selo de blues volta a ser distribuído no Brasil

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No ano em que festeja o 40º aniversário, a Alligator Records, conceituada gravadora de blues, retorna ao mercado brasileiro após um hiato de quase uma década. Graças à parceria com o selo carioca Delira Música, dez álbuns de seu catálogo já estão disponíveis por aqui.

Baseada em Chicago (EUA), a Alligator é dirigida até hoje por seu fundador, o produtor Bruce Iglauer, entusiasta do blues que distribuía seus primeiros discos com uma caminhonete. "Sou uma espécie de pastor que tenta converter todos à minha religião", disse ele a este repórter, em 1994, quando esteve pela primeira vez em São Paulo, acompanhando a cantora Koko Taylor (1928-2009).

Dona de um vozeirão potente, bem ao estilo do blues clássico de Chicago, Koko está representada no pacote por “Old School” (2007), álbum premiado com o Grammy. Também é homenageada pelo gaitista James Cotton, outro ícone do gênero, que incluiu seu “Blues for Koko” no repertório do CD “Giant” (2010).

Centrado em álbuns inéditos no Brasil, gravados na última década, o pacote mostra também a diversidade do catálogo Alligator. Um exemplo precioso é “Have a Little Faith” (2004), da veterana Mavis Staples, que interpreta com a voz rascante uma emotiva coleção de canções entre o rhythm & blues, o soul e o gospel. Carismática também é Janiva Magness, revelação do R&B, que esbanja talento e garra, em “What Love Will Do” (2008).

O rhythm & blues e o soul estão presentes também, em doses generosas, tanto no dançante repertório do californiano Tommy Castro (“Hard Believer”, 2009), como no saboroso “State of Grace” (2008), do trio The Holmes Brothers, que mistura material próprio e releituras de canções de John Fogerty, Hank Williams e Lyle Lovett.

A diversidade se amplia nos CDs restantes. Quem acha que o sanfoneiro Buckwheat Zydeco limita-se ao gênero típico da Louisiana, que usa como nome artístico, vai se surpreender ao ouvir “Lay Your Burden Down” (2009). Mais inusitado é o álbum do gaitista Corky Siegel, que faz “blues de câmara” com um quarteto de cordas e percussão. Já o também gaitista Rick Estrin está mais próximo do jump blues e do rockabilly dos anos 1950.

O pacote inclui ainda a reedição de um dos best-sellers da Alligator: “Showdown!” (1985), que registra o radiante encontro dos guitarristas Albert Collins, Robert Cray e Johnny Copeland. Um álbum essencial na discoteca de qualquer fã do blues moderno.

(texto publicado no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 29/07/2011)


 

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