Eugénia Melo e Castro e Milton Nascimento - Photo by Valéria Costa Pinto/Divulgação
Conhecida por sua intimidade com a MPB, que já rendeu diversos trabalhos ao lado de músicos brasileiros, a cantora portuguesa Eugénia Melo e Castro comemora 30 anos de carreira com "Um Gosto de Sol" (lançamento do selo SESC), álbum gravado em Belo Horizonte (MG), com canções de compositores mineiros, como Milton Nascimento, Beto Guedes e Fernando Brant, entre outros.
À primeira vista, o projeto parece um tributo ao lendário Clube da Esquina, mas é mais que isso. Com sua voz suave e contida, Eugénia recria alguns clássicos dessa geração de compositores, como “Um Gosto de Sol” (Milton e Ronaldo Bastos) e “Tarde” (Milton e Márcio Borges), sugerindo que o lirismo mineiro tem muito a ver com a melancolia da música portuguesa.
Entre um poema de Fernando Pessoa e participações de Milton, Toninho Horta, Tulio Mourão e Chico Amaral, o duo de Eugénia com Wagner Tiso, em “O Cerco” (assinada por ambos), é simbólico: trinta anos atrás, a portuguesa procurou esse pianista e maestro mineiro para guiá-la nos meandros da música brasileira.
(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 26/05/2012)
Eugénia Melo e Castro: da melancolia lusitana ao lirismo de Minas Gerais
Marcadores: beto guedes, Chico Amaral, clube da esquina, eugénia melo e castro, fernando brant, márcio borges, milton nascimento, ronaldo bastos, toninho horta, tulio mourão, wagner tiso | author: Carlos CaladoEtta James: compilação relembra sucessos da explosiva cantora de rhythm & blues
Marcadores: etta james, jazz, rhythm'n'blues, soul, the doors | author: Carlos Calado
A morte da cantora Etta James, aos 73 anos, em janeiro deste ano, determinou a edição brasileira da compilação "At Last", já lançada em 2010, no exterior, pela Decca/Universal. Com 25 faixas, quase todas gravadas nas décadas de 1960 e 1970, essa seleção oferece um diversificado retrato das fases iniciais da carreira da original intérprete do rhythm & blues e outros gêneros da música negra norte-americana.
A balada “At Last”, maior sucesso de Etta, já surge de cara, com o choroso naipe de cordas, decalcado em gravações posteriores, como “Fool That I Am” ou mesmo nas românticas releituras dos standards “Stormy Weather” e “These Foolish Things”.
Emotiva e explosiva, Etta também exibe seu vozeirão afiado em canções que a acompanharam até seus últimos dias, como a melancólica “I’d Rather Go Blind” ou a dançante “Tell Mama”. Já a releitura de “Light My Fire”, hit da banda The Doors, mostra como uma grande cantora é capaz de imprimir sua personalidade até em canções com gravações aparentemente definitivas.
(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 26/5/2012)
A balada “At Last”, maior sucesso de Etta, já surge de cara, com o choroso naipe de cordas, decalcado em gravações posteriores, como “Fool That I Am” ou mesmo nas românticas releituras dos standards “Stormy Weather” e “These Foolish Things”.
Emotiva e explosiva, Etta também exibe seu vozeirão afiado em canções que a acompanharam até seus últimos dias, como a melancólica “I’d Rather Go Blind” ou a dançante “Tell Mama”. Já a releitura de “Light My Fire”, hit da banda The Doors, mostra como uma grande cantora é capaz de imprimir sua personalidade até em canções com gravações aparentemente definitivas.
(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 26/5/2012)
BMW Jazz Festival: segunda edição do evento, em São Paulo, superou a anterior
Marcadores: charles loyd, Christian Scott, Darcy James Argue, David Sánchez, Eric Harland, Jason Moran, jazz, ninety miles, reuben rogers, stefon harris | author: Carlos Calado
O Charles Loyd Quartet / Photo by Marcos Hermes-Divulgação
Programar bandas de funk, soul e rock, em festival de jazz, é um recurso populista? Se o jazz morreu ainda na década de 1940, como dizem alguns, esqueceram de avisar aos músicos, fãs e centenas de festivais do gênero realizados hoje pelo mundo? Música instrumental brasileira também pode ser considerada jazz?
Discussões insolúveis como essas têm acompanhado os festivais do gênero, praticamente, desde o pioneiro Newport Jazz Festival, em 1954. Não eram muito diferentes as conversas ouvidas nos corredores do Via Funchal, em São Paulo, durante a segunda edição do BMW Jazz Festival, que terminou já na madrugada de segunda-feira (11/6).
Mesmo assim, poucos discordarão da superioridade desta edição frente à do ano passado, tanto em termos de substância musical, como por ter conseguido representar em seu elenco diversas tendências que circulam hoje pelos festivais internacionais apoiados no sofisticado rótulo do jazz.
Para alegria dos fãs mais puristas, o jazz predominou, na terceira e última noite do BMW Jazz Festival. Começou com a Secret Society, big band do canadense Darcy James Argue, festejado por aproximar a tradição dos arranjos orquestrais no jazz de outros gêneros, como a música clássica e contemporânea, ou mesmo do rock.
Porém, quem foi mal informado ao festival, imaginando ouvir versões orquestrais de canções do Radiohead ou do Nirvana, deparou-se com “Brooklyn Babylon”, suíte baseada numa história do quadrinista croata Danijel Zezelj, que mistura elementos musicais do minimalismo, passagens dramáticas típicas de trilhas cinematográficas e, enfim, uma guitarra bem roqueira.
Stefon Harris, Christian Scott e David Sanchéz / Photo by Marcos Hermes-Divulgação
Mesmo sem contar com os pianistas cubanos Harold López-Nussa e Rember Duharte, que contribuíram bastante para as gravações do projeto Ninety Miles, o vibrafonista Stefon Harris, o saxofonista David Sánchez, o trompetista Christian Scott e grupo incendiaram a plateia com seu jazz contemporâneo calcado em ritmos afro-cubanos. Solando com paixão sua balada “The Forgotten Ones”, Sánchez foi o responsável pelo número mais sublime da noite.
Quem foi mais cedo para casa perdeu outro ponto alto do festival: o show do veterano saxofonista Charles Lloyd, dono de um faro apurado para formar seus grupos. O pianista Jason Moran, o baixista Reuben Rogers e o baterista Eric Harland nem precisariam do polêmico líder, que até hoje rumina a sonoridade e o fraseado do genial John Coltrane (1926-1967), para conquistar os felizardos que os esperaram até de madrugada.
(texto publicado no Folha.com, em 12/06/2012)
Programar bandas de funk, soul e rock, em festival de jazz, é um recurso populista? Se o jazz morreu ainda na década de 1940, como dizem alguns, esqueceram de avisar aos músicos, fãs e centenas de festivais do gênero realizados hoje pelo mundo? Música instrumental brasileira também pode ser considerada jazz?
Discussões insolúveis como essas têm acompanhado os festivais do gênero, praticamente, desde o pioneiro Newport Jazz Festival, em 1954. Não eram muito diferentes as conversas ouvidas nos corredores do Via Funchal, em São Paulo, durante a segunda edição do BMW Jazz Festival, que terminou já na madrugada de segunda-feira (11/6).
Mesmo assim, poucos discordarão da superioridade desta edição frente à do ano passado, tanto em termos de substância musical, como por ter conseguido representar em seu elenco diversas tendências que circulam hoje pelos festivais internacionais apoiados no sofisticado rótulo do jazz.
Para alegria dos fãs mais puristas, o jazz predominou, na terceira e última noite do BMW Jazz Festival. Começou com a Secret Society, big band do canadense Darcy James Argue, festejado por aproximar a tradição dos arranjos orquestrais no jazz de outros gêneros, como a música clássica e contemporânea, ou mesmo do rock.
Porém, quem foi mal informado ao festival, imaginando ouvir versões orquestrais de canções do Radiohead ou do Nirvana, deparou-se com “Brooklyn Babylon”, suíte baseada numa história do quadrinista croata Danijel Zezelj, que mistura elementos musicais do minimalismo, passagens dramáticas típicas de trilhas cinematográficas e, enfim, uma guitarra bem roqueira.
Stefon Harris, Christian Scott e David Sanchéz / Photo by Marcos Hermes-Divulgação
Mesmo sem contar com os pianistas cubanos Harold López-Nussa e Rember Duharte, que contribuíram bastante para as gravações do projeto Ninety Miles, o vibrafonista Stefon Harris, o saxofonista David Sánchez, o trompetista Christian Scott e grupo incendiaram a plateia com seu jazz contemporâneo calcado em ritmos afro-cubanos. Solando com paixão sua balada “The Forgotten Ones”, Sánchez foi o responsável pelo número mais sublime da noite.
Quem foi mais cedo para casa perdeu outro ponto alto do festival: o show do veterano saxofonista Charles Lloyd, dono de um faro apurado para formar seus grupos. O pianista Jason Moran, o baixista Reuben Rogers e o baterista Eric Harland nem precisariam do polêmico líder, que até hoje rumina a sonoridade e o fraseado do genial John Coltrane (1926-1967), para conquistar os felizardos que os esperaram até de madrugada.
(texto publicado no Folha.com, em 12/06/2012)
BMW Jazz Festival: noite de sábado, em São Paulo, terminou em baile funk
Marcadores: BMW Jazz, fred wesley, james brown, jeff clayton, john clayton, Maceo Parker, pee Wee Ellis, the clayton Brothers, Trombone Shorty | author: Carlos Calado
Trombone Shorty / Photo by Marcos Hermes-Divulgação
Terminou em baile funk a segunda noite do BMW Jazz Festival, em São Paulo. O saxofonista e cantor Maceo Parker comandou a dança, no Via Funchal, anteontem, ao lado do trombonista Fred Wesley e do saxofonista Pee Wee Ellis, seus velhos parceiros na cultuada banda de James Brown (1933-2006).
Com seu humor debochado, Parker fez piadas, esboçou passos dançantes do ex-patrão e se esforçou para fugir do óbvio. Seu show não é apenas um tributo ao pioneiro do funk, mas só esquentou de verdade a plateia quando lembrou sucessos de Brown, como “Soul Power”, “Make It Funky” ou “Gonna Have a Funky Good Time”.
Não bastasse o desgaste natural do tempo, Parker entrou em cena depois de Trombone Shorty, o furacão da noite. Quem viu e ouviu esse talentoso garotão de Nova Orleans, dois anos atrás, no Bourbon Street Fest, percebeu logo sua evolução, como cantor, instrumentista e “entertainer”.
Mais próximo ainda do rock, Shorty sobe vertiginosamente à condição de ídolo pop, apoiado em hits de sua autoria, como “Do To Me” e “The Craziest Things”, cantados em coro pela plateia. De jazz, no show de sábado, só restou a versão quase roqueira de “On the Sunny e of the Street”, na qual ele homenageia Louis Armstrong (1901-1971), tocando trompete.
The Clayton Brothers / Photo by Marcos Hermes-Divulgação
Para a maioria do público, que estava ali por causa de Parker e Shorty, a maior surpresa foi o quinteto de jazz The Clayton Brothers. Sem discos lançados no país, o grupo liderado pelos irmãos John (baixo acústico) e Jeff Clayton (sax alto) conquistou a plateia com elegância e muita garra.
Em composições próprias como a vibrante “Cha Cha Charleston” ou a delicada balada “Terrell’s Song”, o quinteto exibiu seu sofisticado senso de dinâmica, assim como John Clayton confirmou seu virtuosismo ao baixo, usando o arco para solar, a bela balada “Emily” (Johnny Mandel). Difícil imaginar uma abertura melhor para aquela noite.
(texto publicado na "Folha de S. Paulo", em 11/6/2012)
Terminou em baile funk a segunda noite do BMW Jazz Festival, em São Paulo. O saxofonista e cantor Maceo Parker comandou a dança, no Via Funchal, anteontem, ao lado do trombonista Fred Wesley e do saxofonista Pee Wee Ellis, seus velhos parceiros na cultuada banda de James Brown (1933-2006).
Com seu humor debochado, Parker fez piadas, esboçou passos dançantes do ex-patrão e se esforçou para fugir do óbvio. Seu show não é apenas um tributo ao pioneiro do funk, mas só esquentou de verdade a plateia quando lembrou sucessos de Brown, como “Soul Power”, “Make It Funky” ou “Gonna Have a Funky Good Time”.
Não bastasse o desgaste natural do tempo, Parker entrou em cena depois de Trombone Shorty, o furacão da noite. Quem viu e ouviu esse talentoso garotão de Nova Orleans, dois anos atrás, no Bourbon Street Fest, percebeu logo sua evolução, como cantor, instrumentista e “entertainer”.
Mais próximo ainda do rock, Shorty sobe vertiginosamente à condição de ídolo pop, apoiado em hits de sua autoria, como “Do To Me” e “The Craziest Things”, cantados em coro pela plateia. De jazz, no show de sábado, só restou a versão quase roqueira de “On the Sunny e of the Street”, na qual ele homenageia Louis Armstrong (1901-1971), tocando trompete.
The Clayton Brothers / Photo by Marcos Hermes-Divulgação
Para a maioria do público, que estava ali por causa de Parker e Shorty, a maior surpresa foi o quinteto de jazz The Clayton Brothers. Sem discos lançados no país, o grupo liderado pelos irmãos John (baixo acústico) e Jeff Clayton (sax alto) conquistou a plateia com elegância e muita garra.
Em composições próprias como a vibrante “Cha Cha Charleston” ou a delicada balada “Terrell’s Song”, o quinteto exibiu seu sofisticado senso de dinâmica, assim como John Clayton confirmou seu virtuosismo ao baixo, usando o arco para solar, a bela balada “Emily” (Johnny Mandel). Difícil imaginar uma abertura melhor para aquela noite.
(texto publicado na "Folha de S. Paulo", em 11/6/2012)
Rio das Ostras Jazz & Blues: chuva não impede evento de festejar 10 anos com grandes shows
Marcadores: armand sabal-lecco, big band 190, blues, celso blues boy, duke robillard, helio delmiro, jazz, kenny barron, mauricio einhorn, Mike Stern, orquestra kuarup, rio das ostras, romero lubambo | author: Carlos Calado
Um mar de guarda-chuvas molhados. Essa imagem praticamente acompanhou os cinco dias de shows da 10ª edição do Rio das Ostras Jazz & Blues Festival. A chuva intermitente impediu que o evento repetisse a média de 20 mil espectadores por noite, verificada em 2011. Por outro lado, o mau tempo mostrou também que a população local e muitos turistas, que mais uma vez foram a essa cidade fluminense para ouvir música de alta qualidade, não se incomodaram de enfrentar a chuva e o chão enlameado. Certamente, não se arrependeram.
Mário Sève e David Ganc, solistas da Orquestra Kuarup / Photo by Carlos Calado
A noite de estreia, no palco principal, em Costazul, destacou atrações nacionais. Projeto pedagógico-musical da Fundação Rio das Ostras de Cultura, a Orquestra Kuarup Cordas & Sopros abriu o evento com uma saborosa seleção de arranjos instrumentais de temas da bossa nova, de “Samba do Avião” a “Garota de Ipanema” (Tom Jobim), além de clássicos de outras fases da música popular brasileira, como “O Ovo” (Hermeto Pascoal). À frente da orquestra, o maestro e violonista Nando Carneiro e os solistas convidados, Mário Sève e David Ganc, nos sopros.
Naipe de saxofones da Big Band 190 / Photo by Carlos Calado
Surpresa da noite, a afiada Big Band 190, formada por músicos da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, deliciou a plateia com suingados arranjos de temas de jazz e da música instrumental brasileira, como “Spain” (Chick Corea) e “Melancia” (Rique Pantoja), além do soul-jazz “John Brown’s Other Body” (Woody Herman), com destaque para o solo de sax tenor do sargento Geovani, do Exército. Uma big band muito bem ensaiada, com um repertório moderno, que merece ser ouvida no resto do país.
Helio Delmiro / Photo by Carlos Calado
Com a categoria de sempre, apesar de ter enfrentado há pouco uma cirurgia cardíaca, o mestre do violão Hélio Delmiro foi outro destaque da noite de abertura. Homenageou o saudoso maestro Moacir Santos, tocando “Nanã”. Lembrou também o grande Baden Powell, com uma versão instrumental de “O Morro Não Tem Vez”. Até se arriscou a cantar a sinuosa “Ilusão à Toa” (Johnny Alf). “Como cantor, tenho um ‘handicap’ que outros não têm: o acompanhamento do violão de Hélio Delmiro”, brincou, bem humorado. E não fez feio nos vocais.
Celso Blues Boy / Photo by Carlos Calado
A noite de abertura trouxe ainda o blues-rock de Celso Blues Boy, veterano carioca do gênero, dono de um grande fã clube em seu Estado. Mesmo se movimentando com certa dificuldade no palco, sem o vigor físico de outras épocas, o guitarrista e cantor desfiou seus sucessos, com a plateia bastante animada, acompanhando-o nos vocais. Claro que não faltou o hit “Aumenta Que Isso Aí É Rock’n’Roll”. E para ajudar o colega a recuperar o fôlego, também entraram em cena os ‘bluesmen’ Joe Manfra e Jefferson Gonçalves.
Mauricio Einhorn / Photo by Carlos Calado
A programação de quinta-feira (7/6) foi a mais prejudicada pela chuva, que não deu sossego à plateia, literalmente, encharcada. O grupo instrumental mineiro Plataforma C iniciou a noite, tocando arranjos próprios de sucessos da MPB dos anos 60 e 70, assinados por Milton Nascimento (“Vera Cruz”) e Edu Lobo (“Ponteio”), entre outros. Em seguida, o veterano gaitista e compositor Mauricio Einhorn também viu sua plateia encolher por causa da chuva. Quem ficou deliciou-se com sua bagagem jazzística, exibida tanto em clássicos instrumentais da bossa nova, como “Batida Diferente” (sua parceria com Durval Ferreira), como na emotiva versão da balada “Autumn Leaves”.
Kenny Barron / Photo by Carlos Calado
A chuva aumentou tanto, na hora da apresentação do quarteto de jazz do pianista norte-americano Kenny Barron, que alguns músicos, como o guitarrista Mike Stern e os integrantes de seu grupo, foram ouvi-lo nas laterais do palco. Indiferente aos ruídos provocados pela tempestade, Barron comandou uma das apresentações mais inspiradas do festival, com destaque para os improvisos do trompetista Mike Rodriguez e do furioso baterista Johnathan Blake. Ao recriar dois conhecidos standards jazzísticos, “Softly, as in a Morning Sunrise” e “My Funny Valentine”, o pianista esbanjou sensibilidade musical, deixando muita gente de queixo caído.
Michael Hill / Photo by Carlos Calado
Fechando a noite, o bluesman norte-americano Michael Hill e sua banda Blues Mob, já conhecido pela plateia do festival, fez mais um de seus shows ecléticos. Tocou vários estilos de blues, rock, até o reggae “No Woman No Cry”, de Bob Marley. E ainda chamou ao palco a cantora brasileira Lica Cecato para uma canja, em “Georgia on My Mind”, o hit soul de Ray Charles.
Armand Sabal-Lecco / Photo by Carlos Calado
Na sexta-feira (8/6), nem a lama que já tomara conta de grande parte da área reservada à plateia, frente ao palco em Costazul, impediu os fãs mais decididos de curtirem mais uma noite com atrações eletrizantes. Ainda desconhecido no Brasil, o baixista e cantor camaronês Armand Sabal-Lecco revelou seu potencial como músico e compositor. Variado, seu repertório vai do funk ao rock, do reggae à disco – uma salada pop, que destaca seus vocais e solos ao baixo elétrico, coloridos pela percussiva técnica do slap. Não bastasse seu carisma, Sabal-Lecco ainda chamou ao palco o carioca Romero Lubambo para uma canja. Tocando a funkeada “Cuscuz Clan”, os dois excitaram a plateia.
Mike Stern (à esq.) e Romero Lubambo (à dir.) / Photo by Carlos Calado
Lubambo retornou ao palco, no show seguinte, já à frente do quarteto que lidera com guitarrista norte-americano Mike Stern. Para quem ainda desconhecia o passado roqueiro desse carioca radicado nos Estados Unidos, foi uma preciosa chance de vê-lo tocar guitarra, em sanguíneos duelos com o parceiro. Elementos do jazz e o peso sonoro típico do rock se misturaram, em vários números. O mais original, no set da dupla, foi “Bachião”, um baião instrumental de Lubambo, que serviu de veículo para alguns dos improvisos aplaudidos da noite.
Duke Robillard / Photo by Carlos Calado
Depois de uma apresentação tão quente, só restou ao bluesman e guitarrista norte-americano Duke Robillard diminuir a temperatura em seu set, para tentar conquistar aos poucos a atenção da plateia, que ainda se refazia do show anterior. Com seu toque elegante, ele destaca em seu repertório velhos blues de mestres do gênero que o influenciaram, como T-Bone Walker e B.B. King.
A Big Time Orchestra / Photo by Carlos Calado
Também já conhecida pelo público de Rio das Ostras, a banda curitibana Big Time Orchestra fechou a noite com uma apresentação descontraída, recheada de sucessos do rock, do rhythm’n’blues e do swing, coloridos por divertidas coreografias.
Mais shows e atrações nas próximas edições
Já na manhã do sábado, o idealizador e produtor do festival, Stenio Matos, e o prefeito de Rio das Ostras, Carlos Augusto, fizeram um balanço dos 10 anos do evento, em uma coletiva de imprensa. Inicialmente, o prefeito comentou que o mau tempo serviu para confirmar o sucesso do festival, já que mesmo com a previsão de chuvas, uma semana antes, a cidade voltou a ter seus hotéis totalmente ocupados durante o evento.
“Não fosse o festival, com essas chuvas, muitos turistas teriam mudado seus planos de vir a Rio das Ostras”, observou Matos. “Em nossa cidade, acabou aquele preconceito de dizer que jazz é coisa de rico. O melhor de tudo é ver a alegria do povão, participando e se divertindo”, completou o prefeito.
Carlos Augusto disse também não acreditar que o resultado das eleições deste ano para a prefeitura local possa ameaçar a continuidade do festival. “Ele já está consolidado como um evento de ação cultural”, afirmou o prefeito. Citou também uma pesquisa do Cebrae, que mostra que o evento atraiu cerca de R$ 6 milhões para a economia da cidade, no ano passado.
Já o produtor Stenio Matos disse que tem planos de levar os shows do festival a outros locais da região, além de estender a duração do evento para duas semanas, aumentando também o número de atrações musicais, nas próximas edições.
Ninety Miles: trio de feras aproxima o jazz da musica cubana
Marcadores: BMW Jazz Festival, Christian Scott, David Sánchez, jazz, ninety miles, stefon harris | author: Carlos CaladoNo universo do jazz, é comum ver músicos se encontrarem para tocar juntos, sem jamais terem se visto antes. Dois anos atrás, o vibrafonista Stefon Harris, 39, o saxofonista David Sánchez, 43, e o trompetista Christian Scott, 29, conceituados jazzistas e compositores, decidiram experimentar algo semelhante. “Ninety Miles” (selo Concord), o CD/DVD que gravaram juntos, praticamente sem se conhecerem, resultou em um dos projetos musicais mais criativos de 2011.
“A gravadora veio com a ideia de fazer o disco em Cuba, mas, em vez de tocar com músicos famosos de lá, iríamos trocar experiências com músicos jovens e ainda pouco conhecidos. Esse era o conceito”, conta o porto-riquenho Sánches, em entrevista exclusiva à Folha, por telefone.
Assim nasceu o coletivo projeto Ninety Miles (referência à distância de 90 milhas que separa Cuba dos EUA), cuja música poderá ser apreciada ao vivo, por paulistas e cariocas, durante o 2º BMW Jazz Festival, que começa nesta sexta (8/6, no Via Funchal, em São Paulo. Sánchez, Harris e Scott tocam juntos no domingo (em São Paulo) e na segunda (no teatro Oi Casa Grande, no Rio).
“Apesar de todas as dificuldades, as condições precárias em que vivem aquelas pessoas, para mim foi muito valioso ter contato com uma cultura que dá tanto valor à arte, como a dos cubanos”, afirma o norte-americano Stefon Harris. “A arte faz parte da vida cotidiana daquelas pessoas. Todos demonstram amar a música”.
Os três jazzistas também enfrentaram dificuldades durante a semana que passaram na ilha caribenha. “Tocamos em um belo teatro, mas sem ar condicionado. Foi um grande desafio tocar naquelas condições, como se estivéssemos em uma sauna. Achei que iria desmaiar tal era o calor lá dentro”, relembra Sánchez, calculando que a temperatura no teatro era de pelo menos 40 graus.
Mesmo assim, a sala se manteve lotada. “O mais fascinante foi ver as pessoas ficarem até o final do concerto, sedentas por ouvir mais música”, observa Sánchez. “A música de Cuba parece uma representação sonora de quem eles são como pessoas. É uma das mensagens mais belas que já conheci na arte”, reflete Harris.
Vale lembrar que um projeto como esse jamais aconteceria até poucos anos atrás. O embargo econômico que os EUA impõem a Cuba desde 1962 ainda está em vigor, mas a administração do presidente Barack Obama relaxou as restrições para que os norte-americanos viajem à ilha, especialmente no caso de projetos de caráter cultural.
“Nos Estados Unidos, você é lembrado a toda hora que as pessoas têm níveis sociais diferentes. Em Cuba, as pessoas se vestem de modo parecido e todos os carros se parecem. Lá você não vê a divisão social e econômica que existe nos EUA”, comenta o vibrafonista.
CD conserva a alta temperatura do concerto em Cuba
Ainda inédito em edição brasileira, “Ninety Miles”, o CD/DVD que registra o concerto de Stefon Harris, David Sánchez e Christian Scott, em Havana, transmite por meio da música o intenso calor que tomou conta do palco e da plateia do teatro Amadeo Roldán, um dos mais antigos da capital cubana, naquela noite de maio de 2010.Nove faixas compõem o repertório do álbum, entre composições próprias do trio de jazzistas norte-americanos e de dois jovens e talentosos pianistas cubanos, Harold López-Nussa e Rember Duhar, que participam do álbum com seus próprios grupos, coloridos pela típica percussão afro-cubana.
Do ritmo envolvente de “E’cha” (de López-Nussa), à sensível “The Forgotten Ones” – balada que o saxofonista David Sánchez dedica aos “esquecidos” da cidade de Nova Orleans (EUA), após ser quase destruída, em 2005, pelos efeitos do furacão Katrina –, chama atenção a unidade e a intensidade das performances do grupo, que ensaiou apenas dois dias com os colegas cubanos para esse concerto.
Tanto Sanchés como Harris não escondem certo incômodo, quando se pergunta a eles se classificariam como “latin jazz” (jazz latino) a música que resultou desse projeto.
“Eu diria que esse rótulo é útil para que as gravadoras vendam os discos, é a linguagem do marketing”, argumenta o saxofonista. “Agora, dois anos após aquela gravação, já estamos procurando outras perspectivas. Não pensamos em música do Caribe, em jazz ou algo assim. Tentamos trazer para o palco nossa própria experiência”.
O DVD que acompanha o álbum exibe duas performances extraídas do concerto, a catártica “City Sunrise” (de Sanchéz) e a jazzística “La Fiesta Vá” (López-Nussa). Traz ainda um “making of”, com breves depoimentos dos músicos e imagens da cidade de Havana, sua gente e construções devastadas pela falta de preservação. Esse vídeo até poderia ser mais extenso, mas o que conta mesmo é a beleza intensa da música criada e improvisada pelo Ninety Miles. (CC)
(textos publicados na "Folha de S. Paulo", em 6.06.2012)
Arismar do Espírito Santo: multi-instrumentista esbanja alegria em seu quarto álbum
Marcadores: arismar do espírito santo, dominguinhos, léa freira, Thiago Espírito Santo, valsa, Vinicius Dorin | author: Carlos Calado
O título "Alegria nos Dedos" é
bem apropriado. Qualquer um que já tenha assistido a uma apresentação de
Arismar do Espírito Santo sabe que seus improvisos, levadas e melodias costumam
transmitir alegria, especialmente seu grande prazer ao tocar diversos
instrumentos.
Em seu quarto álbum como solista (lançamento do selo Maritaca), esse paulista da cidade de Santos não economiza: oferece 15 composições próprias, tocando guitarra, baixo acústico e elétrico, violão de 7 e 12 cordas, piano e bateria, ao lado de brilhantes parceiros, como o saxofonista Vinícius Dorin, a flautista Léa Freire e o sanfoneiro Dominguinhos, entre outros.
Da jazzística valsa “Turmalina”, que abre o disco em duo de piano com o sax alto de Dorin, à derradeira “Santos x Corínthians”, um inventivo diálogo improvisado de guitarra com o baixo elétrico de Thiago Espírito Santo, seu filho, o multi-instrumentista mostra toda a sua versatilidade musical, aprimorada em mais de três décadas de carreira. Para Arismar, música e alegria andam sempre juntas.
(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes, em 26/5/2012)
Paraphernália: banda carioca faz música instrumental para dançar e divertir
Marcadores: acid jazz, alberto continentino, bernardo bosisio, black music, donatinho, funk, paraphernalia, pop, renato massa | author: Carlos CaladoAssim como em outras áreas que envolvem o ser humano, a cada nova geração os preconceitos musicais podem se revelar ou diminuir. Foi assim com a música instrumental para dançar, considerada de qualidade duvidosa ou inferior durante outras décadas, mas que tem conquistado o público mais jovem com novas referências.
Conhecida por frequentadores de casas noturnas alternativas do Rio, a banda Paraphernalia inclui instrumentistas de talento, como Alberto Continentino (baixo), Bernardo Bosisio (guitarra), Renato Massa (bateria) e Donatinho (teclados). O repertório de seu primeiro CD, "Ritmo Explosivo" (distribuído pela Tratore), com 11 composições próprias, mistura influências da black music, do acid jazz e da música pop com ritmos latinos e divertidas trilhas sonoras dos anos 1970.
Produzido por Kassin, esse álbum consegue captar a energia contagiante da banda, no palco. Faixas como a latina “22 de Setembro”, a funkeada “Abetruta” e a cinematográfica “A Fúria do Dragão II” servem tanto para dançar, como para animar uma festa.
(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", edição de 26/5/2012)
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