New Orleans Jazz & Heritage Festival: evento tem mais rock e polêmica neste ano
Marcadores: Allen Toussaint, Dr. John, Galactic, irma thomas, jazz and heritage festival, neville brothers, new orleans, Nicholas Payton, Tab Benoit, terence blanchard, Trombone Shorty | author: Carlos CaladoComeçou, em Nova Orleans (sul dos EUA), a 42.a edição do Jazz & Heritage Festival. Um dos maiores do mundo no gênero, esse evento oferece, neste e no próximo final de semana, em 12 palcos com programação simultânea, mais de 400 atrações.
A expectativa dos produtores é reunir as maiores multidões já vistas no hipódromo local, que chegou a atrair 500 mil pessoas, em edições da década passada. Para isso contam com um elenco eclético, como de hábito, mas que nunca antes exibiu um número tão grande de bandas de rock e pop.
Nomes como os de Bon Jovi, Robert Plant, The Strokes, Arcade Fire, Wyclef Jean, Wilco, Jason Mraz, Lauryn Hill, Mumford & Sons e Jeff Beck, entre outros, estão entre as apostas da produção para conquistar novos contingentes de público que ainda não freqüentam esse evento.
Assim que foi divulgada, em janeiro, a programação tem gerado polêmica. Embora seja um evento fundamental para a economia da cidade, devastada pelo furacão Katrina, em 2005, o Jazz Fest (como é chamado pelos moradores locais) é também considerado peça-chave para a identidade cultural da região.
Não é por outra razão que, todos os anos, astros da eclética cena musical local, como Neville Brothers, Dr. John, Allen Toussaint, Terence Blanchard, Tab Benoit, Galactic, Trombone Shorty e Nicholas Payton, entre centenas de outros, disputam as maiores platéias do evento com as atrações de fora.
O acirramento da polêmica sobre o espaço dado ao rock e ao pop é evidente na entrevista de Irma Thomas (conhecida como a “rainha do soul de Nova Orleans”; na foto acima) à revista “OffBeat”. Escalada para cantar antes do show de Bon Jovi, ela corre o risco de ser vaiada por fãs da banda, como aconteceu com Dr. John, em 2009.
“Espero que não cometam esse erro com Irma Thomas”, disse ela. “Vou estar bem tranqüila, mas eles vão se arrepender se fizerem isso. Vaia é uma coisa estúpida”.
Favorável ao aumento das atrações de pop e rock, para tentar renovar o público do evento, o crítico Keith Spera, do jornal local “The Times-Picayune”, escreveu: “Para se manter vitais, festivais requerem sangue novo. Em 2011, o Jazz Fest receitou a si mesmo uma transfusão completa”.
“Eu gostaria de saber quanto a AEG pagou a Spera por esse artigo”, retrucou um leitor, referindo-se à empresa internacional de entretenimento que se associou à produção do Jazz Fest, sete anos atrás, e também produz grandes eventos de rock e pop.
(texto publicado na “Folha de S. Paulo”, em 29/4/2011)
Tord Gustavsen: pianista norueguês traz seu lirismo ao BMW Jazz Festival, em junho
Marcadores: BMW Jazz Festival, ECM, jazz, keith jarrett, Tord Gustavsen | author: Carlos Calado
Foto: Hans-Asbjørnsen
Cinco anos atrás, um livro desencadeou uma acirrada polêmica nos meios jazzísticos. O crítico britânico Stuart Nicholson dividiu músicos, fãs e acadêmicos ao defender, em “Is Jazz Dead? (Or Has It Moved to a New Adress)”, a tese de que o jazz norte-americano teria perdido, ainda na década de 1980, seu espírito inventivo. Segundo ele, entre outros fatores, a globalização desse gênero musical contribuiu para que sua essência inovadora migrasse para outros continentes, especialmente para a Europa.
“Talvez Nicholson tenha simplificado um pouco a realidade, mas acho que há alguma verdade no que ele afirma”, diz o pianista norueguês Tord Gustavsen, em entrevista ao "Valor". Elogiado por esse crítico britânico, como “um solista excepcionalmente lúcido, com um senso de estrutura melódica e imaginação lírica”, Gustavsen é uma das atrações anunciadas para a primeira edição do BMW Jazz Festival, agendado para junho.
“Durante muito tempo era comum se dizer que o melhor jazz vinha da América do Norte ou que na Europa e em outros lugares do mundo só se faziam cópias do jazz americano. Acho importante enfatizar que houve uma mudança nesse cenário”, comenta o músico escandinavo, que vai se apresentar pela primeira vez no Brasil. “Nesse aspecto, eu concordo com Nicholson: muito do que se faz de mais fascinante e atraente, na música improvisada ou no jazz de hoje, vem da Europa, em especial da Noruega”, afirma.
Formado em Psicologia e Musicologia pela Universidade de Oslo, Gustavsen acompanhou cantoras de destaque em seu país, como Silje Nergaard e Siri Gjaere, antes de gravar “Changing Places”, o disco de estréia de seu trio. Lançado em 2003, pelo cultuado selo alemão ECM (o mesmo que já gravou os brasileiros Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos, ou até jazzistas norte-americanos, como Keith Jarrett, Paul Bley e Charlie Haden), esse álbum projetou Gustavsen como revelação na cena do jazz europeu.
“Quando gravei ‘Changing Places’, eu já tinha ouvido muitos álbuns do ECM. Alguns deles me influenciaram bastante, mas, sinceramente, gravar pelo ECM não era algo com que eu tivesse sonhado antes”, diz o pianista, revelando que chegou a duvidar se seu disco se encaixaria no catálogo desse selo. “O que aconteceu é que Manfred Eicher [criador e produtor do ECM] ouviu a gravação que tínhamos feito por conta própria e me disse que gostaria de lançá-la. Hoje só posso dizer que é uma honra pertencer ao elenco desse selo”.
Influenciado tanto por pianistas norte-americanos, como Jarrett, Bill Evans e Lennie Tristano, assim como pelos escandinavos Jan Johansson e Jon Balke, Gustavsen ressalta que sua formação musical sempre foi ampla. “Nunca tive um ídolo único. Entre as influências maiores que recebi, eu mencionaria a tradição das canções folclóricas da Escandinávia, a música clássica ocidental, especialmente a dos impressionistas, além de toda a história do jazz norte-americano. Também ouvi muita música folclórica de várias partes do mundo, como a África Ocidental ou o Caribe”.
A música brasileira também entrou nessa mistura de influências, embora com um peso menor. “Minha principal ligação com a música do Brasil é mais ou menos a mesma da maioria dos músicos de jazz: a bossa nova de João Gilberto e as gravações que ele fez com Stan Getz”, aponta o jazzista norueguês. “Mesmo que a ênfase nos versos das canções, as linhas melódicas solitárias e um certo romantismo existentes em minha música tenham muito a ver com a música folclórica escandinava, acho que esses traços também passam pela influência da música brasileira”, reconhece.
Em meio a tantas referências, a afinidade de Gustavsen com o universo da Psicologia acabou ajudando-o a encontrar uma identidade musical. “Como músico de jazz, em geral, você é treinado a tocar música mais e mais complexa, conforme progride em seus estudos. Isso é interessante, mas você precisa reencontrar a criança que existe dentro de você ao tocar”, ensina o pianista e compositor. “Depois que comecei a trabalhar com canções de ninar, hinos e canções religiosas que ouvia na infância, e que descobri que a respiração também deve fazer parte da música, tudo começou a se encaixar de uma forma mais natural”.
Com quatro álbuns lançados, Gustavsen revela que sua apresentação no BMW Jazz Festival será centrada em “Restored, Returned” (ECM, 2009), seu CD mais recente, ainda inédito no Brasil. No entanto, vai tocar aqui com uma formação mais compacta do que o quinteto utilizado nessa gravação: um trio, com o baterista Jarle Vespestad (que já o acompanhava no primeiro disco) e o baixista Mats Eilertsen.
“Para mim, jazz significa simplesmente tocar a música mais fiel a um determinado momento, aqui e agora”, diz o pianista norueguês, definindo esse gênero musical pelo viés da sinceridade, uma qualidade que sua música parece transmitir com frequência. “Jazz tem a ver com integrar boas melodias e improvisação, com tocar da maneira mais honesta que você puder. Não importa de que lugar do mundo você venha”.
Com produção comandada pela cineasta Monique Gardenberg e curadoria do jornalista Zuza Homem de Melo, do músico Zé Nogueira e do produtor Pedro Albuquerque (praticamente a mesma equipe dos extintos Tim Festival e Free Jazz Festival), a primeira edição do BMW Jazz Festival vai se realizar de 8 a 10 de junho, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Uma versão mais reduzida do evento, no Rio de Janeiro, ainda pode ser definida em breve.
Entre as 10 atrações anunciadas destacam-se também o baixista e compositor Marcus Miller, com seu remake do álbum “Tutu” (que gravou com o trompetista Miles Davis, em 1986), os saxofonistas Wayne Shorter, Joshua Redman e Billy Harper, a cantora de R&B e soul Sharon Jones e a banda gospel Zion Harmonizers – todos norte-americanos. Do continente europeu vêm ainda o contrabaixista francês Renaud Garcia-Fons e a banda italiana Funk Off. Completa o elenco a única atração nacional: a big band baiana Orkestra Rumpilezz, dirigida pelo maestro e saxofonista Letieres Leite.
“Talvez Nicholson tenha simplificado um pouco a realidade, mas acho que há alguma verdade no que ele afirma”, diz o pianista norueguês Tord Gustavsen, em entrevista ao "Valor". Elogiado por esse crítico britânico, como “um solista excepcionalmente lúcido, com um senso de estrutura melódica e imaginação lírica”, Gustavsen é uma das atrações anunciadas para a primeira edição do BMW Jazz Festival, agendado para junho.
“Durante muito tempo era comum se dizer que o melhor jazz vinha da América do Norte ou que na Europa e em outros lugares do mundo só se faziam cópias do jazz americano. Acho importante enfatizar que houve uma mudança nesse cenário”, comenta o músico escandinavo, que vai se apresentar pela primeira vez no Brasil. “Nesse aspecto, eu concordo com Nicholson: muito do que se faz de mais fascinante e atraente, na música improvisada ou no jazz de hoje, vem da Europa, em especial da Noruega”, afirma.
Formado em Psicologia e Musicologia pela Universidade de Oslo, Gustavsen acompanhou cantoras de destaque em seu país, como Silje Nergaard e Siri Gjaere, antes de gravar “Changing Places”, o disco de estréia de seu trio. Lançado em 2003, pelo cultuado selo alemão ECM (o mesmo que já gravou os brasileiros Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos, ou até jazzistas norte-americanos, como Keith Jarrett, Paul Bley e Charlie Haden), esse álbum projetou Gustavsen como revelação na cena do jazz europeu.
“Quando gravei ‘Changing Places’, eu já tinha ouvido muitos álbuns do ECM. Alguns deles me influenciaram bastante, mas, sinceramente, gravar pelo ECM não era algo com que eu tivesse sonhado antes”, diz o pianista, revelando que chegou a duvidar se seu disco se encaixaria no catálogo desse selo. “O que aconteceu é que Manfred Eicher [criador e produtor do ECM] ouviu a gravação que tínhamos feito por conta própria e me disse que gostaria de lançá-la. Hoje só posso dizer que é uma honra pertencer ao elenco desse selo”.
Influenciado tanto por pianistas norte-americanos, como Jarrett, Bill Evans e Lennie Tristano, assim como pelos escandinavos Jan Johansson e Jon Balke, Gustavsen ressalta que sua formação musical sempre foi ampla. “Nunca tive um ídolo único. Entre as influências maiores que recebi, eu mencionaria a tradição das canções folclóricas da Escandinávia, a música clássica ocidental, especialmente a dos impressionistas, além de toda a história do jazz norte-americano. Também ouvi muita música folclórica de várias partes do mundo, como a África Ocidental ou o Caribe”.
A música brasileira também entrou nessa mistura de influências, embora com um peso menor. “Minha principal ligação com a música do Brasil é mais ou menos a mesma da maioria dos músicos de jazz: a bossa nova de João Gilberto e as gravações que ele fez com Stan Getz”, aponta o jazzista norueguês. “Mesmo que a ênfase nos versos das canções, as linhas melódicas solitárias e um certo romantismo existentes em minha música tenham muito a ver com a música folclórica escandinava, acho que esses traços também passam pela influência da música brasileira”, reconhece.
Em meio a tantas referências, a afinidade de Gustavsen com o universo da Psicologia acabou ajudando-o a encontrar uma identidade musical. “Como músico de jazz, em geral, você é treinado a tocar música mais e mais complexa, conforme progride em seus estudos. Isso é interessante, mas você precisa reencontrar a criança que existe dentro de você ao tocar”, ensina o pianista e compositor. “Depois que comecei a trabalhar com canções de ninar, hinos e canções religiosas que ouvia na infância, e que descobri que a respiração também deve fazer parte da música, tudo começou a se encaixar de uma forma mais natural”.
Com quatro álbuns lançados, Gustavsen revela que sua apresentação no BMW Jazz Festival será centrada em “Restored, Returned” (ECM, 2009), seu CD mais recente, ainda inédito no Brasil. No entanto, vai tocar aqui com uma formação mais compacta do que o quinteto utilizado nessa gravação: um trio, com o baterista Jarle Vespestad (que já o acompanhava no primeiro disco) e o baixista Mats Eilertsen.
“Para mim, jazz significa simplesmente tocar a música mais fiel a um determinado momento, aqui e agora”, diz o pianista norueguês, definindo esse gênero musical pelo viés da sinceridade, uma qualidade que sua música parece transmitir com frequência. “Jazz tem a ver com integrar boas melodias e improvisação, com tocar da maneira mais honesta que você puder. Não importa de que lugar do mundo você venha”.
Com produção comandada pela cineasta Monique Gardenberg e curadoria do jornalista Zuza Homem de Melo, do músico Zé Nogueira e do produtor Pedro Albuquerque (praticamente a mesma equipe dos extintos Tim Festival e Free Jazz Festival), a primeira edição do BMW Jazz Festival vai se realizar de 8 a 10 de junho, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Uma versão mais reduzida do evento, no Rio de Janeiro, ainda pode ser definida em breve.
Entre as 10 atrações anunciadas destacam-se também o baixista e compositor Marcus Miller, com seu remake do álbum “Tutu” (que gravou com o trompetista Miles Davis, em 1986), os saxofonistas Wayne Shorter, Joshua Redman e Billy Harper, a cantora de R&B e soul Sharon Jones e a banda gospel Zion Harmonizers – todos norte-americanos. Do continente europeu vêm ainda o contrabaixista francês Renaud Garcia-Fons e a banda italiana Funk Off. Completa o elenco a única atração nacional: a big band baiana Orkestra Rumpilezz, dirigida pelo maestro e saxofonista Letieres Leite.
(entrevista publicada no caderno Eu & Fim de Semana, do jornal "Valor", em 20/4/2011)
Curaçao North Sea Jazz: segunda edição terá Stevie Wonder e outros astros da black music
Marcadores: 2011, branford marsalis, curaçao, Danilo Pérez, dionne warwick, Earth Wind and Fire, jazz, north sea, Roberto Fonseca, Rubén Blades, selah sue, soul, stevie wonder, terence blanchard | author: Carlos CaladoVersão caribenha de um dos maiores festivais de música do mundo, o Curaçao North Sea Jazz mantém o padrão de qualidade da estréia, no ano passado, e anuncia o elenco da segunda edição. Astros da música negra norte-americana, como o cantor e compositor Stevie Wonder (na foto à esquerda), as bandas Earth Wind & Fire e Chic, ou ainda a cantora Dionne Warwick, estão entre as atrações mais populares do evento, agendado para 2 e 3 de setembro.
O perfil eclético da primeira edição será mantido na programação de 2011, que também destaca a música pop do cantor britânico Sting. Ritmos caribenhos vão ganhar ênfase maior neste ano, com as presenças do panamenho Rubén Blades, do dominicano Juan Luis Guerra e da banda antilhana Kassav.
O saxofonista Branford Marsalis e o trompetista Terence Blanchard, ambos nascidos em New Orleans (EUA), chamam atenção na seção jazzística do festival, que também inclui o pianista panamenho Danilo Pérez, o percussionista norte-americano (de ascendência mexicana) Poncho Sanchez e os pianistas cubanos Chucho Valdés e Roberto Fonseca.
Para esquentar o evento entre os moradores da ilha, há também uma programação de shows gratuitos, de 29/8 a 1/9, que destaca a pianista brasileira Eliane Elias, a banda cubana Los Van Van e a revelação belga Selah Sue. No ano passado, 17 mil pessoas frequentaram as duas noites de estréia desse festival.
No Brasil, os Ingressos poderão ser adquiridos antecipadamente pela internet ou por meio de agentes de viagem. Mais detalhes sobre o evento e a programação, no site do evento: www.curacaonorthseajazz.com
Twitter: @curacaobrasil_
Facebook: Curaçao Brasil
(No video abaixo um trecho da apresentação de John Legend, no festival de 2010)
Nailor Proveta: clarinetista estreia como compositor "erudito" em concerto da Osesp
Marcadores: banda mantiqueira, chiquinha gonzaga, choro, ernesto nazareth, instrumental, jazz, k-ximbinho, moacir santos, orquestra tabajara, osesp, pixinguinha, proveta, radamés gnattali, samba | author: Carlos CaladoNailor "Proveta" Azevedo ainda se emociona ao se lembrar da primeira vez em que tocou com uma orquestra. Em 1974, aos 13 anos, saiu da interiorana cidade de Leme (SP) para tentar a carreira musical na capital paulista, já com fama de prodígio (o apelido que o acompanha até hoje vem dessa época, quando os colegas o chamavam de "bebê de proveta"). Durante o ensaio de um programa da antiga TV Tupi, o maestro Luiz Arruda Paes escreveu alguns compassos para que ele pudesse tocar com o naipe de saxofones da orquestra da emissora, do qual fazia parte o lendário sax alto Casé.
"Quando ouvi o som do naipe, disse para mim mesmo: é isso o que eu quero!", relembra Proveta, hoje um dos saxofonistas e clarinetistas mais requisitados na área do choro e da música instrumental brasileira, além de líder e arranjador da conceituada Banda Mantiqueira. "Para mim, o prazer de tocar com outras pessoas é fundamental. Já sentia isso aos sete ou oito anos, quando tocava com minha banda de coreto, mas ainda não entendia por que às vezes caíam lágrimas dos meus olhos. Na minha cabeça, eu estava tocando com uma orquestra sinfônica. Esse prazer eu carrego comigo até hoje."
No dia 1º de maio, Proveta voltará a desfrutar o prazer de realizar algo inédito em sua carreira musical: intitulada "Concertino Forma-Choro", sua primeira composição orquestral será interpretada pelo trompetista Flávio Gabriel e pela orquestra de cordas da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), em estreia mundial, na Sala São Paulo. "Nessa peça, procurei reviver minha história, indo ao encontro de Pixinguinha, de Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga, compositores do início do choro, que me influenciaram profundamente. Não só eu, mas o Brasil tem gratidão enorme por esses autores que organizaram essa música que veio da Europa com a habanera e a polca."
Ao reverenciar seus mestres do universo do choro, nessa composição que o ocupou durante quatro meses, Proveta revela sua intimidade com a linguagem da música clássica. Em algumas passagens, remete-se ao barroco de Bach (1685-1750) e às ambiências sonoras do romântico Richard Strauss (1864-1949), assim como demonstra sua admiração pelas orquestrações impressionistas de Maurice Ravel (1875-1937) e pela rítmica nacionalista de Heitor Villa-Lobos (1887-1959).
"Meu pai me ensinou a ouvir todos os gêneros musicais. Em casa escutávamos muito choro, uma grande paixão dele, assim como as orquestras de Pérez Prado, de Sylvio Mazzuca ou a Tabajara, de Severino Araújo. E na banda do coreto, aos nove anos, já tocava trechos de óperas de Verdi e Carlos Gomes", conta o precoce músico de sopro, que também descobriu o jazz graças aos discos que "seu" Geraldo Azevedo levava para casa. Alguns deles, como a trilha sonora que Henry Mancini compôs para o filme "A Pantera Cor de Rosa" ou "West Coast Jazz in Hi-Fi", do arranjador californiano Bill Holman, seguem até hoje em sua memória.
Com uma formação tão eclética, é natural que Proveta não concorde com a separação que muitos ainda estabelecem entre a chamada música erudita e a popular. "Tenho a impressão de que, em nosso país, sempre se olhou para a música dividindo-a em pedaços, em compartimentos. Gosto de pensar que não existem divisões na música, adoro olhar para a música como um todo. Assim você não tem limites para compor ou tocar. Quando você encontra a liberdade de se expressar por meio de cores, de detalhes, isso que se costuma chamar de clássico ou popular não faz mais sentido", afirma.
Essa visão ampla e sem preconceitos tem levado Proveta a realizar projetos nos quais gêneros musicais aparentemente estanques se relacionam de maneira criativa. O mais antigo e duradouro desses projetos é a própria Banda Mantiqueira, em cujo repertório sambas, choros e baiões convivem com canções brasileiras e temas jazzísticos. Proveta fundou essa banda em 1991 com parceiros de outras big bands e orquestras das quais participara, como a Banda Savana, a Banda Aquarius e a Sambop Brass. Além de lançar os álbuns "Aldeia" (1996), "Bixiga" (2000) e "Terra Amantiquira" (2005), a banda também já gravou três CDs em parceria com a Osesp.
"A Banda Mantiqueira é um resultado das influências que recebemos da Orquestra Tabajara, do Severino Araújo, e da banda do [jazzista americano] Thad Jones, que ouvíamos muito, principalmente pela força de seus arranjos. Acho que conseguimos transmitir um pouco dessa força nos arranjos da Mantiqueira. Mais tarde chegou o Edson Alves, que trouxe para o repertório da banda o formato da canção. Sou aquele que joga mais lenha na fogueira, para não perder a pegada de músico [nos improvisos]. Aliás, isso eu não quero perder jamais, se não vou virar apenas um compositor", comenta o clarinetista.
Curiosamente, embora tenha sido um músico precoce, além de já ter participado de centenas de sessões de gravação com instrumentistas e cantores de vários gêneros, Proveta demorou a gravar seu primeiro disco individual. "Tive que passar por várias fases em minha carreira, como músico, como arranjador, como líder da Banda Mantiqueira, ou mesmo como professor, para poder enfim começar a gravar meu trabalho mais pessoal."
Lançado em 2007, "Tocando para o Interior" (selo Núcleo Contemporâneo) não poderia ser mais característico da sensibilidade musical de seu criador. Nele Proveta recriou a atmosfera sentimental dos coretos de cidades interioranas, como em um filme de época. Para isso resgatou choros, valsas e dobrados, que tocava durante a infância, em Leme. Mesmo nas composições que fez especialmente para esse projeto, teve o cuidado de utilizar nos arranjos uma instrumentação capaz de reproduzir as ambiências sonoras da época.
"Um bolo só acontece se você usar os ingredientes certos e equilibrados", compara o músico e arranjador, que usou uma concepção sonora semelhante em seu álbum seguinte, "Brasileiro Saxofone" (selo Acari), em 2009. Nesse projeto, interpreta temas clássicos do repertório brasileiro para o sax (alto, tenor ou soprano), assinados por Pixinguinha, K-Ximbinho, Moacir Santos e Luís Americano, entre outros. Em vez de focar apenas o papel de solista assumido por esse instrumento, Proveta e seus parceiros Maurício Carrilho e Paulo Aragão escreveram arranjos que criam coloridos particulares para cada faixa.
Previsto para o segundo semestre, "Brasileiro Saxofone - Volume 2" combina choros clássicos de Pixinguinha e Radamés Gnattali com composições próprias. "Se o primeiro volume tinha um conceito mais camerístico, o segundo terá formações maiores, quase orquestrais", antecipa Proveta, revelando que já tem planos para outro álbum. "Um dia ainda quero fazer um disco em que eu apresente todas as linguagens que já experimentei", diz, sonhando com a união definitiva de todas as vertentes musicais.
(Texto publicado no caderno Eu & Fim de Semana, do jornal “Valor”, em 8/4/2011)
Natalie Cole: em turnê pelo Brasil, cantora prepara álbum de música latina
Marcadores: barack obama, jazz, nat king cole, natalie cole, rhythm'n'blues, soul, unforgettable | author: Carlos CaladoNatalie Cole não vai esquecer tão cedo dos quase dois anos em que foi obrigada a interromper sua carreira musical. Em 2008, a cantora norte-americana soube que havia contraído hepatite C. Complicações em seu quadro clínico a levaram a enfrentar um transplante de rim, no ano seguinte
De volta aos palcos, a herdeira do cultuado cantor e pianista Nat King Cole (1919-1965) inicia em Brasília (dia 12, no Centro de Convenções Ulisses Guimarães) sua primeira turnê pelo país desde a década de 1990, que inclui shows em Belo Horizonte (dia 13, no Palácio das Artes), São Paulo (dia 15, no Via Funchal) e Rio (dia 16, no Vivo Rio).
Falando à Folha, de Miami (EUA), por telefone, Natalie conta que nessa turnê relembra canções de várias fases de sua carreira, incluindo alguns dos sucessos que já lhe renderam nove prêmios Grammy, como “This Will Be (An Everlasting Love)” e “Take a Look”.
“Na última vez em que estive aí no Brasil, meu show era centrado em ‘Unforgettable with Love’, o álbum que dediquei ao repertório de meu pai. Desta vez também vou cantar outras coisas”, ela avisa, referindo-se ao disco lançado em 1991, que a manteve por cinco semanas no topo da parada norte-americana. O sucesso da romântica gravação de “Unforfettable”, no qual Natalie dividiu os vocais com o pai graças à tecnologia digital, foi essencial para que o álbum vendesse mais de 14 milhões de cópias no mundo.
Já trabalhando na pré-produção de um novo disco, o primeiro desde “Still Unforgettable” (2008), no qual interpreta clássicos da canção norte-americana, Natalie revela que pretende fazer “algo diferente de tudo” que gravou até agora, para ser lançado ainda neste ano.
“Estou pensando em um álbum de música latina. Já cantei jazz, já fiz tributos à música do meu pai, já cantei R&B e pop. O que mais posso fazer de diferente?”, justifica, admitindo que pode incluir canções brasileiras nesse repertório. “Sabendo que a música do Brasil é tão importante e maravilhosa, não vejo razão para não contar com ela nesse projeto”.
Sobre a cena musical de hoje, ela não esconde sua insatisfação. “Acho que falta talento. É surpreendente ver que hoje todo mundo no planeta acha que pode ser cantor. Isso é uma loucura. As pessoas até conseguem gravar um disco, mas, quando tentam entreter uma platéia, quebram a cara. Eu jamais pagaria 50 ou 60 dólares para ver essas pessoas num palco”.
Admiradora declarada de Barack Obama, Natalie afirma que continua otimista em relação ao governo do presidente norte-americano. “Ele é um homem que não disfarça quem é. Pode ter cometido alguns erros que deve ter lamentado, mas não se esconde atrás do cargo, como outros presidentes fizeram. Ele é um cara do bem que enfrenta uma oposição muito grande no país. Se isso acontece por motivos raciais, é algo que me parece muito triste e estúpido”, diz ela.
Para terminar, um comentário. Tive a oportunidade de acompanhar parte do show de Natalie, em setembro último, no Curaçao North Sea Jazz Festival, quando pude constatar pessoalmente que ela voltou aos palcos em plena forma, com a elegância e a simpatia de antes. Não fosse o formato desse festival, com shows simultâneos em três palcos, eu certamente teria ficado até o bis.
(Texto publicado parcialmente na “Folha de São Paulo”, em 6/4/2011)
Jazz na Fábrica: festival do Sesc Pompéia terá ingressos a preços acessíveis, em maio
Marcadores: Archie Shepp, blazin quartet, Christian Scott, Dee Dee Bridgewater, fire, instrumental, jazz, Jazz na Fábrica, knalpot, mats gustafsson, moacir santos, The Bad Plus | author: Carlos Calado
O trompetista Christian Scott, atração do Jazz na Fábrica
Numa cidade com preços tão abusivos como São Paulo (atualmente mais cara até do que Nova York ou Paris), a notícia de um festival internacional de jazz, com ingressos variando de R$ 4 a R$ 32, pode soar como uma fantasia. Ainda mais se esse evento destaca nomes de ponta na cena do jazz norte-americano, como o trio The Bad Plus, a cantora Dee Dee Bridgewater ou o saxofonista Archie Shepp.
Mas é verdade: o Sesc SP vai realizar, de 7 a 29 de maio, o festival Jazz na Fábrica. Durante quatro semanas, de quinta a domingo, o teatro e a choperia do Sesc Pompéia vão exibir uma programação de alto nível musical, que inclui diversos estilos de jazz e de música instrumental, entre outras vertentes musicais ligadas ao improviso.
Além das atrações citadas, também acaba de ser confirmado no elenco o trompetista norte-americano Christian Scott (na foto acima), um dos jazzistas da nova geração mais badalados nos últimos anos, que os paulistas já puderam apreciar na edição do ano passado do Bridgestone Music.
O elenco internacional inclui também atrações vindas da Europa, como o Fire!, trio de free jazz liderado pelo saxofonista sueco Mats Gustafsson, ou ainda os holandeses do Blazin’ Quartet e do Knalpot, grupos que utilizam a linguagem da música eletrônica em suas experimentações.
A preciosa música instrumental de Moacir Santos estará presente nos shows de três atrações nacionais: da Orquestra Ouro Negro, que há 10 anos cultiva a obra desse compositor pernambucano; da Zerró Santos Big Band Project e do Quinteto Vento e Madeira. Outro show que certamente será muito disputado marca o encontro de quatro gigantes do instrumental brasileiro: Toninho Horta, Robertinho Silva, Heraldo do Monte e Arismar do Espírito Santo.
O elenco nacional destaca ainda a cantora Leny Andrade, o sexteto do pianista André Marques e as bandas Hurtmold e Bodes e Elefantes. Aos sábados, a choperia vai promover jam sessions comandadas por Arismar do Espírito, Filó Machado, Djalma Lima e Quarteto Tempo, com entrada franca. Gratuita também será a programação da série Jazz na Rua, com apresentações de “street bands”.
Com curadoria assinada pela equipe do Núcleo de Música do Sesc Pompeia, o festival oferece também atividades didáticas. A flautista Léa Freire e o pianista André Marques vão comandar workshops dirigidos a músicos profissionais e amadores. O jornalista e crítico Carlos Calado (sim, eu mesmo) vai apresentar “Jazz: Introdução à Grande Arte do Improviso”, curso em quatro aulas dirigido a apreciadores de música em geral, sem necessidade de conhecimento técnico.
Finalmente, uma dica importante: os ingressos para o Jazz na Fábrica começam a ser vendidos no dia 1º de maio. Melhor não descuidar, porque a exemplo de outros eventos internacionais promovidos pelo Sesc os ingressos para vários shows devem se esgotar em poucas horas.
Mas é verdade: o Sesc SP vai realizar, de 7 a 29 de maio, o festival Jazz na Fábrica. Durante quatro semanas, de quinta a domingo, o teatro e a choperia do Sesc Pompéia vão exibir uma programação de alto nível musical, que inclui diversos estilos de jazz e de música instrumental, entre outras vertentes musicais ligadas ao improviso.
Além das atrações citadas, também acaba de ser confirmado no elenco o trompetista norte-americano Christian Scott (na foto acima), um dos jazzistas da nova geração mais badalados nos últimos anos, que os paulistas já puderam apreciar na edição do ano passado do Bridgestone Music.
O elenco internacional inclui também atrações vindas da Europa, como o Fire!, trio de free jazz liderado pelo saxofonista sueco Mats Gustafsson, ou ainda os holandeses do Blazin’ Quartet e do Knalpot, grupos que utilizam a linguagem da música eletrônica em suas experimentações.
A preciosa música instrumental de Moacir Santos estará presente nos shows de três atrações nacionais: da Orquestra Ouro Negro, que há 10 anos cultiva a obra desse compositor pernambucano; da Zerró Santos Big Band Project e do Quinteto Vento e Madeira. Outro show que certamente será muito disputado marca o encontro de quatro gigantes do instrumental brasileiro: Toninho Horta, Robertinho Silva, Heraldo do Monte e Arismar do Espírito Santo.
O elenco nacional destaca ainda a cantora Leny Andrade, o sexteto do pianista André Marques e as bandas Hurtmold e Bodes e Elefantes. Aos sábados, a choperia vai promover jam sessions comandadas por Arismar do Espírito, Filó Machado, Djalma Lima e Quarteto Tempo, com entrada franca. Gratuita também será a programação da série Jazz na Rua, com apresentações de “street bands”.
Com curadoria assinada pela equipe do Núcleo de Música do Sesc Pompeia, o festival oferece também atividades didáticas. A flautista Léa Freire e o pianista André Marques vão comandar workshops dirigidos a músicos profissionais e amadores. O jornalista e crítico Carlos Calado (sim, eu mesmo) vai apresentar “Jazz: Introdução à Grande Arte do Improviso”, curso em quatro aulas dirigido a apreciadores de música em geral, sem necessidade de conhecimento técnico.
Finalmente, uma dica importante: os ingressos para o Jazz na Fábrica começam a ser vendidos no dia 1º de maio. Melhor não descuidar, porque a exemplo de outros eventos internacionais promovidos pelo Sesc os ingressos para vários shows devem se esgotar em poucas horas.
Paulo Moura: clarinetista mostra outra faceta instrumental com o grupo Teatro do Som
Marcadores: alex meirelles, Gabriel Grossi, instrumental, paulo moura, ricardo silveira, teatro do som | author: Carlos CaladoGravadas entre 2005 e 2009, essas composições são produtos da parceria de Moura com o quarteto Teatro do Som, formado por Alex Meirelles (teclados e voz), Marcos Zama (percussão), Paulo Martins (flauta e sintetizador) e Ricardo Feijão (violão e baixo). Títulos como “Road Movie” ou “Mantra do Rio” já denotam o tom atmosférico das nove faixas. Gabriel Grossi (gaita), Alessandro Kramer (acordeon), Marcio Malard (cello) e Ricardo Silveira (violão e guitarra), entre outros convidados, ampliam a instrumentação baseada em teclados, cordas, percussão e vocais.
Subordinando-se aos arranjos, Moura quase abdicou nesse projeto do costumeiro papel de solista, para explorar texturas sonoras menos usuais em sua obra. Mais uma lição desse grande instrumentista, que sempre se colocou a serviço da música – sem hierarquias e preconceitos.
(resenha publicada no “Guia Folha – Livros, Discos e Filmes”, em 25/3/2011)
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