Rosa Passos: afastada dos palcos, cantora retoma a carreira com o álbum "É Luxo Só"

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O ano de 2011 já se aproximava de seu final, quando o lançamento do álbum “É Luxo Só” (pela gravadora Biscoito Fino) veio acompanhado por uma ótima notícia: depois de três anos de afastamento dos palcos, a doce cantora, violonista e compositora Rosa Passos está retomando sua carreira musical.

Nesse álbum em homenagem à eclética Elizeth Cardoso (1920-1990), uma das grandes intérpretes da música popular brasileira, Rosa imprime seu sofisticado estilo vocal, entre o jazz e a bossa nova, a clássicos de Cartola (“As Rosas Não Falam”, “Acontece”), Noel Rosa (“Ultimo Desejo”, “Três Apitos”), Ary Barroso (“É Luxo Só”) e Zé Ketti ("Diz que Fui por Aí").

Nesta entrevista, ela conta o que a levou a interromper a carreira musical, comenta detalhes dessa homenagem a Elizeth e revela seus próximos projetos, incluindo um disco com canções de Djavan e possíveis parcerias com os jazzistas Ron Carter e Kenny Barron. Rosa também comenta o fato de cantoras das novas gerações já não se preocuparem mais com a afinação ou outros detalhes essenciais numa gravação.

Sua carreira internacional estava a todo vapor, no final de 2008, quando você se afastou da música. O que aconteceu?

Rosa Passos - Tive “síndrome de burnout”, uma estafa muito grande provocada por excesso de trabalho. O pianista Keith Jarrett ficou três anos sem tocar pelo mesmo motivo. Quinze anos atrás minha carreira deslanchou no exterior e eu passei a viajar muito. Como entrei num processo de desgaste e continuei trabalhando, meu organismo começou a reclamar. Eu já estava fazendo tudo mais pela obrigação do que pelo coração, nem conseguia mais olhar para o meu violão. Cheguei a ficar mais tempo viajando, do que em casa. Então tive que parar tudo, por recomendação médica. Fiquei baianíssima, só na rede, em casa, cuidando de três gatos e quatro cachorros (risos).

O que a levou a gravar um tributo a Elizeth Cardoso?

Rosa - Foi presente de um amigo, que sugeriu essa homenagem. Eu me animei com a ideia, pesquisei bastante o repertório e os discos da Elizeth, mas não queria fazer nada óbvio. Coloquei algumas músicas no disco, como uma homenagem pessoal. Escolhi músicas que a maioria das pessoas nem sabe que ela gravou, como “Palhaçada” (Haroldo Barbosa/Luis Reis), “Diz Que Fui Por Aí” (Zé Ketti) e “Acontece”, que Cartola fez para ela. Elizeth abraçou toda a música brasileira, não tinha um repertório característico ou limitado. Ela gravou tudo.

O estilo vocal da Elizeth era bem diferente do seu. O que atrai você na obra dela? Rosa - A versatilidade dela como intérprete, algo que sempre admirei muito. Aprendi a gostar da Elizeth com meu pai, aos oito ou nove anos de idade. Ela tinha aquela elegância, foi uma grande intérprete, que sempre esteve à frente de sua época. Outra coisa que me encantou muito nela foi a decisão de cantar as “Bachianas”, de Villa-Lobos. Ou quando gravou o disco “Canção do Amor Demais” (1958), cantando Tom Jobim e Vinicius de Moraes, que tem João Gilberto tocando violão, já com aquela coisa do começo da bossa nova. Ali, mais uma vez, ela estava à frente.

Mas o fato de seu estilo vocal e o dela serem diversos não tornou mais difícil se aproximar do repertório dela? 

Rosa - Sempre gostei de desafios. Já fiz um disco muito difícil, o “Amorosa”, em homenagem a João Gilberto. Tudo bem, ele é meu ídolo, teve uma grande influência na minha maneira de tocar e cantar, mas, no caso da Elizeth, eu me identifico com a ousadia dela como grande intérprete que foi. Anos atrás a Zezé Motta já homenageou Elizeth, cantando o repertório mais clássico dela. Minha ideia foi trazer a lembrança da Elizeth, mas fazendo uma homenagem mais pessoal. Eu nem saberia como cantar algumas canções mais conhecidas do repertório dela, como “Barracão” ou a “Canção do Amor Demais”.

Quando você gravou o “É Luxo Só”?  

Rosa - Gravei esse disco entre 1º e 5 de março de 2011, em Brasília, com Lula Galvão (violão e arranjos) e Jorge Helder (baixo acústico), meus amigos e parceiros de muitos anos. Foi muito gostoso porque eles ficaram hospedados em minha casa. Eu fazia comidinha para eles e, à tarde, íamos para o estúdio. O show de lançamento também será em Brasília, dias 2 e 3 de março (de 2012), no Teatro Oi. Depois quero fazer São Paulo e, devagarzinho, viajar pelo Brasil. Estou bem animada com esse recomeço. Tenho recebido um carinho muito grande de meus fãs, especialmente pelo Facebook.

O que você acha dessas cantoras de gerações mais recentes, que já não atentam mais aspectos essenciais do canto, como a afinação ou a dicção? 

Rosa - Pois é, a afinação deveria vir em primeiro lugar (risos). Hoje, gravar um disco é a coisa mais fácil do mundo. Existe toda uma tecnologia para isso, que permite até afinar a voz do cantor numa gravação. Então as pessoas não estão mais preocupadas com a técnica da interpretação, com a divisão, com a respiração e a dicção. Acho que essa mudança tem uma razão cultural. Nos Estados Unidos e na Europa, as pessoas têm aulas de música desde criança, nas escolas. Aqui no Brasil não existe mais isso. Os poucos que têm acesso à formação musical devem isso a seus pais. Eu fui feliz, porque meu pai colocou aulas de música na educação que eu e meus irmãos recebemos. Aqui no Brasil, a criança, o adolescente e o jovem crescem com informação musical da pior qualidade. Só ouvem música de consumo imediato, música popularesca em excesso. Quando dou aulas ou oficinas de música, sempre ressalto o cuidado que você deve ter com a interpretação, com a respiração e a dicção. A estética da música é algo muito importante, que os professores de canto deveriam ensinar.

Você já tem planos para outro disco?  

Rosa - O próximo será uma homenagem ao Djavan, com certeza. Eu amo Djavan de paixão! Quero gravar os clássicos dele com a minha leitura. Quem sabe, ele até dá uma música inédita pra mim (risos). Estou muito feliz, porque cheguei numa fase de minha vida profissional em que me sinto realizada. Em 2008, recebi o título de doutora honoris causa da Berklee School. Já gravei com Ron Carter, gravei e viajei com Yo Yo Ma, toquei com meu amigo Paquito D’Rivera. Me sinto tranquila para poder voltar ao trabalho mais madura.

Como andam os convites para projetos no exterior?  

Rosa - Como plantei meu trabalho com muito carinho e amor, essas portas continuam abertas para mim. Recebi convite para um show com o Wynton Marsalis, em Nova York, em abril, mas não pude ir. Mesmo assim, ele me disse que podemos fazer esse show quando eu quiser. Ron Carter já demonstrou interesse em fazer outro disco comigo. Também recebi a proposta de gravar com outro músico que eu amo de paixão: o pianista Kenny Barron. Ele viria para o Brasil, gravar com músicos brasileiros, e eu seria a cantora convidada. Se isso acontecer mesmo, vou ficar muito feliz, porque ele é um dos meus pianistas preferidos. 

(entrevista publicada parcialmente no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", na edição de dezembro de 2011)

 

1 Comentário:

lindo0107 disse...

Calado, rapaz, disco novo da Rosa perigas ser a melhor notícia do ano finado. Disco da Rosa com Lula Galvão e Jorge Helder - certamente é a melhor notícia do ano. Feitos todos os encômios, nada menos do que obrigatórios, me pergunto: por que a gente precisa impetrar essa espécie de habeas corpus preventivo e exemplificar o disco com um trailerzinho do YouTube? "Botei arquivo de mp3, não, tava lá nos tubos". Daria muito rolo simplesmente explicar que "Palhaçada" era só uma provinha, que se o preclaro ouvinte era uma pessoa de respeito deveria ouvir o tal do mp3 e sair correndo pra comprar o disco? Eu fico muito confuso com essas coisas...

 

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