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"Brasileiros do Mundo": nova série da Cultura FM destaca músicos bem-sucedidos no exterior

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             A cantora, pianista e compositora Tânia Maria 
       

Tânia Maria, Dom Salvador, Duduka da Fonseca, Luciana Souza e Romero Lubambo, instrumentistas e intérpretes de alto quilate, têm algo em comum nas suas trajetórias: são brasileiros que, décadas atrás, decidiram viver na Europa ou nos Estados Unidos, onde desenvolveram carreiras bem-sucedidas, tocando e/ou cantando música brasileira e jazz. Ironicamente, hoje esses artistas são mais conhecidos no exterior do que no Brasil.

Essa é a tônica de “Brasileiros do Mundo”, série de cinco programas, que idealizei e vou apresentar na Cultura FM (103,3) de São Paulo. O programa de estreia, que será exibido no dia 29/06 (domingo), às 14h, é dedicado a Tânia Maria. Essa carismática pianista, cantora e compositora decidiu se radicar na França, no início da década de 1970. Graças a seu talento musical, em pouco tempo ela se tornou uma grande estrela da cena internacional do jazz.

Nascida no Maranhão, Tânia tinha apenas dois anos quando sua família se mudou para Volta Redonda, no estado do Rio de Janeiro. Já cantava e tocava piano em casas noturnas, no final dos anos 1960, quando foi vítima de um abuso típico do repressivo regime militar daquela época. Numa noite, ao sair da boate carioca em que se apresentava, foi abordada por uma viatura policial e conduzida a uma delegacia, como se fosse uma prostituta. O policial chegou a rasgar sua carteira de musicista profissional.

“Foi um trauma muito grande, eu tinha 22 anos. Depois daquilo eu não podia ficar mais aqui”, relembrou Tânia, em entrevista à “Folha de S. Paulo”, em 2005, ao se apresentar no Sesc Pompeia, na capital paulista – suas primeiras apresentações em palcos brasileiros, após três décadas de autoexílio na Europa. O programa de estreia da série “Brasileiros do Mundo” destaca algumas das composições mais aplaudidas dessa sensacional artista, como “Euzinha”, “Come with Me” e “Valeu”.

O pianista e compositor carioca Antonio Adolfo (protagonista do programa de 6/07), também passou anos na Europa e nos Estados Unidos, na década de 1970. “Não fui expulso nem banido, mas saí porque estava com nojo daquela situação”, ele afirmou, em 2019, em entrevista ao site Scream & Yell. Autor de sucessos, como “BR-3” e “Juliana” (ambos em parceria com Tibério Gaspar), Adolfo foi perseguido pela ditadura militar, como outros artistas naquela época.

Ao retornar ao país, ele redirecionou sua carreira, ao se aproximar da música instrumental. Desde a década passada tem alternado períodos no Brasil e nos Estados Unidos, onde tem lançado praticamente um álbum por ano, misturando música brasileira e jazz. Alguns desses discos já receberam indicações para os prêmios Grammy e Grammy Latino.   

O caso da cantora paulista Luciana Souza, que pertence a uma geração posterior à de Antonio Adolfo e Tânia Maria, já é um pouco diferente. Ela foi estudar música nos Estados Unidos, na década de 1990, e desde então só tem retornado ao Brasil de vez em quando, para fazer shows. Filha dos compositores Walter Santos e Tereza Souza, Luciana construiu uma sólida carreira internacional na área do jazz vocal.

Os 15 álbuns que Luciana já lançou como intérprete e compositora, combinando diversos gêneros da música brasileira com influências do jazz contemporâneo e da música de câmara, têm sido elogiados por sua sofisticação. O programa protagonizado por ela vai ao ar em 13/07.

O pianista e compositor paulista Dom Salvador e o baterista carioca Duduka da Fonseca se aproximaram ainda nos anos 1970, quando já viviam na área de Nova York. Ali os dois abraçaram uma missão musical: tornaram-se embaixadores informais do samba-jazz. Não foi à toa que, em 2015, ao festejar os 50 anos de seu Rio 65 Trio, em um concerto no Carnegie Hall, Salvador convidou Duduka para substituir o lendário baterista Edison Machado (1934-1990), da formação original do trio.

Duduka retribuiu o convite do mestre paulista com uma bela homenagem: em 2018, lançou um álbum com repertório integralmente dedicado à obra musical de Dom Salvador, que hoje já reúne mais de 300 composições autorais. O programa que focaliza esses craques da música instrumental brasileira será exibido em 20/07.

Dois grandes violonistas protagonizam o último programa dessa série, que irá ao ar em 27/07. O carioca Romero Lubambo já se destacava na cena instrumental brasileira, em 1985, quando se mudou para Nova York. Hoje é admirado por sua versatilidade, ao se apresentar e gravar com artistas de diversos gêneros musicais, como as cantoras Dianne Reeves e Angélique Kidjo, o saxofonista Paquito D’Rivera ou o violinista Yo-Yo Ma.    

Por outro lado, o paulista Chico Pinheiro já era um instrumentista consagrado, em 2016, quando trocou São Paulo por Nova York. Suas colaborações com astros do jazz, como Ron Carter, Brad Mehldau e Esperanza Spalding, assim como João Donato, Dori Caymmi e outros craques da música brasileira, falam por si. A afinidade musical de Lubambo com Pinheiro é evidente em “Two Brothers”, álbum gravado por eles em 2021. Gravações desse disco em parceria abrem o repertório do programa que vai ao ar em 3/08, na Cultura FM de São Paulo, encerrando a série “Brasileiros do Mundo”.     

BRASILEIROS DO MUNDO - Série de cinco programas, que vai ao ar a partir de 29/06, nos domingos, às 14h, pela Cultura FM (103,3) de São Paulo. Roteiros e apresentação: Carlos Calado. Direção: Inez Medaglia. Se preferir, ouça esses programas ao vivo pelo site da Cultura FM no portal UOL, por meio deste link: https://cultura.uol.com.br/aovivo/4_ao-vivo-radio-cultura-fm.html

                        

Rodolfo Stroeter: baixista do grupo Pau Brasil lança "Madurô", um autorretrato musical

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                         O baixista e compositor paulistano Rodolfo Stroeter - Foto de Gal Oppido/Divulgação  

Um dos fundadores do conceituado grupo instrumental Pau Brasil, com o qual se apresenta e tem feito gravações desde os anos 1980, o contrabaixista, compositor e produtor paulistano Rodolfo Stroeter vai surpreender seus fãs. “Madurô”, seu segundo disco solo (lançamento do selo Pau Brasil), destaca um repertório autoral com dez canções e três temas instrumentais.

“Este disco é uma espécie de autorretrato musical, que inclui minha família e meus amigos”, sintetiza Stroeter. Nessas gravações, ele reencontra parceiros como os cantores Sérgio Santos, Joyce Moreno, Marlui Miranda e Céline Rudolph, o baterista Tutty Moreno, o pianista Helio Alves e seu filho Noa Stroeter, contrabaixista do Caixa Cubo Trio. E ainda, naturalmente, o quinteto Pau Brasil.  

Vale lembrar que, em seu primeiro disco solo (“Mundo”, lançado em 1986 pelo selo Continental), Stroeter já demonstrara ser um compositor que dialoga com diversas influências: da MPB ao instrumental brasileiro; do jazz à música clássica. Joyce e Marlui também participaram do elenco desse álbum, assim como o pianista e arranjador Nelson Ayres, do Pau Brasil.  

Contrapontos com parceiros

Agora, ao conceber “Madurô”, Stroeter decidiu dedicar mais espaço às suas canções inéditas – algumas compostas ainda nos anos 1980. Acostumado a trabalhar em grupo, mesmo quando produz o disco de algum intérprete, ele gosta de estabelecer contrapontos com os parceiros. “Quando comecei a fazer este disco, percebi que agora o contraponto seria comigo. Não consigo fazer isso sozinho”, admite Stroeter, que mais uma vez convocou parceiros e amigos, para formar um elenco de alto quilate.

Interpretada por Sérgio Santos, a singela canção “Boa Noite, Sereno” desfia sensações e descobertas de um primeiro namoro. O belo timbre do cantor mineiro também empresta brilho especial à lírica canção que dá título ao álbum. Curiosamente, conta Stroeter, a letra de “Madurô” ficou inacabada até ele reencontrá-la em um velho caderno. Logo depois achou a solução que buscava para conclui-la graças a uma sugestão de Noa.

Três cantoras, com as quais Stroeter desenvolve parcerias há décadas, também contribuíram para outras belezas do álbum. Já gravada por Monica Salmaso, a canção “Estrela de Oxum” ressurge na voz de Joyce, em delicado arranjo que destaca o piano de Nelson Ayres, a bateria de Tutty Moreno e o baixo do próprio autor. Em “Cantiga da Estrela”, a cantora franco-germânica Céline Rudolph demonstra sua bagagem jazzística, utilizando a voz como instrumento, em um criativo duo improvisado com o baixo elétrico de Stroeter.  

Exaltação aos indígenas

Outra surpresa do disco é “Rap Americano”, poema de Stroeter que exalta os povos indígenas das Américas, escrito para a “Ópera dos 500 / Popular e Brasileira”. Encenada por Naum Alves de Souza, em 1992, essa ópera pretendia desmistificar o suposto heroísmo de Cristóvão Colombo. Como não entrou na versão final do espetáculo, o poema estreia agora na voz do autor, acompanhado pelo Caixa Cubo Trio. Os vocais de Marlui Miranda, em idioma indígena, criam um contraponto inquietante com os versos.

O samba “Feiticeira” também demorou pelo menos uma década e meia para sair da gaveta. Fã de João Gilberto, Stroeter tem uma paixão especial pelo lendário LP de capa branca do pai da bossa, lançado em 1973. Quando soube que João frequentava a casa do baterista Tutty Moreno, em Nova York, teve a ideia de compor um samba com cara de bossa nova e enviá-lo para o mestre. “Até fiz a música, mas não mandei”, conta, sorrindo. Agora, para inclui-la em “Madurô”, convidou o cantor Zé Renato e Tutty para gravá-la de maneira bem despojada, como fez João Gilberto, em seu cultuado álbum.  

Stroeter agradece por duas sugestões de intérpretes que recebeu do violonista Swami Jr., também presente no disco. “Ele entendeu onde eu queria chegar com duas composições minhas de cunho mais popular”, reconhece. No contagiante samba “Na Boca do Povo” (parceria com o letrista Paulo César Pinheiro), Fabiana Cozza soa bem à vontade, como se estivesse cantando numa roda de amigos. Já “Viva Jackson do Pandeiro” é um alegre tema instrumental de Hermeto Pascoal, para o qual Stroeter escreveu uma letra, que imagina um encontro do carismático músico paraibano com o “bruxo” de Alagoas. Convidado a interpretá-lo, Chico Cesar personifica Jackson, carregando na pronúncia dos “erres”, para reviver um divertido sotaque do passado.

Parceria de quatro décadas

Por outro lado, Stroeter nem precisou pensar em quem gravaria “Aboio”, um dolente tema instrumental, e o gingado samba “Levada da Breca” – parcerias com Noa, que o Pau Brasil tem incluído em suas apresentações. “Eu toco com esse grupo de amigos há mais de 40 anos. Não existe a possibilidade de eu fazer um disco meu sem o Pau Brasil”, afirma o contrabaixista.

Escolhida para fechar o álbum, “A Voz da Oração” nasceu como uma letra de Stroeter que foi musicada por Noa. Com forma e conteúdo de uma prece, ela inspirou a emocionante interpretação de Sergio Santos, que expressa o significado especial dessa canção para o baixista do Pau Brasil e sua família. “Ela foi dedicada ao Noa e meus outros filhos. Não tenho religião que não seja a música, mas acabou saindo uma canção que abarca o sentido de amor aos de muito perto”, ele explica.

Cinco anos atrás, Stroeter enfrentou um grave problema cardíaco, que o levou a refletir mais sobre o sentido da vida, nos últimos anos. Hoje, ele percebe que a decisão de gravar um disco de canções como “Madurô” também tem relação com a experiência extrema que vivenciou. “O fato de eu ter, literalmente, apagado e, minutos depois, ter voltado à vida, me trouxe um sentido de liberdade essencial para fazer um disco como esse. Se não tivesse passado pelo que passei, eu jamais teria a coragem de me expor como faço nesse disco”, conclui. Em outras palavras, Rodolfo Stroeter amadureceu, madurô.

                                                                                          Texto escrito a convite do selo Pau Brasil 


Show de lançamento do álbum "Madurô"
- Dia 6/12/24 (sexta), às 21h, na Sala Crisantempo (Rua Fidalga, 521, Vila Madalena, zona oeste de São Paulo). Entrada franca. Com Rodolfo Stroeter (baixo acústico e elétrico), Hélio Alves (piano) e Tutty Moreno (bateria). Participações especiais de Sérgio Santos (voz), Analu Sampaio (voz) e Paulo Bellinati (violão). 

André Siqueira e Toninho Ferragutti: antigas valsas de Garoto com a sensibilidade de hoje

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                                   André Siqueira e Toninho Ferragutti, no show de lançamento no Sesc 14 Bis 


Confesso que, num primeiro momento, não cheguei a ficar animado ao saber que o violonista André Siqueira e o acordeonista Toninho Ferragutti gravaram um álbum com 10 valsas do lendário Garoto (1915-1955). Pensei: será que esses talentosos instrumentistas vão conseguir realizar a proeza de tornar atraente aos ouvintes de hoje um repertório tão antigo, criado quase um século atrás?

Que recursos musicais esses admiradores do grande multi-instrumentista de cordas – paulista como eles – poderiam utilizar para conquistar a atenção das plateias contemporâneas? Afinal, já nos acostumamos à alta intensidade sonora e à variedade rítmica da música de hoje, que nos chacoalha e entorpece, diariamente, por meio das plataformas de streaming, dos smartphones e canais do YouTube.

É provável que um receio semelhante ao meu tenha passado pelas cabeças de alguns dos felizardos que foram ao Sesc 14 Bis, na quinta-feira (3/10), para o show de lançamento de “Valsas de Garoto”, álbum em formato digital do Selo Sesc. Mas bastou escutar “Dias Felizes”, a doce valsa que abriu o repertório da noite, para que a plateia começasse a ser transportada para uma época em que a música e o lirismo costumavam andar de mãos dadas.

Autores dos arranjos do álbum, Siqueira e Ferragutti optaram por releituras: conseguiram imprimir um sabor mais atual às valsas de Garoto, tendo o cuidado de preservar a essência dessas composições. A maior parte do repertório é interpretada em duo de violão e acordeom. Por outro lado, o álbum ganhou timbres adicionais com as participações especiais de mais três craques da música instrumental: o violonista Paulo Bellinati, grande especialista na obra de Garoto; o clarinetista Alexandre Ribeiro e o violinista Ricardo Herz.

Foi bastante feliz a ideia de relembrar, na releitura da valsa “Luar de Areal”, o som do cultuado Trio Surdina – grupo formado por Garoto na década de 1950, quando teve a seu lado os talentos do violinista Fafá Lemos e de Chiquinho do Acordeom. Tanto nessa faixa do álbum, como no show de lançamento, Herz brilhou com seu violino, ao trazer de volta a sonoridade de Fafá, em alguns momentos.

Outra releitura muito especial é a de “A Cruz de Ouro”, que destaca a emotiva interpretação de Bellinati, ao violão. Já a valsa “Dugenir”, que Garoto dedicou à sua esposa, destaca a expressividade do clarinete de Ribeiro. Mas só mesmo quem foi ao show de lançamento, no Sesc 14 Bis, teve o privilégio de ouvir mais uma vez a emotiva “Gente Humilde”, a composição mais popular de Garoto, interpretada por Ferragutti, Siqueira e seus três convidados.

Tratando com carinho esse repertório do passado, Siqueira e Ferragutti utilizam suas sensibilidades contemporâneas para realçar as belezas dessas composições. Aplausos aos protagonistas do projeto “Valsas de Garoto” por provarem que a música instrumental de outras épocas também pode e deve ser apreciada, se o preconceito etarista for deixado de lado. E parabéns ao Selo Sesc por abraçar um projeto como esse, num momento em que a diluição parece tomar conta de muitas áreas de nossa cultura. 

 

Luciana Souza e Trio Corrente: uma parceria muito especial em show e disco

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                                O pianista Fabio Torres, do Trio Corrente, e a cantora Luciana Souza 

Essa é uma parceria musical que pode ser considerada fora de série. Luciana Souza, uma das cantoras brasileiras mais conceituadas na cena internacional do jazz, gravou um disco com o brilhante grupo instrumental paulistano Trio Corrente. Lançado em agosto pelo selo nova-iorquino Sunnyside, “Cometa” já ostenta uma indicação para o prêmio Grammy 2024, na categoria melhor álbum de jazz latino.  

O prazer e a alegria que essa nova parceria está proporcionando aos quatro artistas era evidente no show de lançamento do álbum (em 15/12, no Sesc 24 de Maio), em São Paulo. Ao cumprimentar a plateia, o pianista Fabio Torres chamou atenção para um detalhe que contribui para que esse show seja tão especial. Diferentemente da maioria dos cantores, que costumam ficar postados à frente dos músicos nos palcos, Luciana faz questão de cantar ao lado deles.  

Nada mais adequado, já que ela não é apenas uma grande intérprete vocal. Essa paulistana radicada há décadas nos Estados Unidos é também, na verdade, uma inventiva instrumentista, que utiliza sua voz privilegiada para improvisar, exatamente como fazem os músicos do Trio Corrente. Essa proximidade, no palco, permite que Luciana interaja com seus parceiros durante todo o show, especialmente quando estão improvisando. Como sugeriu o pianista, assim o trio se transforma em quarteto.

O repertório do show foi escolhido, principalmente, entre as faixas do álbum “Cometa”. Além de releituras de clássicas canções de Dorival Caymmi (“Você Já Foi à Bahia?”), Tom Jobim & Vinicius de Moraes (“Sem Você”) e Paulinho da Viola (“Rumo dos Ventos”), entram também composições autorais de Luciana e seus parceiros: Fabio, o contrabaixista Paulo Paulelli e o baterista Edu Ribeiro.

Para quem perdeu esses preciosos shows, Luciana deixou uma boa notícia, na apresentação de sexta. Após uma extensa turnê de shows pelos Estados Unidos que ela e o Trio Corrente farão no primeiro semestre de 2024, seguida por uma turnê europeia, há planos de mais shows pelo Brasil, no segundo semestre. Vale lembrar também que o álbum “Cometa” já está disponível em algumas plataformas. Jazz brasileiro de alto quilate!


Choraço 2023: Paulo Bellinati lidera homenagem a Garoto, mestre do violão moderno

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                                        Daniel Murray (da esq. para dir.), Paulo Bellinati e Swami Jr., no tributo a Garoto 

Quase sete décadas após a morte do grande violonista e compositor Aníbal Augusto Sardinha (1915-1955), mais conhecido como Garoto, o Brasil ainda tem uma dívida com ele. Considerado um fundador do moderno violão brasileiro e precursor da bossa nova, esse “gênio das cordas”, como chegou a ser chamado, jamais foi reconhecido pelo grande público de nosso país na medida em que sua obra musical mereceria.

É provável que ao menos algumas pessoas que foram anteontem (o feriado de 1.º de maio) ao show “Tributo a Garoto” tenham saído do Sesc 24 de Maio, em São Paulo, surpreendidas pela modernidade de sambas como “Lamentos do Morro” e “Sinal dos Tempos” ou pela beleza de choros e valsas, como “Quanto Dói Uma Saudade”, “Tristezas de Um Violão” e “Naqueles Velhos Tempos”, que revelam a maestria desse compositor paulistano.

Incluída na programação do projeto Choraço, essa homenagem não poderia estar em melhores mãos. A começar por Paulo Bellinati, grande violonista e profundo conhecedor da obra de Garoto, que lançou em 1986 um disco integralmente dedicado às composições do mestre (aliás, intitulado “Garoto”, esse álbum foi remasterizado e relançado pelo Selo Sesc, em 2019).

Ao lado de Bellinati estavam outros dois craques das cordas: Swami Jr. (violão de sete cordas) e Daniel Murray (violão), que se alternaram com ele em diferentes formações. A noite contou ainda com a participação especial de Cainã Cavalcante, outra grande revelação do violão brasileiro neste século.

Pena que Garoto, morto precocemente aos 39 anos, não tenha tido o prazer de ouvir suas composições nas interpretações desses brilhantes discípulos de gerações posteriores. Graças a eles, sua música continua encantando plateias.

Choraço 2023: festival do Sesc homenageia Zé Barbeiro, mestre do choro paulista

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O violonista Zé Barbeiro (no centro do palco), seus convidados e seu grupo de choro 
 

O compositor e violonista Zé Barbeiro, mestre do choro paulista, comemorou seus 50 anos de música, ontem (21/4), no teatro do Sesc 24 de Maio, em São Paulo. O show fez parte da extensa programação do Choraço, projeto que desde o ano passado já merecia ser reconhecido como um festival dedicado ao choro, o gênero mais tradicional da música instrumental brasileira.

Além dos 16 shows da edição deste ano, que ocupa três semanas da programação dessa unidade do Sesc paulista, o Choraço também oferece masterclasses ministradas por ótimos instrumentistas e um bate-papo sobre a História do Choro com o músico e pesquisador Henrique Cazes, especialista nesse gênero (dia 27/4, às 14h).

Essas são atividades típicas dos grandes festivais de música, mas o Choraço também merece esse status pela alta qualidade dos solistas e grupos instrumentais de São Paulo, Rio e Bahia, que compõem o elenco deste ano.  

Zé Barbeiro iniciou a carreira musical tocando seu violão de sete cordas em rodas de samba e choro, mas suas polcas e valsas, assim como os maxixes e sambas de sua autoria, não soam tradicionais. Em choros com tempero contemporâneo, ele expande as formas e bagunça as convenções desse gênero com um senso de humor irresistível.  

Só mesmo um gozador com jeitão de mal humorado, como ele, para batizar composições com títulos como “Clarinetista Enchendo o Sax”, “Dias Melhores Não Virão” ou o imbatível “Mais Quebrado que Macarrão em Cesta Básica”.

O Choraço 2023 prossegue até dia 7 de maio. Consulte a programação e adquira ingressos no site do Sesc SP:
https://www.sescsp.org.br/sesc-24-de-maio-celebra-o-mes.../

Amazonas Green Jazz Festival: um espaço para mergulhar na música instrumental

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Um dos grandes festivais de jazz e música instrumental de nosso país, que mais enfatizam a educação musical e a formação de público, o Amazonas Green Jazz Festival criou para a edição deste ano o projeto Casa do Jazz. Esse espaço cultural estará aberto ao público da cidade de Manaus até este sábado (30/7), das 9h às 21h.

Com acesso gratuito, a Casa do Jazz fica ao lado do lendário Teatro Amazonas, no centro da capital amazonense. Ao entrar na primeira sala da exposição, o visitante já é apresentado a alguns dos instrumentos mais característicos desse gênero musical, como o saxofone, o trompete ou o trombone. Na sala Faça o Seu Som, os mais animados podem até se relacionar com alguns instrumentos.

A Casa do Jazz também oferece um espaço em que se pode circular pela réplica de um típico clube de jazz de Nova York. Os visitantes têm ainda a oportunidade de ampliar seus conhecimentos musicais, em uma sala dedicada às preciosidades sonoras de dois dos mais cultuados músicos do jazz moderno: o trompetista Miles Davis e o saxofonista John Coltrane, ambos também compositores.

Outro jazzista homenageado é o pianista e compositor Chick Corea, cuja música criativa serviu de inspiração para uma instalação de artes plásticas. “Queremos que os visitantes se sintam imersos no mundo do jazz”, diz Inês Daou, produtora do Amazonas Green Jazz Festival, que coordenou esse projeto.  


Homenagem a Aldir Blanc: João Bosco, Guinga e Banda Mantiqueira em encontro histórico

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                                                        João Bosco, Nailor Proveta e Guinga, no show dedicado a Aldir Blanc 
 

Quem teve a sorte de assistir a algum dos quatro shows dedicados ao grande letrista e escritor Aldir Blanc (1946-2020), com a Banda Mantiqueira, João Bosco e Guinga, neste final de semana, sabe que presenciou um encontro histórico. A última dessas disputadas apresentações, com ingressos já esgotados, será hoje, no teatro do Sesc 24 de Maio, em São Paulo, como parte da programação da Virada Cultural.

“Obrigado, nós somos brasileiros por causa de vocês”, agradeceu emocionado Nailor Proveta, clarinetista e diretor musical da Mantiqueira, falando também em nome dos fãs desses três gigantes da música popular brasileira, no show de sexta-feira (27/5).

É bem provável que a homenagem teria agradado ao irreverente Aldir. Em vez de discursos solenes, o bom humor prevaleceu em vários momentos, especialmente nos divertidos causos contados por seus parceiros. João Bosco relembrou que, no primeiro encontro oficial do então cirurgião-dentista Guinga com o letrista e ex-psiquiatra Aldir, este perguntou se iriam dividir um consultório ou iniciar uma parceria musical.

Guinga não deixou por menos. Bastante emocionado também, disse que não aceita a ideia da morte de Aldir, porque sua obra grandiosa ficará para sempre. E depois de afirmar que não gosta de ir a enterros, confessou que vai tentar fugir de seu próprio funeral.

Foram duas horas de muita emoção, risos e canções sublimes, como “Baião de Lacan”, “Chá de Panela” e “Catavento e Girassol” (parcerias de Aldir com Guinga), assim como “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”, “Nação” e “Da África à Sapucaí” (parcerias de Aldir com João Bosco). Sem falar nos sensacionais arranjos da Mantiqueira – que está festejando seus 30 anos – para clássicos como “Incompatibilidade de Gênios” ou “Bala com Bala”.

Uma noite inesquecível. Viva Aldir, João Bosco, Guinga e a Banda Mantiqueira!






Pedro Gomes e Pipoquinha: Instrumental Sesc Brasil reúne craques do baixo

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                             Pedro Gomes e Michael Pipoquinha, em show do projeto Instrumental Sesc Brasil

Não é qualquer músico que teria a generosidade de convidar um colega (que poderia ser encarado como concorrente), para participar de seu show. Foi o que se viu ontem (10/5) na bela apresentação do baixista e compositor mineiro Pedro Gomes, que contou com a participação especial de outro jovem músico: o cearense Michael Pipoquinha, revelação na área da música instrumental, que tem colecionado elogios por onde toca seu baixo elétrico de seis cordas.

Um dos vencedores do Prêmio BDMG Instrumental 2021, Pedro veio acompanhado por um talentoso sexteto para sua estreia em São Paulo, em show da série Instrumental Sesc Brasil, no teatro do Sesc Consolação. São estes os seus atuais parceiros: Breno Mendonça (sax tenor e soprano), João Machala (trombone), Samy Erick (guitarra), Lucas de Moro (piano e teclado) e Paulo Fróis (bateria).

Num ato falho revelador, Pedro se referiu a algumas de suas composições instrumentais como “canções”, mas depois se corrigiu. No entanto, a evidente beleza das melodias de “Delicadeza” ou “Mosaico”, entre outros de seus temas autorais, certamente pode resultar em canções muito atraentes, se um dia ganharem versos escritos por um bom letrista.

“É incrível ver esse cara tocar”, elogiou Pedro, ao chamar Pipoquinha ao palco. Os olhares e sorrisos que os dois trocaram durante os improvisos confirmaram a admiração musical que um tem pelo outro. Se você não estava na plateia desse show, ontem, ainda pode assisti-lo no canal do Sesc no YouTube: youtube.com/instrumentalsescbrasil




 

Choraço: noite de maioria feminina trouxe Maria Alcina e choros atrevidos

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                         As cantoras Patricia Bastos, Rita Braga e Maria Alcina, em show do projeto Choraço  

Com bom humor e toques teatrais, o show “Se Me Deixam Chorar: A Era do Choro Atrevido” levou imagens raras ao palco do Sesc 24 de Maio, ontem (8/5), em São Paulo. Ao contrário do que ainda se costuma ver em shows, sejam de samba, de MPB, de rock ou de jazz, as mulheres, tanto cantoras, como instrumentistas, eram absoluta maioria no elenco musical dessa noite do projeto Choraço.

Rita Braga e suas convidadas especiais, Maria Alcina e Patrícia Bastos, cantaram saborosos choros, como “Yaô” (de Pixinguinha”), “Tico-Tico no Fubá” (Zequinha de Abreu), “Apanhei um Resfriado” (Leonel Azevedo e Sá Roris) e “Choro Inconsequente” (Raul Seixas), que provocaram sorrisos e ganharam apoio vocal da plateia.

Ao ver Maria Alcina entrar no palco, me veio a lembrança da incrível performance dessa corajosa cantora, em 1972, no Festival Internacional da Canção. No auge da ditadura militar, ela desafiou a censura e a repressão desencadeados pelo golpe de 1964, com uma dança provocativa e seu vozeirão (ainda poderoso 50 anos depois), ao interpretar “Fio Maravilha”, de Jorge Ben. E por isso foi perseguida e censurada. Qualquer semelhança com certos absurdos atuais, vale lembrar, não é mera coincidência. Salve a grande Maria Alcina!

Muito especial também foi a participação da pianista Heloísa Fernandes, que fez a plateia segurar o fôlego ao ouvir sua inventiva releitura do clássico “Chorinho Pra Ele”, do mestre Hermeto Pascoal. O elenco de convidadas trouxe ainda o quarteto das pioneiras Choronas, primeiro grupo feminino de choro, que já se aproxima de seus 30 anos de carreira.

Tomara que esse show sirva de lição para aqueles que ainda insistem em desmerecer os talentos das mulheres, tanto nos palcos como na vida. Com ou sem o apoio dos homens, elas estão conquistando, mais e mais, os espaços que sempre mereceram. 

Os shows e atividades formativas do projeto Choraço prosseguem até 19/5. Consulte a programação e compre seus ingressos no site do Sesc SP: 
https://www.sescsp.org.br/projetos/choraco/

Choraço: os personalíssimos choros de Laércio de Freitas, em merecida homenagem

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                                                O compositor e pianista Laércio de Freitas, na noite em sua homenagem

Nos círculos do choro e da música instrumental paulista, raros músicos são tão queridos e admirados como ele. O pianista, arranjador, maestro e ator Laércio de Freitas foi homenageado na noite de ontem (6/5), em mais um show do projeto Choraço (no Teatro do Sesc 24 de Maio, em São Paulo).

Compositor com uma assinatura musical personalíssima, esse paulista nascido em Campinas causou impacto entre os fãs do gênero, em 1980, ao lançar seu álbum “São Paulo no Balanço do Choro” (selo Eldorado). Com um repertório quase todo autoral, esse disco já despontou como um clássico instantâneo do choro.

A saúde debilitada não impediu que Laércio participasse, com seu habitual bom humor, do show comemorativo de seus 80 anos. “Estou só ciscando”, brincou, provocando risadas no palco e na plateia, ao se sentar ao piano com Daniel Grajew, já mais ao final da apresentação.

No programa da noite, alguns dos choros mais conhecidos de Laércio, como “Fandangoso”, “Camondongas”, “Sumaré-Pompéia” e “São Paulo no Balanço do Choro”, interpretados por um competente septeto liderado pelo flautista Shen Ribeiro. Não faltou o delicioso “Arabiando”, choro de Esmeraldino Salles (1916-1979), violonista que Laércio credita como uma de suas influências nesse gênero musical .

Salve o maestro e mestre do choro Laercio de Freitas!


Banda Mantiqueira: big band paulista festeja seus 30 anos em turnê pelo Estado

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Grande referência na área da música instrumental e do jazz criados no Brasil, a Banda Mantiqueira abre o ano com uma série de shows em teatros do estado de São Paulo, para comemorar seus 30 anos de atividades.

Liderada pelo clarinetista, saxofonista e arranjador Nailor Proveta, a big band paulista combina em seu repertório arranjos instrumentais de clássicos do samba, do choro, do frevo, do baião, da bossa nova e do jazz.

A turnê comemorativa começa neste sábado (19/2), às 20h, no Teatro Paratodos de Botucatu. Em seguida, a Mantiqueira se apresenta em Limeira (11/3), Santos (20/3), Tatuí (1.º/4), Taubaté (3/4) e São Caetano (24/4). Ingressos a R$ 5 e R$ 10.

Difícil imaginar um grupo musical mais brasileiro do que essa big band nascida no bairro paulistano do Bixiga, que toca, com personalidade e refinamento, gêneros musicais originários de vários cantos do país. Parabéns e vida longa à Banda Mantiqueira!

eFestival 2021: você já pode incentivar talentos da música brasileira

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Já estão disponíveis, no site oficial do eFestival, as listas dos músicos finalistas desse concurso, que tem revelado e apoiado talentos musicais há duas décadas. Quem vai definir os vencedores dessa competição é o público, incluindo você, que também pode votar nos seus favoritos.

Tive o prazer de participar da comissão que selecionou esses finalistas, ao lado do maestro e produtor Ruriá Duprat, do multi-instrumentista e compositor Tuco Marcondes e do jornalista e crítico musical Mauro Ferreira – profissionais de prestígio e reconhecida competência em suas áreas.

Ao avaliar os candidatos e candidatas, seguimos critérios objetivos, como originalidade, criatividade, interpretação e performance musical, entre outros, assim como a qualidade técnica dos vídeos. Além disso, tentamos contemplar a diversidade racial e de gêneros das candidatas e candidatos, assim como as diferentes regiões geográficas do país nas quais eles vivem.

Preocupada em balancear todos esses critérios, infelizmente, a comissão de curadores se frustrou ao ver alguns de seus indicados falharem em quesitos técnicos ou infringirem algum item do regulamento do concurso, que os levou a serem desclassificados. Gostaríamos de ver mais mulheres na seleção de finalistas, assim como mais candidatos do Norte e do Nordeste do país, sem que fôssemos obrigados a deixar os critérios musicais em segundo plano.

Esperamos que todos os candidatos não-selecionados voltem a se inscrever, em 2022, na próxima edição do eFestival. E que as candidatas e os candidatos inscritos dediquem um pouco mais de tempo à análise do regulamento do concurso, para não serem desclassificados por motivos extramusicais.

Agora é com você. Vote em seus favoritos e ajude a eleger os vencedores do eFestival 2021, neste link: www.efestival.com.br

 

BDMG Instrumental: evento transmitido online premia talentos da música mineira

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                               O pianista Deangelo Silva, que fará o show de encerramento / Foto de divulgação
 

Adiada por um ano em função da pandemia, a 20ª edição do Prêmio BDMG Instrumental será realizada durante este final de semana, pela primeira vez com transmissão online. Doze selecionados vão disputar essa que é a principal premiação para a música instrumental criada em Minas Gerais.

Tive a oportunidade de acompanhar o nascimento e a consolidação desse prêmio, como integrante da comissão julgadora em várias edições. Nos anos seguintes, foi um prazer ver músicos premiados pelo BDMG brilharem no cenário da música instrumental de nosso país, como Rafael Martini, Antônio Loureiro, Frederico Heliodoro, Weber Lopes, Enéias Xavier, Cleber Alves ou Luísa Mitre, entre outros. Por isso, vai ser muito bom voltar a colaborar com esse prêmio, quando ele festeja 20 anos.

Hoje (sexta), a partir das 20h, apresentam-se o Assanhado Quarteto, o baixista Nô Corrêa, o pianista Gustavo Figueiredo, o baixista Pedro Gomes, o Duo Foz e o baixista Aloízio Horta. Amanhã (sábado), a partir das 18h, tocam o guitarrista Daniel Souza, o percussionista Abel Borges, o baterista Felipe Continentino, o pianista Dudu Viana, o violonista Felipe José e o violeiro Max Sales. 

Já no domingo, às 18h, os seis finalistas voltam a se apresentar no palco do Teatro SesiMinas, em Belo Horizonte. Finalmente, às 21h20, o pianista e compositor Deangelo Silva, vencedor do Prêmio Marco Antonio Araújo 2021, fará um compacto show de encerramento, enquanto o júri formado por músicos e jornalistas define os vencedores.

Para acompanhar as apresentações, clique neste link:
https://www.youtube.com/watch?v=glYlz98-HlY


Clubes na pandemia: JazzB e JazzNosFundos fazem campanha para não fechar

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                                                                           A Nelson Ayres Big Band, em show no clube JazzB

A cidade de São Paulo corre o risco de perder dois de seus palcos mais ativos, na veiculação do jazz e da música instrumental brasileira. Sem apresentações desde o início da quarentena (em março), os clubes JazzNosFundos e JazzB tiveram que recorrer a uma campanha de financiamento coletivo para não fechar as portas definitivamente.

As contribuições podem ser feitas por meio da plataforma Benfeitoria, até 29/11, no site benfeitoria.com/jazz. Entre as diversas recompensas para quem colaborar há placas com os nomes dos benfeitores, uma obra de arte de arte de Máximo Levy (fundador do JazzNosFundos), vinhos e camisetas.

“Durante todos esses meses, trabalhamos nos bastidores vendendo o estoque de bebidas, procurando por parceiros, tentando linhas de crédito em instituições públicas e privadas, submetendo projetos em editais, produzindo conteúdo on-line, mas sem sucesso”, explica Levy. “Agora chegamos no nosso limite e precisamos de ajuda para não só encerrar os pagamentos que iniciamos em março, mas também para continuar nosso sonho”.

Jazzistas de prestígio no cenário internacional, como a clarinetista israelense Anat Cohen, o guitarrista americano Mike Moreno e a cantora francesa Camille Bertaut já se apresentaram nesses clubes, assim como craques do instrumental nacional, como Hamilton de Holanda, Nelson Ayres, André Mehmari e Toninho Horta. Sem esses dois palcos paulistanos, centenas de músicos vão perder espaço para exibirem seus trabalhos.  

Dom Salvador e Garoto: músicos brilhantes em documentários do 12.º In-Edit Brasil

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                                                               O pianista Dom Salvador - Foto de Phoebe Landrum / Divulgação

Dois brilhantes instrumentistas e compositores paulistas – ainda pouco conhecidos entre o grande público – chamam atenção na seleção de filmes do festival In-Edit Brasil. Em versão online pela primeira vez, a 12ª edição dessa mostra dedicada a documentários musicais reúne mais de 60 filmes nacionais e internacionais inéditos.

“Garoto - Vivo Sonhando” (projeto de Henrique Gomide, Lucas Nobile e Rafael Veríssimo, que também assina a direção) resgata a breve trajetória musical do paulistano Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto (1915-1955). Em composições de sua autoria, como o samba-canção “Duas Contas” ou o samba “Lamentos do Morro”, esse virtuose do violão (na foto abaixo) antecipou inovações harmônicas e rítmicas consolidadas anos mais tarde pela geração da bossa nova.

Por meio de depoimentos (Paulinho da Viola, João Gilberto, Roberto Menescal, Paulo Bellinati e Zé Menezes, entre vários outros), o filme credita o papel essencial de Garoto na modernização da música popular brasileira. Mas o que surpreende nesse documentário é a sólida construção da narrativa a partir de fotos, gravações de programas de rádio e até anotações das agendas pessoais de Garoto, que as usava como diários de suas realizações musicais.

A narrativa é tão rica em imagens, registros musicais e outros elementos que, provavelmente, muitos espectadores nem vão perceber que o protagonista do documentário só é visto e ouvido, em movimento, uma única vez. Trata-se de uma cena do filme “Serenata Tropical” (Down Argentine Way, de 1940), onde Garoto dedilha seu violão, em segundo plano, atrás de Carmen Miranda, que canta “Bambu, Bambu”. 

Essa cena foi filmada durante a viagem aos Estados Unidos, que Garoto fez para acompanhar a cantora, como integrante do conjunto Bando da Lua, no final dos anos 1930. Frustrado por ser tratado como coadjuvante, o violonista retornou ao Brasil. Chegou a receber propostas para voltar, meses depois, mas não foi. A morte precoce, aos 39 anos (vítima de um infarto), o impediu de realizar o desejo de se estabelecer como músico solista, na terra do jazz. 

O pianista, compositor e arranjador Dom Salvador – paulista de Rio Claro, que completa 82 anos neste sábado (12/9)  – também tinha esse sonho e conseguiu realizá-lo. Expoente do samba-jazz, na década de 1960, e pioneiro das fusões do samba com o soul e o funk à frente de seu grupo Abolição, no início dos anos 1970, ele desembarcou com a cara e a coragem, em Nova York, em 1973. Até se tornar reconhecido na cena do jazz, batalhou muito. Chegou a ficar 30 anos sem tocar em palcos brasileiros.

Artur Ratton e Lilka Hara, brasileiros que vivem em Nova York, enfrentaram um duplo desafio ao filmar e dirigir o documentário “Dom Salvador & Abolition”. Além da difícil tarefa de sintetizar em 88 minutos as seis décadas da diversificada carreira musical de Salvador, a dupla também decidiu registrar, nos últimos anos, cenas de seu cotidiano – do trabalho diário no sofisticado restaurante River Café (onde começou a tocar em 1977) até questões familiares.

Especialmente comoventes são as cenas de Salvador com a cantora Mariá, parceira musical e de vida, com qual se casou, em 1965, e teve dois filhos. Desde 2004, quando ela começou a exibir sintomas de demência, até os últimos meses de vida de sua amada (que morreu em abril deste ano), Salvador fez questão de cuidar dela sozinho.

O acesso ao acervo pessoal do pianista permitiu que os cineastas pudessem incluir na trilha sonora do filme algumas gravações inéditas, como trechos da primeira sessão de ensaio da banda Abolição. Ou uma sessão de gravação de Salvador com o percussionista norte-americano Steve Thornton, que conheceu quando se tornou diretor musical da banda do cantor e ator Harry Belafonte, pouco tempo depois de se instalar em Nova York.

Expoentes de diferentes épocas da música popular brasileira, os inovadores Garoto e Dom Salvador merecem ser mais conhecidos e ouvidos pelas gerações mais jovens. Estes documentários certamente podem contribuir para isso.

Veja os documentários do 12.º In-Edit Brasil (com ingressos a R$ 3), neste link: https://br.in-edit.org/ 



Duofel: após 42 anos juntos, Luiz Bueno e Fernando Melo anunciam fim da dupla

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Afastados há quase seis meses por causa da pandemia, os violonistas Fernando Melo e Luiz Bueno anunciaram o final do Duofel – uma das parcerias mais longevas e inventivas da música instrumental brasileira. A despedida oficial será nesta sexta (31/7), às 20h, em uma “live” transmitida pelo YouTube.

Confesso que fiquei surpreso e triste ao saber dessa notícia. Acompanho o Duofel desde o início dos anos 1980, quando ainda era estudante de música. Além do alto quilate das composições e da criatividade dos arranjos da dupla, a empatia que Fernando e Luiz revelam dentro e fora dos palcos sempre chamou minha atenção, nos vários shows que assisti e nas entrevistas que já fiz com eles.

Por isso, fico pensando que, apesar de essa “live” ter sido anunciada com o aparentemente definitivo título “The End”, o suposto adeus tem grandes chances de ser apenas um “até breve”. Uma separação como essa seria um imenso desperdício musical. Não vou perder a “live” de amanhã, naturalmente, mas já estou esperando ver o Duofel de volta aos palcos, em 2021, para comemorar seus 43 anos.





Noa Stroeter: baixista do Caixa Cubo Trio exibe seu trabalho autoral no álbum "Prece"

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Conhecido na cena atual da música instrumental brasileira como contrabaixista do Caixa Cubo Trio, Noa Stroeter encara agora, com mais intensidade, o desafio do trabalho autoral. Em “Prece”, seu primeiro álbum solo, ele assina todas as composições e lidera um quinteto que inclui outros talentosos instrumentistas de São Paulo. 

“Essas músicas são meio autobiográficas, tentam contar algumas coisas que fazem parte da minha história”, revela o instrumentista paulistano, hoje com 32 anos. Seu interesse pela composição musical foi acentuado durante os seis anos em que frequentou como bolsista a graduação e o mestrado no Conservatório Real de Haia, na Holanda.

Além do contato mais próximo com a música clássica, viver na Europa lhe proporcionou um ponto de vista diferente do Brasil. “Essa experiência de poder olhar de longe o lugar onde nasci e cresci foi engrandecedora, porque na Europa nossa música é respeitada de uma maneira muito diferente comparada à que se encontra no Brasil. Perceber essa afinidade do povo europeu com a música brasileira me deu confiança para afirmar minhas raízes e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de encontrar o que é essa raiz em mim”, reflete Noa.

Constatar que a cultura brasileira é reverenciada na Europa, com um olhar focado principalmente na bossa nova e na batucada, trouxe um desafio ao compositor. “Perceber isso provocou em mim a necessidade de produzir um material que proponha uma visão diferente do músico e da música brasileira. A busca de como posso trazer essa característica para o meu trabalho foi e talvez ainda seja meu maior estímulo para criar", completa o compositor.

A ligação de Noa com o contrabaixista e produtor Rodolfo Stroeter – seu pai, que dividiu com ele a produção deste trabalho – também inspirou a faixa que dá título ao álbum. “Prece” começa com um emotivo solo de contrabaixo à capela, que evolui para a sensível melodia tocada pelos sopros. “É uma carta de amor, que se refere à benção de ser filho dele”, comenta Noa. Sentimental também é “Dinda”, bela composição do contrabaixista dedicada a seu avô paterno, que abre o disco.

Foi na Holanda que nasceu a lírica “Ornitorrinco e Tatu”, composição de Noa já gravada pelo grupo Batanga & Cia, em 2018. Idealizada originalmente para um quarteto de saxofones, ela foi adaptada para a nova formação. O compositor a criou pensando em seu irmão caçula, que tinha cinco anos na época. “Kim estava estudando os bichos, na escola, e criou junto com meu pai uma história em quadrinhos. Os heróis eram um ornitorrinco e um tatu”, relembra.

Já a romântica “Isis” traz uma surpresa para o ouvinte. Noa a dedica à sua companheira, cuja “envolvente variação de humor” (em suas palavras) transparece na estrutura da composição. A delicada melodia da introdução, tocada pela flauta, é seguida pelo característico ritmo de marcha-rancho, marcado pelo baterista Vitor Cabral. Bem popular na MPB dos anos 1950 e 1960, infelizmente, esse ritmo foi deixado de lado pelos compositores, com o passar do tempo.

Também não poderia faltar um samba-jazz, uma das referências musicais do Caixa Cubo Trio (vale lembrar que antes de lançar os álbuns “Misturada”, “Enigma” e “Saturno”, o grupo já havia gravado dois discos como duo). No contagiante “Beco das Garrafas”, o piano elétrico de Marcos Romera empresta uma sonoridade mais contemporânea à tradicional instrumentação do quinteto de jazz, com trompete, sax tenor, contrabaixo e bateria. Bem jazzístico também é “Veridiana”, tema em ritmo ternário, que destaca intervenções de Josué dos Santos, ao sax tenor, e Daniel D’Alcântara, ao flugelhorn.

Outra surpresa vem em “Varanda”, um bolero à Henri Mancini, um dos heróis musicais de Noa, inspirado na atmosfera boêmia de decadentes bares do centro de São Paulo. No saboroso arranjo, o ritmo de bolero se transforma em cha-cha-chá. Vale notar que o som volumoso do sax tenor e a surdina do trompete remetem a sonoridades das dançantes orquestras dos anos 1950.

Pergunte a Noa, como fiz, quais são suas maiores influências e vai receber uma lista um tanto inusitada. Ao lado de grandes compositores da música clássica, como Claude Debussy e Sergei Rachmaninnof, mestres da música brasileira, como Dorival Caymmi e Nelson Cavaquinho, ou ainda jazzistas do primeiro time, como Duke Ellington e Charles Mingus, poderão estar o pintor Pablo Picasso e o cineasta Martin Scorsese.

“Seja o que for aquilo que um artista procura em sua arte, o mais importante é a busca e o processo de afirmar sua própria voz, encontrar sua maneira de se expressar artisticamente. Nessa busca não tem atalhos nem fórmula mágica, ela vem conforme nos dedicamos todo dia a ela, com paciência e muito amor. É uma busca por viver uma vida da maneira mais artística possível”, reflete o músico.

Além do alto quilate da música autoral que Noa exibe neste álbum, ao ouvi-lo definir sua filosofia artística com toda essa sabedoria, não tenho dúvida alguma de que ele está no caminho certo.






Duduka da Fonseca Trio: tocante homenagem a Dom Salvador, no clube Bourbon Street

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                                                             O baterista Duduka da Fonseca e baixista Guto Wirtti   

A relação entre músicos de diferentes gerações, especialmente no universo do jazz, costuma chamar minha atenção. A admiração que um instrumentista tem por outro mais experiente, que lhe apontou caminhos musicais ou até mesmo o incentivou a se tornar músico profissional, lembra a relação de um discípulo com seu mentor. Quem teve a sorte de conviver com um(a) professor(a) muito especial, que abriu seu horizonte intelectual ou lhe deu o estímulo que faltava para abraçar uma carreira até então inusitada, sabe do que estou falando.

Voltei a pensar nisso durante a apresentação do Duduka da Fonseca Trio, no último domingo (10/11), no clube Bourbon Street, em São Paulo. Grande baterista carioca, radicado em Nova York desde 1975, Duduka aprendeu a tocar acompanhando discos de jazzistas americanos e brasileiros. Por isso, em 1980, quando o pianista e compositor paulista Dom Salvador (pioneiro do samba-jazz, que também já vivia em Nova York) o chamou para substituir o baterista de seu grupo, Duduka, já próximo dos 30 anos, brincou com ele: “Eu toco com você desde os meus 14 anos”. Ali começou uma parceria e uma amizade de quatro décadas, que prossegue até hoje.   


Duduka narra esse episódio no encarte do excelente álbum que gravou em 2018, com 11 composições de Dom Salvador. Nas gravações de “Duduka da Fonseca Trio Plays Dom Salvador” (CD lançado pelo selo Sunnyside), ele já tinha a seu lado o pianista David Feldman (na foto ao lado) e o baixista Guto Wirtti, jovens craques da cena jazzística carioca, que também o acompanharam no Bourbon Street.

Entre várias belezas musicais, os três tocaram “Retrato em Branco e Preto” (de Tom Jobim e Chico Buarque) e “Waiting for Angela” (Toninho Horta), mas a maior parte do repertório do show saiu mesmo do disco dedicado a Dom Salvador: composições como “Gafieira”, “Farjuto” e “Samba do Malandrinho”, que trazem a assinatura rítmica do original pianista de Rio Claro (SP), além da sensível balada “Mariá”, que ele dedicou à sua esposa.

A admiração que Duduka revela ao anunciar as composições de Salvador é inspiradora. Nestes tempos em que o ódio e a violência parecem ter se tornado tão comuns em nosso cotidiano, a homenagem de um músico a outro de uma geração anterior (numa área profissional em que também há muita competição) soa como uma lição de fraternidade e amor. Uma noite especial para quem estava na plateia do Bourbon Street.



Sesc Jazz: Gismonti encanta plateia paulista e anuncia álbum com clássicos da MPB

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                                                                 O pianista e compositor Egberto Gismonti

Ontem, ao assistir ao emocionante show de Egberto Gismonti (no festival Sesc Jazz, em São Paulo), fiquei pensando como tive sorte. Pertenço a uma geração que cresceu e amadureceu acompanhando de perto os discos e os shows de Gismonti, Hermeto Pascoal, Paulo Moura, Naná Vasconcelos, Victor Assis Brasil, Cesar Camargo Mariano, Pau Brasil, Cama de Gato e Duofel, entre tantos outros – para ficar apenas no campo de nossa preciosa música instrumental, que tantas belezas produziu desde os anos 1960.

Ao lado do filho Alexandre, talentoso violonista, Gismonti ofereceu à plateia do Sesc Pompeia, praticamente, uma síntese de sua obra musical. Alternando o violão e o piano, como gosta de fazer, sugeriu novas relações entre algumas de suas composições mais conhecidas, misturando-as em inventivas fusões. Também surpreendeu a plateia com belíssimas releituras de “Carinhoso” (talvez a mais emotiva e original versão do choro-canção de Pixinguinha que já ouvi até hoje) e “Retrato em Branco e Preto” (de Tom Jobim e Chico Buarque).

Não bastassem esses dois presentes musicais, Gismonti também revelou durante o show que já está gravando há algum tempo, na Europa, um álbum com releituras de clássicos da música popular brasileira que aprecia. Segundo ele, a sugestão partiu de Manfred Eicher, o produtor do selo alemão ECM, para o qual Gismonti tem gravado desde “Dança das Cabeças”, o cultuado disco que fez em duo com Naná Vasconcelos, em 1976.

Já ao final da noite, ao retornar ao palco, atendeu dois pedidos de bis entre os muitos que partiram da plateia. Primeiro, tocou a lírica “Palhaço”, uma de suas composições mais populares. Depois, uma versão instrumental de “Água e Vinho”, canção cheia de melancolia do seu álbum homônimo de 1972, que encantou muita gente de minha geração. Num país mais sério do que este, um músico do quilate de Gismonti seria homenageado diariamente.



 

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