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Duduka da Fonseca Trio: tocante homenagem a Dom Salvador, no clube Bourbon Street

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                                                             O baterista Duduka da Fonseca e baixista Guto Wirtti   

A relação entre músicos de diferentes gerações, especialmente no universo do jazz, costuma chamar minha atenção. A admiração que um instrumentista tem por outro mais experiente, que lhe apontou caminhos musicais ou até mesmo o incentivou a se tornar músico profissional, lembra a relação de um discípulo com seu mentor. Quem teve a sorte de conviver com um(a) professor(a) muito especial, que abriu seu horizonte intelectual ou lhe deu o estímulo que faltava para abraçar uma carreira até então inusitada, sabe do que estou falando.

Voltei a pensar nisso durante a apresentação do Duduka da Fonseca Trio, no último domingo (10/11), no clube Bourbon Street, em São Paulo. Grande baterista carioca, radicado em Nova York desde 1975, Duduka aprendeu a tocar acompanhando discos de jazzistas americanos e brasileiros. Por isso, em 1980, quando o pianista e compositor paulista Dom Salvador (pioneiro do samba-jazz, que também já vivia em Nova York) o chamou para substituir o baterista de seu grupo, Duduka, já próximo dos 30 anos, brincou com ele: “Eu toco com você desde os meus 14 anos”. Ali começou uma parceria e uma amizade de quatro décadas, que prossegue até hoje.   


Duduka narra esse episódio no encarte do excelente álbum que gravou em 2018, com 11 composições de Dom Salvador. Nas gravações de “Duduka da Fonseca Trio Plays Dom Salvador” (CD lançado pelo selo Sunnyside), ele já tinha a seu lado o pianista David Feldman (na foto ao lado) e o baixista Guto Wirtti, jovens craques da cena jazzística carioca, que também o acompanharam no Bourbon Street.

Entre várias belezas musicais, os três tocaram “Retrato em Branco e Preto” (de Tom Jobim e Chico Buarque) e “Waiting for Angela” (Toninho Horta), mas a maior parte do repertório do show saiu mesmo do disco dedicado a Dom Salvador: composições como “Gafieira”, “Farjuto” e “Samba do Malandrinho”, que trazem a assinatura rítmica do original pianista de Rio Claro (SP), além da sensível balada “Mariá”, que ele dedicou à sua esposa.

A admiração que Duduka revela ao anunciar as composições de Salvador é inspiradora. Nestes tempos em que o ódio e a violência parecem ter se tornado tão comuns em nosso cotidiano, a homenagem de um músico a outro de uma geração anterior (numa área profissional em que também há muita competição) soa como uma lição de fraternidade e amor. Uma noite especial para quem estava na plateia do Bourbon Street.



Dom Salvador: pianista radicado em Nova York vai festejar seus 80 anos em São Paulo

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Quando desembarcou nos Estados Unidos, em 1973, o pianista Dom Salvador tinha planejado passar um mês de férias, na casa de uma sobrinha, em Nova York. Reconhecido nos meios musicais da época como um dos expoentes do samba-jazz e experiente músico de estúdio, ele teve enfim a oportunidade de frequentar pela primeira vez os clubes de jazz daquela metrópole. Queria se aprofundar mais no gênero musical que tanto admirava.

Salvador nem imaginava que se tornaria morador de Nova York, onde passou a maior parte de sua vida. Uma parceria com o saxofonista Charlie Rouse (ex-parceiro do genial pianista Thelonious Monk) marcou o início da série de gravações e apresentações que o brasileiro veio a fazer com outros craques do jazz, como Ron Carter, Eddie Gómez e Herbie Mann. Já o convite para assumir a função de diretor musical do cantor e ator Harry Belafonte, em 1977, rendeu a Salvador o visto de permanência nos Estados Unidos.

Assim, passou 30 anos sem se apresentar em palcos brasileiros. Em 2003, quando o Chivas Jazz Festival decidiu homenageá-lo, entusiasmadas plateias de São Paulo e Rio deixaram claro que não queriam mais passar tanto tempo sem ouvir o original samba-jazz e a música instrumental brasileira de Salvador.

“Foram duas noites inesquecíveis. Como eu estava distante do país há muito tempo, já nem esperava encontrar tanta gente interessada em minha música”, relembra o pianista, que desde então voltou a tocar e a gravar no Brasil com alguma frequência. Mais sorte têm os nova-iorquinos, que podem ouvi-lo cinco vezes por semana, há mais de 40 anos, no River Café – sofisticado restaurante às margens do East River.

Às vésperas de completar 80 anos, ele vai festejar essa data especial (12/9) no Brasil. Durante o mês de agosto fará apresentações no Festival Sesc Jazz (dias 25 e 26/9, no Sesc Pompeia, na capital paulista; e dias 22 e 24/8, respectivamente, nas unidades de Birigui e Piracicaba, no interior de São Paulo). Ao lado de Salvador estarão Daniel D’Alcântara (trompete), Jorginho Neto (trombone), Rodrigo Ursaia (sax e flauta), Sérgio Barrozo (contrabaixo) e Mauricio Zottarelli (bateria).

Ele abre um sorriso ao falar sobre o recente lançamento do álbum “Duduka da Fonseca Trio Plays Dom Salvador” (selo Sunnyside), com 11 de suas composições no repertório. Baterista e seu antigo parceiro que também vive em Nova York, Fonseca revisita nesse disco clássicos da obra de Salvador, como a balada “Mariá” ou os sambas “Tematrio” e “Meu Fraco é Café Forte”, ao lado do pianista David Feldman e do contrabaixista Guto Wirtti.   


“Eu me sinto orgulhoso por Duduka ter realizado esse projeto. Ele conhece todas as nuances de minhas músicas e, de certo modo, me tirou do ostracismo em matéria de composição”, comenta Salvador, que calcula ter mais de 300 composições próprias na gaveta. “Sempre compus bastante, mas nunca insisti nisso”, admite, com humildade.

Salvador também elogia o talento do pianista David Feldman, com o qual já gravou um álbum, ainda inédito, com duos de pianos. “David é um músico excelente. Ele foi muito cuidadoso durante essas gravações com o trio do Duduka. Ligava para mim quando tinha dúvidas nas partituras, até enriqueceu algumas de minhas composições. Fiquei muito feliz ao ouvir esse disco”.   


Outra gravação que estará disponível em breve, liderada pelo próprio Salvador, registra a apresentação que ele fez em novembro de 2015, no Zankel Hall, salão de recitais do Carnegie Hall, em Nova York. Trata-se de um concerto comemorativo dos 50 anos do Rio 65 Trio, cultuado grupo liderado por Salvador, que deixou apenas dois álbuns gravados.   

Na resenha desse concerto, publicada pelo “The New York Times”, o crítico Ben Ratliff apontou a “boa forma” de Salvador, além de sintetizar com precisão seu original estilo ao piano: “samba na mão esquerda e fraseado de jazz na mão direita”. Ao lado do pianista estavam o contrabaixista Sergio Barrozo, integrante da formação original do Rio 65 Trio, e Duduka da Fonseca, que assumiu o lugar de Édison Machado (1934-1990), sua grande fonte de inspiração à bateria.  

Apesar da costumeira modéstia, Salvador tem consciência de que seu estilo ao piano é praticamente uma assinatura. Lembra-se da reação do antigo parceiro Sergio Barrozo, quando gravaram o álbum “Dom Salvador Trio” (Biscoito Fino, 2007), seu primeiro disco produzido e lançado no Brasil depois de 35 anos. “Logo no primeiro ensaio, o Sergio me disse que já tinha se esquecido de que ninguém toca samba como eu toco”, conta, rindo.

Nada mais natural para um paulista nascido na interiorana cidade de Rio Claro, que se tornou conhecido nas mais badaladas boates paulistanas, ainda no início dos anos 1960. Já vivendo no Rio, em 1964, não demorou a chamar atenção nas “jam sessions” e nos shows do Beco das Garrafas, reduto da bossa nova, onde tocou ao lado de Jorge Ben e Elis Regina, entre outros.

Os fãs mais jovens de Salvador também valorizam o pioneirismo de seu grupo Abolição, marco na história da black music produzida no Brasil. Por sugestão do produtor Hélcio Milito (baterista do lendário Tamba Trio), ele criou em 1970 um grupo formado exclusivamente por músicos negros, para participar do Festival Internacional da Canção. As roupas africanas e os pés descalços dos integrantes do grupo causaram impacto, numa época em que o movimento “black power” chamava atenção, nos Estados Unidos.

“Em entrevistas, chegavam a nos perguntar se o nosso grupo tinha alguma tendência racista. Hoje eu tenho uma certa vergonha por ter chamado o grupo de Abolição, mas naquela época esse termo parecia fazer sentido”, comenta Salvador, reconhecendo uma certa ingenuidade na maneira como a questão racial ainda era abordada no país, na década de 1970.

Já em relação ao aspecto mais musical do Abolição, vale notar que Salvador aderiu às influências da black music que estavam em voga na época, mas não abriu mão de suas raízes. No repertório do único álbum do grupo, “Som, Sangue e Raça” (CBS, 1971), ao lado do emergente samba-soul (que mais tarde veio a inspirar a criação da Banda Black Rio) também havia pitadas de baião e choro.  

Embora ressalte que, mesmo na fase do Abolição, jamais se envolveu diretamente com política ou alguma forma de ativismo, Salvador se mostra preocupado ao ver no noticiário manifestações pela volta do regime militar no Brasil. “Essas pessoas que estão pedindo a volta dos militares ao poder não sabem o que realmente se passou no país durante aquela época. Ver que isso está acontecendo hoje no Brasil provoca até arrepios”, comenta.


(Texto para o caderno de cultura do jornal "Valor", publicado em 6/7/2018)







Melhores discos de 2014: dez sugestões de jazz, MPB e música instrumental de ótima qualidade

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Como em anos anteriores, aceitei o convite de Juarez Fonseca (crítico musical de Porto Alegre e colega que admiro há décadas) para descascar um imenso abacaxi: escolher os melhores discos lançados no Brasil em 2014. Claro que estou acostumado a participar de enquetes como essa, mas a cada ano que passa essa tentativa se torna mais difícil, graças à crescente pulverização do mercado musical.


Esta é a minha lista (em ordem alfabética), que deixo aqui como uma sugestão para quem quiser aumentar seu repertório de canções brasileiras, jazz e música instrumental de excelente qualidade, ou mesmo para quem quiser conhecer alguns novos e talentosos artistas. Alguns desses álbuns até já foram resenhados neste blog ao longo de 2014. Se quiser ler alguma dessas resenhas , é só clicar no título do CD.


- André Mehmari, “Ernesto Nazareth - Ouro Sobre Azul” (Estúdio Monteverdi)
- David Feldman, “Piano” (independente)
- Jaques Morelenbaum e CelloSambaTrio, “Saudade do Futuro, Futuro da Saudade" (Biscoito Fino)
- Keith Jarrett & Charlie Haden, “Last Dance” (EMC/Borandá)
- Luciano Salvador Bahia, “Abstraia, Baby” (Dubas)
- Marco Pereira e Toninho Ferragutti, “Comum de Dois” (Borandá)
- Marlui Miranda, “Fala de Gente, Fala de Bicho” (Sesc)
- Monica Salmaso, “Corpo de Baile” (Biscoito Fino)
- Paquito D’Rivera e Trio Corrente, “Song for Maura” (Sunnyside/Tratore)
- Ronen Altman, “Som do Bando” (Sonora)

Aqui o link para o resultado dessa enquete, publicada hoje pelo jornal gaúcho "Zero Hora", além das listas dos outros críticos e colegas que participaram: http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2015/01/criticos-de-musica-do-pais-elegem-melhores-discos-de-2014-4673874.html

David Feldman: jazz, humor e referências clássicas no CD do pianista e compositor

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As primeiras notas da delicada releitura da canção “Primavera” (de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes) já denotam a excelência do intérprete. Revelação da cena de música instrumental do Rio de Janeiro, o pianista e compositor David Feldman reafirma seu talento no álbum solo “piano” com minúsculas mesmo, ele ressalta, porque o título deste CD, gravado e distribuído de forma independente, também se refere à atmosfera suave e intimista das gravações.
 
Além de imprimir sua sensibilidade em versões de clássicos da música popular brasileira, como as líricas “Sabiá” (Tom Jobim e Chico Buarque) e “Tristeza de Nós Dois” (Mauricio Einhorn, Durval Ferreira e Bebeto), Feldman também inclui composições próprias no repertório do disco. Nelas, exibe referências clássicas (conexões entre Chopin e Tom Jobim, em “Chobim”) e senso de humor, em “O Latido do Cachorro” (tema jocoso na linha do jazzista Thelonious Monk) e “Esqueceram de Mim no Aeroporto”. Depois de ouvir este álbum de Feldman, dificilmente alguém o esquecerá de novo. Nem no aeroporto.

(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 29/12/2014)

 

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