O violonista Dante Ozzetti seguiu as regras de um ousado desafio: criar arranjos puramente instrumentais para canções de Tom Jobim. Uma tarefa que passa pela responsabilidade de lidar com melodias e harmonias de um dos maiores compositores do mundo, abrindo mão de conhecidos versos de letristas de alto quilate, como o poeta Vinicius de Moraes, Chico Buarque ou o próprio Jobim.
A estreia do show “Dante Ozzetti Interpreta Tom Jobim” (apresentado nos dias 26 e 27/1, em São Paulo) fez parte da programação do projeto comemorativo “Bossa 60”, idealizado e produzido pelo Sesc 24 de Maio, cuja equipe de programação apresentou esse desafio musical ao violonista e arranjador paulista.
Dante entrou no palco com uma formação instrumental inusitada, algo entre um conjunto de câmara e uma compacta orquestra, formada por Antonio Loureiro (vibrafone e bateria), Fi Maróstica (contrabaixo e baixo elétrico), Gui Held (guitarra), Nivaldo Ornelas (sax tenor e flauta), Gabriel Grossi (gaitas), Fábio Cury (fagote), Fernando Sagawa (flautas), Ana Chamorro (violoncelo) e Newton Carneiro (viola).
Os arranjos são inventivos, sem jamais soarem desrespeitosos aos originais de Jobim. Explorando bem as combinações permitidas por esses instrumentos de sopro, cordas e percussão, Dante criou texturas e contrapontos que permitem ouvir as belezas jobinianas de outras formas. Entre vários destaques, o arranjo da dramática “Modinha” (de Jobim e Vinicius), com a melodia recriada pela guitarra lancinante de Gui Held, chega a surpreender. A releitura de “Olha Maria” (parceria de Jobim com Vinicius e Chico) ganha uma dose de lirismo tipicamente mineiro graças à flauta de Ornelas. Ou ainda a versão de “Inútil Paisagem”, em duo de Grossi (gaita) e Maróstica (baixo acústico), capaz de tirar o fôlego do ouvinte.
Mas como resistir às palavras de Jobim, que sempre elogiou as belezas da natureza e antecipou em várias de suas canções a questão da ecologia, décadas antes que essa temática entrasse na ordem do dia? Sem quebrar as regras do desafio, Dante também apresentou um arranjo instrumental para a bela canção “Borzeguim” (lançada por Jobim no álbum “Passarim”, em 1987), mas não perdeu a chance de relembrar alguns versos dessa canção, lendo-os antes de tocar.
“Deixa o tatu bola no lugar / Deixa a capivara atravessar / Deixa a anta cruzar o ribeirão / Deixa o índio vivo no sertão / Deixa o índio vivo nu / Deixa o índio vivo / Deixa o índio (...) Deixa a índia criar seu curumim / Vá embora daqui coisa ruim / Some logo, vá embora / Em nome de Deus”.
Preciso dizer que, três décadas depois, esses versos iluminados de Jobim soam hoje mais atuais ainda?