Guinga e Paulo Sérgio Santos: um duo que explora a beleza da simplicidade

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No CD e no DVD “Saudade do Cordão” (selo Biscoito Fino), o compositor e violonista Guinga relê algumas de suas obras ao lado do clarinetista Paulo Sérgio Santos, seu antigo parceiro, num duo instrumental que combina emoção e simplicidade. Os dois contam como nasceu esse duo e comentam aspectos dessas novas gravações.

Vocês tocam juntos há 16 anos. Por que demoraram tanto a gravar em duo?
Guinga - Tenho tanto respeito pelo Paulo Sérgio, assim como ele tem por mim, que, mesmo querendo muito fazer um disco junto, existia um pouco de medo. Do jeito que somos perfeccionistas, achávamos que teria de ser uma coisa meio sinfônica, super elaborada. Com o passar dos anos acabei gravando o “Graffiando Vento”, com o clarinetista Gabrielle Mirabassi, na Itália. Aí o Paulo comentou que se sentiu como um cara que traiu a si próprio, por não ter feito este disco antes. Paulo Sérgio adora o Gabrielle, os dois até tocam juntos na Europa, mas o Paulo conhece minha obra mais profundamente.

O que vocês pretendiam quando entraram no estúdio para gravar esse disco?
Paulo Sérgio Santos - A intenção foi mostrar a música do Guinga de uma forma camerística, acústica, sem efeitos pirotécnicos. Poderíamos ter sobreposto vozes ou ter usado outros recursos de estúdio, mas isso não refletiria a realidade do que fizemos juntos ao longo de todos estes anos. Minha proposta é ser um mero intérprete de um compositor que representa o que a música popular brasileira tem de melhor.

Como nasceu esse duo?
Guinga - Vi o Paulo Sérgio tocar com o Raphael Rabello, pela primeira vez, 17 anos atrás. Juntos, eles eram uma coisa de enlouquecer. Tocar com o Paulo virou um dos sonhos da minha vida. Eu só pensava em ouvi-lo tocar meu repertório. Acabamos ficando amigos e passamos a tocar juntos. Acho que esse disco saiu no momento certo. É um duo de clarinete e violão, sem pretensão. Foi gravado quase ao vivo, com pouquíssimas emendas. Eu até preferi assumir alguns errinhos ao violão, porque ficou mais humano, como se a gente estivesse tocando numa roda de choro ou em nossas casas.

Há duas composições inéditas nesse trabalho. “Saudade do Cordão”, que dá nome ao disco, soa como uma inusitada marcha-rancho...
Guinga - Sim, ela é uma marcha-rancho, é carnavalesca, mas no fundo eu a sinto mais como um choro-rancho. Pensei no bloco que o Villa-Lobos batizou de Sôdade do Cordão, mas fiz “Saudade do Cordão” com um sentido mais amplo, porque hoje quase já não se fazem mais marchas-ranchos. Sem nenhum cabotinismo, posso dizer que ela é uma composição que transgride a harmonia tradicional da marcha-rancho. Tem uns intervalos melódicos que provocam estranhamento, mas sempre procurando a beleza. Gostei muito de gravá-la, porque eu não fazia uma marcha-rancho há 30 anos.

João Donato diz que sua carreira só decolou de vez quando começou a entregar suas composições instrumentais para diversos letristas. Isso também aconteceu com você?
Guinga - Juro que eu não me sinto um instrumentista. O violão passou a fazer parte da minha intimidade, é uma extensão do meu braço, mas eu sou um compositor de canção. A melodia me domina, sou um escravo da melodia. Mal comparando, você pode tocar instrumentalmente uma canção do Cole Porter que ela fica bonita. O mesmo acontece com as canções do Tom Jobim ou do Edu Lobo. Não vejo diferença alguma entre ouvir minha música cantada ou tocada pelo Paulo Sérgio. Até porque o clarinete, para mim, é o instrumento que mais se aproxima da voz humana.

Como a música instrumental é recebida hoje no mercado? Vocês ainda enfrentam ignorância e preconceito?
Santos - Eu penso que hoje existe uma indústria projetada para suprir a necessidade das pessoas em relação ao entretenimento. Aí um diretor de cinema tem que fazer um filme que renda um mínimo de bilheteria ou não fará seu segundo filme. Hoje quase tudo é ditado pela moda. Sou um cara que nada na contramão, assim como o Guinga. Não faço música regida pelas leis do mercado. Faço a mesma coisa há 45 anos: tento passar emoção através do som de meu instrumento. E para minha satisfação, viajando por aí, percebo que muita gente gosta do que fazemos.

(entrevista publicada no “Guia da Folha – Livros, Discos e Filmes”, em 29/05/2009)

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