Ná Ozzetti: cantora paulista festeja 30 anos de carreira com diversos parceiros

|

                                                                              Foto: Gal Oppido/Divulgação
Primeiro álbum autoral de Ná Ozzetti desde “Estopim” (1999), “Meu Quintal” (lançamento do selo Borandá) comemora os 30 anos de carreira da cantora paulista como numa descontraída festa para os amigos.

Entre eles estão parceiros mais recentes da intérprete e compositora, como Zélia Duncan, Alice Ruiz, Arthur Nestrovski e Makely Ka, mas é mesmo com Luiz Tatit, seu companheiro frequente desde os tempos do grupo Rumo, na década de 1980, que Ná parece soar mais à vontade, ao musicar e cantar a divertida faixa-título, a inusitada canção “Língua Afiada”, o contagiante funk “Equilíbrio” e o melancólico blues “Entre o Amor e o Mar”.

Já presente no disco anterior de Ná (“Balangandãs”, 2009), o quarteto formado por Dante Ozzetti (violões), Mário Manga (guitarras e cello), Sérgio Reze (bateria) e Zé Alexandre Carvalho (contrabaixo) volta a chamar atenção pelas criativas intervenções instrumentais, que reforçam o frescor dos arranjos coletivos.

(resenha publicada no “Guia Folha – Livros, Discos e Filmes”, em 25/3/2011)


Quincy Jones: produtor se repete com álbum eclético e cheio de astros do rap e do pop

|


Um dos produtores mais influentes da indústria musical, conceituado autor de trilhas sonoras e jazzista inovador, Quincy Jones repete a fórmula “elenco eclético e cheio de astros” que já havia usado nos ambiciosos “Back on the Block” (1989) e “Q’s Jook Joint” (1995). Quem conhece esses álbuns, vai logo perceber que o novo “Soul Bossa Nostra” (lançamento Qwest/Universal) fica bem aquém.

Talvez o problema esteja no fato de Jones ter produzido ou escrito os arranjos para apenas sete das quinze faixas. Ou mesmo que muitos convidados não têm intimidade com sua obra. Destacam-se o cantor John Legend, na otimista “Tomorrow”, o vozeirão gospel de Jennifer Hudson, no R&B “You Put a Move on My Heart”, o veterano Bebe Winans, na balada-soul “Everything Must Change”, e o rapper Snoop Dogg, no dançante “Get the Funk Out of My Face”.

Já a robótica versão de T-Pain para “Pretty Young Thing” ou a irritante releitura de “Secret Garden”, com Usher, LL Cool J e o sampleado Barry White, entre outras, soam como descartáveis enganos. Quincy Jones não precisava disso em sua obra.

(resenha publicada originalmente no “Guia Folha – Livros, Disco e Filmes”, em 25/03/2011) 




Áurea Martins: a melancolia do samba-canção por uma diva da noite carioca

|


Pérola negra quase escondida por meio século na noite carioca, a cantora Áurea Martins, 70, vê enfim sua voz preciosa ser mais reconhecida. Em “De Ponta Cabeça” (lançamento Biscoito Fino), quarto álbum de sua carreira, ela interpreta 14 canções do letrista Hermínio Bello de Carvalho com vários parceiros.

Profunda conhecedora da dor de cotovelo que caracteriza o samba-canção, Áurea destila emoção ao abordar temas pungentes, como os de “Judiarias” (de Hermínio com Vital Lima), “Quando o Amor Acaba” (com Moacyr Luz) ou “Cobras e Lagartos” (com Sueli Costa), sem jamais perder a elegância. 

E mesmo que outras faixas também tragam histórias de desilusões amorosas, os arranjos de Lucas Porto reforçam certa variedade rítmica, seja na abolerada “Acho Que É Você” (de Hermínio e Paulo Vak) ou em sambas mais gingados, como “Sete Dias” (outra com Luz) e “Pressentimento” (com Elton Medeiros).

Está longe de ser um disco de samba para se dançar ou festejar, mas quem pediria isso, em sã consciência, a essa diva da melancolia?

(resenha publicada no Guia Folha - Livros, Discos e Filmes, em 25/2/2011)

 
 

Dave Brubeck: Compilação revê ritmos incomuns do jazzista que vendeu milhões de discos

|


Talvez por ter realizado a proeza de se tornar popular com seu jazz influenciado pela música clássica, o pianista Dave Brubeck enfrentou narizes torcidos de muitos críticos, na década de 1960. Alguns o acusaram de tocar “quadrado”, sem suingue. Outros jamais aceitaram o fato de a influente revista “Time” o ter retratado em sua capa – destaque que nem Duke Ellington (1899-1974), o maior compositor do gênero, havia recebido ainda.

Foi tamanho o sucesso de Brubeck, que era comum encontrar seu best-seller “Time Out” (1959) até em discotecas de fãs da música pop – façanha superada apenas por Miles Davis com seu cultuado álbum “Kind of Blue”. Mas, se Davis conquistou os ouvintes com melodias simples e uma atmosfera de relaxamento, Brubeck, que foi aluno do erudito francês Darius Milhaud (1894-1974), chamava atenção por sua inovadora concepção rítmica.

Ainda ativo hoje, aos 90 anos, Brubeck assina com Russell Gloyd a seleção das 21 faixas do CD duplo “Legacy of a Legend” (lançado no Brasil pela Sony). Extraídas de 17 álbuns gravados por ele entre 1954 e 1970, essas gravações fornecem uma consistente introdução à sua obra. Em quase todas elas aparece o baterista Joe Morello (morto no último dia 12), peça essencial no quarteto desse pianista por mais de uma década.

De “Time Out” – álbum conceitual que, ironicamente, a gravadora Columbia resistiu em lançar na época, por considerá-lo pouco comercial – Brubeck escolheu dois de seus maiores sucessos, que abandonaram o convencional ritmo em 4/4. “Blue Rondo a La Turk” (ouça no vídeo abaixo) segue a forma clássica do rondó e o incomum compasso em 9/8. Composta em 5/4, “Take Five” é a obra-prima de Paul Desmond, elegante sax alto que integrou por 16 anos o Dave Brubeck Quartet.

Além de outras inventivas composições do pianista, como “Unsquare Dance” (ouça no vídeo abaixo), um contagiante blues em 7/4 marcado por palmas, a seleção inclui também versões de conhecidos standards: “Somewhere” (de Bernstein e Sondheim) e “You Go to My Head” (Gillespie e Coots), aveludadas pelo sax de Desmond; ou ainda “Out of Nowhere” (Green e Heyman) e “St. Louis Blues” (Handy), que destacam o sax barítono de Gerry Mulligan. Uma compilação que reserva boas surpresas até para aqueles que já conheciam parte da obra de Brubeck.

(resenha publicada parcialmente no “Guia Folha – Livros, Discos, Filmes”, em 25/2/2011)



Enhanced by Zemanta

Jards Macalé: Documentário em DVD relembra as provocações musicais desse artista único

|

                                                                                                                         Foto: Cafi

As primeiras cenas de “Jards Macalé - Um Morcego na Porta Principal” (lançamento em DVD do Canal Brasil) já escancaram a irreverência de seu protagonista – autor de clássicos da canção brasileira dos anos 1970, como “Vapor Barato” (com Waly Salomão), “Let’s Play That” (com Torquato Neto) e “Movimento dos Barcos” (com Capinan), que realçam a ótima trilha sonora deste documentário.

De cara, Macalé desafia o diretor Marco Abujamra, ameaçando processá-lo se discordar da versão filmada de sua história. Em seguida, numa entrevista ao humorista Jaguar, que admite não conhecê-lo bem, provoca: “Nem eu”. Macalé diverte-se também ao contar que cortou relações por três anos com Dori Caymmi, quando este alterou um acorde de uma de suas canções.

Por essas e outras, talvez Abujamra e o jornalista João Pimentel não tenham insistido em traçar um retrato mais minucioso e profundo. Utilizam filmes domésticos em Super 8, registros de shows e depoimentos de Macalé e de diversos artistas e intelectuais que conviveram com ele, para construir uma narrativa que, mesmo respeitando a cronologia, nem sempre esclarece muito.

O espectador que desconhece, por exemplo, o episódio de “Gothan City” (canção de Macalé em parceria com Capinan, da qual saiu o verso que dá título ao filme), não recebe informação suficiente para avaliar os riscos que seu autor enfrentou. No melhor estilo tropicalista, ele cantou essa paródia ao regime militar, em um festival transmitido pela TV, em 1969, durante a fase de maior repressão no país.

Claro que detalhes como esse não tiram o prazer de se acompanhar outros “causos” de Macalé. Como o hilariante episódio de sua prisão em Vitória, em 1978, por ter debochado de um candidato à Presidência, num show com o malandro sambista Moreira da Silva. Ou sua insólita campanha, na década passada, para incluir o termo “amor” no lema “ordem e progresso” da bandeira nacional. Provocações que tornam Macalé um artista único, ainda mais na era do politicamente correto.

(resenha publicada originalmente no "Guia Folha", em 25/02/2011)

Enhanced by Zemanta

A seguir um video precioso, com Jards Macalé, acompanhado por Wagner Tiso (piano), Luizão Maia (baixo) e Pascoal Meirelles (bateria), na década de 1970, além do ator Paulo José, lendo um texto do poeta Torquato Neto:

Seu Jorge: a responsabilidade de ser um ícone do Brasil pelo mundo

|


Demorou quase um ano, mas finalmente ganhou edição nacional o CD que Seu Jorge gravou em parceria com músicos da banda pernambucana Nação Zumbi. “Seu Jorge e Almaz” (EMI, 2010) traz releituras meio psicodélicas de “Errare Humanum Est” (Jorge Ben), “Cristina” (Tim Maia e Carlos Imperial), “Cirandar” (Martinho da Vila e João de Aquino), “Everybody Loves the Sunshine” (Roy Ayers) e “Juizo Final” (Nelson Cavaquinho), entre outras. Ao lado do cantor e ator carioca estão Lucio Maia (guitarra) e Pupillo (bateria e percussão), ambos da Nação Zumbi, e Antonio Pinto (baixo, teclados e cavaquinho).   

Nesta entrevista exclusiva, Seu Jorge fala sobre sua carreira no cinema, comenta o impacto social do filme “Tropa de Elite” e antecipa novidades sobre seu próximo disco, “Músicas para Churrasco”.

Um dos achados do álbum “Seu Jorge e Almaz” é o samba “Saudosa Bahia”, de Noriel Vilela – integrante dos Cantores de Ébano, que morreu prematuramente, em 1974, e tinha uma voz tão grave quanto a sua. O preconceito racial contribuiu para que a obra dele ficasse no ostracismo?
Seu Jorge - Sim, totalmente. E isso não tinha a ver apenas com a cor da pele dele, mas também com o credo. A intolerância daquela época não admitia que se falasse de candomblé, que era visto como coisa de “gente não-qualificada”. Hoje, o Noriel seria uma sensação, uma paulada.  

Além de contribuir para divulgar sua música, o cinema influenciou de alguma maneira o seu ofício de cantor e compositor?
Seu Jorge - Com certeza. Trabalhando com grandes diretores, como Fernando Meirelles, José Padilha, Andrucha Waddington, Wes Anderson, você troca idéias, sugestões ou mesmo experiências de vida, que um dia pode acabar utilizando na música. No cinema há muita troca e essa experiência certamente contribuiu para eu me tornar um músico melhor. Dez anos atrás tive a grande sorte de participar de “Cidade de Deus”, filme que me conduziu ao mundo, com a velocidade de um trem-bala. 

Há décadas a música brasileira serve de veículo para despertar o interesse por outras áreas de nossa cultura, especialmente no exterior. Isso está mudando? O cinema pode desbancar a música nesse papel?
Seu Jorge - Acho que o cinema pode contribuir muito nisso, mas jamais vai desbancar a música, porque ela tem um papel mais profundo na nossa cultura, que é oral. No Brasil, a música praticamente substitui a literatura através dos sambas-enredos, das canções. Nossa história está muito associada à música. Na luta contra a ditadura, por exemplo, o papel da música foi decisivo. Ela também representa a nossa alegria no mundo todo. Por outro lado, vejo o cinema ganhando uma força monstruosa e “Tropa de Elite” está aí para mostrar isso. Lembro que, dez anos atrás, um cara da favela que foi assistir “Cidade de Deus”, numa sala de cinema, nem sabia o que fazer com o tíquete. Não tínhamos o hábito, nem dinheiro, para ir ao cinema. Hoje o Brasil está fazendo um cinema forte, que diverte, mas também desempenha a função de investigar. Alguns podem até dizer que não, mas “Tropa de Elite” influenciou diretamente a invasão do Morro do Alemão, no Rio.  

O site da rede CNN elegeu há pouco o Brasil como “o povo mais legal do mundo” e destacou você como “ícone cool” do país. O que isso representa pra você?
Seu Jorge - Muita responsabilidade. Não posso chegar mal arrumado ou mal cheiroso em qualquer lugar, porque estou personificando a imagem do povo brasileiro. E o nosso povo vai muito bem, por sinal. No mundo todo está rolando um êxodo de brasileiros, que têm voltado para casa. Quem toca só para brasileiros, na Europa, nos EUA ou no Japão, está passando perrengue porque os brasucas não estão mais lá.

Já foi anunciado que seu próximo disco sai em agosto. Será um trabalho mais autoral?
Seu Jorge - Sim, vai se chamar “Músicas para Churrasco - vol. 1” e é um disco de crônicas. Imaginei uma rua, num bairro de periferia, onde todo mundo se conhece menos uma garota que chega para morar lá. As músicas têm cara de domingo, com muito calor, carnezinha rolando e crianças tomando banho de [mangueira] borracha. É música popular, divertida, mas sem baixar o escalão, nem apelar para a vulgaridade.

(publicada originalmente no “Guia Folha – Livros, Disco, Filmes”, em 25/2/2011)



 

©2009 Música de Alma Negra | Template Blue by TNB