Mario Adnet: maestro carioca exibe seus arranjos para composições de Tom Jobim

|

Registro de uma série de concertos por sete capitais brasileiras, em 2013, o DVD “Jobim Jazz - Ao Vivo” é mais um produto da admiração que Mario Adnet tem pela música de Tom Jobim. 

À frente de uma compacta big band, o violonista e maestro carioca exibe seus arranjos para composições instrumentais e menos conhecidas de Jobim, como a lírica “Sue Ann”, a esvoaçante “Antigua” e a sinuosa “Mojave” –- todas elas marcadas pela elegância musical do mestre da bossa nova.

Para não frustrar os mais fanáticos por canções, Adnet também inclui no repertório três clássicos jobinianos: “Derradeira Primavera” (com versos de Vinicius de Moraes), “Por Causa de Você” e “Estrada do Sol” (parcerias com Dolores Duran), que Nana Caymmi canta com a emoção rasgada que identifica suas interpretações. Como bônus, esse DVD traz um breve “making of”, com depoimentos de Adnet, Nana e outros solistas que participaram da turnê. 

(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", edição de 31/10/2015)
 

'O Piano e a Casa': um panorama da música instrumental brasileira por 9 pianistas

|


Gravado ao vivo na Casa do Núcleo (pequeno centro cultural paulistano coordenado pelo músico Benjamim Taubkin), o CD “O Piano e a Casa” reúne performances de pianistas brasileiros de diferentes gerações. Do veterano paulista Amilton Godoy, que relê com sua abordagem jazzística o clássico choro “Odeon” (de Ernesto Nazareth), ao capixaba Hercules Gomes, que encara com classe o encrencado “Duda no Frevo” (Senô), as nove faixas desse álbum compõem um panorama de tendências da música instrumental brasileira de hoje.

Várias peças do repertório são autorais. O título da lírica “Caipira” só engana quem não conhece a refinada concepção musical de Taubkin. A técnica e a bagagem erudita de Heloisa Fernandes transparecem em sua extensa composição “Voo”. O elenco inclui ainda cinco pianistas de alto quilate: Tiago Costa, Karin Fernandes, Júlia Tygel, Zé Godoy e Fábio Torres. E o projeto não parou por aí: gravações de outros 19 pianistas, já realizadas na Casa do Núcleo, devem render novos discos da série a serem lançados pelo selo Núcleo Contemporâneo.

(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos Filmes, edição de 31/10/2015) 



Ramsey Lewis: aos 80, pianista estreia em palcos brasileiros, no Gourmet Jazz

|


Aos 80 anos, completados no último mês de maio, o pianista e compositor Ramsey Lewis não poderia estar mais satisfeito com os caminhos que seguiu em sua carreira profissional. Com mais de 70 álbuns lançados (“singles” extraídos de três deles ultrapassaram a marca de um milhão de cópias vendidas), esse norte- americano de Chicago continua tocando com frequência em clubes e festivais de jazz pelo mundo. Também já comandou bem-sucedidos programas de rádio e TV.

Não bastasse o fiel fã-clube que o aplaude há décadas, seu prestígio entre os colegas do meio musical é evidente. Num vídeo comemorativo de seu último aniversário, que circula pela internet, Lewis recebe homenagens de grandes astros do jazz, como Herbie Hancock, Quincy Jones, Dianne Reeves e Chick Corea, ou ainda de populares figuras da música negra, como Sharon Jones, Robert Cray e ex-integrantes da banda Earth, Wind & Fire.

“Você deve tocar a música que sai do seu coração. Sempre fiz isso e continuo fazendo até hoje. Isso é algo fundamental para que eu consiga dormir bem à noite. Não tenho do que me arrepender”, disse Lewis em entrevista ao "Valor", por telefone, às vésperas de sua primeira viagem ao Brasil. Vai se apresentar com seu quinteto, no Gourmet Jazz Festival, amanhã (21/11), na estância turística de Águas de São Pedro (SP).

Ao dizer que não se arrepende de nada, ele se refere às críticas que começou a receber em 1965, quando seu álbum “The ‘in’ Crowd” (gravado ao vivo em temporada no clube The Bohemian Caverns, em Washington) extrapolou os círculos dos jazz e atingiu o grande público americano. A contagiante faixa-título, releitura instrumental de um sucesso do cantor de soul Dobie Gray, alçou o Ramsey Lewis Trio às paradas de música pop.

Lewis conta que ainda não conhecia a canção “The ‘in’ Crowd”, quando uma garçonete do Bohemian Caverns lhe sugeriu que a ouvisse lá mesmo, na vitrola do clube. “Achamos que podia ser divertido tocá-la e, após o ensaio, já a incluímos no repertório daquela noite. Quando a tocamos, a plateia quase enlouqueceu: de repente, os caras começaram a balançar os ombros, garotas se levantaram, batendo palmas e dançando. Foi uma grande experiência”, relembra.

Alguns críticos ficaram incomodados ao ouvir Lewis flertar com a música pop. “Eles achavam que o jazz não deveria se afastar dos padrões que Charlie Parker, Dizzy Gillespie e Bud Powell haviam estabelecido. Pensavam que o jazz tinha que se manter puro”, comenta o pianista. “Quando todo mundo começou a comprar ‘The ‘in’ Crowd’, esses críticos, que haviam elogiado nossos discos anteriores, disseram que eu tinha me ‘vendido’. Se eu soubesse como fazer aquilo antes, já teria gravado algo semelhante logo no primeiro álbum”, retruca Lewis.

A reação positiva das plateias e a repercussão do álbum estimularam o pianista e seu grupo a seguirem por esse caminho, buscando um jazz mais leve e dançante, marcadamente rítmico. Releituras de sucessos da soul music produzida pela gravadora Motown – como “Dancing in the Street”, de Marvin Gaye, ou “Uptight”, de Stevie Wonder – entraram em discos posteriores de Lewis, ampliando seu contato com plateias não-iniciadas no jazz.

Cinco décadas após seus primeiros sucessos frequentarem as paradas, Lewis diz que ainda não consegue explicar por que algumas de gravações se tornaram tão populares. Mas admite que sua concepção musical, assim como a maneira percussiva de tocar o piano, têm muito a ver com o fato de grande parte sua formação musical ter ocorrido na igreja.

“Comecei a estudar música clássica aos 4 anos, com meus pais. Aos 9, me tornei pianista do coro gospel da igreja, onde toquei até os 16 anos. O jazz só surgiu depois. Aliás, foi um músico da igreja onde eu tocava, Wallace Burton, que me convidou a substituir o pianista de seu grupo de jazz, The Cleffs, e me ensinou bastante”, reconhece. “A influência da música gospel me acompanha até hoje. Tocando na igreja aprendi que o músico está ali para criar uma ligação com a plateia”.

O sucesso mundial da bossa nova, na década de 1960, também despertou a atenção de Lewis para a música brasileira, que passou a fazer parte de seu repertório. Depois de assistir ao filme “Orfeu Negro”, ambientado em uma favela carioca, incluiu no citado álbum “The ‘in’ Crowd” uma releitura instrumental do samba-canção “A Felicidade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

“Adoro ouvir música brasileira. Gosto muito dessa fusão de ritmos africanos e europeus, mas, infelizmente, não sei dançar música brasileira”, lamenta o americano, que voltou a gravar “A Felicidade”, em 1967, num medley com “Manhã de Carnaval” e “Samba de Orfeu” – composições de Luiz Bonfá, que também fazem parte da trilha sonora do filme de Marcel Camus.

Já em 2006, quando adaptou com sucesso seu programa de rádio “Legends of Jazz” para a TV, reunindo dezenas de astros do gênero para tocar e conversar, Lewis dedicou um programa da série ao “jazz brasileiro”, representado por Ivan Lins e Oscar Castro-Neves. “Cada gravação desse programa foi um acontecimento memorável. Esse projeto foi um dos grandes prazeres da minha vida”, conclui o veterano jazzista.   


Mais informações no site do festival: www.gourmetjazzfestival.com.br 

(Entrevista publicada no caderno "Eu & Fim de Semana", do jornal "Valor Econômico", em 20/11/2015)



Gourmet Jazz Festival: evento combina música instrumental e gastronomia em SP

|

                                                              O pianista Ramsey Lewis (no centro) e seu quinteto

Três jazzistas norte-americanos de renome, oito grupos nacionais (com repertórios que vão da música instrumental brasileira ao jazz contemporâneo) e uma feira de gastronomia. Essas são as atrações da primeira edição do Gourmet Jazz Festival – de 20 a 22 deste mês de novembro, na estância turística de Águas de São Pedro (SP), a 180km da capital paulista.

Pela primeira vez em palcos brasileiros, o veterano pianista norte-americano Ramsey Lewis vendeu milhões de discos a partir de 1965, quando seu álbum “The ‘in’ Crowd” frequentou a parada pop norte-americana – algo raro, tratando-se de um disco de jazz. Com suas releituras de hits da soul music e do pop, passando até pela bossa nova, Lewis prova que o jazz também é capaz de se comunicar com grandes plateias.

Um dos mais brilhantes jazzistas revelados nos anos 1990, o saxofonista James Carter costuma surpreender ouvintes com seus solos explosivos. Na última década, ele encontrou em seu Organ Trio (destaque para o organista e tecladista Gerard Gibbs) um veículo bem versátil para seu repertório eclético, que vai de baladas românticas ao mais contagiante soul-jazz.

Discípulo do genial Dizzy Gillespie, o trompetista Jon Faddis se estabeleceu na cena do jazz como solista de conceituadas big bands, como a Thad Jones/Mel Lewis Orchestra e a Carnegie Hall Jazz Orchestra. No quarteto que o acompanha, o pianista David Hazeltine também chamará a atenção de muita gente.

Entre as atrações brasileiras, a programação do evento destaca o Trio Corrente, formado pelos talentosos Fábio Torres (piano), Paulo Paulelli (contrabaixo) e Edu Ribeiro (bateria). Quem já conhecia as originais releituras do trio para clássicos da MPB e do choro, sabe que o prêmio Grammy conquistado em parceria com o cubano Paquito D’Rivera, em 2013, não foi por acaso.

O elenco nacional inclui ainda o duo do saxofonista Roberto Sion com o baixista Itamar Collaço, os trios do pianista Hercules Gomes e do guitarrista Daniel Oliva, o sexteto do saxofonista Marcelo Monteiro, o quinteto da pianista Louise Woolley, o grupo do guitarrista Daniel Daibem e a Traditional Jazz Band, que encerra o festival, no domingo.


Detalhe importante: os ingressos para os shows de James Carter e Trio Corrente (no dia 20/11), assim como para as apresentações de Ramsey Lewis e Daniel Daibem (dia 21/11), são exclusivos para hóspedes do Grande Hotel São Pedro, onde estará um dos palcos do festival. Reservas: www.grandehotelsenac.com.br/br/sao-pedro ou pelo tel. 0800 7700 790.

Já os shows dos outros artistas, no Centro de Convenções Municipal, serão gratuitos. Para conseguir ingressos é preciso se cadastrar no site do evento: www.gourmetjazzfestival.com.br/ingressos 

 
No sábado (21/10), o festival também oferece a Feira Gastronômica, no Boulevard Águas de São Pedro. Restaurantes da cidade, em parceria com professores e alunos do Centro Universitário SENAC, desenvolveram dez pratos especialmente para os frequentadores desse evento.

Veja a programação dos shows e outras informações no site do festival: www.gourmetjazzfestival.com.br 


 

Sambop Brass: grupo precursor da Banda Mantiqueira ressurge no bar JazznosFundos

|

                                                 O Sambop Brass, em um reencontro eventual, na década passada 

Apreciadores da música instrumental brasileira, em especial os fãs da Banda Mantiqueira, não podem perder essa oportunidade rara. O bar e casa de shows paulistana JazznosFundos festeja seu 9.º aniversário, nesta quarta-feira (11/11), com uma apresentação do Sambop Brass –- septeto instrumental de carreira breve, que antecipou a formação da big band dirigida pelo arranjador e clarinetista Nailor Proveta.

Músicos de estúdio, o trompetista Walmir Gil e o trombonista François de Lima tiveram a ideia em 1990, época em que também participavam de shows do grupo de pagode Arte Final. Antes de um ensaio, os dois aquecíam seus os instrumentos tocando temas de bebop em ritmo de samba, quando perceberam que a brincadeira poderia virar coisa séria.

Em novembro do mesmo ano nascia o Sambop Brass, já com Proveta como arranjador e saxofonista. A formação soava inusitada para os padrões musicais da época. Deixando de lado instrumentos harmônicos, como guitarra ou teclados, a “cozinha” do grupo era essencialmente rítmica, com pandeiro, timba e repinique. Identificado em seu próprio nome, o conceito musical do Sambop Brass também era inovador: uma fusão de samba e bebop, com bastante espaço para os improvisos.


“O nosso grande impulso veio através do espírito livre do jazz”, comenta hoje Proveta, observando que, na época, ele e seus parceiros já tinham consciência de que assumir a influência do jazz não significava abandonar a identidade brasileira. “A gente sabia que precisava achar um caminho próprio”, relembra.

No programa do show, no JazznosFundos, estarão os arranjos que deliciaram quem teve a oportunidade (como eu) de ouvir o Sambop Brass, duas décadas atrás: releituras de clássicos do jazz, como “Giant Steps” (de John Coltrane), “Tenor Madness” (Sonny Rollins), “Donna Lee” e “ Ornithology” (Charlie Parker)”, em ritmo de samba; assim como os arranjos de Proveta para o choro “Fogo na Roupa” (Altamiro Carrilho) e o samba “Cerrado” (Djavan), que já preconizavam o repertório da futura Banda Mantiqueira.

A atual formação do Sambop Brass inclui François de Lima (trombone), Walmir Gil (trompete), Nailor Proveta (sax alto e clarinete), Cássio Ferreira (sax tenor), Carlos Roberto (piano), Pedro Ivo Lunardi (baixo) e Celso de Almeida (bateria).

Nesta semana, a programação comemorativa do JazznosFundos destaca também apresentações do Projeto B (dia 12/11), do Pepe Cisneros Quinteto (13/11) e do Gabriel Grossi Quarteto (14/11). 


Mais detalhes no site do JazznosFundos
 

Jazz: um curso sobre a história desse gênero musical e a cena atual

|


Jamais se viu tantos festivais de jazz e música instrumental no Brasil, como nos últimos anos. Um fato, aliás, que também vem sendo detectado em outros países e continentes, a exemplo do que já acontece há décadas nos Estados Unidos e na Europa.

Esse fenômeno musical será um dos itens abordados no curso “Jazz: Uma Introdução à Grande Arte do Improviso”, que vou ministrar durante quatro segundas-feiras deste mês de novembro (dias 9, 16, 23 e 30, das 16h às 18h), no Centro Universitário Maria Antonia, em São Paulo.

Gravações originais e vídeos de festivais e concertos de jazz vão servir de referências para a conversa, dirigida a qualquer interessado por esse gênero musical, tanto um ouvinte como um músico. Para se inscrever não é necessário ter cursado escola de música, nem saber tocar qualquer instrumento.

Além de traçar um abrangente panorama da história do jazz, com ênfase em seus músicos e vertentes principais, vou dedicar bastante espaço à globalizada cena atual desse gênero, destacando instrumentistas, compositores e cantores que têm contribuído para revigorar essa arte musical, nos mais diversos países.

Naturalmente, também vou abordar a moderna música instrumental brasileira, influenciada em maior ou menor medida pela linguagem jazzística, que hoje vive uma fase de grande produção e não deve nada, em termos de qualidade e criatividade, ao jazz norte-americano.

Mais informações pelos telefones (11) 3123-5213 e 3123-5214 ou no site do Centro Universitário Maria Antonia: 

http://mariantonia.prceu.usp.br/?q=encontros/jazz-uma-introdu%C3%A7%C3%A3o-%C3%A0-grande-arte-do-improviso

André Marques: um criativo tributo à obra de Hermeto Pascoal, com Blade e Patitucci

|


                     Brian Blade (da esq. para a dir.), André Marques e John Patitucci / Foto de divulgação 

Se fizerem uma enquete com jazzistas de diversos países e gerações, perguntando quais músicos brasileiros eles mais admiram, Hermeto Pascoal certamente estará entre os mais lembrados. Não é difícil explicar o porquê dessa preferência. A música do genial multi-instrumentista e compositor alagoano possui tudo que os músicos do jazz valorizam: improvisos com muita liberdade, belas melodias e sofisticação harmônica. Sem falar nos inusitados objetos (de chaleiras e bacias a garrafas e copos) que o “bruxo” costuma transformar em instrumentos musicais.

André Marques – talentoso pianista, compositor e arranjador que integra o grupo de Hermeto há 21 anos, além de liderar o trio Curupira e a orquestra Vintena Brasileira – conferiu pessoalmente o prestígio internacional do mestre, quando fizeram uma turnê pela Europa, em 2013. Ao encontrarem os músicos da cultuada banda do saxofonista Wayne Shorter, André viu o baixista John Patitucci e o baterista Brian Blade reverenciarem Hermeto de uma maneira que só os admiradores mais eufóricos fazem.

Esse encontro casual acabou concretizando uma ideia que André tivera meses antes. Decidido a realizar um extenso projeto dedicado à obra de Hermeto, pensou em inicia-lo com a gravação de um álbum, contando com instrumentistas estrangeiros do primeiro time, que ainda não tivessem tido contato direto com essa música.

“Minha ideia era trazer uma sonoridade diferente para a música do Hermeto. Melhor ainda poder fazer isso com músicos que eu já admirava bastante”, comenta André, que recorreu a Rogério Boccato, percussionista paulista radicado em Nova York, para contatar Patitucci e Blade. Com o convite aceito na hora por ambos, Boccato veio a assumir a produção executiva do álbum.

Fundamental também para que o projeto pudesse se concretizar foi a parceria que André firmou com a Borandá, gravadora paulista responsável pela produção e distribuição do disco. “Logo pensei na Borandá, por conhecer o Fernando Grecco há muitos anos. Ele tocou guitarra comigo, em minha primeira experiência em grupo. Eu tinha apenas 15 anos. Conversamos bastante, conheci a Gisella Gonçalves e assim estabelecemos a parceria para produzir esse CD, o que me deixou muito feliz", conta André. 

As gravações do álbum “Viva Hermeto” foram realizadas em New Jersey, nos Estados Unidos, em novembro de 2014. Como é habitual nos meios do jazz, André e seus novos parceiros não chegaram a se encontrar antes de entrar no estúdio.

“Mandei para eles as partituras e as músicas gravadas no piano. Não houve ensaio. Chegamos no estúdio e gravamos todas as faixas em trio no mesmo dia”, conta André, que gravou as partes de piano solo, no dia seguinte. Uma semana depois já havia mixado e masterizado o disco.

O repertório selecionado combina clássicos da obra do “bruxo”, como “Bebê”, “Chorinho pra Ele” e “Tacho”, com composições que o próprio Hermeto não chegou a gravar. “Escolhi alguns temas bem conhecidos, para que o ouvinte tivesse a referência de uma melodia que já escutara antes e pudesse comparar como ela ficou tocada por esses músicos”, explica André. 

É o caso do baião “O Ovo” (gravado originalmente por Hermeto com o lendário Quarteto Novo, em 1967), que abre o álbum. “Pensei em tocá-lo de uma maneira bem livre, quase que só improvisada. Não teria sentido pedir ao Brian e ao John que o gravassem como um baião tradicional”.

Bem conhecida também é a lírica “Música das Nuvens e do Chão” (lançada por Hermeto no álbum “Cérebro Magnético”, em 1980), que ganha um colorido sonoro diferente graças ao arco que Patitucci usa para tanger as cordas de seu baixo acústico. “Como essa música tem uma parte em (ritmo) 7/4, eu a uni a ‘Capivara’, que também foi composta em 7/4”, comenta André, referindo-se a uma composição encomendada a Hermeto pelo pianista Sergio Mendes, que a gravou em seu álbum “Oceano”, de 1996. 

André também selecionou temas que poucos fãs de Hermeto conhecem, como a romântica “Ramos de Girassol”, que o “bruxo” não chegou a gravar. “Sempre fui apaixonado por essa música. Como a melodia é bem bonita, pensei em um arranjo só com o baixo tocado com arco. Escrevi a melodia uma oitava abaixo, mas o John quis complicar a situação e tocou como sentiu: uma oitava acima, bem no agudo, e num andamento mais lento”, relembra André.

Entre as composições inéditas ou desconhecidas de Hermeto, “Ferragens” soa mais próxima da música contemporânea. “Peguei a partitura e a interpretei à minha maneira. Essa é uma composição toda escrita, notinha por notinha, como uma peça erudita em quatro movimentos curtos”, comenta André, que dá um show de técnica e interpretação, extraindo das cordas do piano, literalmente, sons de ferragens.

 “Na Guaribada da Noite” (tema que Hermeto costumava tocar em shows durante a década de 1980, mas não gravou) surge em arranjo de André para o trio, com destaque para a inventiva condução rítmica de Brian Blade. “Coloquei essa música no disco, pensando nele. Imaginei a bateria bem livre, quebrando tudo”, diz o pianista.

 “Boiada” (registrada por Hermeto no álbum “Eu e Eles”, em 1999) encerra o disco com um andamento frenético, ritmo em 5/4 e uma frase repetida inúmeras vezes pelo contrabaixo que só um instrumentista como John Patitucci poderia executar em um único “take”. “Ele me disse que não queria gravar outra vez, porque se fizesse tudo de novo seu braço poderia cair”, diverte-se André.

Além de ser um criativo e merecidíssimo tributo à obra desse grande mestre da música universal, “Viva Hermeto” prova que André Marques já merece frequentar a cena internacional do jazz, ao lado de outros músicos do quilate de Brian Blade e John Patittucci. Hermeto deve ter ficado orgulhoso ao ver que mais um de seus discípulos está prestes a ser admirado no resto do mundo. 

(Texto escrito a convite da gravadora Borandá, por ocasião do lançamento do álbum "Viva Hermeto") 





 

©2009 Música de Alma Negra | Template Blue by TNB