O violonista e compositor paulista Filó Machado - Foto de Dani Gurgel/Divulgação
Filó Machado vive um momento especialmente feliz e produtivo,
neste final de 2024. No mesmo 20 de dezembro, dia em que seu novo álbum “Cisne
Negro” vai estrear nas plataformas de streaming com canções de sua autoria em
parceria com o saudoso letrista Aldir Blanc, o compositor e violonista paulista
lança também “A Música Negra de Filó Machado” – álbum com 11 temas instrumentais
compostos por ele desde meados da década de 1970.
O rótulo “música negra” soa bem adequado ao repertório
desse disco, que reúne sambas, baiões, muito swing e improvisos jazzísticos, destacando
alguns dos melhores músicos da cena instrumental de São Paulo. Depois de me
deliciar ouvindo esse álbum, penso que ele também poderia se chamar “A Música
Feliz de Filó Machado”, tamanhas são as doses de alegria e de prazer, que esse
mestre da arte musical e sua banda de craques transmitem nessas gravações.
“Para mim, é sempre uma alegria muito grande tocar com esses
músicos, porque somos amigos e a gente se diverte muito quando estamos juntos.
Faço música pensando numa coisa legal, numa coisa pura. Por isso, nunca fiz
sucesso”, brinca Filó, ironizando as dificuldades que enfrentou durante as duas
primeiras décadas de sua carreira profissional, quando tocava em bares e boates
da noite paulistana.
Reconhecido na Europa
A virada na trajetória musical desse paulista de Ribeirão
Preto começou no final dos anos 1980, quando decidiu tentar a sorte na Europa.
Durante sete anos ele se apresentou em diversos países daquele continente, incluindo
alguns festivais e palcos de prestígio. Na França, especialmente, conquistou muitas
plateias e as atenções de dois músicos conceituados: o pianista e compositor de
trilhas cinematográficas Michel Legrand e o guitarrista de jazz Sylvain Luc,
que se tornaram seus parceiros.
“Michel me valorizava muito como músico. Éramos como
irmãos.”, relembra Filó, que dedicou a ele a composição “To My Friend
Legrand”, após receber a notícia de sua morte, em 2019. Curiosamente, essa bela
e melancólica balada é a única faixa que não adere à alegria predominante no
repertório desse disco – aliás, sete das onze faixas são dedicadas a amigos e parceiros
musicais de Filó.
Para abrir o álbum, ele escolheu “Jojô”, um tema dançante
em ritmo cubano que os músicos das antigas chamariam de chá-chá-chá, apimentado
com um naipe de instrumentos de sopro. Essa faixa é dedicada à Dra. Joelma
Florencio, sua dentista. “A Jojô se arriscou durante a pandemia, para fazer
implantes dentários e cuidar da minha saúde. Fiquei tão grato que decidi fazer
essa música para ela”, conta o compositor.
Contagiante também é o baião “Wal”, dedicado a
Walquíria, uma fã que ia com frequência ao bar paulistano Boca da Noite, nos
anos 1980, para ouvir Filó. Já a jazzística “L’Habitant du Ciel” – com
destaque para as exuberantes participações do saxofonista JP Barbosa e do
baixista Thiago Espírito Santo – é uma homenagem a Zito Vieira (pai da
produtora paulista Lucia Rodrigues), que morreu no período em que Filó vivia na
França. O título da composição se refere ao fato de seu amigo ter sido sepultado
em um cemitério vertical da cidade de Santos, no litoral paulista.
Sambas para os amigos
Filó também dedicou composições a três músicos que admirava.
No samba “Vadeco”, ele relembra o guitarrista de São José do Rio Preto,
que o ajudou com muitas dicas musicais, na época em que ainda tocava em bailes,
no interior paulista. “Tema pro Macumbinha” é um samba bem suingado, que
Filó dedicou ao violonista paulistano, seu compadre, que morreu tragicamente junto
com sua família, em 1977, num acidente de vazamento de gás.
“Tema Pro Tio” é um descontraído tributo ao pianista
e compositor Laércio de Freitas, muito querido na cena musical de São Paulo, que
se foi em meados de 2024. De essência jazzística, essa é a faixa mais livre do
disco. Para realizar a gravação, Filó convidou Arismar do Espírito Santo para um
duo de violões. “Já cheguei com o tema pronto no estúdio e disse pro Arismar: ‘Vâm’bora’,
mas ele perguntou: ‘Como é que a gente vai fazer?’. Respondi: ‘Você fez uma
pergunta dessas pra mim? Tá envelhecendo, né?’, diverte-se Filó, rindo da
provocação que fez ao parceiro. Como ele, Arismar é conhecido por ser um grande
improvisador.
Até mesmo ao homenagear Ligia Zveibil, sua esposa, que
morreu um ano atrás em decorrência de um câncer, Filó conseguiu driblar a melancolia.
“Ela sofreu demais. Fiquei completamente desnorteado”, relembra, emocionado. Ao
compor o suingado tema “Zveibil Song”, o compositor preferiu perpetuar a
alegria e leveza que caracterizavam sua relação com Lígia. Filó gravou essa
música sozinho, improvisando vocais sem palavras e estalando os dedos, além de tocar
teclados.
Mesmo quando não são dedicados a alguém em particular, os
temas instrumentais de Filó remetem a lembranças particulares ou mesmo a histórias
que ele conta com prazer. Como a do sinuoso “Baião do Porão”, composto
na década de 1980, quando o músico morava em uma casa no bairro de Vila
Mariana, em São Paulo. “A gente sempre estava ensaiando no porão daquela casa”,
comenta Filó, lembrando também que chegou a gravar esse tema com músicos da
França e, mais tarde, na Itália, quando vivia na Europa.
Na cabine de um avião
Mais inusitado é o seu relato da criação de “Plano de
Voo”, samba com uma melodia que lembra trilhas sonoras de filmes épicos. Em
1979, Filó voltava de um show em Campo Grande (MS), quando a aeromoça do voo o
levou até a cabine de comando. O piloto era um fã que costumava ouvi-lo no Boca
da Noite e o convidou a apreciar a vista panorâmica. Filó desceu do avião, levando
uma irresistível composição, que nasceu durante o voo.
Finalmente, “Tarde de Novembro” é uma rara incursão
de Filó pelo universo da música clássica. Essa sonata pouco convencional, composta
por ele em 1975, inclui entre seus seis movimentos um samba, uma mazurca e uma
bachiana. No primeiro movimento, destaca-se a voz de Isabela Mestriner Machado,
filha de Filó, que é cantora lírica.
Ao comentar essa faixa, Filó relembra que estudou a música
clássica de Bach, assim como obras de autores mais contemporâneos, como
Stravinski, Bártok e Berg, estimulado por Hans-Joachim Koellreutter
(1915-2005), influente compositor e educador alemão, que viveu suas últimas
três décadas no Brasil. Filó chegou a cursar um estágio de um mês, com 12 horas
diárias, ministrado por ele. “Como eu tocava na noite, só podia dormir duas ou
três horas por dia para chegar a tempo nas aulas, que começavam às 8h da manhã”.
No final de 1996, quando Filó retornou ao país depois sete
anos tocando na Europa, este repórter ainda teve que explicar aos editores do
caderno de cultura da “Folha de S. Paulo” porque ele merecia ser tema de uma
reportagem. “O meu desejo é que dê certo aqui. Nunca pensei em ficar vivendo no
exterior”, me disse Filó, ao entrevista-lo. “Durante a fase mais difícil,
cheguei até a pensar que havia algum problema com a minha música”, admitiu, já
mais consciente do alto conceito que desfruta nos meios musicais.
Banda de craques
Por essas e outras, quase três décadas mais tarde, hoje é um
prazer especial sentir a alegria de Filó Machado ao lançar seu 15.º álbum ao
lado de craques da música instrumental produzida em São Paulo, como Daniel
D’Alcântara e Sidmar Vieira (trompetes), Jorginho Neto (trombone), JP Barbosa
(sax tenor), Salomão Soares (teclados), Thiago Espírito Santo (baixo elétrico)
e Fábio Leandro (piano acústico). Sem falar no talento musical da família de
Filó, que cresce a cada ano, muito bem representada por seu neto Felipe (voz e
violão), seu filho Sérgio (bateria) e seu irmão Gera (percussão).
“As coisas mudaram muito, porque antigamente você sempre
estava na dependência de alguma coisa”, compara hoje o compositor e cantor,
referindo-se às dificuldades que ele e muitos artistas enfrentavam para lidar
com as gravadoras e os meios de comunicação, antes do advento da internet e das
redes sociais. “Hoje estou muito mais feliz fazendo minha música”, afirma.
Outra mudança trazida pelas redes sociais, segundo Filó, é o acesso direto e mais fácil aos fãs. “Agora eu crio minhas músicas e já não me sinto sozinho como antes. Eu posto alguma coisa minha nas redes e, de repente, já tem 30 mil, 50 mil, 100 mil visualizações. Daí eu me sinto na responsabilidade de continuar fazendo música com mais de cinco acordes”, diverte-se. “Hoje eu sinto que tenho espaço para fazer meu trabalho. Quem gosta da minha música vai curtir no Brasil, na Nova Zelândia, na Inglaterra, na Coreia, na China, em todo lugar”, comemora o hoje realizado compositor e instrumentista.
(Texto escrito a convite da produção do artista)
"A Música Negra de Filó Machado" - 15.º álbum do violonista, compositor e cantor paulista chega às plataformas de streaming neste dia 20/12.
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