Herbie Hancock: pianista revela em entrevista detalhes de seu próximo projeto

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Raros músicos, como Herbie Hancock, conseguiram sintetizar de maneira tão pessoal a vocação do jazz para absorver influências de outros gêneros. Desde a década de 1960, esse pianista e compositor já fez incursões pela black music, pela música clássica, pelo pop e pela música brasileira, sempre utilizando o recurso criativo da improvisação.

Atração principal do BrasilJazzFest (nesta quarta, 30/3, em São Paulo, com ingressos já esgotados; sexta, no Rio), Hancock vai tocar em duo com o saxofonista Wayne Shorter, seu mais frequente parceiro. Em entrevista à "Folha", por telefone, ele revelou detalhes de seu próximo álbum, comentou sua participação no recente filme sobre Miles Davis e disse que vai votar em Hillary Clinton para a presidência dos EUA.


Quase dez anos atrás, você disse que preferia tocar ao lado de músicos mais velhos com mentes jovens. É por essa razão que Wayne Shorter tem sido o seu parceiro mais constante? 

Sim, ele persegue a criatividade de uma maneira bem característica dos músicos jovens. Na música de Wayne, há sempre uma busca pela infinitude.

Você e ele começaram a tocar juntos cinco décadas atrás, no quinteto de Miles Davis. Como é tocar com Wayne hoje?
Já não precisamos mais de ensaios formais, aquela coisa de ficar repassando temas que compusemos ou algo assim. Meus ensaios com ele são, na verdade, conversas.

Ele diz que tocar com você, hoje, é algo muito confortável, como entrar no palco de pijama…
Isso mesmo (risos). Esse é um exemplo perfeito de como a mente de Wayne funciona. Adoro essa imagem de tocar de pijama!

Como foi participar das filmagens de “Miles Ahead”, o longa ficcional sobre Miles Davis, interpretado e dirigido por Don Cheadle? Já viu o filme finalizado?
Foi muito divertido. Wayne e eu voamos de Los Angeles para Nova York, para participar de algumas cenas. Fiquei surpreso ao ver como Don Cheadle estava tocando bem o trompete. Ele aprendeu bastante rápido. Não vi o filme ainda, só uma espécie de trailer. Achei bem excitante o que vi. É um projeto esperto, que eu acho que deve atrair muita gente aos cinemas.

Seu último álbum, “The Imagine Project”, foi lançado em 2010. Já está preparando um novo projeto?
Sim, comecei a trabalhar com Flying Lotus e o baixista Thundercat, no ano passado. Desta vez vou tocar com músicos jovens, que estão envolvidos não só com jazz, mas também com hip hop e música eletrônica. Alguns deles, como Terrace Martin e Sounwave, colaboraram com o último álbum do rapper Kendrick Lamar. Wayne também vai participar desse disco, além de outros músicos que ainda não posso mencionar porque estamos só no começo desse trabalho.

Como encara as eleições nos Estados Unidos? O que pensa sobre o risco de um candidato racista como Donald Trump se tornar o próximo presidente norte-americano?
Não penso que Trump será o próximo presidente, mas isso é possível, não sabemos o que pode acontecer. Acho que nem tudo que Donald Trump diz reflete o que ele pensa. Não o conheço pessoalmente, mas acho que ele adora chamar atenção e só está interessado em vencer a eleição. Ele diz e faz tudo para vencer, mas eu penso que esse é um cargo muito importante para ser tratado dessa maneira. Não sei ele é mesmo um racista, não sei se ele acredita em tudo o que diz. Quanto mais ele diz essas coisas revoltantes, mais repercussão na mídia ele consegue. Acho que tanto Hillary Clinton como Bernie Sanders são mais competentes para assumir esse cargo. Hillary tem mais experiência, tem uma visão mais completa do que é ser presidente dos Estados Unidos. Por isso ela terá o meu voto.

Semanas atrás, você e Wayne Shorter divulgaram uma carta aberta aos “artistas da nova geração”, pedindo a eles que se tornem veículos da paz, e que não desanimem frente ao terrorismo ou aos sangrentos conflitos que têm dominado o noticiário. Algum fato em particular gerou essa carta?
Na verdade, a iniciativa de escreve-la foi de Wayne. Eu contribuí com algumas observações, mas o mérito é dele. Wayne e eu pensamos da mesma maneira em relação a muitas coisas. Sentimos que a esta altura de nossas vidas seria importante compartilhar nossas experiências, tomar posição frente a certas questões humanas. Fizemos isso não apenas como músicos – antes de tudo, como seres humanos. 


(Entrevista publicada na "Folha de S. Paulo", edição de 29/3/2016)

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