Marcelo Nova: quem diria que o ícone do rock dos anos 80 agora gosta de jazz?

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Acredite se puder: Marcelo Nova, um dos expoentes do rock brasileiro dos anos 1980, virou apreciador de jazz. Nos últimos anos, o cantor, compositor e ex-líder da banda Camisa de Vênus tem comprado com frequência discos de jazz gravados nas décadas de 1930, 40 e 50, aos quais dedica suas horas de lazer.

Nesta entrevista, publicada parcialmente na “Folha de S. Paulo”, Marcelo declara-se fã tardio de mestres do swing e do jazz clássico, como o saxofonista Ben Webster (1909-1973), os trompetistas Harry Edison (1915-1999) e Charlie Shavers (1920-1971) ou o baterista Joe Jones (1911-1985). E faz comentários que revelam sua intimidade com o estilo musical desses jazzistas.

Mas não pense que, nos palcos e estúdios, o irreverente cantor e guitarrista baiano mudou de estilo musical. Ele acaba de lançar “Hoje no Bolshoi”, CD duplo gravado ao vivo, num show em Goiânia, que também chega às lojas na versão DVD e, em breve, Blu-ray. Nessa gravação, Marcelo revê suas três décadas de carreira musical, incluindo alguns de seus sucessos e duas canções inéditas. 




 
É verdade que você tem ouvido muito jazz nos últimos anos?
Marcelo Nova - Sou um jazzmaníaco tardio. No final da década de 70, na Bahia, trabalhei na programação da Aratu FM. Na madrugada, eu tocava um disco de Ben Webster (no video acima), saxofonista com um timbre rude, que eu adorava mesmo sem conhecer nada de jazz. Mas logo comecei a ouvir Sex Pistols, formei o Camisa de Vênus e me afastei do tal do jazz. Uns anos atrás, por acaso, vi numa loja um disco do Ben Webster, que levei para casa. Não sei como pude ficar tanto tempo sem ouvir esse cara. Comecei a comprar todos os discos dele e dos caras que tocavam com ele. Ao contrário do rock and roll, que eu descobri aos 9 anos, descobri o jazz já depois dos 50. Como cheguei ao jazz com muito atraso, passei a comprar disco adoidado.

Que outros músicos de jazz te interessam?

Marcelo - Como eu não era um estudioso do jazz, antes só conhecia o que todo mundo conhece: Miles Davis, John Coltrane, Tommy Dorsey, as coisas mais emblemáticas de cada período. Achei o som do Ben Webster tão interessante, que fui atrás dos caras que tocavam com ele. Comecei a ouvir Harry “Sweets” Edison e Charlie Shavers, no trompete; Ray Bryant, no piano; Jo Jones, na bateria. De certa maneira, havia ali uns 15 ou 20 caras – um gravava com o outro. O mais interessante é que, quando tocavam nos discos que não eram de si próprios, eles demonstravam um grande respeito pelo estilo do líder naquele momento. Quando tocavam com o Ben Webster, por exemplo, todos tocavam pianinho, ficavam ali acompanhando o que ele fazia.

O que os seus colegas do rock acham desse seu interesse tardio pelo jazz? Já te chamaram de traidor?

Marcelo - Detesto roqueiros, esses caras que vão a lojas de vinil, no fim de semana, para ficar discutindo se o som analógico é melhor que o digital. Sempre fui um individualista. Eu gosto é de ir ao shopping center comprar sutiãs meia taça, calcinhas e cintas-ligas pra minha mulher. Sempre fui um romântico. Em 1983, gravei uma canção com um refrão que diz: “Não vai haver amor nesse mundo nunca mais”. Essa é a frase mais romântica que eu ouvi até hoje. Tenho passado muitas noites ouvindo Ben Webster.

E o que te atrai na música do Ben Webster?

Marcelo - Ele é um apreciador da melodia, um homem que respeita a harmonia, mas nem de longe é um músico meloso. É um cara que toca suas baladas, mas quando resolve enfiar a boca é de uma categoria impressionante. O que fez eu me apaixonar pela música de Ben Webster é essa identidade que ele imprime à sua música.

Alguns fãs do punk têm afinidade com o jazz de vanguarda. Como você explica sua preferência pelo jazz tradicional?

Marcelo - Eu gosto mesmo é de swing, de jazz dos anos 30 aos 50. Sou um homem da tradição, o único cara do rock brasileiro que gravou Adelino Moreira. Jamais suportei as vanguardas. Esse pessoal de vanguarda entrega logo a retaguarda (risos). Sou um cara que veio da tradição. O que faz que o meu rock and roll seja identificável é a minha maneira de interpretar. Não sou um grande cantor, mas consigo dar uma cara minha ao que eu interpreto. Musicalmente, nessa gama de raízes do rock, que vai do rockabilly ao country e ao blues, eu percebo que os artistas que mais aprecio são aqueles que não se afastaram dessas raízes. Talvez por isso eu tenha apreciado o punk, naquela época, por ser uma coisa absolutamente brutal e primitiva. De alguma maneira, Steve Jones retomou Chuck Berry na guitarra.

Seu novo álbum, “Hoje no Bolshoi”, foi gravado ao vivo. Que critério você usou para escolher o repertório?

Marcelo - Sempre gostei de rock, no sentido mais amplo. Esse disco representa o que eu fiz durante 31 anos e tem o vigor que sempre pretendi levar ao palco. Escolhi hits dos meus discos de ouro e algumas canções dos meus discos de couro, aqueles que não venderam nada – aliás, gosto mais deles do que dos discos de ouro. Também coloquei duas músicas inéditas, porque continuo compondo.

“O Galope do Tempo” (de 2006) é seu disco mais maduro e ambicioso, mas foi pouco comentado. Isso te decepcionou?

Marcelo - Se eu tivesse de assinar em baixo de um disco meu, seria esse, sem dúvida. É um trabalho autobiográfico que levei 13 anos para compor. Acho que ele merecia mais exposição, mas eu faço música para mim. Se ela agradar alguém, ótimo. Vou relança-lo em 2012.

Como você encara hoje a geração do rock brasileiro dos anos 80?

Marcelo - Assim como nos Estados Unidos e na Europa, o rock brasileiro foi feito por 10% de gente que tinha valor artístico e 90% sem nenhum talento. Aliás, quando notei que todas as bandas cariocas que tocavam no Circo Voador usavam bermudas e camisetinhas de cores cítricas, criei a expressão “rock de bermudas”, que me custou algumas inimizades (risos). Posso perder uma eventual amizade, mas uma bela piada jamais.

(entrevista publicada parcialmente no “Guia Folha - Livros, Discos e Filmes”, em 26/08/2011)

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