Antonio Loureiro: músico mineiro relê canções de Milton Nascimento com um septeto

|

                          Imagem de Milton Nascimento, em show do baterista e arranjador Antonio Loureiro 

Os apreciadores da música instrumental brasileira, na cidade de São Paulo, ainda têm uma chance neste domingo (26/5), às 18h, para ouvir as inventivas releituras de algumas das mais populares canções de Milton Nascimento, que o mineiro Antonio Loureiro e outros seis talentosos músicos de diversos estados do país apresentaram ontem pela primeira vez, no palco do Sesc 24 de Maio, em mais uma edição do projeto “Tirando de Letra”. 

“A ideia não é desconstruir a música de Milton Nascimento, mas fazer dela uma nova leitura a partir de nossa criatividade, da nossa experiência musical”, comenta o arranjador e baterista Loureiro, que escolheu Toninho Ferragutti (acordeom), Ricardo Herz (violino), Joana Queiroz (sax tenor, clarinete e clarone), Frederico Heliodoro (baixo elétrico), Daniel Santiago (violões) e Pedro Martins (teclados e guitarra) como seus parceiros nessa aventura musical. 

Do imponente arranjo de “Milagre dos Peixes” à versão em tons eruditos de “Canção da América” (ambas de Milton e Fernando Brant), passando pelo criativo solo de Heliodoro (em “Cais”, de Milton e Ronaldo Bastos) ou o delicado duo de cordas de Santiago e Martins (em “Travessia”, de Milton e Brant), em meio a outras surpresas, esse show nos faz pensar que entre os poucos motivos de orgulho que temos hoje neste país a música está entre os mais expressivos. Viva Milton Nascimento!

Tuto Ferraz: os "clássicos" do baterista e compositor no Blue Note de São Paulo

|

                                            O baterista Tuto Ferraz e o baixista Rui Barossi, no clube Blue Note SP

Foi assim, em preto e branco, que visualizei a apresentação do sexteto do baterista Tuto Ferraz, ontem (16/5), em São Paulo. Não só por estar no Blue Note, recém-inaugurada franquia do clube nova-iorquino, cujo nome remete à gravadora responsável por muito do que se produziu de melhor no jazz dos anos 1950 e 1960. Foi quase sempre em p&b, que fotógrafos que admiro, como William Claxton, Herman Leonard e Francis Wolff, retrataram essa música.


Seis anos atrás, ao lançar seu saboroso álbum “À Deriva”, Tuto me disse que o jazz produzido entre o final dos anos 1950 e o início dos 1960 é o seu favorito. Além disso, suas composições têm um quê de clássicos da canção norte-americana, os chamados “standards”, que fazem parte do repertório dos jazzistas: melodias simples e cantáveis, que grudam em nossos ouvidos. Se você ouvir o valsante “Bom Dia” ou o samba “Chorando na Gafieira”, temas que a plateia do Blue Note paulistano aplaudiu calorosamente ontem, vai concordar comigo. 


Ao lado de outros cinco craques da cena instrumental de São Paulo (o pianista Pepe Cisneros, o saxofonista Josué dos Santos, o trompetista Bruno Belasco, o contrabaixista Rui Barossi e o guitarrista Agenor de Lorenzi), Tuto tocou grande parte do repertório do álbum “À Deriva”. Também exibiu um tema inédito, “Tango Russo”, que estará no álbum de jazz que ele promete gravar em breve. A amostra do que vem por aí deixou água na boca.


Bourbon Festival Paraty: mais próxima do blues, 11.ª edição manteve a variedade musical

|

                                   A cantora Dawn Tyler Watson, um dos destaques do 11.º Bourbon Festival Paraty


Para quem teve, como eu, a oportunidade de acompanhar uma das primeiras edições do Bourbon Festival Paraty, foi fácil perceber o crescimento desse evento, cuja 11ª edição terminou no último domingo (12/5). De volta à bela cidade histórica do litoral fluminense, logo notei que o palco principal, instalado em uma grande tenda na Praça da Matriz, agora é mais amplo. Ao seu lado há uma outra tenda, com um bar e loja de souvenirs, que também pode proteger a plateia, no caso de uma chuva eventual.

“No início, nosso festival era mais jazz. Agora ele está mais blues”, comentou comigo Herbert Lucas,da equipe de produção do clube paulistano Bourbon Street, que programa e produz o evento desde sua primeira edição. Mesmo que as atrações de blues tenham sido em maior número neste ano, o Bourbon Festival Paraty segue com um perfil diversificado: não faltaram shows (todos gratuitos, vale lembrar) de jazz, soul music, r&b, música instrumental, MPB, até rock.


Logo na noite de abertura do festival, na sexta (10/5), a plateia já foi recebida com uma boa surpresa: a inglesa radicada no Canadá, Dawn Tyler Watson, que comandou um contagiante show de rhythm & blues. Em sua primeira passagem pelo Brasil, a cantora e compositora fez muita gente dançar e cantar, especialmente quando relembrou um clássico do gênero, “Let the Good Times Roll”, acompanhada pelo gaitista Marcelo Naves e a banda The Tigermen.

O blues também deu as caras durante o show de Zeca Baleiro (na foto ao lado), que fechou essa noite, aplaudido euforicamente por milhares de fãs. O compositor e guitarrista maranhense não só cantou “Blues do Elevador”, de sua autoria, contando com o apoio da plateia nos vocais, como relembrou alguns clássicos da MPB que flertam com o blues, como “Vapor Barato” (de Jards Macalé e Waly Salomão) e “Pérola Negra” (Luiz Melodia). Zeca ainda recebeu o bluesman e gaitista Sergio Duarte para uma calorosa canja, dividida com Tuco Marcondes, o eclético guitarrista de sua banda.

Já no sábado (11/5), o festival ofereceu sua noite mais longa e eclética. Na abertura, a música do Folia de TReis (na foto abaixo), formado pelo baterista Edu Ribeiro com o acordeonista Toninho Ferragutti e o bandolinista Fábio Peron, logo conquistou a plateia. O trio exibiu composições próprias de seu recente álbum “Folia de TReis” (lançado pelo selo Blaxtream), calcadas em ritmos e gêneros tipicamente brasileiros, como o choro, o frevo e o samba, além de muita improvisação. A vibração da diversificada plateia, que estava ouvindo pela primeira vez esse trio paulistano, sugere que a música instrumental brasileira está longe de ser um gênero musical elitista, como insistem alguns porta-vozes do chamado “mercado”.

Atração seguinte, o guitarrista Gui Cicarelli contagiou a plateia com seu tributo musical ao grande bluesman e guitarrista norte-americano Stevie Ray Vaughan (1954-1990), morto prematuramente em um acidente de helicóptero. Pena que o brasileiro tenha se excedido, tocando por mais de uma hora e meia, tempo demais para uma noite com três atrações. C
ontando com participações da cantora Bruna Guerin e do bluesman e gaitista Sergio Duarte, tocou até clássicos do repertório de Jimi Hendrix.  


Não fossem a alegria e o carisma de Clarence Bekker (um dos fundadores da popular banda Playing for Change), última atração da noite, na certa uma parte da plateia teria ido embora mais cedo. Entre os momentos mais quentes do show desse cantor e violonista radicado na Holanda, naturalmente, não poderia faltar o hit “Stand by Me”, com participação especial da jovem cantora paulista Bebé Salvego.

Com seus 15 anos, a talentosa Bebé já havia chamado atenção, cantando clássicos do jazz e da MPB, nos palcos menores que o festival costuma instalar em ruas do centro histórico da cidade. Esses palcos também exibiram uma programação diversificada — do blues do homem-banda Vasco Faé à black music do trio Madmen’s Clan.

Já no segundo maior palco do festival, instalado no largo da Igreja de Santa Rita, brilhou na tarde de sábado o Mani Padme Trio, um dos grupos mais criativos da cena jazzística paulista. Além de tocarem composições próprias que fazem parte do novo álbum do trio, o cubano Yaniel Matos (piano), Ricardo Mosca (bateria) e Sidiel Vieira (contrabaixo) recriaram com personalidade “Cais”, clássico do repertório de Milton Nascimento.

Uma pena, mas fui obrigado a abrir mão pelo menos três shows que gostaria de ter acompanhado na programação de domingo (12/5): o trio com Celso Pixinga, Faíska e Carlos Bala, veteranos craques do jazz brasileiro; o quinteto do guitarrista e cantor americano Mark Lambert com a cantora Amanda Maria; e o trio de jazz do grande pianista Kenny Barron com Nilson Matta (contrabaixo) e Rafael Barata (bateria), cujo excelente show no Bourbon Street Music Club, três dias antes, cheguei a assistir e a comentar neste blog. Como eu poderia dizer a uma querida velhinha, que não iria comemorar com ela o Dia das Mães?


(Cobertura realizada a convite da produção do Bourbon Festival Paraty)


 

Bourbon Festival Paraty: paulistanos também apreciaram o piano elegante de Kenny Barron

|

                                                                               O pianista norte-americano Kenny Barron

A plateia paulistana teve o privilégio de ouvir, na noite de ontem, no Bourbon Street Music Club, uma das principais atrações musicais da 11.ª edição do Bourbon Festival Paraty  evento que começa na tarde de hoje (10/5), na charmosa cidade histórica do litoral fluminense.

Muito bem acompanhado por Nilson Matta (contrabaixo) e Rafael Barata (bateria), o grande pianista norte-americano Kenny Barron abriu a apresentação com a popular “All Blues” (de Miles Davis). Depois recriou com muita personalidade os standards “You Don’t Know What Love Is”, “I Remember April” e “Body and Soul”. O trio tocou também uma composição de Matta, o samba "Paraty", que o contrabaixista radicado em Nova York certamente voltará a apresentar no festival.

O Bourbon Fest Paraty vai até domingo, com extensa programação gratuita, em ruas e praças da área histórica da cidade. A MPB e o blues de Zeca Baleiro, o rhythm & blues da cantora inglesa Dawn Tyler Watson, a música instrumental brasileira do trio Folia de TReis, o swing do guitarrista Mark Lambert, o jazz contemporâneo do grupo Mani Padme, a 
soul music do cantor Clarence Bekker e o tributo do guitarrista Gui Cicarelli ao bluesman Stevie Ray Vaughan também se destacam entre as atrações do evento.

Mais informações no site do festival: www.bourbonfestivalparaty.com.br/


New Orleans Jazz Fest: ao festejar 50 anos, evento reforçou seu apoio à diversidade

|

                            Trombone Shorty (no centro) se despede da plateia do 50.º New Orleans Jazz Fest 

Talvez só mesmo a orientação progressista da cosmopolita cidade norte-americana de Nova Orleans possa explicar o fato de artistas como a rapper Boyfriend ou a “queen diva” Big Freedia terem se apresentado no New Orleans Jazz & Heritage Festival, cuja 50.ª edição terminou no último domingo (5/5). Quem já as ouviu sabe que as músicas de ambas não têm nada a ver com o jazz.

Difícil imaginar a feminista Boyfriend (personagem que essa rapper nascida em Nashville assume até em entrevistas), num festival mais conservador do gênero. Vestindo lingerie, com caricatos bobes no cabelo, ela transpôs para o palco do Jazz Fest (é assim que os moradores da cidade se referem ao evento) os shows que vem fazendo há alguns anos em boates LGBT de Nova Orleans. Sua versão de “Another Brick in the Wall”, da clássica banda de rock Pink Floyd, é hilariante.

Inusitado também é ver em um dos maiores palcos do Jazz Fest o “bounce” de Big Freedia 
— uma frenética modalidade de música eletrônica, cuja dança acrobática chega a lembrar os rebolados do grupo baiano É o Tchan. Em vários momentos, o show da “queen diva” se transforma praticamente em uma competição. Os dançarinos se esforçam para mostrar que podem fazer seus traseiros tremerem mais que os dos colegas.

“O Jazz Fest está ficando velho”, brincou o instrumentista e cantor Trombone Shorty, 33, hoje um dos artistas de Nova Orleans mais populares mundialmente, quase ao final do show de encerramento do festival. Minutos antes, ele protagonizou um emotivo encontro de gerações ao receber os veteranos músicos da banda Neville Brothers, que até 2012 costumavam encerrar o evento no mesmo palco – o maior dos doze instalados no hipódromo da cidade.  


                                   
Acompanhado pelo irmão Cyril e pelo filho Ivan, o cantor Aaron Neville interpretou uma pungente versão do hino religioso “Amazing Grace”, sob o olhar emocionado de Shorty, que tinha apenas 12 anos quando fez as primeiras aparições ao lado dos Neville Brothers. Tratando-se de um festival que sempre estimulou colaborações entre músicos de diferentes gerações, essa cena já entrou para a história do evento.

As altas temperaturas verificadas durante quase todo o festival podem ajudar a explicar alguns desatinos incomuns, vistos nos oito dias de programação. Ontem, na tenda de jazz moderno, os disputados lugares para assistir ao excelente show do quinteto do pianista e compositor Herbie Hancock (na foto acima) renderam alguns bate-bocas na plateia.  




Pior foi o que se viu no primeiro domingo (28/4), quando um dos clãs musicais mais populares de Nova Orleans homenageou seu líder. A tenda de jazz foi pequena demais para o esperado reencontro dos irmãos Branford, Wynton, Delfeayo e Jason Marsalis (na foto acima) com o pai  o pianista e educador Ellis Marsalis, 84. Não bastassem as ríspidas disputas pelas últimas cadeiras vazias, membros da produção chegaram a perturbar o show várias vezes, gritando para que as pessoas desocupassem os corredores e entradas da tenda.

Entre os destaques mais jazzísticos do festival, a jovem cantora Cécile McLorin Salvant confirmou em um show primoroso 
 com meia sala vazia, ironicamente, mas aplaudida de pé  que é uma das grandes intérpretes da cena atual do gênero. Mais sorte teve o cantor José James, cujo tributo em vida ao soulman Bill Withers (hoje com 80 anos) foi festejado por uma plateia mais ampla e eufórica. Uma boa surpresa foi o jazz cigano dos instrumentistas do grupo europeu Django Festival Allstars.    


Ao final dos oito dias de programação fica a impressão de que a 50ª edição não será tão inesquecível quanto pretendiam seus organizadores. O cancelamento do show dos Rolling Stones (o vocalista Mick Jagger teve de enfrentar uma cirurgia cardíaca), um mês antes, deixou o evento sem sua atração mais famosa. Talvez já não houvesse mais tempo hábil para reforçar a grade de programação, que poderia ter sido mais brilhante, em uma data tão especial.

Mesmo assim, no caso de um festival tão eclético, com mais de 500 atrações que vão do gospel e do blues tradicional ao jazz contemporâneo, passando por quase todas as vertentes da música popular afro-americana, uma avaliação geral é sempre algo muito pessoal. Até porque, no imenso leque de atrações do New Orleans Jazz & Heritage Festival, cada um acaba escolhendo o seu próprio programa.

(Texto publicado parcialmente no website da "Folha de S. Paulo", em 7/05/2019. Viagem realizada a convite da New Orleans & Company e do Cambria Hotel)

Marcelo Coelho: saxofonista e compositor se divide entre os palcos e o empreendedorismo

|

                                                                     O saxofonista e educador musical Marcelo Coelho 

Foi-se o tempo em que um músico profissional podia se dar ao luxo de se preocupar apenas com seu aprimoramento técnico – eventualmente, lecionar ou até seguir uma carreira acadêmica. Hoje, as dificuldades do mercado musical impõem ao artista a necessidade de aderir ao empreendedorismo para viabilizar sua carreira nos palcos.

O saxofonista e compositor Marcelo Coelho encarou esse dilema, em meados desta década. Ao completar seu pós-doutorado em Composição na USP, que sucedeu seu doutorado na Unicamp e o mestrado em Jazz Performance na Universidade de Miami, o mineiro de Itabira (MG) radicado em São Paulo foi convidado a lecionar em várias universidades brasileiras. Decidido a se dedicar mais à sua carreira de instrumentista e compositor, mesmo sem saber ainda se seria possível sustentá-la, declinou os convites.

Coelho vislumbrou um caminho ao assistir a um debate sobre financiamento privado para música. Ali conheceu o engenheiro e músico Thiago Lobão, sócio de um fundo de investimento em agronegócio, que tinha interesse em atuar no mercado musical. Os dois decidiram continuar a conversa e, depois de alguns encontros, esboçaram uma metodologia de organização e planejamento de carreiras musicais. O passo seguinte foi promover workshops gratuitos de capacitação empreendedora para colegas do saxofonista.

Em dezembro de 2016, já como sócios diretores da Acelerarte, uma aceleradora com o intuito de capacitar e conectar músicos a potenciais investidores e parceiros estratégicos, Coelho e Lobão participaram de um painel da SIM (Semana Internacional de Música) – o mesmo evento onde haviam se conhecido, um ano antes, em São Paulo.

“O impacto foi grande”, diz Coelho. “O pessoal da música não estava acostumado a ouvir alguém do mercado financeiro usar uma linguagem tão próxima à linguagem dos músicos. Muita gente nos procurou depois daquele evento – não só artistas, mas também produtores de gravadoras, que queriam que a gente participasse de seus projetos de alguma maneira”.

Já em 2017, para poder suprir a demanda de artistas interessados e para que os diretores da empresa pudessem continuar a trabalhar em suas atividades principais, a Acelerarte passou a contar com mais um sócio: Silvio Junqueira, recém-saído do mercado financeiro. Naturalmente, Coelho se tornou o primeiro “case” da aceleradora. “Agora já estou conseguindo viabilizar minha carreira musical, por meio de captação de recursos, com organização e planejamento de equipe”, comemora o músico.

Segundo Coelho, cerca de 500 artistas e produtores (incluindo nomes conhecidos na cena musical paulista, como a cantora Vanessa Moreno, o violonista Gian Corrêa e o pianista Leandro Cabral) participaram das sessões de capacitação empreendedora que a Acelerarte tem realizado em diversos locais do país. Com o tempo, a empresa passou também a organizar eventos dirigidos a investidores.

“Ainda estamos tateando nesse trabalho de busca de investidores, porque essa atividade é muito nova”, admite Coelho. “Há investidores que só se interessam em atuar como mecenas, eventualmente, mas o nosso objetivo é contar com investidores fidelizados. Alguns deles praticamente não se interessam pelo retorno financeiro: são investidores mais atraídos pelo impacto cultural do trabalho de um artista”.

Quem ouve Coelho falar como empreendedor sobre os objetivos de sua empresa, sem conhece-lo ainda como artista e educador, dificilmente consegue imaginar o arrojo de sua obra musical. A gênese das pesquisas que ele desenvolve há cerca de duas décadas está no livro “Suíte I Juca Pirama” (lançado em 2013 pela editora Fames), baseado na tese de doutorado que defendeu na Unicamp, em 2008.

Nesse projeto, ele propõe um sistema de composição musical a partir de pesquisas desenvolvidas por dois músicos educadores que o influenciaram diretamente: os estudos polirrítmicos de José Eduardo Gramani e a harmonia modal aplicada ao jazz por Ron Miller. Para pôr em prática esses conteúdos, Coelho utilizou o poema “I-Juca Pirama”, do poeta romântico e teatrólogo Gonçalves Dias (1823-1864).

“Inicialmente, o que despertou minha atenção nesse poema foi sua imagética. Ao contar a história de um índio, ele funcionava como um filme para mim. Só mais tarde fui entender que o mais interessante estava na rítmica dos versos”, conta o pesquisador. Ao desenvolver uma técnica para extrair ritmos da construção dos versos do poema, que resultaram em uma partitura, Coelho criou um sistema de composição que pode ser aplicado a qualquer gênero musical.

Um conceituado jazzista que logo percebeu a originalidade desse projeto foi o saxofonista e compositor Dave Liebman. Coelho o conheceu quando ainda concluía seu mestrado, em Miami, ao frequentar um curso de férias ministrado pelo americano. “Liebman me disse que o que eu estava fazendo ainda era muito disruptivo. Minhas músicas eram intensas demais, mas na opinião dele isso era típico de um compositor em formação. Eu ainda não tinha encontrado a dosagem certa, mas o conteúdo estava pronto”, relembra o brasileiro.

A relação entre Coelho e Liebman evoluiu e os dois já chegaram a dividir o palco algumas vezes, como no Festival Amazonas Jazz de 2012, em Manaus, quando tiveram a companhia do violonista e compositor carioca Guinga. “Não me contento em ficar dentro do idioma jazzístico. Sei fazer e faço quando necessário, mas esse não é o meu perfil musical”, reflete Coelho. “Estou bem próximo da linha de improvisação do Liebman, que me impactou, não no conteúdo, mas no conceito”.

Se até agora as composições e os oito álbuns assinados por Coelho ainda circulam entre plateias e ouvintes de jazz e música instrumental, o saxofonista empreendedor está prestes a lançar um projeto que pode ampliar bastante o seu público. No final de 2018, ao aplicar seu sistema de composição a um poema do rapper paulista Crônica Mendes, Coelho logo percebeu o potencial dessa parceria. Os dois já estão preparando a gravação de um disco, com produção do DJ Raffa, curiosamente, filho do compositor de música contemporânea e regente Cláudio Santoro (1919-1989).

“Esse projeto pode chamar até a atenção de investidores de impacto, porque ele tem legitimidade social e artística”, anima-se o saxofonista, que promete convidar o parceiro rapper para participar de seu próximo show com o grupo McLav.In, no dia 7/5, no clube paulistano Bourbon Street. “Nosso público é misturado, mas tende a ser gente que gosta de inovação tecnológica e de música intensa, pessoas que querem viver uma experiência estética. Como fazemos um som transgressor, de certa maneira, a turma mais jovem é a que embarca primeiro”.

Marcelo Coelho & McLav.In

Dia 7/5, às 21h30, no Bourbon Street Music Club (rua dos Chanés, 127, tel. 5095-6100, Moema, São Paulo). Couvert artístico: R$35. Com 
Saulo Martins (piano), Glécio Nascimento (baixo) e Abner Paul (bateria)

(Texto publicado em 3/5/2019, no caderno de cultura do jornal "Valor Econômico") 

 

©2009 Música de Alma Negra | Template Blue by TNB