Yamandu Costa e Valter Silva: um inspirado encontro de violões

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O título mínimo e a capa em preto e branco do CD ''YV" (lançamento MP,B/Universal) expressam bem a simplicidade deste encontro de duas gerações do violão brasileiro. O gaucho Yamandú Costa, 30, e o carioca Valter Silva, 70, conheceram-se em 2004, na casa do também violonista e produtor Marcello Gonçalves. A química da primeira reunião foi tão especial que decidiram registrá-la em estúdio, no ano passado.


A bordo de violões de sete cordas, o duo desfia uma saborosa seleção de antigos choros, sambas e serestas, que destaca temas menos batidos, como o vertiginoso “Arabiando” (de Esmeraldino Salles), o nostálgico “Cinco Companheiros” (Pixinguinha) ou o brejeiro “Implicante” (Jacob do Bandolim). Um encontro muito feliz, repleto de lirismo e beleza.

(resenha publicada no "Guia da Folha - Livros, Discos e Filmes", em 25/06/2010)

"Icons Among Us": documentário traça precioso panorama da cena contemporânea do jazz

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Se você se interessa pelos novos rumos do jazz contemporâneo, não só pelos estilos e artistas que ergueram as bases desse gênero musical no século passado, não deixe de assistir a “Icons Among Us: Jazz in the Present Tense” (2009), que o canal pago de TV Multishow HD está exibindo nesta e nas próximas semanas.

Dividido em quatro partes, esse documentário dirigido por Michael Rivoira, Lars Larson e Peter J. Vogt soa como uma resposta muito bem articulada ao ambicioso – mas parcial e conservador – “Jazz” (2001), o documentário de Ken Burns, que praticamente ignora o que se passou na história da música improvisada após a década de 1960.

Para realizar “Icons Among Us”, o produtor executivo John W. Comerford e sua equipe passaram sete anos colhendo depoimentos de 75 músicos, registrados em alta definição, além de dezenas de horas de shows, filmados em 16 milímetros. Entre os entrevistados aparecem figurões do gênero, como Herbie Hancock, Wayne Shorter, Wynton Marsalis e Terence Blanchard e Roy Hargrove, mas o foco principal está mesmo nos depoimentos e na música de jazzistas de gerações mais recentes, como Jason Moran, Brian Blade, Robert Glasper, Dave Douglas, Ravi Coltrane, Charlie Hunter, Bugge Wesseltoft ou os grupos The Bad Plus, Medeski, Martin & Wood e E.S.T., entre outros.

A ideia que perpassa as mais de três horas desse documentário é a de que o jazz sempre foi um gênero em constante transformação, portanto não faz sentido defini-lo de maneira estática, tentando traçar seus limites. Não é porque os jazzistas de hoje não gozam do mesmo prestígio e popularidade de um Louis Armstrong, de um Duke Ellington ou de John Coltrane, que as gerações mais novas seriam menos inovadoras ou criativas.

Mesmo que você discorde dessa visão, não deixe de ver. “Icons Among Us” traça um panorama precioso da cena do jazz durante a última década, tanto nos EUA como na Europa. Só por isso já merece a atenção de qualquer apreciador dessa música.


Dom Salvador: mestre do samba-jazz e do samba-soul toca na Sala do Professor

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De tempos em tempos, ele ressurge para matar a saudade dos fãs e a curiosidade dos que o conhecem apenas por meio de seus disputados discos. Explico melhor: Dom Salvador, brilhante pianista da primeira geração do samba-jazz, além de pioneiro do samba-soul, passou 30 anos tocando nos Estados Unidos, sem se apresentar no Brasil. Felizmente, depois de 2003, quando recebeu uma merecida homenagem na 4ª edição do extinto Chivas Jazz Festival, ele tem aparecido mais por aqui.

Desta vez esse paulista de Rio Claro, que já tocou e gravou com inúmeros astros da MPB, de Elis Regina e Edu Lobo a Jorge Ben e Elza Soares, será o protagonista de mais uma edição da Sala do Professor Buchanan’s, dia 29 de junho, no Bourbon Street Music Club, em São Paulo. Além de ser entrevistado, Dom Salvador vai relembrar algumas pérolas de seu repertório.


 A seguir relembro aqui a última entrevista que fiz com o grande pianista e compositor, em janeiro de 2007, para a “Folha de S. Paulo”, quando Salvador passou uma temporada no Rio e em São Paulo para gravar seu primeiro disco produzido no país em 35 anos. Deixo também o link para uma raridade musical: o encontro de Dom Salvador e Elis Regina, no início dos anos 70.





A VOLTA DE DOM SALVADOR
 

Ele ainda se emociona ao recordar as homenagens que recebeu, em 2003, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em duas concorridas noites do festival Chivas Jazz, o pianista e compositor Dom Salvador interrompeu um afastamento de 30 anos dos palcos brasileiros.

“Foi inesquecível. Como estava ausente do país por tanto tempo, eu não esperava encontrar tanta receptividade”, diz o músico de 68 anos, que se mudou para os Estados Unidos, em 1973, já reconhecido como líder de originais trios de samba-jazz e da banda Abolição, pioneira nas fusões do samba com o soul e o funk.

A carreira de Salvador decolou em São Paulo, no início dos anos 60, em boates como a Baiúca e a Cave. Em 1964, seu piano já brilhava nas jam sessions do Beco das Garrafas, lendário reduto da bossa nova, no Rio. Gravações e shows ao lado de astros da MPB, como Elis Regina, Jorge Ben e Edu Lobo, aumentaram seu prestígio.

Hoje, depois de passar as festas de final de ano em Rio Claro, cidade do interior paulista, onde nasceu, Salvador se prepara para quebrar um hiato ainda maior em sua carreira. No próximo dia 8, no Rio, ele vai começar a gravar seu primeiro disco no Brasil em 35 anos. O último foi o inovador “Som, Sangue e Raça” (1971), seu único álbum com a banda Abolição.

Nessas novas gravações, o pianista pretende resgatar o projeto do Rio 65 Trio, cultuado grupo de samba-jazz que formou com o baterista Édison Machado (morto em 1990) e o baixista Sérgio Barroso, em meados dos anos 60. De vida curta, esse trio só gravou dois LPs, que chegavam a ser vendidos por centenas de dólares até 2003, quando foram finalmente editados em CD.

Na nova versão do trio, que volta a incluir o baixo acústico de Sérgio Barroso, Salvador contará com a participação de Duduka da Fonseca, baterista que também vive nos EUA. “O Duduka é um seguidor do Édison Machado. Só ele poderia substituí-lo”, justifica o pianista e líder, que planeja gravar nesse álbum apenas composições próprias.

Antes do início das gravações, Salvador fará uma apresentação no palco da megastore Modern Sound, no Rio, na próxima sexta-feira. “Deve virar uma jam session, um negócio informal. Vou chamar os amigos”, avisa.

Em Nova York, onde mora, Salvador toca cinco vezes por semana no River Café. “O público é meio conservador, mas eu toco um pouco de tudo lá”, diz, ressaltando que, após 29 anos como pianista dessa casa, tem liberdade total para misturar música brasileira aos tradicionais standards de jazz.

“Tenho sentido que as pessoas estão cada vez mais interessadas na música brasileira. Até porque não está acontecendo nada de novo na música norte-americana”, afirma, mencionando o Zinc Bar, outro ponto de referência dos fãs da música brasileira em Nova York, no bairro de Greenwich Village. Ali se apresenta, há quase uma década, o pianista gaúcho Cidinho Teixeira, com o qual Salvador lançou em 2006 o álbum “Ancestors”, ainda inédito no Brasil.

Outro motivo recente de alegria para Salvador foi saber que o Choro Ensemble, grupo de músicos brasileiros que há anos interpretam nos EUA um repertório centrado no choro, está preparando um álbum só com choros de sua autoria.

“Misturo muita coisa em minhas composições: samba, maxixe, cateretê, baião”, comenta o pianista, que costuma se referir à sua música como “afro-brazilian jazz” (jazz afro-brasileiro). “Lá [nos Estados Unidos] tudo é marketing. E quando você fala em música brasileira para um norte-americano, a primeira coisa em que eles pensam é bossa nova ou samba. Quero que eles entendam que minha música não é só isso”.

Enfrentando racismo

Dom Salvador planeja aproveitar seus dias finais de gravação, no Rio, para reencontrar ex-colegas da banda Abolição, como o guitarrista Zé Carlos e o vocalista Luiz Carlos. A idéia é gravar outro CD, de maneira mais informal.

“Quero fazer uma jogada no estúdio, com pouco ensaio, quase uma jam session”, diz, pensando em utilizar nessa gravação uma instrumentação despojada. “Quero usar caixa de fósforos, talvez nem bateria, só percussão”.

Outro projeto do pianista para este ano é o de articular, nos EUA, uma banda na linha da Abolição, para interpretar compositores brasileiros negros, como Moacir Santos, Ataulfo Alves e Zé Kéti.

“Sempre tive em mente rearticular esse grupo. Agora surgiu a oportunidade, mas não mais com o nome Abolição. Essa onda já passou”, diz Salvador, revelando que o nome e o visual black da banda eram, para a maioria de seus integrantes, apenas um lance de marketing. “Nós só queríamos tocar e curtir. Não tínhamos ligações políticas”, afirma.

Mesmo assim, admite, só o fato de reunir um grupo de músicos negros, na época, já provocava situações incômodas. Como as reações frente aos pés descalços e roupas africanas da banda durante o Festival Internacional da Canção, no Rio, em 1970. “A censura veio nos perguntar se aquilo era algum tipo de protesto”, relembra.

Mais reveladora foi a apresentação da Abolição em uma boate freqüentada pela elite carioca, em 1971. “Fomos convidados a fazer uma temporada na Flag, mas a primeira noite também foi a última. Os garçons nos disseram que as pessoas da platéia reclamaram de que havia muitos negros no palco”.

Ironicamente, seis anos depois, Salvador apresentou-se para outra elite, sem sentir o mesmo preconceito: um concerto para a rainha da Inglaterra, em Londres, como diretor musical do cantor Harry Belafonte.
 

(Entrevista originalmente publicada na “Folha de S. Paulo”, em 3 de janeiro de 2007)

Omara Portuondo: DVD traz show da cantora cubana no Festival de Jazz de Montreal

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Conhecida pelo público brasileiro desde o tempo em que era cantora do coletivo Buena Vista Social Club, a cubana Omara Portuondo aparece num contexto sonoro menos usual, no DVD "Live in Montreal" (lançamento EmArcy/Universal), que exibe sua apresentação no conceituado festival canadense, em 2005. A orquestra que acompanha a cantora realça o lirismo dos clássicos boleros que sobressaem em seu repertório, como “Siboney” e “Veinte Años”, ou até ressalta a vocação dançante de canções como “Tiene Sabor” e “Mueve La Cintura, Mulato”.

Curiosamente, o clímax do concerto se dá sem a participação da orquestra: um despojado e emotivo duo de Omara com o pianista Emilio Morales, que ilumina os boleros “Dos Gardenias” e “Besame Mucho”. Como bônus, essa edição inclui ainda uma entrevista com a cantora, gravada por ocasião do lançamento de seu álbum “Flor de Amor”.

(resenha publicada no "Guia da Folha - Livros, Discos e Filmes", em 28/05/2010) 

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Chick Corea & Bobby McFerrin: um duo especial de improvisadores

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À primeira vista, o DVD "Rendez-vous in New York" (lançamento Coqueiro Verde) registra o encontro de um criativo pianista de jazz com um vocalista versátil, mas quem já conhece os norte-americanos Chick Corea e Bobby McFerrin sabe que, juntos, eles se tornam bem mais: um duo de grandes improvisadores com uma química muito especial. 

É o que demonstra esta apresentação no clube nova-iorquino Blue Note, em 2001, marcada por um repertório eclético, que vai da balada jazzística “Round Midnight” (de Thelonious Monk) à bossa nova “The Frog” (“A Rã”, de João Donato), passando pelo erudito “Concierto de Aranjuez” (de Joaquin Rodrigo), com participação de Béla Fleck, virtuose do banjo), ou ainda a doce “Smile” (de Charles Chaplin). Todas elas interpretadas com inventividade, prazer ao improvisar e boas doses de humor. 

(resenha publicada no "Guia da Folha - Livros, Discos e Filmes", em 20/05/2010)
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John Pizzarelli: guitarrista e cantor relê temas dançantes e baladas de Duke Ellington

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Nos mais de 30 álbuns que já gravou, o cantor e guitarrista norte-americano John Pizzarelli tem feito um apanhado de grandes canções do século 20, não só as compostas em seu país, mas também de pérolas dos Beatles ou de clássicos da bossa nova. No recém-lançado “Rockin’ in Rhythm” (Telarc), ele interpreta 14 composições de Duke Ellington (1899-1974), talvez o maior compositor do jazz.

Com a elegância e o bom humor de sempre, Pizzarelli relê temas mais dançantes, como “Satin Doll” e “I’m Beginning to See the Light”, e baladas românticas, como “Solitude” e “All Too Soon”. Arrisca até uma inusitada fusão da quase centenária “East St. Louis Toodle-oo” com a suingada “Don’t Get Around Much Anymore”. Acerta também na divertida versão de “Perdido”, em parceria com os cantores Kurt Elling e Jessica Molaskey, sua mulher. Nada mal para um artista que já se definiu apenas como “um músico de jazz que gosta de entreter platéias”.


(Resenha publicada no "Guia da Folha - Livros, Discos e Filmes", em 28/5/2010)

Claudio Roditi: trompetista tempera clássicos do jazz moderno com ritmo de samba

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Radicado nos EUA desde a década de 1970, o trompetista carioca Claudio Roditi já tocou com grandes músicos do jazz – do mestre Dizzy Gillespie ao cubano Paquito D’Rivera. Em “Impressions” (lançamento Biscoito Fino), gravado em 2006, no Rio, ele exibe algo que poucos sabem fazer tão bem: tempera clássicos do jazz com ritmos de samba, obtendo assim um novo sabor musical.

Roditi utiliza esse procedimento não só em temas mais populares, como “Bye Bye Blackbird” ou “Speak Low”. Supera-se ao reler algumas preciosidades do repertório do saxofonista John Coltrane (1926-1967), como a belíssima balada “Naima”, a modal “Impressions” ou ainda “Giant Steps”, conhecida por sua vertiginosa sequência harmônica. Num universo musical tão competitivo como o do jazz, Roditi encontrou uma maneira original e saborosa de soar brasileiro.

(Resenha publicada no "Guia da Folha - Livros, Discos e Filmes", em 28/5/10).

 

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