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Madeleine Peyroux: cantora americana aborda distopias da era Trump em suas canções

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                                                     A cantora Madeleine Peyroux - Foto: Yann Orhan - Divulgação

Os fãs da cantora americana Madeleine Peyroux já tiveram algumas oportunidades de ouvi-la em palcos brasileiros durante esta década. Seu timbre vocal e sua maneira particular de entoar os versos das canções chamaram atenção, na segunda metade dos anos 1990, pela semelhança com Billie Holiday (1915-1959), a mais cultuada intérprete do universo do jazz. Madeleine volta a se apresentar em cinco capitais do país, de 12 a 22 de setembro.

Desta vez ela traz no repertório canções do disco que, na opinião de alguns críticos, é o mais maduro e antenado com seu tempo entre os oito álbuns de estúdio que já lançou. Tratando-se de uma intérprete conhecida pelo tom intimista ou mesmo confessional das canções que compõe ou escolhe para suas gravações e shows, chega a ser surpreendente o fato de algumas faixas de seu álbum “Anthem” (lançado pela gravadora Verve no final de 2018) terem sido influenciadas pelo ambiente político nos Estados Unidos durante os meses que culminaram com a eleição de Donald Trump.

“Começamos a compor material para um novo álbum em fevereiro de 2016 e, já em novembro, Trump foi eleito para a presidência”, relembra a cantora. “Quando ele assumiu o cargo, no início de 2017, liguei para (o produtor e parceiro) Larry Klein e disse a ele que só precisava fazer mais uma canção para começarmos a gravar um disco. Sem dúvida, Trump foi uma das razões para que esse álbum existisse”.

A arte gráfica de “Anthem”, primeiro disco de Madeleine sem sua imagem na capa, já sugere que ele traz algo de diferente em relação aos trabalhos anteriores da cantora. Dispostas de maneira simbólica na capa, uma faixa vermelha, uma branca e outra azul receberam um efeito de desfoque, como se a bandeira norte-americana tivesse sido desfigurada. Em entrevistas, na época do lançamento do álbum, Madeleine disse que essa foi uma maneira que encontrou para provocar debates.

“Eu queria questionar o significado de democracia para as pessoas e perguntar o que poderíamos fazer para mantê-la”, justifica a cantora, ressaltando que, por outro lado, em momento algum pensou em abordar temas políticos como esse nas novas canções, de maneira literal. Nos shows que fez nos Estados Unidos ao longo de 2016, durante o período da campanha eleitoral e dos debates entre os candidatos, ela sentiu que sua relação com as plateias começou a mudar bastante. “Tornou-se mais íntima e profunda de uma maneira que jamais senti antes”, avalia.

Mesmo sinalizando a preocupação de Madeleine e seus parceiros (David Baerwald, Larry Klein, Brian McLeod e Patrick Warren) com as aberrações da disruptiva era Trump, as canções de “Anthem” estão longe de soar panfletárias, nem oferecem lições típicas de obras de autoajuda. A letra da agridoce “On My Own”, que abre o álbum, parece projetar para um futuro muito próximo um ser humano autocentrado, hostil e completamente solitário. Já a bem-humorada “Down on Me” aborda com leveza e alguma ironia o problema das perdas financeiras enfrentadas por parte da população americana, que viu seus empregos serem extintos em função de mudanças tecnológicas.

Curiosamente, ao ouvir um elogio à qualidade de sua safra atual de canções, Madeleine revela um grau de autocrítica inesperado para uma artista que já compõe a maior parte do material que grava há mais de uma década. “Em geral, eu acho que minhas canções não são tão boas quanto outras que já cantei, mas continuo tentando. Preciso expressar certas coisas que eu sinto, coisas que fazem parte de minha vida. Isso me estimula a seguir compondo, mesmo que, como cantora, eu não goste muito delas”, confessa.

Talvez seja também uma questão de ambição artística, porque ao escolher material de outros autores para acompanhar as dez canções que ela e seus parceiros fizeram para esse disco, Madeleine revela seus altos padrões. “Anthem”, a bela canção que empresta seu título ao álbum, foi composta pelo poeta e cantor canadense Leonard Cohen (1934-2016). Gravada originalmente por ele no álbum “Future” (1992), essa canção traz na letra dois versos (“Há uma rachadura em tudo /É assim que a luz penetra”), que parecem escritos sob encomenda para transmitir um raio de esperança em tempos tão sombrios.

Outro cultuado poeta, o surrealista francês Paul Éluard (1895-1952), é o autor de “Liberté”, poema que escreveu durante a ocupação da França pelos nazistas, na Segunda Guerra Mundial. Musicados por Madeleine, os versos desse poema são cantados por ela, no álbum, em francês. “Originalmente, Éluard o escreveu como um poema de amor para sua companheira, mas acabou percebendo que ele se tornou um protesto pela liberdade”, comenta a cantora.

Incluída no CD como faixa-bônus, “Last Time When We Were Young”, clássico da canção americana que Harold Arlen e E.Y. Harbug compuseram em 1935, ganhou um arranjo moderno e um quê de bossa nova, reforçado pelo solo de Chris Cheek ao sax tenor, que lembra a sonoridade de Stan Getz (o parceiro americano de João Gilberto, em clássicas gravações do gênero). A interpretação de Madeleine, delicada e melancólica, prova que a influência de Billie Holiday já não a assombra mais.

Voltando ao trabalho de composição, segundo Madeleine, a parceria com o produtor Larry Klein, iniciada em 2009 no seu quarto álbum (“Bare Bones”), a ajuda bastante a transformar suas ideias em canções. “Ele tem sido um cara muito especial nessa parceria, porque sempre abriu muito espaço para ouvir minhas ideias. Larry é bastante crítico, o que me agrada, porque eu também sou. Ele gosta de diversos tipos de música, como eu, e possui uma mente bem aberta. Temos muito em comum”.

Na lista de 17 músicos que participaram das gravações de “Anthem”, há uma surpresa: o nome da cantora e compositora paulistana Luciana Souza. Radicada desde os anos 90 nos Estados Unidos, onde desenvolve uma carreira muito bem-sucedida no segmento do jazz, ela é creditada no disco como percussionista 
 outro talento que costuma exibir nos palcos. “Sou fã de Luciana há muito tempo, antes mesmo que ela e Larry se casassem. Adoro os discos dela”, elogia a americana. 

Ao ouvir que as referências às distopias da era Trump, presentes em algumas de suas canções mais recentes, podem soar familiares às plateias brasileiras, Madeleine concorda e se revela otimista. “Sim, acho que isso pode acontecer, porque muitas das canções que escrevemos são universais. Eu sinto por vocês terem que lidar com Bolsonaro no Brasil, assim como eu lamento a vitória de Trump ou lamento o Brexit. Mas eu penso que, se nos mantivermos unidos, podemos superar tudo isso”. 


(Texto publicado no caderno de cultura do "Valor Econômico", em 6/9/2019) 

A turnê de Madeleine Peyroux pelo Brasil: 
Porto Alegre: dia 12/9, às 21h, no Auditório Araújo Viana
Curitiba: dia 13/9, às 21h, no Teatro Guaíra
São Paulo: dia 14/9, às 22h, no Tom Brasil
Belo Horizonte: dia 20/9, às 21h, no Palácio das Artes
Rio de Janeiro: dia 21/9, às 20h30; e dia 22/9, às 20h, no Theatro Municipal








Madeleine Peyroux: primeiro DVD da cantora traz imagens de seus shows nas ruas de Paris

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Registrado em janeiro de 2009, num clube de Los Angeles, este DVD com um show de Madeleine Peyroux concentra-se no repertório de “Bare Bones”, seu quarto e recente álbum. Nele, a cantora norte-americana não só se firmou como compositora, como parece enfim ter começado a encontrar sua identidade musical.

No DVD "Somethin' Grand" (lançamento Universal), as conhecidas versões de canções melancólicas de Leonard Cohen (“Dance to the End of the Love”) e Bob Dylan (“You’re Gonna Make Lonesome When You Go”) agora se misturam com composições mais vibrantes, calcadas no soul e no rhythm’n’blues, como “You Can’t Do Me” ou a própria “Bare Bones” (parcerias com o produtor Larry Klein e Walter Becker, da dupla Steely Dan). Além disso, a sombra da forte influência de Billie Holiday, diva do jazz que marcou os primeiros discos de Peyroux, já é bem menor.

Especialmente interessante para os fãs é a inclusão de um documentário que revê a carreira da cantora. Além de destacar flagrantes da época em que Madeleine se apresentou nas ruas e no metrô de Paris, inclui também depoimentos que revelam sua relutância em se adaptar às formalidades e aparências do showbiz.

(Resenha publicada parcialmente no “Guia da Folha – Livros, Discos e Filmes”, em 30/10/2009)


Madeleine Peyroux: enfim encontrando sua identidade musical

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Na faixa de abertura (“Instead”, um saltitante blues acústico), o timbre vocal e a maneira de arrastar certas palavras ainda lembram o estilo único de Billie Holiday (1915-1959). Mas basta ouvir as faixas seguintes de “Bare Bones” (selo Rounder/Universal), o quarto álbum de Madeleine Peyroux, para se notar que a jovem cantora norte-americana parece enfim ter começado a descobrir sua identidade musical.

Com a produção assinada por Larry Klein (conhecido por sua longa associação com a canadense Joni Mitchell), “Bare Bones” estabelece Madeleine como compositora. Na verdade, ela já havia exibido quatro canções próprias no anterior “Half the Perfect World” (2006), mas ainda sem a consistência que revela agora.

Para uma intérprete cujo repertório foi centrado durante anos em standards do blues e do jazz, ou, mais recentemente, em canções folk de Leonard Cohen e Bob Dylan, quase sempre tingidas por uma considerável dose de melancolia, uma canção como “You Can’t Do Me” (“você não pode transar comigo”), parceria da cantora com Klein e Walter Becker (da banda Steely Dan), é um sinal de novidade.

O ritmo bem marcado entre o rock e o rhythm & blues, colorido por órgão e guitarra, reforça a saliência dos versos: “Eu sei que fico tão triste / Vou fundo como um escafandrista no mar / Fora como um sax tenor à Coltrane / Perdida como uma criança chinesa na guerra / Morta, morta, morta! / Desgraçada como um meeiro do Mississipi / Fodida como uma cheerleader de colégio”.

Esse tom confessional se mantém em outras canções do álbum, como a delicada “I Must Be Saved”, única composta somente pela cantora, que também assina as outras dez com vários parceiros. Ou a triste “River of Tears” (outra com Klein), que Madeleine fez para se despedir do pai, morto alguns anos atrás.

Para quem ainda não teve a oportunidade de ver alguma das várias apresentações que Madeleine já fez por aqui, nos últimos anos, fica um aviso: parte do encanto de suas interpretações registradas nos discos se desfaz no palco, já que ela está longe ainda de ser uma cantora segura, muito menos carismática.

Mas essa timidez acaba funcionando a favor da cantora, reforçada por seus folclóricos sumiços da cena musical, que já renderam páginas e páginas nos jornais e na internet. Graças a esses episódios de aparente rebeldia, não são poucos os fãs que acreditam que a frágil e confessional Madeleine Peyroux realmente viveu todas as perdas e fracassos amorosos sugeridos em suas canções.

(resenha publicada na “Folha de S. Paulo”, em 18/02/2009)



 

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