Ramsey Lewis: aos 80, pianista estreia em palcos brasileiros, no Gourmet Jazz

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Aos 80 anos, completados no último mês de maio, o pianista e compositor Ramsey Lewis não poderia estar mais satisfeito com os caminhos que seguiu em sua carreira profissional. Com mais de 70 álbuns lançados (“singles” extraídos de três deles ultrapassaram a marca de um milhão de cópias vendidas), esse norte- americano de Chicago continua tocando com frequência em clubes e festivais de jazz pelo mundo. Também já comandou bem-sucedidos programas de rádio e TV.

Não bastasse o fiel fã-clube que o aplaude há décadas, seu prestígio entre os colegas do meio musical é evidente. Num vídeo comemorativo de seu último aniversário, que circula pela internet, Lewis recebe homenagens de grandes astros do jazz, como Herbie Hancock, Quincy Jones, Dianne Reeves e Chick Corea, ou ainda de populares figuras da música negra, como Sharon Jones, Robert Cray e ex-integrantes da banda Earth, Wind & Fire.

“Você deve tocar a música que sai do seu coração. Sempre fiz isso e continuo fazendo até hoje. Isso é algo fundamental para que eu consiga dormir bem à noite. Não tenho do que me arrepender”, disse Lewis em entrevista ao "Valor", por telefone, às vésperas de sua primeira viagem ao Brasil. Vai se apresentar com seu quinteto, no Gourmet Jazz Festival, amanhã (21/11), na estância turística de Águas de São Pedro (SP).

Ao dizer que não se arrepende de nada, ele se refere às críticas que começou a receber em 1965, quando seu álbum “The ‘in’ Crowd” (gravado ao vivo em temporada no clube The Bohemian Caverns, em Washington) extrapolou os círculos dos jazz e atingiu o grande público americano. A contagiante faixa-título, releitura instrumental de um sucesso do cantor de soul Dobie Gray, alçou o Ramsey Lewis Trio às paradas de música pop.

Lewis conta que ainda não conhecia a canção “The ‘in’ Crowd”, quando uma garçonete do Bohemian Caverns lhe sugeriu que a ouvisse lá mesmo, na vitrola do clube. “Achamos que podia ser divertido tocá-la e, após o ensaio, já a incluímos no repertório daquela noite. Quando a tocamos, a plateia quase enlouqueceu: de repente, os caras começaram a balançar os ombros, garotas se levantaram, batendo palmas e dançando. Foi uma grande experiência”, relembra.

Alguns críticos ficaram incomodados ao ouvir Lewis flertar com a música pop. “Eles achavam que o jazz não deveria se afastar dos padrões que Charlie Parker, Dizzy Gillespie e Bud Powell haviam estabelecido. Pensavam que o jazz tinha que se manter puro”, comenta o pianista. “Quando todo mundo começou a comprar ‘The ‘in’ Crowd’, esses críticos, que haviam elogiado nossos discos anteriores, disseram que eu tinha me ‘vendido’. Se eu soubesse como fazer aquilo antes, já teria gravado algo semelhante logo no primeiro álbum”, retruca Lewis.

A reação positiva das plateias e a repercussão do álbum estimularam o pianista e seu grupo a seguirem por esse caminho, buscando um jazz mais leve e dançante, marcadamente rítmico. Releituras de sucessos da soul music produzida pela gravadora Motown – como “Dancing in the Street”, de Marvin Gaye, ou “Uptight”, de Stevie Wonder – entraram em discos posteriores de Lewis, ampliando seu contato com plateias não-iniciadas no jazz.

Cinco décadas após seus primeiros sucessos frequentarem as paradas, Lewis diz que ainda não consegue explicar por que algumas de gravações se tornaram tão populares. Mas admite que sua concepção musical, assim como a maneira percussiva de tocar o piano, têm muito a ver com o fato de grande parte sua formação musical ter ocorrido na igreja.

“Comecei a estudar música clássica aos 4 anos, com meus pais. Aos 9, me tornei pianista do coro gospel da igreja, onde toquei até os 16 anos. O jazz só surgiu depois. Aliás, foi um músico da igreja onde eu tocava, Wallace Burton, que me convidou a substituir o pianista de seu grupo de jazz, The Cleffs, e me ensinou bastante”, reconhece. “A influência da música gospel me acompanha até hoje. Tocando na igreja aprendi que o músico está ali para criar uma ligação com a plateia”.

O sucesso mundial da bossa nova, na década de 1960, também despertou a atenção de Lewis para a música brasileira, que passou a fazer parte de seu repertório. Depois de assistir ao filme “Orfeu Negro”, ambientado em uma favela carioca, incluiu no citado álbum “The ‘in’ Crowd” uma releitura instrumental do samba-canção “A Felicidade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

“Adoro ouvir música brasileira. Gosto muito dessa fusão de ritmos africanos e europeus, mas, infelizmente, não sei dançar música brasileira”, lamenta o americano, que voltou a gravar “A Felicidade”, em 1967, num medley com “Manhã de Carnaval” e “Samba de Orfeu” – composições de Luiz Bonfá, que também fazem parte da trilha sonora do filme de Marcel Camus.

Já em 2006, quando adaptou com sucesso seu programa de rádio “Legends of Jazz” para a TV, reunindo dezenas de astros do gênero para tocar e conversar, Lewis dedicou um programa da série ao “jazz brasileiro”, representado por Ivan Lins e Oscar Castro-Neves. “Cada gravação desse programa foi um acontecimento memorável. Esse projeto foi um dos grandes prazeres da minha vida”, conclui o veterano jazzista.   


Mais informações no site do festival: www.gourmetjazzfestival.com.br 

(Entrevista publicada no caderno "Eu & Fim de Semana", do jornal "Valor Econômico", em 20/11/2015)



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