Chucho Valdés e Gonzalo Rubalcaba: pianistas cubanos tocam em duo, em São Paulo e Rio

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                                                             Chucho Valdés e Gonzalo Rubalcaba / Foto de divulgação

Esse é um encontro musical com todo o potencial para ser lembrado no futuro. Mestres do piano admirados internacionalmente, Chucho Valdés e Gonzalo Rubalcaba são representantes da riqueza e da diversidade da música cubana, além de cultivarem há décadas o espírito inventivo e a modernidade do jazz. Já exibido em outros países, esse duo de pianos chega neste mês a palcos de São Paulo e Rio de Janeiro.

Filho do lendário pianista Bebo Valdés, Chucho, hoje com 76 anos, despontou na cena musical de seu país ainda na década de 1960, tocando com a Orquesta Cubana de Música Moderna. Em 1973, em parceria com o saxofonista Paquito D’Rivera, fundou a influente banda Irakere. Com ela destilou por mais de duas décadas fusões de diversas vertentes da música tradicional cubana com o jazz. Desde o final dos anos 1990, já como solista, tem se apresentado pelo mundo com o mesmo brilho.

Também descendente de uma destacada família musical de Cuba, Rubalcaba tem 55 anos. Estudou música clássica e, depois de tocar com várias formações e orquestras da ilha, formou em 1983 o Proyecto, seu grupo de jazz afro-cubano. Apadrinhado pelo jazzista Dizzy Gillespie, logo passou a frequentar festivais internacionais. O contrato com o conceituado selo Blue Note permitiu que gravasse mais de uma dúzia de discos, com destaque para suas parcerias com o baixista Charlie Haden e o baterista Paul Motian.

Além da admiração mútua, embora pertençam a gerações diferentes, Valdés e Rubalcaba compartilham afinidades. “O fato de termos referências musicais similares torna mais fácil fazermos música juntos. A diferença de gerações não impede que possamos nos sentar para conversar e trocar lembranças de orquestras, de músicos, de discos, de lugares que frequentamos”, comenta Rubalcaba, que sempre creditou a influência de Valdés, em sua formação. “Nossa intenção – Chucho bem antes de mim – foi buscar um lugar mais amplo para o folclore afro-cubano. Creio que esse esforço no sentido de introduzir nossas raízes musicais num contexto mais universal é o que mais nos aproxima”.

“Gonzalo começou ouvindo pianistas de gerações anteriores à dele. Eu era um desses pianistas, mas hoje ele é muito diferente de mim”, observa Valdés, que acompanhou a trajetória do brilhante colega desde muito cedo. “Gonzalo tem um estilo mais contemporâneo, bastante avançado, e eu mantenho a linha musical que sempre adotei. Seguimos por caminhos diversos”.

Além da profunda ligação que ambos têm com a música afro-cubana e com o jazz, outra afinidade os aproxima. “A música sul-americana também nos interessa muito, especialmente a música brasileira, cuja riqueza rítmica e melódica é uma das maiores de nosso planeta. Aliás, poucos anos atrás, me diverti muito tocando com João Donato, que em minha opinião é um dos grandes músicos brasileiros, ao lado de Tom Jobim”, aponta Valdés.

Rubalcaba concorda com o parceiro. “Cuba, assim como o Brasil, é uma nação onde se produz música de maneira natural, constantemente. A música tem um poder muito forte, inclusive de renovação, nesses países. É como uma espécie de bênção que os músicos cubanos e brasileiros receberam. É quase impossível imaginar Cuba ou o Brasil sem a música”, reflete o pianista.

A intimidade da dupla com a cultura e a religião afro-cubana também determinou a escolha do nome – “Transe” – para esse projeto que os une pela primeira vez. “Por esse vínculo que Chucho e eu compartilhamos me pareceu que o conceito de transe seria apropriado para definir o nosso encontro. Um estado de transe é um estado de elevação”, explica Rubalcaba. “Essa condição de transição a um estado superior de consciência e de imaginação está presente em uma parte importante da prática religiosa da essência folclórica afro-cubana”, acrescenta.

Para quem não é familiarizado com a linguagem do jazz, Valdés dá uma dica valiosa aos receosos de não conseguirem acompanhar a evolução dos improvisos da dupla: esse concerto é, praticamente, um bate-papo entre amigos. “É isso que fazemos com nossos pianos: uma conversa musical, com perguntas e respostas. Trata-se de um diálogo bonito e frequentemente bem-humorado, que não tem nada a ver com algum tipo de competição entre nós”, avisa o pianista.

“A ideia de conversa está muito ligada ao que conhecemos por improvisação, na música”, continua Rubalcaba. “Entre amigos se fala sobre um mesmo tema muitas vezes. E cada vez que se volta a esse tema, tentamos trazer algo novo à conversa, buscamos evoluir nesse tema – procuramos um novo acordo, se possível. Na improvisação musical acontece algo semelhante porque, afinal, estamos tratando de interação, de comunicação”.

Sobre a possibilidade de registrar esses encontros musicais em um disco, Rubalcaba diz que ainda não se decidiram. “Deixar algo registrado desse projeto parece ser um passo natural, mas neste momento ainda não temos claro quando faremos isso. Temos tocado bastante, nos EUA, na Europa e na Ásia. E o concerto em São Paulo será o primeiro na América do Sul. Num projeto como esse, com apresentações ao vivo, me parece ser mais fácil ir depois ao estúdio para fazer o disco, porque você já conhecerá bem a música. Assim, o que for registrado terá uma validade maior”.

Os dois não costumam divulgar o programa de seus concertos, portanto também deverá ser assim desta vez. “Preferimos decidir o que vamos tocar na hora, para manter o frescor da música”, justifica Valdés. Para os mais curiosos, pode-se ao menos dizer que são consideráveis as chances de se ouvir “El Manisero”, a popular canção cubana de Moisés Simons, ou “Caravan”, clássico do repertório da big band de Duke Ellington. Ambas frequentaram o repertório de concertos anteriores da dupla, em meio a composições próprias ou citações eruditas de Chopin, Gershwin e Manuel de Falla, durante os improvisos.

No Brasil, as apresentações de Valdés e Rubalcaba farão parte da segunda edição do projeto Mais Piano, com patrocínio da Rede. Tanto em São Paulo (dia 29/8, na Sala São Paulo; dia 2/9, com entrada franca, no Parque do Ibirapuera) como no Rio de Janeiro (dia 31/8, na Sala Cecília Meireles), esses concertos terão mais uma atração à altura dos protagonistas. 


Quem vai abrir o programa dessas noites é o talentoso André Mehmari, pianista, compositor e arranjador que, em apenas duas décadas de carreira, já conquistou um lugar entre os grandes instrumentistas brasileiros. Como solista, lançou oito álbuns e já se apresentou em alguns dos mais conceituados festivais de jazz brasileiros, assim como no exterior.

(Texto publicado no caderno de cultura do "Valor Econômico", em 24/8/2018)





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