Michel Camilo: expoente do jazz latino, pianista dominicano toca no Brasil

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                                            O pianista e compositor Michel Camilo, da República Dominicana

Se você já teve a oportunidade de ouvir Michel Camilo tocar, sabe que se trata de um músico excepcional. A energia que esse pianista e compositor da República Dominicana exibe nos palcos e gravações é tão contagiante quanto a suavidade de suas românticas baladas. Marcante também é a diversidade que caracteriza sua concepção musical: jazz, ritmos caribenhos e música clássica convivem sem preconceitos em suas apresentações.

“Acredito que hoje, em pleno século 21, as barreiras entre os gêneros musicais já não são mais as mesmas do passado”, diz ele, falando ao “Valor” por telefone, de Nova York (EUA), onde vive desde o final dos anos 1970. “Eu me sinto abençoado por ser convidado a tocar em muitos festivais de música pelo mundo, não só festivais de jazz, assim como sou convidado a tocar com orquestras sinfônicas”.

Difícil entender porque um músico desse quilate ficou distante de palcos brasileiros por mais de duas décadas. No Free Jazz Festival de 1992, ele impactou paulistas e cariocas com seus improvisos frenéticos – antes havia tocado somente em São Paulo, em 1985, como integrante do quinteto do cubano Paquito D’Rivera. Finalmente, Camilo vai quebrar esse longo hiato com dois concertos de piano solo: dia 14/6, no Teatro Renault, em São Paulo; e dia 19/6, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Conhecido por sua preferência por trios, ele explica porque tem se dedicado mais ao piano solo, nos últimos anos – por sinal, retornou há pouco de uma turnê pela Europa, onde fez quatro concertos com esse formato. “Tocar piano solo proporciona muita liberdade, mas também é um grande desafio. Demorei para me dedicar ao piano solo porque queria fazer algo pessoal. Minha abordagem é orquestral: toco o piano pensando em termos de texturas, de cores”, justifica.

Lançado em 2013, seu álbum mais recente –- “What’s Up?”, premiado com o Grammy Latino, na categoria “melhor álbum de jazz latino” –- também adota o formato do piano solo. No repertório, Camilo combina composições de sua autoria com releituras de clássicos do jazz e da canção norte-americana, como “Take Five” (de Paul Desmond) e “Love for Sale” (Cole Porter).

A exemplo de outros jazzistas, que só definem o que vão tocar ao sentir o calor da plateia, Camilo não tem o hábito de anunciar previamente o repertório de seus concertos. “Costumo entrar no palco com o que chamo de ‘lista de compras’, como se eu fosse a um supermercado”, diverte-se. “Nessa relação há sempre muitas opções para que eu possa escolher o que vou tocar”.

Mesmo assim, ele admite que nessa lista há pelo menos um item bem frequente em suas apresentações. “Nem sempre faço isso, mas gosto de abrir os concertos de meu trio com uma composição intitulada ‘From Within’, que fiz especialmente para o filme ‘Calle 54’, do cineasta espanhol Fernando Trueba. Ela é uma espécie de suíte, que funciona como uma demonstração de minha música, porque inclui o jazz, o ritmo latino e o sabor de música clássica”.

Segundo Camilo, essas facetas de sua obra (já registrada em 24 álbuns) o acompanham desde muito cedo. “Tive a sorte de crescer em uma família de músicos, que contribuíram bastante para eu ser como sou. Minha tia era professora de piano clássico; meu tio foi pianista de música popular. Portanto, já conheci os dois supostos lados da música – o clássico e o popular – em minha própria família”, observa.

“A formação clássica, aliás, me ajudou bastante a aprimorar a técnica no instrumento, algo importante para poder expressar o que há dentro de você”, ensina o pianista, que chegou a praticar artes marciais para desenvolver sua impressionante técnica ao piano. “Frequentei durante mais de dez anos uma ótima escola de twaekondo, em Nova York. As aulas me ajudavam a ter mais contato com o meu corpo, mas tive que parar porque minha mulher ficava muito preocupada com as minhas mãos”.

A música brasileira também está entre suas preferências. “Se você der uma olhada em meu repertório, vai ver que eu já compus sambas, bossas lentas, até baião e partido alto. Acho a música brasileira maravilhosa. Essa paixão vem dos tempos de minha adolescência, em Santo Domingo, onde eu costumava ouvir vários programas de rádio dedicados à música brasileira”, relembra.

Adepto da improvisação constante, Camilo encara suas apresentações como obras compostas na frente do público. “Penso que um concerto é como um livro aberto para muitas possibilidades. Os capítulos desse livro serão as canções que vou tocar. A ideia é captar a atenção da plateia do início ao fim. Se ela me seguir desde o prólogo até o epílogo, vou ficar bem satisfeito”, conclui o pianista.

(Entrevista publicada no jornal "Valor", em 3/06/2016)

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