Delfeayo Marsalis: trombonista faz pensar e dançar com seu 'jazz para todos'

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O trombonista e compositor americano Delfeayo (pronuncia-se “delfíou”) Marsalis tem surpreendido fãs e colegas do meio musical com o recém lançado álbum “Make America Great Again”, cujo título remete ao slogan da campanha de Ronald Trump à presidência dos Estados Unidos. Tratando-se de um membro de um dos clãs musicais mais influentes na cena do jazz, conhecido por posições progressistas, o título desse disco causa estranhamento.

“Às vezes é preciso correr algum risco. Espero que as pessoas sejam atraídas pelo título do álbum e se animem a explorar minha música”, diz Marsalis ao "Valor", afirmando que não se preocupou com a possibilidade de ser mal compreendido. “Diferentemente da música pop, que diz logo o que pretende, o jazz é pensado para envolver as pessoas. É preciso mergulhar nessa música para entender o que está acontecendo”, comenta o jazzista de New Orleans, que vai se apresentar no clube paulistano Bourbon Street (em 24/11) e no festival gaúcho Canoas Jazz (26/11).

Ao ouvir a faixa que dá nome ao álbum, com participação especial do ator Wendell Pierce (outro nativo de New Orleans, que se destacou nas séries de TV “Tremé” e “The Wire”), logo se constata que o projeto de Marsalis não se afina com a propaganda republicana. Como um mestre de cerimônias, Pierce lê com ironia uma espécie de editorial do álbum, que desmonta o slogan de Trump para revelar seu oportunismo.

Apesar das alusões sociais e políticas, em termos musicais as composições e os arranjos de Marsalis para a Uptown Jazz Orchestra (que o acompanha no álbum) soam sofisticados e dançantes. Pouco têm a ver, por exemplo, com a música furiosa de Charles Mingus (1922-1979), que se tornou referência no universo jazzístico ao abordar o racismo e a violência contra os negros americanos.

“Meu país mudou muito desde os anos 1950 e 1960, quando Mingus denunciava a segregação racial. Embora eu acredite que ainda existe racismo no país, a sociedade americana evoluiu”, observa Marsalis. “Acho que minha música expressa a complexidade das relações raciais nos Estados Unidos de hoje. Alguns dizem que o jazz representa a liberdade dos negros, mas, na verdade, representa a liberdade de todos, sem distinções raciais. Foi graças a essa atitude que a música de Louis Armstrong se tornou tão grandiosa”.

Não é à toa que Marsalis se refere ao lendário trompetista e pioneiro do jazz, que tanto colaborou para a projeção internacional da cidade natal de ambos. “Meu objetivo principal, ao conceber esse álbum, foi captar o espírito e a alegria de New Orleans e de sua música. New Orleans é a cidade mais original dos Estados Unidos. Essa originalidade vem das tradições africanas que mantemos na música, na dança, na comida, na cultural em geral”, explica o compositor.

Consciente das mudanças enfrentadas pelos habitantes de sua cidade, especialmente após a devastadora passagem do furacão Katrina, em 2005, Marsalis aponta o risco de New Orleans vir a se tornar “uma Disneylândia”, em função da grande ênfase no turismo e do deslocamento das comunidades negras para áreas periféricas da cidade.

“Esse processo de gentrificação tem se manifestado em todo o país. Penso que os verdadeiros músicos de New Orleans buscam entender o que está acontecendo para poderem expressar essas mudanças musicalmente”, observa Marsalis, apontando o fato de certas tradições locais, como os funerais animados por bandas de jazz, não serem compreendidas pelos turistas. “Hoje as gerações mais jovens são egoístas e desrespeitam protocolos, mas temos que nos adaptar ao que acontece”.

Embora a precária situação econômica brasileira tenha impedido que Marsalis trouxesse sua orquestra, ele enfatiza que os shows com seu quinteto serão “grandes festas”. “Vamos tocar um repertório excitante, desde clássicos do jazz até composições mais recentes, inclusive algumas extraídas do novo álbum”, promete.

No grupo que vai acompanha-lo nessa breve turnê estarão o saxofonista Kahri Lee, o pianista Kyle Roussel e o baixista David Pulphus, todos talentosos integrantes da Uptown Jazz Orchestra. O quinteto se completa com o conceituado Marvin ‘Smitty’ Smith. “Ele é um dos grandes mestres da bateria atualmente. Vai ser muito bom tocar com ele”, festeja o líder.

Em São Paulo, a apresentação de Marsalis fará parte da programação comemorativa dos 23 anos do clube Bourbon Street, que também destaca o cantor e compositor Jorge Benjor (em 17 e 18/11), o trompetista James “Boogaloo” Bolden e a cantora Annika Chambers com a Igor Prado Band (23/11). Mais informações no site do Bourbon Street Music Club.


(Entrevista publicada no jornal "Valor Econômico", em 11/11/2016)






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