Annette Peacock: pioneira e vanguardista, compositora canta no Jazz na Fábrica

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                                                   A compositora e vocalista nova-iorquina, em foto de Christian Rose 

Annette Peacock já foi chamada de ícone da vanguarda, de “figura cult do underground”, de “símbolo cult do empoderamento feminino”. Atração do festival Jazz na Fábrica, neste sábado (26) e domingo (27), em São Paulo, a compositora, pianista e vocalista nova-iorquina jamais seguiu padrões convencionais em sua música.

Embora tenha despontado na cena musical dos anos 1960, tocando piano com o expoente do free jazz Albert Ayler, ou tenha composto peças experimentais para o trio de jazz do pianista Paul Bley, ela já não se identificava como jazzista naquela época.

“Eu tinha um grande interesse pela música de vanguarda, pela liberdade, mas não me considerava uma musicista de jazz”, diz ela à Folha. “Sou antes de tudo uma compositora. Gosto de criar ambientes, de tentar romper as fronteiras entre os gêneros musicais”.

Ainda na década de 1960, Annette vivenciou uma experiência radical que alterou sua maneira de encarar a música. Ao se aproximar do psicólogo e neurocientista Timothy Leary, ideólogo do uso criativo do LSD (ácido lisérgico), foi uma das primeiras artistas a experimentá-lo.

“Timothy exerceu uma grande influência sobre mim. Só fiz uma única viagem de ácido e até hoje estou tentando voltar dela. Enfrentar a realidade não tem sido fácil”, ela comenta, rindo. “Quando nos conhecemos, perguntei a ele o que pretendia fazer com o LSD. Timothy me disse que queria influenciar as artes”.

Pioneira também na utilização dos sintetizadores eletrônicos, Annette convenceu o inventor Robert Moog a lhe emprestar um protótipo, antes mesmo de esse instrumento se tornar viável comercialmente. Com ele realizou experimentos sonoros com a própria voz.

Por ser uma artista que, ao criar e gravar sua música, não levava em conta se ela seria ou não rentável, encarou dissabores. “Quando era mais jovem, eu lançava um álbum muito segura de que aquela era a melhor coisa a ser feita naquele momento. No entanto, como eu não conseguia me conectar com o mercado, acabava ficando desiludida, frustrada”, admite.

Depois de passar mais de uma década sem gravar, em 2000 lançou pelo selo europeu de jazz ECM o hoje cultuado “An Acrobat’s Heart”, álbum que reativou o interesse por sua música. Acompanhada por um quarteto de cordas, além de seu piano, ela interpreta nesse disco uma coleção de canções dissonantes e minimalistas, com certa nostalgia.

Algumas dessas canções estarão, segundo ela, no repertório de suas apresentações no Sesc Pompeia. “Vou levar comigo um percussionista (Roger Turner), porque sei que as pessoas valorizam muito de ritmos aí no Brasil”, avisa. “Vamos tocar peças de vários dos meus álbuns. Talvez as pessoas conheçam algumas delas, mas vou rearranjá-las. Será um programa bem diversificado”.

Ao saber que, em São Paulo, deve encontrar uma plateia com jovens interessados em free jazz e música de vanguarda, ela se entusiasma. E conta que se surpreendeu com as reações dos fãs que conheceu após uma apresentação que fez há pouco, em Portugal.

“Tive uma experiência maravilhosa na cidade do Porto. Foi incrível ver aqueles jovens, com os olhos brilhando, me dizerem que adoram minha música”, relembra. “O free jazz e a música que eu faço têm tudo a ver com liberdade – os jovens buscam a liberdade”.

(Entrevista publicada parcialmente na "Folha de S. Paulo", em 26/8/2017)






 

 

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