Hamilton de Holanda e Yamandu Costa: perseguindo a beleza em parceria musical

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Nesta entrevista exclusiva, o bandolinista carioca e o violonista gaúcho, talentos da nova geração e velhos amigos, contam porque esperaram uma década para lançar o álbum “Luz da Aurora”, que inaugura essa parceria.

Como surgiu essa associação musical?
Yamandu Costa – A gente se conheceu em 1998, aqui em São Paulo. Já naquela época pensamos em fazer um disco só de valsas, mas isso ficou apenas na pretensão. Cada um seguiu sua carreira de solista e assim rodamos o mundo. Uns dois anos atrás o Hamilton ligou pra mim e disse que estava na hora.

O que vocês têm em comum na música?
Yamandu – Acho que representamos uma nova era. Fazemos parte de uma geração de músicos neo nacionalistas, que respeitam a tradição do choro e da música brasileira, mas ao mesmo tempo são loucos e cheios de informações novas. Carregamos a bandeira da música, não da música instrumental. Inclusive esse é um termo que a gente quer banir. Esse rótulo “instrumental” é uma merda, só existe na América Latina.
Hamilton de Holanda – Também acho que esse rótulo é uma bobagem, chega a ser pejorativo. Quer dizer que a voz não é um instrumento? Nossa música não pensa em atingir um determinado público. Fazemos música para qualquer pessoa, para ser tocada em qualquer lugar, em qualquer país. Hoje já nem pensamos mais que moramos no Brasil. A gente vive no mundo e essa liberdade se reflete de maneira bonita em nossa música.

No CD de vocês há um choro de Ernesto Nazareth, uma parceria inspirada por Pixinguinha e uma homenagem ao violonista Raphael Rabello. Já sentiram algo próximo do que o crítico literário Harold Bloom chama de angústia da influência?
Yamandu – Meu pai era um cara com muita clareza e me falou muito sobre a questão da personalidade. Sempre tive muita personalidade. Claro que eu sinto algo assim em relação ao Raphael ou ao Baden Powell. Essas figuras ainda continuam me rondando, mas isso já não me incomoda mais.
Hamilton – Sou um cara naturalmente influenciável e não vejo problema algum em aceitar isso. Tenho uma personalidade forte, mas também sei reconhecer a importância de outros artistas. Um cara que poderia provocar essa angústia em mim é o Hermeto (Pascoal), mas ninguém é igual a ninguém. Eu me deixo influenciar, mas mesmo que eu toque uma música do Armandinho, que me influenciou muito como bandolista, jamais poderia tocar como ele.

Vocês surgiram na cena musical, já sendo chamados de virtuoses, por tocarem com técnica e agilidade fora do comum. Isso não pode trazer o risco de serem encarados quase como atletas em vez de artistas?
Hamilton – Eu não toco o bandolim de maneira mais rápida ou mais lenta, por achar que assim as pessoas vão gostar mais. O virtuosismo é algo que salta aos olhos das pessoas, uma coisa que parece impressionar as pessoas antes mesmo que elas percebam se a música é bonita ou não. Eu encaro isso com tranqüilidade. Quem vai aos nossos shows sabe que nossa música não tem a intenção de ser rápida ou lenta. O importante é encontrar a beleza.
Yamandu – Dominar um instrumento é muito bom, porque isso permite que você se expresse através dele. Se isso for feito com profundidade, se você souber o que está fazendo, não pesa.

Vocês acham que influências de outras áreas, sejam artísticas ou literárias, podem ser absorvidas pela música?
Yamandu – Totalmente. Aliás, sou apaixonado pela literatura. Fiz meu último trabalho em trio, com o Nicolas Krassic e o Guto Wirti, lendo Érico Veríssimo o tempo todo. E agora estou enlouquecido por aquele moçambicano, o Mia Couto. Ando chorando pelos aviões, lendo os livros dele.

(entrevista publicada parcialmente no "Guia da Folha - Livros, Discos e Filmes", em 27/11/2009)


 

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