Desde a grave crise que abateu a indústria fonográfica, no início deste século, edições de discos de jazz tornaram-se mais raras, no Brasil. Essa conjuntura só aumenta a surpresa pelo lançamento de um pacote de 10 álbuns do selos Atlantic e Reprise, com jazzistas do primeiro time.
Quase todos esses títulos são inéditos no mercado brasileiro, tanto no formato CD, como em vinil. Embalados em atraentes capas de papel (só faltaram encartes com reproduções dos diminutos textos das contracapas, para que o leitor não precise recorrer a uma lupa), os 10 discos exibem diversos estilos do jazz moderno, em gravações realizadas entre as décadas de 1950 e 1970.
“The Clown” (1957), de Charles Mingus, é o álbum mais antigo do pacote, mas “Haitian Fight Song”, sanguínea composição desse contrabaixista, soa como se fosse gravada ontem. Já na faixa-título, o irônico Mingus provoca seus colegas: com o auxílio de um narrador, compara-os a um palhaço que tenta agradar as plateias, sem sucesso.
Em “The Avant-Garde”, gravado em 1960, mas lançado só seis anos mais tarde, o saxofonista John Coltrane e o trompetista Don Cherry expressam admiração pela música livre do vanguardista Ornette Coleman. Com Charlie Haden (baixo) e Ed Blackwell (bateria), também integrantes do grupo de Coleman, tocam composições deste pioneiro do “free jazz”.
Os pianistas Keith Jarrett, Gil Evans e Joe Zawinul têm algo em comum, nos seus currículos, que muitos invejariam: foram parceiros do inventivo Miles Davis. No álbum “Svengali” (1973), à frente de sua orquestra compacta e eletrificada, Evans relê o elegante arranjo do clássico “Summertime”, que gravou com Miles, em 1958. Ao ouvir “Blues in Orbit”, fica fácil entender porque Evans é considerado um dos maiores arranjadores do jazz.
Joe Zawinul também relembra sua parceria com Miles, na etérea “In a Silent Way”, em meio a outras composições próprias. Há quem aponte o álbum “Zawinul” (1971) como registro de nascimento da influente banda de jazz-rock Weather Report, da qual o pianista foi co-fundador, com o saxofonista Wayne Shorter e o percussionista Airto Moreira.
No álbum “El Juicio” (1975), Keith Jarrett exercita seu ecletismo, à frente do excelente quarteto com Paul Motian (bateria), Charlie Haden (baixo) e Dewey Redman (sax tenor). Diverte-se com o percussivo tema “Gipsy Moth”, reverencia a tradição do ragtime, em “Pardon my Rags”, e mergulha no jazz de vanguarda, em “Piece for Ornette”.
Lançado em 1963, “Afro-Bossa” traz 11 temas de Duke Ellington e de seu parceiro Billy Strayhorn, inspirados pelas turnês da orquestra por vários continentes. A faixa-título não tem nada a ver com bossa nova, mas “Purple Gazelle” e “Absinthe” são pequenas joias musicais.
Já sem seu popular quarteto dos anos 1950 e 60, o pianista Dave Brubeck surge, em “All The Things You Are” (1973), com uma formação inusitada que destaca dois saxofonistas: o moderno Lee Konitz e o vanguardista Anthony Braxton. E no repertório, nada de temas próprios – só “standards”.
O pacote inclui ainda três vocalistas. Em “Round Midnight” (1962), o vozeirão expressivo de Betty Carter brilha, em arranjos orquestrais de Oliver Nelson e Claus Ogerman. Trombonista de primeira linha, Frank Rosolino se mostra bem à vontade, ao cantar standards, em “Turn Me Loose!” (1962). Finalmente, em “Portrait of Carmen” (1968), Carmen McRae encara um repertório orientado para o pop, que não faz jus à sua bagagem jazzística. Várias dessas canções medíocres já viraram pó, mas Carmen será lembrada para sempre.
(Resenha publicada originalmente no "Guia Folha - Livros, Discos e Filmes", publicada em 29/03/2014)