Brasiljazzfest: saxofonista Miguel Zenón investiga a identidade do jazz latino

|


          
Aos 38 anos, ele é considerado um dos músicos mais originais e bem preparados da cena do jazz contemporâneo. Atração do Brasiljazzfest, o saxofonista e compositor porto-riquenho Miguel Zenón - na foto acima - já se apresentou antes por aqui, em festivais de jazz realizados em Manaus (AM) e Ouro Preto (MG). Agora vai tocar pela primeira vez, com seu quarteto, em São Paulo (dia 28/3, no Auditório Ibirapuera) e Rio de Janeiro (dia 29/3, na Cidade das Artes).

Em entrevista ao “Valor”, Zenón revela que grande parte do repertório dessas apresentações será extraído de “Identities Are Changeable”, o nono álbum de sua sólida obra fonográfica, lançado pelo selo independente Miel Music, no final de 2014. Como em outros de seus discos, ele aborda diversas formas musicais e ritmos típicos de seu país, mas desta vez foi mais ambicioso.

“Esse projeto nasceu do meu interesse pela música de Porto Rico. Tem a ver com minhas raízes musicais, com a minha identidade como músico”, comenta. Ao ler um livro sobre a diáspora caribenha (“The Diaspora Strikes Back”, de Juan Flores, professor de Análise Sociocultural da Universidade de Nova York), teve a ideia de utilizar uma metodologia semelhante: entrevistou vários artistas porto-riquenhos, cujos relatos e histórias pessoais inspiraram a criação das músicas para o álbum.

Uma bolsa concedida pela Universidade Montclair (de Nova Jersey) permitiu que Zenón escrevesse as novas composições, contando com uma formação instrumental mais extensa do que a de seu costumeiro quarteto. “Graças a esse projeto eu pude experimentar coisas novas”, observa o músico, que já havia recebido uma bolsa da Fundação Guggenheim, em 2010, para realizar um projeto calcado na “plena”, gênero de música folclórica porto-riquenha.

Neste momento delicado, em que a discussão sobre o preconceito racial na sociedade norte-americana voltou a se acirrar a partir dos recentes assassinatos na cidade de Ferguson (no estado de Missouri), Zenón diz que nunca chegou a enfrentar discriminação racial, propriamente, mesmo sendo um músico latino em um universo como o do jazz, dominado por músicos negros e brancos.

“Eu não diria que já senti preconceito. Acho que existe mais uma espécie de estigma de ser um músico latino-americano de jazz, porque as pessoas costumam esperar que a sua música soe sofisticada de alguma maneira”, comenta o porto-riquenho. “Há uma longa história de colaborações entre os músicos de jazz e os músicos latino-americanos, como as experiências de Dizzy Gillespie e toda a coisa do chamado jazz latino, mas, em última instância, o que conta mesmo é como a sua música soa”.

Nascido e criado em San Juan, capital de Porto Rico, Zenón ingressou em 1996, na disputada Berklee School of Music, em Boston (EUA). Dois anos depois radicou-se em Nova York, onde prosseguiu seus estudos, cursando a Manhattan School of Music. Nessa época já chamava atenção como integrante do grupo do saxofonista David Sanchez, seu conterrâneo.

Nos primeiros anos em Nova York, também teve a chance de conviver com o saxofonista norte-americano Steve Coleman, um dos mais respeitados experimentadores do jazz contemporâneo. “Steve se tornou uma espécie de mentor para muitos músicos de minha geração. Sua concepção musical certamente exerceu uma forte influência sobre mim. Poder tocar com ele, assim como passar um tempo conversando com ele sobre música, fez uma grande diferença em minha concepção musical”, reconhece.

Foi em Nova York também que Zenón formou o quarteto com o qual tem gravado e se apresentado desde o início da década de 2000. “Eu e meu pianista, Luis Perdomo, tocamos juntos há cerca de 15 anos. Henry Cole, o baterista, toca comigo há uma década. Especialmente nos dias de hoje é muito difícil manter uma banda unida por tanto tempo. Acho que sou muito sortudo por poder tocar por tanto tempo com caras que gostam da minha música, pessoas com as quais eu também gosto de conviver fora do palco. Eles são a espinha dorsal do que eu faço”.

Apreciador da música brasileira, Zenón diz que está planejando uma surpresa para a plateia do Brasiljazzfest: uma versão de alguma de suas melodias brasileiras favoritas. “Como a maioria dos músicos de jazz, eu adoro a música brasileira. Além do fato de se tratar de uma música incrível, de um universo musical muito vasto e variado, também há toda uma base comum que eu percebo entre a música brasileira e a música do Caribe, até mesmo em comum com a música de Porto Rico. Sou um grande fã da música do Brasil”, declara.


Trinta anos de curadoria musical

O Brasiljazzfest estreia em São Paulo e Rio, ostentando um legado de 30 anos de eventos jazzísticos no país. Em 1985, as irmãs Monique e Sylvia Gardenberg produziram a primeira edição do Free Jazz Festival, evento que, nas décadas seguintes, assumiu os formatos do Tim Festival e do BMW Jazz Festival. Ao lado de Monique segue até hoje quase a mesma equipe de curadores: o jornalista Zuza Homem de Melo, o músico Zé Nogueira e o produtor Pedro Albuquerque (que substituiu Paulinho Albuquerque, seu pai, em 2006).

A atração principal é o trompetista Wynton Marsalis, que não tem se apresentado em palcos brasileiros há dez anos. Ele volta como líder da Jazz at Lincoln Center Orchestra, big band nova-iorquina com a qual fará uma apresentação no Rio (dia 27) e três em São Paulo (dias 28 e 29, na Sala São Paulo; também no dia 29, ao ar livre, no Parque do Ibirapuera). Segundo Marsalis, esses concertos vão celebrar a influência das tradições musicais das Américas sobre o jazz. 


Formado por conceituados veteranos do jazz moderno, o septeto The Cookers reúne Billy Harper (sax tenor) e David Weiss (trompete), ambos na foto ao lado, Bennie Maupin (saxofones, flauta e clarone), Charles Tolliver (trompete), Donald Brown (piano), Cecil McBee (contrabaixo) e Ralph Peterson (bateria). Com quatro discos lançados, o grupo promete um tributo ao trompetista Lee Morgan, morto tragicamente, aos 33 anos, em 1972.

Melodias encantadoras e muito lirismo estão garantidos nas noites que reúnem dois sofisticados pianistas: o norueguês Tord Gustavsen e o brasileiro André Mehmari. Como em suas apresentações no 1º BMW Jazz, em 2011,Gustavsen virá com seu trio, mas os parceiros mudaram: desta vez serão Sigurd Hole (contrabaixo) e Jarle Vespestad (bateria).

Grande talento da nova geração da música instrumental e do jazz produzido no Brasil, Mehmari também vai se apresentar com seu trio, que inclui Neymar Dias (contrabaixo) e Sérgio Reze (bateria). No repertório, destacam-se composições de Ernesto Nazareth, em versões extraídas do recente “Ouro Sobre Azul”, um dos melhores discos do gênero, em 2014.  

(texto publicado no caderno Eu & Fim de Semana do jornal "Valor Econômico", em 27/3/2015)  

 

0 comentários:

 

©2009 Música de Alma Negra | Template Blue by TNB