Maíra Freitas: filha de Martinho da Vila troca recitais eruditos por samba e choro

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Pianista de formação clássica, ela não resistiu: trocou o sonho de ser concertista pela carreira de cantora de música popular. Filha do sambista Martinho da Vila, Maíra Freitas acaba de lançar um disco que merece atenção.

No repertório, muito bem escolhido, destacam-se um samba-afro do maestro Moacir Santos, clássicos da MPB e do samba assinados por Chico Buarque, Paulinho da Viola, Joyce e Martinho da Vila, além de composições próprias. E ela ainda se dá a luxo de tocar um intrincado choro de Jacob do Bandolim, no piano.

Nesta entrevista, ela conta que queria ser concertista,  fala sobre as gravações de seu CD ("Maíra Freitas", selo Biscoito Fino), revela suas influências musicais e lembra como começou a compor.

Com uma família tão ligada ao samba, como você se envolveu com a música erudita?

Maíra Freitas - As pessoas podem estranhar, mas isso é normal para mim. Estudo piano desde os sete anos. Fiz conservatório e faculdade, cursos de música clássica na Alemanha, na Bulgária e nos Estados Unidos. Minha meta, até uns três anos atrás, era ser concertista. Toquei com orquestra, fiz recitais. Enquanto estudava música clássica, desfilava todo ano na escola de samba, ouvia Chico Buarque, Djavan, Maria Bethânia e ia aos shows do meu pai e da Mart’nália [a irmã cantora, que produziu o disco]. Sempre achei tudo isso normal.

Como seu pai reagiu à sua inclinação pelo piano clássico?
Maíra - Ele sempre teve muito orgulho de dizer que tem uma filha que toca piano e estuda música clássica. Quando eu precisava de alguma partitura que só existia na Europa, ao viajar ele a trazia pra mim, todo orgulhoso. Meu pai sempre me deu todo apoio.

Você gravou “Maracatu, Nação do Amor”, composição do maestro Moacir Santos. Já conhecia a obra dele antes de gravar seu disco?
Maíra - Sempre ouvi muita música instrumental e choro, por isso gosto bastante dos discos do Moacir. Essa música é muito bonita e também traz a coisa da negritude. A idéia do disco é retratar quem eu sou: ele começa com a pianista, passa pelo jazz, pelo samba e pela música instrumental.

Quem ouvir seu disco, sem conhecer sua história, provavelmente vai se surpreender com a primeira faixa: o choro “O Vôo da Mosca”, de Jacob do Bandolim. Foi sua a idéia de abrir o CD com uma faixa instrumental?
Maíra - Eu quis gravar essa música para mostrar meu lado pianista, mas a idéia de abrir e terminar o disco com uma música instrumental foi do meu pai. Aliás, a coisa mais fácil de fazer nesse disco foi gravar. Demoramos muito mais tempo para decidir a ordem das faixas ou a capa do disco.

Entre suas composições, “Corselet” chama atenção pela leveza e pela letra bem humorada. Quando você começou a compor?
Maíra - Não faz muito tempo, uns cinco anos. Faço música quando estou sentindo alguma coisa, tenho vários pedaços de música em casa. Foi um processo gradual passar de pianista clássica até tocar choro e começar a compor. Minhas músicas têm uma coisa de mulherzinha, porque eu sou bem mulherzinha (risos). Desde criança eu gosto de me emperequetar. Também tenho um lado engraçado, um lado moleca. Gosto muito de brincar, mas tem dia que eu vou pra Lapa, que eu bebo.

Outra faixa que se destaca é o samba “O Show Tem que Continuar” (de Arlindo Cruz, Sombrinha e Luiz Carlos da Vila), numa versão entre o blues e o jazz. O arranjo é seu?
Maíra - Essa música é muito tocada nos pagodes e o Luiz Carlos da Vila tem uma ligação muito forte com minha família. Eu estava no meio de um pagode, quando tive a idéia de fazer uma releitura mais lenta, porque essa música tem uma melodia muito bonita. Depois a Mart’nália fez o arranjo vocal.

Você também gravou os sambas-canções “Só o Tempo” (Paulinho da Viola) e “Se Queres Saber” (Peter Pan). Alguns rejeitam esse estilo de samba por ser melancólico, pesado. Você gosta?
Maíra - Eu e a Mart’nália adoramos a Nana Caymmi, somos fãs incondicionais dela, e essa música é a cara da Nana Caymmi. Quase gravei “Medo de Amar”, do Vinicius de Moraes. Acho que gosto desse tipo de música porque eu também sou meio velha (risos).

Você ainda tem ídolos musicais?
Maíra - Como minha formação foi bastante variada, tenho muitos ídolos. Admiro muito Bach, Beethoven, Chopin, Brahms, Schumann, Villa-Lobos, Tom Jobim, Chico Buarque, Maria Bethânia. Em casa, eu também ouvia música americana e jazz. Por isso também admiro Ella Fitzgerald, Ray Charles, Stevie Wonder.

E os pianistas? Tem afinidade com algum, em especial?
Maíra - Tive muitas influências. É difícil escolher, mas sou muito fã do Nelson Freire. Quando vou aos concertos, choro e peço autógrafo. Também gosto de outros pianistas estrangeiros, como o Horowitz ou o Ashkenazy. Na faculdade de música, a gente estuda tudo.

No show de lançamento de seu disco, vai tocar piano o tempo todo?
Maíra - O piano é fundamental nesse disco. Com certeza, vou ter um piano de verdade no show, nada de teclado. Vou tocar a maior parte do tempo. Em alguns momentos, vou ser só a cantora, mas o piano é meu porto seguro.


(entrevista parcialmente publicada no “Guia Folha – Livros, Discos, Filmes”, em 29/4/2011)



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