Jazz na Fábrica 2017: festival do Sesc SP enfoca a diversidade do jazz globalizado

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                                                        O trompetista Roy Hargrove, atração do 7º Jazz na Fábrica

As melodias africanas do pianista Abdullah Ibrahim, o jazz moderno do trompetista Roy Hargrove, a música universal de Hermeto Pascoal, o mix de soul, funk e hip hop do baixista e cantor Thundercat. Essas são algumas das atrações do Jazz na Fábrica, festival que voltará a ocupar três palcos do Sesc Pompeia, em São Paulo, de 10 a 27 de agosto.

Em sua sétima edição, esse evento conserva o perfil que o transformou em um dos maiores e mais antenados festivais do gênero no país. Ao destacar a diversidade de estilos do jazz e suas múltiplas influências na música instrumental de diferentes países, o festival Jazz na Fábrica revela a globalização desse gênero musical.

A programação começa em 10/8, com três apresentações do trompetista norte-americano Eddie Allen. Influenciado pelo jazz de vanguarda de Chicago, ele já tocou com mestres dessa vertente, como Muhal Richard Abrams e Lester Bowie. Virá acompanhado por seu septeto.

Outras duas atrações do evento também se ligam ao universo da vanguarda. Formada em 1966 pelo pianista alemão Alexander von Schlippenbach, a Globe Unity Orchestra manteve acesa a fúria iconoclasta do free jazz durante duas décadas. Nos últimos anos voltou a se reunir em ocasiões especiais.

Considerada uma pioneira da música eletrônica, a cantora e compositora nova-iorquina Annette Peacock se destacou ao lado de jazzistas de renome, como Gary Peacock (seu ex-marido), Paul Bley e Paul Motian. Seus dois concertos no festival serão em formato voz e piano.


A atuação do pianista e compositor Abdullah Ibrahim foi essencial para o estabelecimento de uma original cena jazzística na África do Sul, onde nasceu. Influenciado pelo mestre Duke Ellington (1899-1974), que o introduziu nos Estados Unidos, ele desenvolveu uma obra de grande personalidade, marcada pelo lirismo das melodias de seu país.

Também ligado à tradição do jazz, o trompetista Roy Hargrove já é mais conhecido do público brasileiro. Desde os anos 1990, quando despontou como revelação, tem alternado projetos acústicos e eletrônicos. Além de seu quinteto, trará como convidada a italiana Roberta Gambarini, ótima cantora de jazz.

Badalado na cena pop alternativa, o baixista, compositor e cantor californiano Stephen Bruner, mais conhecido por Thundercat, já tocou com a banda Suicidal Tendencies e com a cantora Erykah Badu. “Drunk”, seu último álbum, traz participações de Pharrell Williams e Kendrick Lamar, entre outros.

O elenco internacional do 7º Jazz na Fábrica inclui ainda o guitarrista moçambicano Jimmy Dludlu, o cantor ganense Pat Thomas, a Debo Band (liderada pelo saxofonista etíope-americano Danny Mekonnen) e o duo dos espanhóis Juan “Chicuelo” Gómez (guitarra flamenca) e Marco Mezquida (piano). Já o jazz de Israel será representado por duas atrações: o trompetista Itamar Borochov e a flautista Hadar Noiberg.

Além do grande Hermeto Pascoal (na foto acima) e seu grupo, que prometem tocar o repertório do novo álbum “No Mundo dos Sons” (selo Sesc), o elenco brasileiro inclui o excelente trio do baterista gaúcho Nenê, a parceria do guitarrista Emiliano Sampaio com a Soundscape Big Band, a banda feminina Jazzmin’s e o pianista pernambucano Amaro Freitas, recém revelado com o belo álbum “Sangue Negro”.

Os ingressos começam a ser vendidos no início de agosto, por meio do site do Sesc SP (
www.sescsp.org.br) e nas bilheterias de suas unidades. 

(Texto publicado originalmente na versão online da "Folha de S. Paulo", em 7/7/17)

Gustavo Bombonato: a estreia promissora de um talento da música instrumental

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Quem acompanha de perto o cenário musical de nosso país já deve ter percebido que sua vertente instrumental vive hoje uma fase brilhante. Diferentemente do que se ouve na cena da canção brasileira, que, com raras exceções, tem se revelado pouco inspiradora durante os últimos anos, a música instrumental não só se renovou ao longo deste século, como atravessa um período de intensa produção, diversidade e alta qualidade.

A música do pianista e compositor paulista Gustavo Bombonato exemplifica bem esse rico período da música instrumental produzida em nosso país. Seu disco de estreia – “Novos Horizontes Apontam”, lançamento independente distribuído pela Tratore – traz uma coleção de composições originais que revelam a consistente formação desse músico, com destaque para assumidas influências jazzísticas.

Nas nove faixas desse álbum, Gustavo comanda diversas formações instrumentais, tendo a seu lado uma seleção de craques do gênero, como os contrabaixistas Alberto Luccas, Enéas Xavier e Sérgio Frigério ou os bateristas Lincoln Cheib e Rodrigo “Digão” Braz. Sem falar nas participações de dois fenomenais bateristas: o gaúcho Nenê (ex-parceiro de Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti, entre outros) e o mineiro Esdra “Neném” Ferreira, que toca há décadas com Milton Nascimento e Toninho Horta.

Nascido na interiorana cidade paulista de Votuporanga (a 521km da capital), Gustavo cursou o Conservatório Dramático e Musical de Tatuí (SP), instituição que já formou vários talentos da música instrumental brasileira. Ali estudou por cinco anos com André Marques, o talentoso pianista que integra o grupo de Hermeto Pascoal há mais de duas décadas. Depois aprofundou seus conhecimentos com o maestro Cláudio Leal Ferreira e outros dois craques do piano: Irio Júnior, do Nenê Trio; e Fabio Torres, do Trio Corrente.

“Quando tive aulas particulares com o Irio, eu era obrigado a estudar dobrado porque as aulas aconteciam na casa do Nenê. De vez em quando ele vinha tomar um chá e se sentava ao lado da gente”, conta Gustavo, referindo-se à pressão que sentia por ter que tocar na presença do baterista e compositor, do qual é fã declarado. “Já assisti a mais de 30 shows dele”, conta.

É o mesmo Nenê que atesta, na contracapa do álbum “Novos Horizontes Apontam”, a evolução musical de Gustavo. “A qualidade artística de sua música, tanto instrumental quanto na canção, me surpreendeu pela beleza e complexidade das melodias e o encadeamento harmônico de extremo bom gosto e refinamento”, comenta o veterano baterista e compositor, que toca em cinco faixas desse disco.

Para a evolução de Gustavo como instrumentista também foi importante a experiência de passar quatro anos, tocando diariamente um repertório musical bem diversificado, em navios de cruzeiro. De 2011 a 2015 ele trabalhou em sete navios diferentes, sem férias, em rotas pelo Caribe, pelo Oceano Atlântico e pelos mares Báltico e Mediterrâneo.

“Foi uma escola muito louca. O repertório era mais comercial, mas também participei de um trio de jazz, com baixo elétrico e uma cantora. Tocávamos clássicos do jazz, música brasileira, choro. Toquei também com uma banda dominicana, fazendo bolero, mambo e bachata”, relembra Gustavo, que enfrentou momentos difíceis, nesse período. “Era uma solidão imensa, mas foi assim que comecei a escrever letras de canções que tinham a ver com o que eu vivenciei”.

Para enfrentar a melancolia e a saudade durante os quatro anos passados no mar, Gustavo mergulhou na música. Calcula ter composto nesse período cerca de cinquenta temas instrumentais e trinta canções. Ao retornar ao Brasil, em 2015, já tinha finalizado até os arranjos para “Um Respiro” – o disco de canções já gravado, que planeja lançar no segundo semestre de 2017.

Outra experiência incomum foram os dois meses que passou na Noruega, entre um cruzeiro e outro. “É muito triste morar lá, no meio dos fiordes. É muito gelado”, comenta o pianista, que sente ter sido influenciado em alguma medida pela música escandinava. “Eu ia para as montanhas buscar paz. Aquelas melodias medievais com saltos em quintas, que eu ouvia nas ruas, foram entrando em mim”, reconhece.  


O disco

“Novos Horizontes Apontam”, composição que empresta seu título ao álbum de Gustavo (à esquerda, reprodução da capa com ilustração assinada pelo grafiteiro Edgard Andreatta) começa com um instigante solo de bateria de Nenê. “Fiz essa música em uma fase bem tensa, durante a crise que enfrentei no navio. Eu não conseguia sair da cama, praticamente, porque a saudade da minha família era muito grande”, relembra o pianista. Quem o ajudou a superar essa fase foi Wilson Ribeiro, saxofonista paraibano, com o qual dividia o quarto no navio. “A gente ficava ensaiando durante a madrugada. Aliás, essa faixa tem a ver com o pôr do sol que víamos todos os dias”.

Composto pelo pianista em 2007, o jazzístico tema “Cone de Fogo” abre o álbum com beleza e sofisticação. A melodia, tocada em uníssono por Rafael Ferreira (sax tenor) e Fernando Corrêa (guitarra), é seguida por improvisos dos integrantes do quinteto, que inclui ainda Alberto Luccas (contrabaixo) e Nenê (bateria). “Pensei em um ritmo de jazz meio solto, mas o Nenê sempre faz outras coisas no estúdio. Ele dizia: ‘Me deixa ser feliz’”, diverte-se Gustavo.

Outra faixa do álbum com marcante ascendência jazzística é “Mr. Spaik”, que destaca o trompete com surdina de André Lagoin. “Eu estava ouvindo muito McCoy Tyner, na época em que compus esse tema. Ele tem essa coisa de ficar muito tempo em um acorde menor”, observa Gustavo, que também cita o trompetista Miles Davis e os pianistas Herbie Hancock e Bill Evans, todos grandes compositores, entre suas influências no universo do jazz. Já entre os mestres da música instrumental brasileira, aos quais dedicou muitas horas de escuta atenta, o pianista menciona Hermeto, o multi-instrumentista Arismar do Espírito Santo e o saxofonista Vinícius Dorin, do qual também foi aluno.

O ritmo vertiginoso do tema “Convidando a Meninada pra Festa”, tocado em trio, é antecedido por um etéreo solo do contrabaixista Alberto Luccas. Na bateria aparece Rodrigo “Digão” Braz, que Gustavo conheceu quando ainda estudavam em Tatuí, uma década atrás. “Ele foi supergeneroso comigo. Montou a bateria dele para gravar só uma música”, comenta o pianista.

A lírica balada “Gradativo e Constante” introduz o trompete de Diego Garbin, outro ex-colega de Gustavo em Tatuí. Essa composição nasceu durante um dos cruzeiros, numa fase em que Gustavo era obrigado a tocar muita música pop, de Madonna a Michael Jackson, quase todas as noites. Por isso, ele conta, jamais perdia uma oportunidade para tocar essa composição no navio. Outra balada que conta com participação de Garbin, dessa vez ao flugelhorn, é “Deixou Saudades”. Em seu solo, o trompetista empresta à gravação um sabor de bossa nova, inclusive fazendo uma rápida citação da clássica “Amor em Paz” (de Tom Jobim e Vinicius de Moraes).

Em “Sala de Espera”, um contagiante samba em ritmo acelerado, Gustavo toca escaleta e piano elétrico. A seu lado estão dois talentos da cena instrumental de Belo Horizonte: o baixista Enéias Xavier e o baterista Lincoln Cheib. “Tenho bastante contato com o mundo espiritual. Às vezes, quando aparecem vários espíritos de uma vez e fica aquela confusão na cabeça, eu brinco: ‘Calma aí, na sala de espera. Um de cada vez’”, diverte-se o compositor, explicando a origem do inusitado título desse tema.

Já na meditativa “Lá pras Bandas do Guará, Conhecimento Vou Buscar” – a faixa mais extensa do álbum, também tocada em trio – quem assume a bateria é Neném, veterano craque do som instrumental mineiro. Esse tema é dedicado por Gustavo a Jaime Barbosa, seu primeiro professor de piano, cujas aulas frequentava em Campinas (SP). “Foi ele quem corrigiu a minha técnica”, reconhece.

Outra homenagem textual de Gustavo está na balada “Dá um Relax, né Bicho!”, cuja bela melodia é exposta pelo baixo fretless de Sérgio Frigério e, mais adiante, reapresentada pelo trompete de Diego Garbin. O título dessa composição, explica o pianista, se refere ao baterista Nenê, que costuma repetir essa expressão com frequência.

Em meio a um período tão difícil como o que vivemos hoje no Brasil, é estimulante ver um músico jovem como Gustavo Bombonato estrear em disco com performances e composições de alto quilate, ao lado de conceituados instrumentistas que referendam seu talento. É muito bom saber que ainda resta algo do que nos orgulhar neste país, que já foi tão admirado mundialmente pela grandeza de sua música.


(Texto escrito a convite da produção do artista)





 

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