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Rodolfo Stroeter: baixista do grupo Pau Brasil lança "Madurô", um autorretrato musical

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                         O baixista e compositor paulistano Rodolfo Stroeter - Foto de Gal Oppido/Divulgação  

Um dos fundadores do conceituado grupo instrumental Pau Brasil, com o qual se apresenta e tem feito gravações desde os anos 1980, o contrabaixista, compositor e produtor paulistano Rodolfo Stroeter vai surpreender seus fãs. “Madurô”, seu segundo disco solo (lançamento do selo Pau Brasil), destaca um repertório autoral com dez canções e três temas instrumentais.

“Este disco é uma espécie de autorretrato musical, que inclui minha família e meus amigos”, sintetiza Stroeter. Nessas gravações, ele reencontra parceiros como os cantores Sérgio Santos, Joyce Moreno, Marlui Miranda e Céline Rudolph, o baterista Tutty Moreno, o pianista Helio Alves e seu filho Noa Stroeter, contrabaixista do Caixa Cubo Trio. E ainda, naturalmente, o quinteto Pau Brasil.  

Vale lembrar que, em seu primeiro disco solo (“Mundo”, lançado em 1986 pelo selo Continental), Stroeter já demonstrara ser um compositor que dialoga com diversas influências: da MPB ao instrumental brasileiro; do jazz à música clássica. Joyce e Marlui também participaram do elenco desse álbum, assim como o pianista e arranjador Nelson Ayres, do Pau Brasil.  

Contrapontos com parceiros

Agora, ao conceber “Madurô”, Stroeter decidiu dedicar mais espaço às suas canções inéditas – algumas compostas ainda nos anos 1980. Acostumado a trabalhar em grupo, mesmo quando produz o disco de algum intérprete, ele gosta de estabelecer contrapontos com os parceiros. “Quando comecei a fazer este disco, percebi que agora o contraponto seria comigo. Não consigo fazer isso sozinho”, admite Stroeter, que mais uma vez convocou parceiros e amigos, para formar um elenco de alto quilate.

Interpretada por Sérgio Santos, a singela canção “Boa Noite, Sereno” desfia sensações e descobertas de um primeiro namoro. O belo timbre do cantor mineiro também empresta brilho especial à lírica canção que dá título ao álbum. Curiosamente, conta Stroeter, a letra de “Madurô” ficou inacabada até ele reencontrá-la em um velho caderno. Logo depois achou a solução que buscava para conclui-la graças a uma sugestão de Noa.

Três cantoras, com as quais Stroeter desenvolve parcerias há décadas, também contribuíram para outras belezas do álbum. Já gravada por Monica Salmaso, a canção “Estrela de Oxum” ressurge na voz de Joyce, em delicado arranjo que destaca o piano de Nelson Ayres, a bateria de Tutty Moreno e o baixo do próprio autor. Em “Cantiga da Estrela”, a cantora franco-germânica Céline Rudolph demonstra sua bagagem jazzística, utilizando a voz como instrumento, em um criativo duo improvisado com o baixo elétrico de Stroeter.  

Exaltação aos indígenas

Outra surpresa do disco é “Rap Americano”, poema de Stroeter que exalta os povos indígenas das Américas, escrito para a “Ópera dos 500 / Popular e Brasileira”. Encenada por Naum Alves de Souza, em 1992, essa ópera pretendia desmistificar o suposto heroísmo de Cristóvão Colombo. Como não entrou na versão final do espetáculo, o poema estreia agora na voz do autor, acompanhado pelo Caixa Cubo Trio. Os vocais de Marlui Miranda, em idioma indígena, criam um contraponto inquietante com os versos.

O samba “Feiticeira” também demorou pelo menos uma década e meia para sair da gaveta. Fã de João Gilberto, Stroeter tem uma paixão especial pelo lendário LP de capa branca do pai da bossa, lançado em 1973. Quando soube que João frequentava a casa do baterista Tutty Moreno, em Nova York, teve a ideia de compor um samba com cara de bossa nova e enviá-lo para o mestre. “Até fiz a música, mas não mandei”, conta, sorrindo. Agora, para inclui-la em “Madurô”, convidou o cantor Zé Renato e Tutty para gravá-la de maneira bem despojada, como fez João Gilberto, em seu cultuado álbum.  

Stroeter agradece por duas sugestões de intérpretes que recebeu do violonista Swami Jr., também presente no disco. “Ele entendeu onde eu queria chegar com duas composições minhas de cunho mais popular”, reconhece. No contagiante samba “Na Boca do Povo” (parceria com o letrista Paulo César Pinheiro), Fabiana Cozza soa bem à vontade, como se estivesse cantando numa roda de amigos. Já “Viva Jackson do Pandeiro” é um alegre tema instrumental de Hermeto Pascoal, para o qual Stroeter escreveu uma letra, que imagina um encontro do carismático músico paraibano com o “bruxo” de Alagoas. Convidado a interpretá-lo, Chico Cesar personifica Jackson, carregando na pronúncia dos “erres”, para reviver um divertido sotaque do passado.

Parceria de quatro décadas

Por outro lado, Stroeter nem precisou pensar em quem gravaria “Aboio”, um dolente tema instrumental, e o gingado samba “Levada da Breca” – parcerias com Noa, que o Pau Brasil tem incluído em suas apresentações. “Eu toco com esse grupo de amigos há mais de 40 anos. Não existe a possibilidade de eu fazer um disco meu sem o Pau Brasil”, afirma o contrabaixista.

Escolhida para fechar o álbum, “A Voz da Oração” nasceu como uma letra de Stroeter que foi musicada por Noa. Com forma e conteúdo de uma prece, ela inspirou a emocionante interpretação de Sergio Santos, que expressa o significado especial dessa canção para o baixista do Pau Brasil e sua família. “Ela foi dedicada ao Noa e meus outros filhos. Não tenho religião que não seja a música, mas acabou saindo uma canção que abarca o sentido de amor aos de muito perto”, ele explica.

Cinco anos atrás, Stroeter enfrentou um grave problema cardíaco, que o levou a refletir mais sobre o sentido da vida, nos últimos anos. Hoje, ele percebe que a decisão de gravar um disco de canções como “Madurô” também tem relação com a experiência extrema que vivenciou. “O fato de eu ter, literalmente, apagado e, minutos depois, ter voltado à vida, me trouxe um sentido de liberdade essencial para fazer um disco como esse. Se não tivesse passado pelo que passei, eu jamais teria a coragem de me expor como faço nesse disco”, conclui. Em outras palavras, Rodolfo Stroeter amadureceu, madurô.

                                                                                          Texto escrito a convite do selo Pau Brasil 


Show de lançamento do álbum "Madurô"
- Dia 6/12/24 (sexta), às 21h, na Sala Crisantempo (Rua Fidalga, 521, Vila Madalena, zona oeste de São Paulo). Entrada franca. Com Rodolfo Stroeter (baixo acústico e elétrico), Hélio Alves (piano) e Tutty Moreno (bateria). Participações especiais de Sérgio Santos (voz), Analu Sampaio (voz) e Paulo Bellinati (violão). 

Seamus Blake: saxofonista até cantou em português na sua primeira turnê brasileira

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                          O saxofonista Seamus Blake, com Vinicius Gomes (guitarra) e Bruno Migotto (baixo) 

Em sua primeira turnê pelo Brasil, o saxofonista Seamus Blake se apresentou ontem à noite (14/8), no auditório do Sesc Pinheiros, em São Paulo, depois de tocar no Savassi Festival, em Belo Horizonte (MG). A seu lado também estava o quarteto do guitarrista Vinicius Gomes, que inclui outros talentosos músicos da cena instrumental paulistana: Edu Ribeiro (bateria), Bruno Migotto (contrabaixo) e Gustavo Bugni (piano).

Inglês crescido no Canadá, Blake radicou-se em Nova York, onde conquistou prestígio como integrante da Mingus Band, além de tocar ao lado de craques do jazz, como John Scofield e Dave Douglas. Versátil, mostrou no show de ontem que, além de ser um improvisador enérgico e criativo, também é um compositor inspirado, ao exibir sua balada “Gracia” e o jazzístico samba “Betty in Rio” (cuja harmonia ele assume, sorrindo, ter emprestado de “Along Came Betty”, conhecida composição do saxofonista Benny Golson).

Declarando-se fã da música brasileira, Blake mencionou Tom Jobim e João Gilberto entre seus favoritos. E surpreendeu a plateia do Sesc ao cantar, em português, sua canção “A Beleza que Vem”. Tomara que essa breve turnê do saxofonista e compositor 
 que também vai comandar um workshop nesta sexta-feira (16/8), às 14h, no auditório da EMESP Tom Jobim, em São Paulo  seja a primeira de uma série.



Sesc Jazz: improvisos e humor de Stefano Bollani conquistam a plateia do festival

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Uma das melhores experiências que um festival de música pode proporcionar a uma plateia é a de ser surpreendida pela performance de um artista que ela ainda desconhece. Os sorrisos nos rostos da plateia do Sesc Jundiaí, ao final do show do pianista Stefano Bollani, eram transparentes: muitas daquelas pessoas nem imaginaram, ao saírem de casa, que se emocionariam ou mesmo se divertiriam tanto naquela noite de sábado, que começou com um belo show do trio do pianista Salomão Soares.

Bollani vem cultivando há décadas uma prolífica paixão pela música brasileira, depois de descobrir a bossa nova quando ainda era adolescente. O resultado mais recente dessa afinidade musical é seu álbum “Que Bom” (já lançado no Brasil pelo selo Biscoito Fino), com um delicioso repertório de composições próprias, que ele exibiu em sua apresentação no festival Sesc Jazz.

“Vou tocar a música de um compositor contemporâneo, muito vivo, que sou eu”, brincou, falando à plateia, em bom português. Quem já o conhecia e teve a chance de apreciar alguns de seus discos sabe que esse jazzista nascido em Milão (ele costuma dizer que não se considera um cidadão italiano, propriamente, por acreditar que a divisão do mundo em países é artificial) jamais reproduz nos palcos o que registrou nos estúdios de gravação.

Composições como o baião “Ho Perduto il Mio Pappagalino” (inspirada pela lembrança de um periquito que fugiu de sua casa, quando ainda era menino), a quase bossa “Uomini e Polli” (tema com marcante influência de João Donato), assim como o contagiante samba “Galápagos”, ganharam um tempero mais percussivo no show. Em alguns momentos, como no samba-jazz “Olha a Brita”, Bollani chega a percutir as cordas e o próprio corpo do piano com as mãos.

“Se vocês não gostaram do que tocamos aqui, sugiro que ouçam o disco, porque ele está muito melhor”, brincou novamente, já quase ao final do show. Ele sabe que, em seu caso, não se trata de uma versão ser melhor do que a outra. São apenas diferentes – e no palco a música costuma ganhar um calor que, muitas vezes, não existe nas gravações. Mas Bollani é um músico carismático e engraçado, daqueles que jamais perdem uma oportunidade de fazer sua plateia sorrir.

Bem acompanhado pela percussão de Armando Marçal, pela bateria de Thiago da Serrinha e pelo contrabaixo de João Rafael (trio que em alguns momentos soa como uma compacta escola de samba), Bollani também oferece à plateia boas surpresas, em seus improvisos. Como uma divertida releitura de “Cheek to Cheek” (de Irving Berlin), clássico da canção norte-americana, em andamento acelerado.

Mais inusitada foi a citação da canção-manifesto “Tropicália” (de Caetano Veloso), ao improvisar o clássico choro “Segura Ele”. “Eu gostaria de ter composto essa música. Pixinguinha e eu tivemos a mesma ideia, mas ele nasceu antes de mim”, disparou Bollani, com a maior cara de pau, arrancando risos da plateia.

Ao voltar ao palco para atender os pedidos de bis, cantou a lírica “La Nebbia a Napoli” (“Caetano Veloso não está aqui, então eu mesmo vou canta-la”, brincou), mas ainda reservou outra surpresa. Tocou o choro “Tico-tico no Fubá” (de Zequinha de Abreu), convidando a plateia a participar com palmas, em uma versão tão maluca e hilariante, que chegou a lembrar as estripulias de Chico, o pianista dos comediantes irmãos Marx, nas telas do cinema. A plateia de Jundiaí não vai esquecer dessa noite tão cedo.


(Resenha escrita a convite da produção do festival Sesc Jazz. Leia outras críticas de shows desse evento, no site do Sesc SP: https://www.sescsp.org.br/online/revistas/tag/12411_CRITICAS+SESC+JAZZ)



Cesar Camargo Mariano: plateia paulistana pede que o pianista volte mais ao país

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                                                               Cesar Camargo Mariano e a cantora Madison McFerrin

Bloqueios nas rodovias, imensas filas nos postos de gasolina e falta de abastecimento nos supermercados. Encarar as mazelas e os escândalos diários deste país desgovernado não tem sido fácil, mas ao menos ainda temos a música para nos aliviar um pouco de tantas tensões e frustrações.

Quem teve a sorte de estar no clube Bourbon Street, em São Paulo, na noite de ontem, certamente conseguiu esquecer um pouco desses problemas. Bastou Cesar Camargo Mariano começar a dedilhar o piano, sozinho na penumbra do palco, para nos transportar a uma outra dimensão: um universo cheio de belezas, onde tudo se combina de maneira harmônica. Como o diálogo precioso que o samba e o jazz travam em seu repertório desde os anos 1960.

Cesar imprime uma espécie de assinatura na música que cria, algo que só os grandes artistas são capazes de fazer. Sua maneira personalíssima de tocar samba, utilizando figuras rítmicas que ele mesmo criou e aprimorou durante décadas de shows e gravações, é hoje cultuada e imitada por músicos de diversas gerações.

Aos 74 anos, sua vitalidade é admirável. Não à toa, toca com um jovem quarteto, que destaca três dos melhores instrumentistas de São Paulo: Conrado Goys (violão), Thiago Rabello (bateria) e Sidiel Vieira (baixo elétrico e acústico), que o estimulam com energia e criatividade, nos improvisos.

Mais jovem ainda é a cantora Madison McFerrin, de 26 anos, sua convidada especial. Com um timbre vocal delicado e expressivo, ela demonstra talento e bagagem musical para encarar um repertório eclético, que inclui a sensual canção “Fever” (de Cooley & Davenport), o samba “Mas Que Nada” (Jorge Ben) e a bossa “Águas de Março” (Tom Jobim), entre outras. Também exibiu sua faceta R&B ao cantar “No Time to Lose”, de sua autoria, criando vocais em camadas com o auxílio de um pedal de loop.

“Cesar, você tem que tocar mais aqui”, gritou alguém na plateia, já quase ao final do show, lembrando aos outros fãs desse grande músico (radicado há mais de duas décadas nos Estados Unidos) que não podemos ouvi-lo ao vivo com a frequência que gostaríamos. Quem sabe, a admiração e o carinho demonstrados pela plateia de ontem o estimulem a se apresentar mais no país. Claro que isso depende, em grande parte, dos produtores de festivais e clubes brasileiros.

César Camargo Mariano e Madison McFerrin: pianista encontra cantora no Bourbon Street

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Embora já tenha se apresentado no Brasil em duas outras ocasiões, a cantora norte-americana Madison McFerrin, 26, ainda é pouco conhecida por aqui. Mas depois do show que fará hoje à noite no clube paulistano Bourbon Street, como convidada do pianista César Camargo Mariano, é provável que passe a contar com um fã-clube local.

“Nossa parceria deu uma liga musical muito boa. Madison também toca piano muito bem, além de outros instrumentos”, avaliza o conceituado músico e arranjador paulista, que vive nos Estados Unidos desde os anos 1990. No último sábado, ele e a cantora se apresentaram no Bourbon Festival Paraty (RJ).

Essa parceria nasceu por acaso, em 2016, no Festival Música em Trancoso, na Bahia. Madison foi convocada para substituir o cantor de jazz Bobby McFerrin (seu pai), quando ele cancelou a apresentação que faria com Mariano por um problema de saúde.

“Cantar com Cesar me traz uma sensação de grande conforto. Quando cantei ao lado dele pela primeira vez, em Trancoso, tive a sensação de que já fazíamos música juntos há muito tempo”, relembra Madison, que tem sido apontada como promissora revelação na área do R&B e da soul music por blogs e veículos especializados, como o site Pitchfork ou a rádio de jazz WBGO.

O acaso também a ajudou, dois anos atrás, quando decidiu compor material para um projeto de piano e voz. “Durante os primeiros shows que fiz sozinha eu não me sentia segura ao tocar as harmonias e cantar o que tinha escrito ao mesmo tempo. Então comecei a usar um ‘pedal de loop’ para reproduzir as harmonias”, conta, referindo-se ao recurso eletrônico que permite gravar sons e reproduzi-los, em uma sequência que se repete.

“Sinto muito prazer ao cantar ‘a capella’ [sem acompanhamento instrumental]. A melhor maneira de exibir música feita assim é mesmo ao vivo”, diz a cantora, confirmando que trouxe o pedal eletrônico para mostrar canções extraídas dos dois volumes de seu projeto “Founding Foundations”, já disponíveis no mercado.

E como Madison encara as comparações com seu pai, cuja canção “Don’t Worry, Be Happy” ocupou as primeiras posições das paradas de sucessos nos Estados Unidos, em 1988, por mais de quatro meses?

“Embora eu tenha começado a fazer música ‘a capella’ por acaso, sem a intenção de seguir o mesmo caminho de meu pai, eu adoro sua música, que é uma grande fonte de inspiração para o que faço”, diz ela, demonstrando segurança. “Quando você sente que está fazendo a coisa certa, deve seguir em frente sem se preocupar com comparações”.

Voltando à parceria, Mariano observa que a afinidade musical que sente com a cantora, apesar dos quase 50 anos que os separam, é natural. “Não gosto de rotular a música, mas o gênero que a Madison abraça, essa mistura de R&B, soul e jazz, me agrada bastante. Além disso, lá no fundo, essa música combina muito bem com o samba”, diz o pianista, cujo afiado quarteto inclui Conrado Goys (violão), Thiago Rabello (bateria) e Sidiel Vieira (contrabaixo).

Cesar Camargo Mariano convida Madison McFerrin
Bourbon Street, r. dos Chanés, 127, Moema, São Paulo, tel. (11) 5095-6100. Hoje (terça, 29/5), 21h30. Couvert artístico: R$ 145,00 e R$ 175,00. Censura: 18 anos.


(Texto publicado na "Folha de S. Paulo", em 28/5/2018)

Jazzmin's Big Band: orquestra feminina chega com formação e arranjos originais

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                                                                                  Instrumentistas da Jazzmin's Big Band

A falta de combustíveis e outros transtornos provocados pela greve dos caminhoneiros não impediram que o teatro do Sesc Consolação ficasse lotado, na noite de ontem, em São Paulo, para o show da Jazzmin’s Big Band. A plateia aplaudiu com animação os arranjos e improvisos dessa pioneira orquestra feminina e ainda exigiu bis.

Duas ou três décadas atrás, uma big band formada apenas por mulheres instrumentistas seria algo quase inimaginável. Com menos de um ano de atividade, a Jazzmin’s sugere no palco que não pretende apenas conquistar mais espaço profissional em um universo ainda majoritariamente masculino.

Trata-se de um trabalho musical seríssimo, a começar pelo fato de todos os arranjos interpretados pela Jazzmin’s serem originais. A própria formação não-convencional dessa big band, que inclui instrumentos como trompa, clarone e vibrafone, impede que ela utilize arranjos tradicionais para big bands.

Entre os números favoritos da plateia, no show de ontem, destacaram-se “Doralice” (de Dorival Caymmi), “Bebê” (Hermeto Pascoal) e “Duas Contas” (Garoto), além do saboroso samba “7 x 1” (composição da baixista Gê Cortes). São exemplos da alta qualidade do repertório que essa orquestra vem formando com o apoio de diversos arranjadores, como Gaia Wilmer, Thiago Costa, Luca Raele, Welbert Dias e Anderson Quevedo, entre outros.

Tomara que o primeiro disco da Jazzmin’s não demore.





Discos em 2016: música instrumental, MPB, jazz, soul e blues em 40 álbuns recomendados

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Como já tinha decidido em 2015, não vou postar uma lista de “melhores” discos do ano. A pulverização crescente da indústria fonográfica em inúmeros selos independentes e pequenas gravadoras tornou impraticável a tarefa de se acompanhar todos os lançamentos do mercado musical.

Mesmo no passado, quando aceitei participar de enquetes de “melhores do ano” a pedido de alguns jornais, eu já insistia em não estabelecer um ranking entre os discos ou artistas selecionados. Acho discutível a pretensão de se eleger um vencedor, em enquetes ou concursos, especialmente quando se trata de músicos, de discos ou canções. Por que um escolhido pelo gosto médio dos críticos deveria ser considerado “melhor” do que os outros?

Portanto, segue uma lista comentada de discos de música instrumental, jazz, MPB, soul e blues (em ordem alfabética, naturalmente), lançados em 2016, que eu recomendo. E já que estamos dando adeus a um ano marcado por tantos cortes, restrições e ajustes, decidi ampliar a lista deste ano para 40 recomendados. É uma maneira de fazer justiça à qualidade da produção musical em nosso país, mas também, reconheço, de facilitar um pouco a seleção, porque o número de lançamentos foi imenso.

Aproveito as últimas horas deste ano terrível para desejar a todos os leitores deste blog um 2017 bem melhor. Aliás, ouvir os 40 discos dessa lista pode contribuir para que o próximo ano seja bem mais inspirador. Aproveitem!  



40 discos de 2016 para ouvir mais em 2017  


 Alex Buck - “1011” (Água Forte/Tratore). O baterista e pianista paulistano reúne em álbum duplo composições calcadas nos estilos de 11 mestres da bateria no Brasil – de Edison Machado a Márcio Bahia. O ponto de partida foi uma pesquisa sobre o papel desse instrumento na evolução da linguagem de nossa música instrumental. Trabalho essencial para bateristas, que pode agradar a qualquer apreciador do gênero. 

Alexandre Ribeiro - “De Pé na Proa” (Borandá). Reconhecido como revelação nos círculos do choro, o clarinetista revela ousadia neste projeto solo. Ao utilizar recursos eletrônicos (pedal e harmonizador), Alexandre descobriu um novo universo sonoro para seu instrumento. Lembranças da infância no interior paulista inspiraram composições próprias, que conduzem o ouvinte por inusitadas viagens sonoras.

André Mehmari e Antonio Loureiro - “Mehmari Loureiro Duo” (Estúdio Monteverdi). Quem ouvir este álbum sem informações prévias vai custar a acreditar que se trata de um duo, tal é a variedade de timbres. Mehmari toca piano e outros oito instrumentos; Loureiro, vibrafone ou bateria – sem falar nos vocais de ambos. Entre belas composições próprias, os dois assinam uma espécie de suíte em seis “episódios”.

Arthur Dutra e Zé Nogueira - “Encontros” (Som Livre). O vibrafonista e o saxofonista são protagonistas de etéreos encontros, com participações de Bruno Aguilar (contrabaixo), Marcos Suzano (percussão), Lorrah Cortesi ou Guinga (voz). Além dos timbres incomuns na música instrumental brasileira, faixas como “Nambarai” (Didier Malherbe) ou “Dance with Waves” (Anouar Brahem) nos transportam ao Oriente.

Arthur Verocai - “No Voo do Urubu” (Sesc). Compositor e arranjador que submergiu em décadas de ostracismo, o carioca Arthur Verocai exibe outra bela coleção de canções e arranjos orquestrais. O heterodoxo elenco de parceiros e convidados reflete a eclética combinação de influências que compõem sua música: dos cantores Danilo Caymmi, Vinicius Cantuária e Seu Jorge aos rappers Mano Brown e Criolo.

"Coreia Brasil Project" (Núcleo Contemporâneo). O interesse do pianista Benjamim Taubkin pelas tradições musicais de outros países contribuiu para a realização de um encontro raro: ele, o percussionista Ari Colares e o violinista Ricardo Herz gravaram este álbum com o grupo coreano Jeong Ga Ak Hoe. As releituras da canção “Vera Cruz” (Milton Nascimento) e do baião “O Canto da Ema” chegam a surpreender. 


Dante Ozzetti - “Amazônia Órbita” (Circus). Depois de ser introduzido no universo musical da Amazônia pela cantora Patrícia Bastos, o violonista e arranjador paulista decidiu compor a partir de ritmos locais, como o carimbó, o lundu do Marajó e o samba de cacete, entre outros. Nos arranjos das dez faixas deste álbum, Dante combina sopros, cordas e recursos eletrônicos. O resultado é fascinante.

Duo Saraiva-Murray - “Galope” (Borandá). Excelentes violonistas, Chico Saraiva e Daniel Murray – ambos cariocas radicados em São Paulo – criaram o duo em 2009. Neste álbum, predominam composições de Saraiva, que revisita com personalidade gêneros tradicionais da música brasileira, como o samba, o choro e o baião. O repertório inclui ainda “Veleiros” (Villa-Lobos) e “Di Menor” (Guinga e Celso Viáfora).


Gian Correa - “Remistura7” (independente). Revelação na cena do choro, Gian comanda com seu violão de 7 cordas um sexteto afiado que inclui Josué dos Santos (sax soprano), Jota P (sax tenor), Vítor Alcântara (sax alto), Cesar Roversi (sax barítono) e Rafael Toledo (pandeiro). Uma formação instrumental incomum que realça as composições angulosas do líder e os arranjos com influências jazzísticas.

Gregory Porter - “Take Me to the Alley” (Blue Note/Universal) – Considerado uma das grandes revelações do jazz vocal nesta década, ele mesmo se define como um cantor de jazz com influências de soul, blues e gospel. Meio pregador, meio poeta, Gregory Porter confirma em seu quarto álbum que são mesmo essas influências, em especial o feeling típico da soul music, que mais identificam seu carismático estilo vocal.

Grupo Um - “Uma Lenda ao Vivo” (Sesc). O cultuado grupo instrumental paulistano voltou a se reunir em 2015, após um hiato de três décadas. Ao revisitar faixas do álbum “Marcha Sobre a Cidade”, Lelo Nazário (teclados), Zé Eduardo Nazário (percussão), Mauro Senise (sopros), Felix Wagner (clarone) e Frank Herzberg (baixo) resgatam a fórmula original do Grupo Um, que fundia jazz de vanguarda e música eletroacústica.


Izabel Padovani e Ronaldo Saggiorato - “Aquelas Coisas Todas” (independente). Músicos de alta categoria, a cantora paulista e o baixista gaúcho mantêm este duo surpreendente há uma década e meia. São capazes de deixar o ouvinte sem fôlego, em versões arrebatadoras de sambas, choros, baiões e outros ritmos brasileiros, assinados por Guinga, Jacó do Bandolim e Tom Jobim, entre outros.

João Donato - “Donato Elétrico” (Sesc). O projeto desta aventura musical se consolidou em 2014, quando o pianista acreano revisitou o repertório de seu álbum “Quem É Quem” (1973), no Sesc Pinheiros, em São Paulo. Naquele show já estavam os músicos da banda Bixiga 70, presentes neste disco de composições inéditas de Donato, com instrumentação e arranjos que remetem a sonoridades dos anos 1970.

Juliana Cortes - “Gris” (Tratore). Adepta da “estética do frio” (idealizada pelo gaúcho Vitor Ramil), a cantora paranaense reúne em seu segundo álbum canções de Paulo Leminski, Leo Minax, Arrigo Barnabé e Dante Ozzetti (produtor do álbum), entre outros, que remetem às cidades de Curitiba, São Paulo e Buenos Aires, onde ocorreram as gravações. Belezas cinzentas realçadas pelo canto sofisticado de Juliana. 


Leandro Cabral - “Alfa” (independente). Um dos mais talentosos pianistas paulistas da nova geração, Leandro revela neste álbum sua intimidade com as linguagens do jazz e da bossa nova. Ao lado de Sidiel Vieira (baixo acústico) e Vitor Cabral (bateria), exibe composições próprias e interpreta com personalidade alguns clássicos, como “Rapaz de Bem” (Johnny Alf) e “Outra Vez” (Tom Jobim).

Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz - “A Saga da Travessia” (Sesc). O compositor e arranjador baiano criou a inovadora Orkestra Rumpilezz, em 2006, para preservar o conhecimento sobre a tradição percussiva afro-baiana. Não menos impactante, o segundo álbum da orquestra remete ao drama das diásporas africanas. Entre as oito composições de Leite, o ijexá “Professor Luminoso” homenageia Gilberto Gil.

Lívia e Arthur Nestrovski - “Pós Você e Eu” (Circus). Na contramão de tantas cantoras desafinadas que ouvimos por aí, Lívia interpreta clássicos da música brasileira e da canção norte-americana, além de parcerias de Luiz Tatit e Arthur Nestrovski – seu pai, que a acompanha ao violão. Com um belo timbre vocal, técnica e abertura para vários gêneros, ela está no caminho para se tornar uma ótima cantora. 


Louise Wooley - “Ressonâncias” (independente). A jovem pianista e compositora paulistana confirma a promissora impressão deixada por seu disco de estreia, em 2013. Ao lado de Jota P (sopros), Paulo Malheiros (trombone), Bruno Migotto (contrabaixo) e Daniel de Paula (bateria), Louise exibe belas composições, que combinam o lirismo das melodias com a liberdade dos improvisos. "A Caminho", tema que abre e encerra o disco, é de arrepiar.


Ludere - “Ludere” (Tratore). O nome (em latim) desse quarteto remete a brincar ou jogar, mas basta ouvir a primeira faixa para saber que o encontro do pianista Philippe Baden Powell (filho do grande violonista brasileiro) com Rubinho Antunes (trompete), Daniel de Paula (bateria) e Bruno Barbosa (baixo) é coisa séria. Em sete composições próprias, o grupo faz música instrumental de primeira linha.

Luiz Tatit - “Palavras e Sonhos” (Dabliú). Os fãs do grupo Rumo podem imaginar o que vão encontrar no sexto álbum do compositor paulistano. Praticando seu original “canto falado” Tatit apresenta, em novas canções, divertidos personagens: como a musa brega de “Diva Silva Reis” ou o centenário Matusalém, num foxtrote em parceria com Arthur Nestrovski. Canções que fazem sorrir e pensar.

Marco Pereira - “Dois Destinos” (Borandá). Um de nossos maiores violonistas, Marco Pereira homenageia um popular expoente do violão brasileiro: Dilermando Reis (1916-1977). Cercado de craques da cena instrumental, Pereira empresta elegância e dá um toque mais contemporâneo a clássicas composições do mestre, como o batuque “Xodó da Bahiana” ou os choros “Magoado” e “Gente Boa”.

Marcos Paiva e Daniel Grajew - “Bailado” (yb). O contrabaixista mineiro e o pianista paulista formam um duo contagiante e nada convencional. Nas nove faixas deste álbum, recriam temas dos clássicos Ernesto Nazareth (“Tenebroso”) e Anacleto de Medeiros (“Araribóia”). Também exibem sofisticadas composições próprias, inspiradas por danças urbanas do início do século 20 e repletas de improvisos.

Mauro Senise e Romero Lubambo - “Todo Sentimento” (Fina Flor). Duas décadas depois de gravarem o álbum “Paraty” (1997), o saxofonista Mauro Senise e o violonista Romero Lubambo reativam a telepática parceria iniciada ainda nos anos 1980. No repertório, além de composições próprias, releituras de clássicos da MPB assinados por Edu Lobo (que canta sua “Candeias”), Chico Buarque e Bororó.

"Mestrinho e Nicolas Krassic" (Biscoito Fino). Os dois se conheceram no início da década, ao tocarem com Gilberto Gil. O interesse comum por choro, samba e forró logo uniu o acordeonista sergipano e o violinista francês, que emprestam uma sonoridade rara a pérolas da música brasileira, como o arrebatado baião “Nilopolitanos”, de Dominguinhos, ou a lírica “Melodia Sentimental”, de Villa-Lobos. 



'Nailor Proveta - “Coreto no Leme” (independente). Como já fizera no belíssimo “Tocando Para o Interior” (2007), o clarinetista rebobina sons da infância passada em Leme, no interior paulista, resgatando a atmosfera dos coretos. Entre várias composições próprias, a “Suíte Encontros” (em três partes) remete a influências de Debussy, Pixinguinha, Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga.

Nó em Pingo D’Água - “Sambantologia" (Biscoito Fino). Formado por craques da música instrumental brasileira, o quarteto carioca não ficou de fora dos festejos pelo centenário oficial do samba. Com arranjos inovadores, Celsinho Silva (percussão), Mário Séve (sopros), Rodrigo Lessa (bandolim) e Rogério Souza (violão) recriam clássicos do samba de várias épocas, de Noel Rosa a Tom Jobim e Moacir Santos.

Norah Jones - “Day Breaks” (Blue Note/Universal). E não é que a cantora e pianista norte-americana decidiu retornar ao jazz? Quatorze anos após seu disco de estreia (mais próximo do country do que do jazz, na verdade), que vendeu surpreendentes 11 milhões de cópias, ela soa mais à vontade ao lado de feras do jazz, como o saxofonista Wayne Shorter e o baterista Brian Blade. Bem-vinda de volta, Norah!

Pedro Miranda - “Samba Original” (independente). Da geração de sambistas associados à revitalização do bairro boêmio da Lapa, no Rio, o cantor e pandeirista interpreta sambas menos conhecidos de Wilson Batista, Nei Lopes e Roberto Mendes, entre outros. Participações dos guitarristas Arto Lindsay e Pedro Sá, em arranjos não convencionais, sugerem que Miranda já encara o samba sem tanta reverência.
 

Quinteto do Zé - “Sem Massagem” (independente). A formação do quinteto de Zé Barbeiro já sugere que seus choros não são tradicionais. Ao lado de César Roversi (saxofones), Makiko Yoneda (piano), Edu Malta (baixo) e Giba Favery (bateria), o inventivo violonista alagoano tem fixação por temas intrincados (não à toa um dos choros se chama “Sinuca de Bico”), em andamentos ligeiros. Isso sim é ser moderno!

Rafael Piccolotto de Lima e Orquestra Urbana - “Pelos Ares” (independente). Formada por craques da cena instrumental paulistana, a Orquestra Urbana interpreta sete composições de Rafael Piccolotto de Lima, maestro e professor assistente na Universidade de Miami. A composição que intitula o álbum destaca solos do saxofonista Ubaldo Versolato e do trompetista norte-americano Brian Lynch.

Raphael Wressing & Igor Prado, “The Soul Connection” (ZYX/Chico Blues). Um ouvinte desavisado vai se surpreender ao saber que este delicioso disco de soul e R&B nasceu do encontro de um organista austríaco com o trio de um guitarrista brasileiro. Aos talentos de Wressing e Prado, que contribuem com composições próprias, somam-se os vocais dos norte-americanos Willie Walker, David Hudson e Leon Beal.

Sandro Haick - “Forró do Haick - vol.1” (independente). Depois de tocar e viajar por 15 anos com o mestre da sanfona Dominguinhos (1941-2013), o guitarrista Sandro Haick decidiu cair de novo no forró. Ao lado de Lulinha Alencar (acordeon), Thiago Espírito Santo (baixo) e Jota P (sopros), entre outros, ele relê clássicos do gênero, com improvisos na linha da música instrumental e do jazz.

Teco Cardoso e Tiago Costa - “Erudito Popular... e Vice-versa” (Maritaca). Parceiros no quinteto Vento em Madeira, o saxofonista/flautista e o pianista também praticam em duo a liberdade de transitar entre os universos supostamente estanques da música popular e da erudita. Entre belas composições próprias, o repertório inclui também peças de Villa-Lobos, Moacir Santos, Carlos Gomes e John Williams. 


Toninho Ferragutti - “ A Gata Café” (Borandá). O eclético acordeonista queria um quinteto com sonoridade jazzística para gravar seu 10º álbum. Acertou em cheio ao reunir Cássio Ferreira (sax), Thiago Espírito Santo (baixo), Cleber Almeida (bateria) e Vinícius Gomes (violão), craques da nova geração. Ferragutti assina as dez faixas, repletas de belezas, diversidade rítmica e uma certa nostalgia.

Trio Corrente - “Volume 3” (independente). Quem já teve a sorte de ouvir ao vivo este trio sensacional sabe que o pianista Fabio Torres, o baterista Edu Ribeiro e o baixista Paulo Paulelli parecem se entender por telepatia. Neste álbum, mais uma coleção de inventivas releituras de clássicos da música popular brasileira, assinados por Dorival Caymmi, Chico Buarque e Tom Jobim, entre outros.

Tom Zé - “Canções Eróticas de Ninar” (Circus). Que outro compositor e cantor teria, aos 80 anos, a coragem de dedicar um disco à temática do sexo e seus tabus? Títulos como “Sobe ni Mim”, “Orgasmo Terceirizado” e “No Tempo em que Ainda Havia Moça Feia” já antecipam que Tom Zé aborda esse espinhoso assunto com a sagacidade, o humor e a irreverência que sempre marcaram suas canções.

Vanessa Moreno e Fi Maróstica - “Cores Vivas” (independente). O duo já existe há seis anos, mas, graças a este álbum dedicado exclusivamente à obra de Gilberto Gil, a cantora Vanessa Moreno e o baixista Fi Maróstica ampliaram suas plateias. Com energia e criatividade, os dois emprestam novos sabores e cores a sucessos do compositor, como “Extra”, “Palco” e “Toda Menina Baiana”.

Vânia Bastos e Marcos Paiva - “Concerto para Pixinguinha” (Atração). Não, não se trata de outro duo. Nesta homenagem a Pixinguinha (1897-1973), os vocais delicados de Vânia Bastos têm a companhia de um quarteto, liderado pelo baixista e arranjador Marcos Paiva, com César Roversi (sopros), Nelton Essi (vibrafone) e Jônatas Sansão (bateria). Aliás, nos choros “Cochichando” e “Displicente”, esse quarteto brilha sozinho.

Vitor Araújo - “Levaguiã Terê” (Natura Musical). De formação clássica, o jovem pianista pernambucano prova, neste ambicioso projeto de instrumentação sinfônica, que evoluiu. Com assumidas inspirações em Villa-Lobos e Tom Jobim, Araújo divide a longa peça que intitula o álbum em seis toques e seis cantos, misturando sons indígenas, percussões de ascendência africana e texturas orquestrais.   



Zéli Silva - “Agora É Sempre” (independente). Neste refinado disco de canções, o baixista e compositor paulistano mostra como os arranjos e um grupo de instrumentistas de alto quilate fazem diferença no resultado final. Ana Luiza, Vanessa Moreno, Lívia Nestrovski, Sergio Santos e Filó Machado são alguns dos intérpretes, muito bem escolhidos, que realçam as belezas do cancioneiro de Zéli Silva.

Izabel Padovani e Ronaldo Saggiorato: dupla tira fôlego do ouvinte com seus improvisos

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                                                       A cantora Izabel Padovani e o baixista Ronaldo Saggiorato

Parceiros há uma década e meia, a cantora Izabel Padovani e o baixista Ronaldo Saggiorato formam um duo surpreendente. Não bastasse o talento que exibem em suas performances, os arranjos dos dois para o álbum “Aquelas Coisas Todas” (lançamento independente) são capazes de tirar o fôlego do ouvinte. Isso acontece logo na canção de abertura, “Baião de Quatro Toques” (de Zé Miguel Wisnik e Luiz Tatit): voz e baixo elétrico compõem um ágil contraponto que evolui para o final arrebatador.

As 13 canções são revestidas por uma refinada abordagem instrumental, com bastante espaço para improvisos. Do frevo “Vô Alfredo” (de Guinga e Aldir Blanc), com o baixo fraseando como um frenético passista, à percussiva releitura do samba “É Preciso Perdoar” (Alcyvando Luz & Carlos Coqueijo), na qual Izabel improvisa com onomatopeias, a dupla confirma que a canção só tem a ganhar quando se abre para a riqueza harmônica e rítmica da música instrumental. Tomara que esse duo sirva de inspiração a muitos cantores por aí.

(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 30/04/2016)

Clube do Balanço: banda paulistana faz a festa dos dançarinos e dos ouvintes

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Quem já teve a chance de assistir a um show do Clube do Balanço sabe que as apresentações dessa banda paulistana se confundem, praticamente, com bailes. Nem poderia ser diferente, já que o guitarrista Marco Mattoli e seus parceiros são especialistas em samba-rock, samba de gafieira e outros ritmos com vocação para a dança.

No álbum “Menina da Janela” (lançamento pelo selo YB), a banda oferece canções e temas instrumentais para fazer a festa dos dançarinos, que também podem ser ouvidos com muito prazer. O irresistível samba “Time Contra” (parceria de Mattoli com Ney Lopes e Magnu Souza) é recheado de metáforas futebolísticas. O samba-soul “Vício Perfeito” (Mattoli) ganha brilho com a aparição de um naipe de metais.

Cantado com elegância pela vocalista e compositora Tereza Gama, “Nó” remete aos intrincados volteios e entrelaços dos dançarinos de samba-rock. Não se surpreenda se não conseguir ouvir o Clube do Balanço sem mexer os pés.

(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 27/2/2016)

Naná Vasconcelos, Zeca Baleiro e Paulo Lepetit: trio se diverte com a diversidade brasileira

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                                              Ilustração para encarte do CD, baseada em fotos de Matthieu Rougé

Fruto da inédita parceria do percussionista pernambucano Naná Vasconcelos com o cantor maranhense Zeca Baleiro e o baixista paulista Paulo Lepetit, artistas que já deixaram suas marcas em diferentes gêneros da música popular brasileira, o álbum “Café no Bule” (lançamento do Selo Sesc) logo envolve o ouvinte com sua descontração. O samba de terreiro “Batuque na Panela” antecipa o tom bem-humorado de outras faixas, como o coco-de-roda “Mosca de Bolo” ou o “Xote do Tarzan”.

Também chama atenção a diversidade rítmica do repertório, quase todo assinado pelos três parceiros, que vai de uma dançante ciranda (“Ciranda da Meia-noite”) a um maracatu com tiradas filosóficas (“Loa”), passando pelo afoxé “A Dama do Chama-Maré”, que ganhou tempero de reggae e um naipe de metais. Um disco que não nasceu da pretensão de criar canções rebuscadas, mas sim do prazer proporcionado por esse encontro musical. Prazer que também se estende ao ouvinte. 


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 27/03/2016)

Discos de 2015: música instrumental, jazz e MPB em 30 álbuns de alta qualidade

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Nos últimos anos, com a chegada do mês de dezembro, tenho ficado aflito ao pensar na obrigação de elaborar outra das habituais listas de melhores discos. A pulverização da indústria fonográfica em milhares de pequenas gravadoras e selos independentes parece tornar mais difícil, a cada ano, a tarefa de acompanhar todos os lançamentos nessa área. 

Acabei aceitando outra vez o convite do colega Juarez Fonseca, que organiza a habitual enquete do jornal gaúcho “Zero Hora”, publicada na edição de hoje, mas já sugeri a ele que, em 2016, pensemos em um novo formato para essa tarefa.

Um pouco descontente com a lista de dez indicações que prometi enviar ao “Zero Hora“, decidi então já esboçar algo diferente neste blog. Em vez de publicar aqui minha discutível lista de “melhores” de 2015, preferi recomendar 30 discos de música instrumental, MPB e jazz. Todos eles foram lançados durante este ano, no mercado brasileiro, e merecem ser prestigiados justamente por estarem bem acima da média dos lançamentos do ano.

Alguns desses discos até já foram resenhados neste blog. Mesmo assim, os 30 títulos da lista são acompanhados por uma pequena resenha que tenta justificar essa escolha. Espero que essa seleção de discos possa ajudar os leitores deste blog a descobrir novos artistas, assim como ampliar suas discotecas com novos discos de alta qualidade. Aqui está a lista, em ordem alfabética:  



30 discos de 2015 para seguir ouvindo em 2016  

Alfredo Del Penho - “Samba Sujo” (independente). Inspirado por Paulinho da Viola, o cantor, letrista, violonista e ator fluminense estreou em disco com uma dose dupla: lançou um álbum instrumental e este outro dedicado à diversidade do samba. Neste, interpreta um repertório saboroso, incluindo composições próprias que confirmam sua profunda intimidade com esse universo musical.  
André Marques - “Viva Hermeto” (Borandá). Pianista do grupo de Hermeto Pascoal há duas décadas, o músico paulista se uniu ao contrabaixista John Patitucci e ao baterista Brian Blade, craques do jazz norte-americano, para visitar 13 composições de seu mestre. Um criativo e jazzístico tributo ao bruxo da música livre, que destaca tanto alguns de seus clássicos como temas pouco conhecidos. 
 
André Mehmari - “As Estações na Mantiqueira” (Estúdio Monteverdi). Mantendo seu hábito de lançar mais de um disco por ano, o eclético pianista e compositor retoma neste projeto seu virtuoso trio com Neymar Dias (contrabaixo e viola caipira) e Sérgio Reze (bateria). Além da faixa-título, bela suíte em quatro movimentos de Mehmari, o álbum inclui homenagens a Dominguinhos, Luiz Gonzaga e Ernesto Nazareth.

Andréa dos Guimarães - “Desvelo” (independente). Uma das surpresas mais animadoras do ano, essa cantora e pianista mineira radicada em São Paulo, integrante do grupo Conversa Ribeira, revela sua bagagem erudita. No repertório, sambas e canções de Chico Buarque, Ivan Lins e Luiz Gonzaga ganham releituras despojadas, ao lado de belas composições próprias, que valorizam o canto expressivo de Andréa.

Antonio Adolfo - “Tema” (AAM). O pianista e compositor carioca revisita melodias menos conhecidas de sua obra, criadas em diversas épocas. Ao lado de craques da música instrumental brasileira, como Marcelo Martins (sax e flauta), Leo Amoedo (guitarra) e Jorge Helder (contrabaixo), Adolfo exercita a faceta de arranjador para que seus saborosos “temas” – alguns até da década de 1960 – soem atuais.

Antonio Arnedo e outros - “Fronteiras Imaginárias” (Núcleo Contemporâneo). Referência na cena instrumental colombiana, o saxofonista e compositor Antonio Arnedo encontra os brasileiros Benjamim Taubkin (piano), Sergio Reze (bateria) e João Taubkin (baixo), em projeto de essência jazzística, com belo repertório autoral. Tomara que sirva de exemplo para outras parcerias entre instrumentistas das Américas. 


Arismar do Espírito Santo - “Roda Gingante” (Maritaca). Além do trocadilho do título, o multi-instrumentista paulistano escolheu uma formação inusitada para o grupo com o qual gravou esse álbum: tocando violão, guitarra e baixo, ele tem a seu lado Bebê Kramer (acordeom), Gabriel Grossi (gaita) e Leo Amuedo (guitarra). O resultado é quase uma “jam session” que mistura belos sambas, baião, coco, valsa, até jazz.

Benjamim Taubkin e outros - “O Piano e a Casa” (Núcleo Contemporâneo). Gravado ao vivo, na Casa do Núcleo, em São Paulo, este álbum traça um panorama de tendências da música instrumental brasileira de hoje. Pianistas de diferentes estilos e gerações, como Amilton Godoy, Hercules Gomes, Heloisa Fernandes, Tiago Costa, Karin Fernandes, Júlia Tygel, Zé Godoy e Fábio Torres, compõem o ótimo elenco.

Carlos Badia - “Zeros” (independente). Ex-integrante do grupo Delicatessen, o violonista, cantor e compositor gaúcho estreia como solista já com álbum duplo – um instrumental e o outro de canções. Neste, o lirismo de Badia se desdobra em vários gêneros: bossa nova, samba, jazz, folk. Aliás, mesmo alguns dos temas instrumentais do álbum deixam a sensação de que ainda podem virar canções, se receberem letras.

Chico César - “Estado de Poesia” (Natura Musical). Depois de seis anos afastado dos palcos para atuar como gestor público de cultura na Paraíba, onde nasceu, o cantor e compositor retoma seu ofício com inspiração e evidente prazer. Seu primeiro disco de inéditas desde 2008 traz canções românticas, assim como uma nova safra de canções de viés social, que abordam o racismo e outras formas de preconceito.  


Conrado Paulino - “4 Climas” (independente). Argentino radicado em São Paulo, o violonista e compositor esbanja sofisticação musical à frente de seu quarteto, que inclui Debora Gurgel (piano), Marinho Andreotti (contrabaixo) e Percio Sapia (bateria). Paulino mergulha com personalidade na diversidade rítmica brasileira, do frevo ao samba, valendo-se de sua bagagem jazzística.   
    
Daniel D’Alcântara - “Canção para Tempos Melhores”  (independente). O afiado quinteto do trompetista paulistano, que inclui Vitor Alcântara (sax tenor e soprano), Edson Sant’Anna (piano elétrico), Bruno Migotto (contrabaixo) e Cuca Teixeira (bateria), traz como referências o hard bop e o samba-jazz dos anos 1960. A irresistível faixa que dá título ao álbum soa como um lenitivo para os dias de hoje.

Daniel Murray - “Autoral” (independente). Depois de revelar seu grande talento como intérprete em diversos grupos e discos, o violonista carioca lança o primeiro álbum dedicado à sua obra autoral. No encarte, rasgados elogios dos craques Guinga e Marcus Tardelli à delicada valsa “Ensimesmada”, entre outros, já dão uma ideia do valor da contribuição de Murray ao repertório para violão. 


Diones Correntino - “Som Mestiço” (independente). Se você pensa que no centro-oeste do país só se cultiva música sertaneja, precisa ouvir este pianista e compositor de Goiânia. Em seu belo álbum de estreia, Correntino combina várias influências: do choro à música clássica, passando pelo jazz e pela moderna música instrumental brasileira. E ainda conta com participação especial do saxofonista Mauro Senise.  

Fabiana Cozza - “Partir” (independente). A cantora paulistana dedica seu quinto álbum à diversidade rítmica da diáspora negra, interpretando canções calcadas em vários ritmos afro-brasileiros, até do Caribe – sinal de que o rótulo de sambista já não se adequa mais ao repertório de Fabiana. A produção do violonista Swami Jr. garante a elegância dos arranjos, baseados em instrumentos de cordas e percussão.

Gilson Peranzzetta e Mauro Senise - “Dois na Rede” (Fina Flor). Comemorando 25 anos de feliz parceria, o pianista e o saxofonista – ambos cariocas – chegam ao 11º álbum, sem apelar para artifícios. Mais uma vez escolheram um repertório de alta qualidade: de temas autorais a clássicos de Baden Powell, Toninho Horta e Dorival Caymmi. O resto fica por conta do talento e da telepatia que os dois revelam ao tocarem juntos.

José Namen - “Identidade” (independente). Tarimbado pianista da cena instrumental de Belo Horizonte (MG), José Namen exibe nesse álbum suas referenciais musicais. Releituras de standards jazzísticos, sambas de Baden Powell e Lupicínio Rodrigues, o clássico bolero “Besame Mucho” e a sublime canção “Outubro” (Milton Nascimento e Fernando Brant) fazem parte dessa espécie de autobiografia musical.  

 
Leo Gandelman - “Velhas Ideias Novas” (Sax Samba). Mais um capítulo do precioso mapeamento da presença do saxofone na história da música brasileira, que Leo Gandelman vem realizando desde a década passada. O saxofonista carioca relembra, neste álbum, grandes estilistas do samba de gafieira e do samba-jazz, como Moacir Santos, Paulo Moura, Casé, Zé Bodega e Juarez Araújo.

Luis Felipe Gama e Ana Luiza - “Vermelho” (Cooperativa). Parceiros há duas décadas, o pianista Luis Felipe Gama e a cantora Ana Luiza não se rendem à mediocridade do mercado musical. Gravaram mais uma coleção de sofisticadas canções que Luis Felipe compôs com diversos parceiros, bem acompanhados por Alberto Luccas (contrabaixo) e Everton Barba (bateria). MPB da mais alta qualidade.

Mario Adnet - “Jobim Jazz ao Vivo” (Biscoito Fino). Gravado ao vivo durante turnê por várias capitais do país, em 2013, este projeto do violonista carioca destaca seus arranjos para uma compacta big band. No repertório, temas instrumentais de Tom Jobim, todos marcados pela elegância do maestro da bossa nova. Em participação bastante emotiva, Nana Caymmi canta alguns clássicos do “songbook” jobiano.  

 
Ná Ozzetti e Zé Miguel Wisnik - “Ná e Zé” (Circus). Parceiros há 30 anos, a cantora e o pianista festejam essa associação, gravando 15 canções que Wisnik compôs entre 1978 e 2014. Algumas, ainda inéditas, nasceram a partir de versos de Fernando Pessoa, Oswald de Andrade e Cacaso. A voz doce e cristalina de Ná soa como um instrumento perfeito para expressar o lirismo e as melodias emotivas de Wisnik.

Neymar Dias e Igor Pimenta - “Come Together Project” (Borandá). Muitos músicos já gravaram versões instrumentais de canções dos Beatles, mas a sonoridade do inusitado duo de cordas – viola caipira e baixo acústico – formado por Dias e Pimenta empresta um tom leve e singelo a esses clássicos da música pop universal. Sem falar nos arranjos da dupla, que parecem revelar belezas de canções tão conhecidas.


Orquestra Atlântica - “Orquestra Atlântica” (independente). Uma delícia ouvir uma big band como essa, formada por feras da cena instrumental carioca, como o trompetista Jessé Sadoc e o saxofonista Marcelo Martins. O repertório combina arranjos de clássicos da bossa nova e composições próprias. Para realçar mais ainda esse time musical, surgem convidados especiais, como Nelson Faria (guitarra) e Vittor Santos (trombone).  


Pau Brasil - “Daqui” (Pau Brasil). Villa-Lobos, Tom Jobim, Moacir Santos, Baden Powell, Ary Barroso: composições desses expoentes da música brasileira, seja ela supostamente erudita ou popular, são recriadas pelo quinteto paulista, em novas e refinadas incursões improvisadas. Referência na cena instrumental desde os anos 1980, o Pau Brasil segue provando que nossa música ainda pode ser motivo de muito orgulho.

Pó de Café Quarteto - “Amérika” (independente). Esse grupo de Ribeirão Preto (SP) vai surpreender muitos que ainda não o conhecem. Bruno Barbosa (contrabaixo), Duda Lazarini (bateria), Marcelo Toledo (sax tenor) e Murilo Barbosa (piano) fazem jazz e música instrumental de alta categoria. O repertório do segundo CD do grupo é todo autoral, com melodias e arranjos que conquistam o ouvinte logo à primeira audição.

Quartabê - “Lição #1 Moacir” (independente). Joana Queiroz (sax tenor e clarinete), Maria Bastos (clarinete e clarone), Mariá Portugal (bateria), Ana Sebastião (baixo) e Chicão (teclados) formam esse grupo instrumental paulistano que estreia em disco com descontraídas releituras de composições do genial maestro pernambucano Moacir Santos (1926-2006). Nada a ver com tributos musicais cheios de reverências.  


Regina Machado - “Multiplicar-se Única” (Canto). Os criativos arranjos e a produção do violonista Dante Ozzetti são essenciais para que este álbum de Regina Machado, dedicado à obra de Tom Zé, tenha identidade própria. O fato de essa cantora paulista ter integrado a banda do tropicalista, nos anos 1980, certamente a ajudou a ir além das homenagens convencionais tão comuns nesse tipo de projeto.

Renato Braz e Maogani - “Canela” (independente). Belo projeto de releitura de clássicos da canção latino-americana, pouco conhecidos no Brasil. O cantor paulista se une outra vez aos violões do ótimo quarteto carioca Maogani, autor do projeto e dos arranjos. Da folclórica canção venezuela “Pajarillo Verde” à milonga argentina “Vuelvo al Sur” (Astor Piazzola e Fernando Solanas), um mergulho no lirismo de nossos vizinhos. 



Tiganá Santana - “Tempo & Magna” (Ajabú). O terceiro trabalho autoral desse talentoso cantor, violonista e compositor baiano é um álbum duplo, gravado no Senegal com músicos locais. Em busca de suas raízes afro-brasileiras, Santana também compõe em kikongo e kimbundu (idiomas africanos), assim como em francês e inglês. O timbre grave e aerado de sua voz realça seus versos de essência filosófica.   

Zé Manoel - “Canção e Silêncio” (Natura Musical). Uma boa surpresa o segundo disco do cantor e pianista de Petrolina (PE), cujas composições remetem às canções marítimas do mestre Dorival Caymmi (1914-2008). O piano sintético de Zé Manoel e os expressivos arranjos de cordas e sopros de Letieres Leite valorizam o repertório do álbum. Quem acha que a MPB está agonizando tem que ouvir este pernambucano.

Alfredo Del-Penho: versátil, cantor carioca lança disco de sambas e outro instrumental

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                                                 O sambista Alfredo Del-Penho - Foto de Leo Aversa/Divulgação

Inspirado pelo mestre Paulinho da Viola (que lançou simultaneamente, em 1976, os álbuns “Memórias Cantando” e “Memórias Chorando”), o músico fluminense Alfredo Del-Penho, 34, não deixou por menos: também lança um disco de sambas cantados e outro de composições instrumentais, que marcam sua estreia fonográfica como solista.

Integrante da geração surgida com a revitalização do boêmio bairro carioca da Lapa, na virada deste século, Del-Penho é um artista de diversos talentos: além de cantor, letrista e compositor, toca violão e cavaquinho, escreve arranjos, é pesquisador e desenvolve carreira como ator de espetáculos musicais.

O álbum de sambas (lançamento independente), segundo ele, foi burilado durante os últimos dez anos. “Procurei fazer esse disco sem a preocupação da assepsia, da limpeza e perfeição a que o estúdio condena a gente. Por isso o nome ‘Samba Sujo’. A vivência do samba mudou a minha vida”, diz Del-Penho.

Além da alta qualidade das interpretações e dos arranjos, a diversidade do repertório desse álbum chama atenção. O sincopado “Samba com Dengo” (de Angela Suarez e Paulo César Pinheiro), o engenhoso “Meio Tom” (Rubens Jacobina), o samba de breque “Quando Te Esqueci” (do próprio Del-Penho), o surrealista samba-choro “Do Outro Mundo” (Sá Roris e Francisco Fernandes) e o sensível “Saudade em Paz” (parceria do cantor com Délcio Carvalho), entre outros, revelam a intimidade de Del-Penho com o universo do samba.

Mais próximo do choro, o instrumental “Pra Essa Gente Boa” também tem um viés autobiográfico. Do suingado samba-título à “Suíte pra Mari Sambar” (em belo arranjo de Itiberê Zwarg), as 18 composições de Del-Penho são dedicadas a parceiros ou músicos que o influenciaram. Como o nostálgico choro “Memórias de Paulinho da Viola” ou o sincopado samba “Do Bip Bip ao Smalls com a Anat”, com um improviso de clarinete da jazzista Anat Cohen. Mais que uma promissora estreia, os discos de Del-Penho mostram que o samba e o choro continuam atraindo novas gerações.


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", edição de 31/10/2015)



Chico Cesar: compositor e cantor aborda sua intimidade, no álbum "Estado de Poesia"

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"Acorda, acordeon, que eu tô sonhando”. O primeiro verso de “Caninana”, um irresistível xote de coloração pop, já antecipa o que vai se ouvir. Em “Estado de Poesia” (lançamento Urban Jungle/Natura), seu primeiro disco de canções inéditas desde 2008, o compositor e cantor Chico César retoma seu ofício artístico, com evidente prazer, depois de passar seis anos atuando como gestor público de cultura na Paraíba, onde nasceu.

Em entrevistas, Chico tem dito que esse CD tem dois lados diversos. Em um deles, o compositor desfia canções que falam de sua intimidade, como “Palavra Mágica”, “Atravessa-me” ou a própria faixa-título, cheias de romantismo. Por outro lado, há canções de viés social, como o reggae “Negão”, que aborda o racismo, ou a indignada “Reis do Agronegócio” (parceria com Carlos Rennó), com certa influência de Bob Dylan. Ainda nessa linha, “No Sumaré”, um samba agridoce ao estilo de Adoniran Barbosa, também denuncia o preconceito. Por essas e outras, Chico César já estava fazendo falta.


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", edição de 28/11/2015)



 

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