Na década de 70, o então adolescente Valmir Zuzzi vivia tentando convencer seu pai a lhe dar dinheiro para comprar novidades de bandas nacionais e internacionais de rock e pop, que ele encontrava nas lojas de discos especializadas de São Paulo.
“Se fosse para comprar uma camisa do Corinthians, ele dava o dinheiro na hora, mas para disco não. Eu ficava louco só de ver as capas dos LPs. Isso me marcou muito. Quando comecei a trabalhar, já nos anos 80, deixava meu salário inteiro nas lojas de discos”, conta o paulista de Porto Ferreira, hoje com 46 anos.
Essa obsessão musical acabou virando um pequeno negócio. Na década de 90, Zuzzi fundou o Rock Company, selo alternativo pelo qual lançou, pela primeira vez em CD, algumas preciosidades da MPB e do pop nacional, de Jards Macalé e Jorge Mautner a Raul Seixas e Sérgio Sampaio.
Agora ele finaliza a produção de outro pacote de raridades, que vai lançar por um novo selo, batizado de Museu do Disco, como “sincera homenagem” a uma das lojas que freqüentou durante décadas. Para isso se associou ao veterano Nazaré Avedissian, que dirige até hoje as duas lojas do Museu do Disco que restam na capital paulista.
“Para quem é comprador de discos das antigas, como eu, o Museu do Disco é uma referência”, justifica Zuzzi, que convenceu o lojista a lançar com ele um pacote de 12 CDs que inclui álbuns raros de bandas nacionais de rock dos anos 70, como O Peso e A Bolha, além de preciosidades de Naná Vasconcelos, Jards Macalé, Jorge Mautner, Erasmo Carlos e Gerson King Combo.
“Quando ouviu esses nomes, o Nazaré não entendeu – demorou um pouco para cair a ficha. Agora ele está se divertindo”, conta Zuzzi, que almoça há anos, todos os sábados, com ele. Graças a seus contatos nas grandes gravadoras, na década de 80, Avedissian conseguiu prensar com exclusividade para suas lojas LPs de astros do pop internacional.
Os primeiros lançamentos do selo Museu do Disco, ambos inéditos em CD, estão previstos para a última semana de fevereiro. “Em Busca do Tempo Perdido”, único álbum da hoje obscura banda de rock-blues O Peso (formada por cearenses que se radicaram no Rio, em 1972), é o mais raro do pacote. A versão original em vinil era oferecida ontem, no site Mercado Livre, por R$ 250,00.
Outra raridade é “Nada no Escuro”, álbum solo de Cézar de Mercês, guitarrista da lendária banda de rock progressivo O Terço, que exibiu diversas formações entre 1971 e 1982. A letra da faixa-título (“Não há nada no escuro que a gente não possa vencer juntos”), que Mercês assina em parceria com Luis Carlos Sá, é típica de um período em que até os músicos de rock se sentiam obrigados a alfinetar a ditadura que tentava amordaçar os artistas e os meios de comunicação do país.
Curiosamente, Mercês sugere, em texto que escreveu por ocasião do relançamento, que fazer um álbum por uma “major” do disco não era tão difícil naquela época. “No final da década de 70, as coisas ainda aconteciam assim: um amigo assumia um cargo importante em algum lugar (uma gravadora, por exemplo). Logo o seu telefone tocava e um convite de trabalho surgia espontaneamente”.
Em março saem mais dois álbuns inéditos em CD. Para os fãs da música instrumental brasileira, o cultuado “Amazonas” (1973) é uma jóia preciosa. Nas oito faixas desse álbum, o percussionista e compositor pernambucano Naná Vasconcelos mistura sons de tambores e berimbau com palmas, gargalhadas e imitações de pássaros, mostrando como se pode criar uma obra-prima musical sem recorrer às palavras.
Além de “É Proibido Fumar”, da banda carioca de rock A Bolha, o Museu do Disco promete para os meses seguintes outras raridades dos 70, comandadas por Jards Macalé, Jorge Mautner e Erasmo Carlos. “Estamos esperando as liberações dos direitos, mas, com certeza, vem mais no segundo semestre”, diz Zuzzi.
Segundo o produtor, os encartes dos 12 CDs do selo Museu do Disco vão incluir textos de Ezequiel Neves, jornalista que imprimiu seu estilo irreverente na cena do rock nacional dos anos 70, escrevendo para publicações como “Rolling Stone” e “Pop”. Já na década de 80, Neves produziu discos da banda Barão Vermelho e se tornou letrista e parceiro do cantor Cazuza.
(publicada na “Folha de S. Paulo”, em 28/01/2009)
Museu do Disco: selo paulista recupera raridades da MPB e do rock dos anos 70
Marcadores: amazonas, bolha, erasmo carlos, gerson king combo, jards macalé, jorge mautner, MPB, museu do disco, música instrumental, naná vasconcelos, peso, pop, rock | author: Carlos CaladoBocato: trombonista quer mais experimentalismo na cena instrumental
Marcadores: baratos afins, bocato, bossa nova, jazz, miles davis | author: Carlos CaladoNa cena musical paulistana, ao se falar em trombone, o nome desse músico inquieto e criativo é quase sempre o primeiro lembrado. Aos 48 anos, Bocato já acompanhou diversos astros da MPB (de Elis Regina a Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção), liderou a Banda Metalurgia e se estabeleceu como um dos melhores instrumentistas do país.
“Gosto de todos os tipos de música, mas valorizo muito a liberdade. O que está faltando na música de hoje é experimentar, arriscar mais”, diz o trombonista e compositor, que lança amanhã, em apresentação no Sesc Avenida Paulista, seu 17º álbum.
Para criar os arranjos e gravar o CD “Hidrogênio” (selo Baratos Afins), Bocato alugou um estúdio. Passou cinco meses tocando quase diariamente com sua banda, que inclui Gileno Furtado (guitarra), Ary Holand (teclado), Crys Galante (percussão),Vitor Cabral (bateria), Rubem Faria (baixo) e Marcio Negri, saxofonista que se destaca nos improvisos.
“Prefiro escrever música a mão, porque sou analfabeto em computação”, brinca o modesto líder, formado em regência e composição. Nesse projeto, Bocato quis resgatar um pouco do saudável amadorismo dos tempos da Banda Metalurgia. “O método que usamos foi basicamente o mesmo”, diz, creditando a participação ativa dos colegas nas gravações.
As cinco composições que integram o álbum são interligadas sob a forma de suíte. A extensa faixa-título remete às experimentações eletrificadas que o jazzista Miles Davis (1926-1991) fez na década de 1970. Mais acústica, “Marina” chega a soar romântica. “Yasmin” destaca um etéreo solo de flauta.
“Alguém tem que fazer o serviço sujo”, alfineta Bocato, dizendo que a música se tornou mais conservadora, nas últimas décadas. “Até a época da bossa nova, em termos de harmonia, a música brasileira acompanhou o nível de criação no jazz, mas, a partir dos anos 70, se concentrou demais no ritmo e nas canções”, critica.
“Hidrogênio” marca a volta de Bocato ao selo independente Baratos Afins, do produtor e lojista Luiz Calanca, pelo qual já gravou seis álbuns – o anterior foi “Ladrão de Trombone” (1990). O novo CD só será vendido na loja ou pelo site www.baratosafins.com.br.
“Como dizia Einstein, não existe experiência que dá errado. Esta que fizemos já mostrou que se pode fazer música sem a preocupação de seguir um estilo ou uma tendência”, conclui o trombonista.
(entrevista publicada na “Folha de S. Paulo, em 12/01/2009)
"Maysa": série de TV revive a história de nossa diva da dor de cotovelo
Marcadores: amy winehouse, bossa nova, larissa maciel, maysa, ronaldo bôscoli | author: Carlos CaladoIntensa, irreverente, contraditória, autodestrutiva, mas antes de tudo uma grande cantora. Assim era Maysa (1936-1977), nossa eterna diva da fossa e da dor de cotovelo, cuja história pessoal e, naturalmente, sua música, inspiraram a minissérie que a TV Globo tem exibido desde a última segunda-feira.
Dirigida por Jayme Monjardim, filho da cantora, “Maysa - Quando Fala o Coração” mostrou em seus primeiros capítulos um eficiente elenco de atores, esmero na produção dos cenários e figurinos, além da bela fotografia de Affonso Beato (valorizada pela transmissão em alta definição), num padrão raro em produções para a TV brasileira.
A série revelou também a talentosa atriz gaúcha Larissa Maciel, que personifica a cantora de maneira bem convincente. Ainda que falte um pouco de intensidade em sua interpretação, justamente nas cenas em que dubla Maysa cantando, seus grandes e expressivos olhos verdes são capazes de hipnotizar o espectador.
Talvez a opção de Manoel Carlos, autor da série, por uma narrativa não-cronológica possa incomodar os espectadores acostumados ao formato mais convencional de grande parte das novelas e minisséries da emissora. Mas esse recurso permite equilibrar, por meio de flashbacks, as passagens mais pesadas e melodramáticas da história com outras mais descontraídas, incluindo os esperados números musicais.
Especialmente saborosa é a cena em que Maysa interpreta o samba-canção “Ouça” (de sua autoria), um dos maiores sucessos de sua carreira. Com o rosto em primeiro plano, enquadrado pela tela de um aparelho de TV, a cantora mandou um irônico recado para o ex-marido, o milionário André Matarazzo. E que outra cantora teria, como a impulsiva Maysa, a coragem de tirar o sapato e atirá-lo sobre um grupo de espectadores desrespeitosos, que insistiam em falar alto durante uma de suas apresentações?
Já as aparições do jornalista e compositor Ronaldo Bôscoli (bem interpretado pelo ator Mateus Solano) garantiram os momentos mais leves e divertidos dos primeiros capítulos. “Pela bossa nova, eu namoraria até o Trio Iraquitã”, dispara o autor da clássica “Lobo Bobo”, no melhor estilo cafajeste, pouco antes de lançar seu charme sobre a cantora.
Ironicamente, outra cena exibida na última quarta-feira nos remeteu a um fenômeno cultural bem característico dos dias de hoje: a indústria que se alimenta da vida pessoal dos artistas e celebridades. Flagrada por um paparazzo, ao se despir para um banho de cachoeira com um grupo de amigos, Maysa viu sua intimidade exposta na capa de um tablóide, bem semelhante aos atuais.
Quem sabe, se conhecesse o trágico final de Maysa, a cantora inglesa Amy Winehouse – que parece ser tão intensa e autodestrutiva quanto a diva brasileira da fossa – tivesse um revelador insight sobre o que a próxima noite de excessos pode lhe reservar.
(resenha publicada na “Folha de S. Paulo”, em 11/01/2009)
50 anos de "Kind of Blue": edição comemorativa também sai no Brasil
Marcadores: ashley kahn, bill evans, cannonball adderley, jazz, john coltrane, kind of blue, miles davis | author: Carlos CaladoJá disponível no mercado norte-americano pelo selo Columbia/Legacy, a edição comemorativa do 50º aniversário do álbum “Kind of Blue”, de Miles Davis, vem numa caixa em formato de LP. Traz dois CDs, incluindo gravações inéditas e raras, uma versão do álbum em vinil de 180 gramas, um DVD com registros visuais da época da gravação e um livreto de 60 páginas.
Essa edição comemorativa deve chegar às lojas brasileiras pela Sony-BMG, no final deste mês, no mesmo formato da edição norte-americana, mas sem a versão em vinil (o preço da caixa ainda não está definido).
Autor do saboroso livro “Kind of Blue: a História da Obra-prima de Miles Davis” (lançado aqui pela editora Barracuda), o jornalista e produtor musical Ashley Kahn afirma que o sucesso desse álbum, capaz de atrair até fãs do rock e do pop, pode ser explicado por sua “acessibilidade”.
“‘Kind of Blue’ permitiu que qualquer pessoa pudesse entrar pela porta do jazz, sem precisar conhecer previamente esse gênero musical. ‘Então isso é jazz?’, foi a pergunta que muitos desses ouvintes fizeram depois de perceber que também poderiam ter acesso fácil a essa música”, comenta o escritor norte-americano.
Relaxamento
Calcadas em longos e relaxados improvisos que privilegiam as melodias, em vez dos ritmos frenéticos e das harmonias complexas que marcaram o jazz dos anos 50, as cinco faixas de “Kind of Blue” são exemplares da iniciativa de Miles Davis no sentido de recuperar parte da simplicidade que o jazz perdeu durante a década de 40, com o advento do bebop, estilo que inaugurou a fase moderna do jazz.
Kahn destaca também a especial combinação de estilos pessoais no sexteto de Davis. “Ninguém soava como John Coltrane, Cannonball Adderley, Bill Evans, Paul Chambers, Jimmy Cobb e, claro, Miles Davis. Todos eram únicos em seus respectivos instrumentos. Além disso, seus estilos pessoais traziam um traço profundo de emotividade. Mesmo um fã de heavy metal ou de hip-hop pode sentir essa emoção”.
Não há dados muito precisos sobre a vendagem de “Kind of Blue”. Segundo a Nielsen SoundScan, empresa que só começou a aferir esses números a partir de 1991, mais de 3 milhões de cópias já foram vendidas nos Estados Unidos, além da estimativa de pelo menos outro milhão de cópias vendidas no resto do mundo.
Nenhum outro disco de jazz se aproxima desses números até hoje. E as vendas impulsionadas pelos festejos do 50º aniversário do álbum, durante este ano, só devem aumentar essa liderança entre os discos do gênero.
(publicado parcialmente na “Folha de S. Paulo”, em 7/01/2009)
50 anos de "Kind of Blue": baterista Jimmy Cobb comanda comemoração no 2º Bridgestone Music
Marcadores: bridgestone, jazz, jimmy cobb, kind of blue, miles davis, new orleans, toy lima | author: Carlos Calado
O músico norte-americano Jimmy Cobb, 79, tem um currículo invejável. Tocou com grandes figuras do jazz, como Dizzy Gillespie, Gil Evans e Billie Holiday, mas costuma ser mencionado como o baterista do cultuado “Kind of Blue”, álbum do trompetista Miles Davis (1926-1991) que detém o título de disco de jazz mais vendido de todos os tempos.
“Se Miles pudesse saber que ‘Kind of Blue’ se tornaria tão famoso, teria exigido ao menos uma ou duas Ferraris como adiantamento, para gravá-lo”, diz o veterano baterista, em entrevista à Folha.
Último remanescente do sexteto que gravou “Kind of Blue”, além de outros discos de Miles Davis e do saxofonista John Coltrane (1926-1967), Cobb virá a São Paulo para um concerto comemorativo dos 50 anos dessa obra-prima do jazz, na segunda edição do festival Bridgestone Music, de 14 a 16 de maio, no Citibank Hall.
Intitulado “Kind of Blue @ 50”, esse concerto já está agendado em alguns dos maiores festivais norte-americanos do gênero, como o New Orleans Jazz & Heritage (dia 3/5) e o Playboy Jazz (13/6). Clubes e festivais de jazz da Europa e do Japão também farão parte dessa turnê.
Músicos de prestígio
Cobb, que já esteve no Brasil com a cantora Sarah Vaughan, nos anos 70, terá a seu lado desta vez a So What Band. Esse sexteto destaca outros músicos de prestígio na cena do jazz: o trompetista Wallace Roney (discípulo reconhecido pelo próprio Miles Davis), Vincent Herring (sax alto), Javon Jackson (sax tenor), Larry Willis (piano) e Buster Williams (baixo).
“Tentei fazer o mesmo que Miles quando ele formava seus grupos. Reuni nesta banda alguns dos melhores músicos de jazz no momento”, diz Cobb, observando que, para escolher os parceiros, também levou em conta a afinidade que eles têm com os estilos de Cannonball Adderley, John Coltrane, Bill Evans e Paul Chambers, músicos que integravam o brilhante sexteto de Davis.
Isso não significa, observa o baterista, que ele e seus colegas de banda planejam reproduzir nota por nota as gravações das hoje clássicas composições “So What”, “Freddie Freeloader”, “Blue in Green”, “All Blues” e “Flamenco Sketches”, que integram o álbum “Kind of Blue”.
“Além de homenagear Miles, nossa intenção é trazer o espírito daquela gravação para os dias de hoje”, diz Cobb, revelando que alguns temas de outros álbuns de Davis devem entrar no repertório do concerto, mas só serão escolhidos pelo sexteto pouco antes de entrar no palco.
Confirmando o já folclórico estilo lacônico de Davis no comando de seus músicos, Cobb conta que jamais chegou a conversar propriamente com ele sobre as duas sessões de gravação de “Kind of Blue”. Mas acredita que o trompetista não tivesse alguma expectativa fora do comum em relação a elas.
Sucesso sem explicação
“Não tenho uma explicação para o imenso sucesso desse disco. Não houve qualquer planejamento, isso simplesmente aconteceu. Ao entrar no estúdio, nossa intenção era apenas fazer mais uma boa sessão de gravação com Miles”, diz Cobb, que o acompanhou regularmente entre 1958 e 1962, em gravações e shows.
Fã de Miles Davis, Toy Lima, produtor do Bridgestone Music, conta que já comprou “Kind of Blue” em diversos formatos, do original LP de vinil até uma edição especial em CD banhado a ouro, lançada nos anos 90. E diz que decidiu trazer Jimmy Cobb e seu concerto-tributo para o festival estimulado pela aura mítica que cerca esse disco até hoje.
“Esse álbum é reconhecido, cinco décadas após a sua gravação, como o ápice do jazz moderno. E não é só quem gosta de jazz que fica contaminado pela introdução etérea de ‘So What’, por exemplo. Como escreveu Ashley Kahn, em seu livro sobre ‘Kind of Blue’, essa música tem o poder de silenciar tudo”, diz o produtor paulista.
(entrevista publicada na “Folha de S. Paulo”, em 7/01/2009)