Mostrando postagens com marcador choro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador choro. Mostrar todas as postagens

André Siqueira e Toninho Ferragutti: antigas valsas de Garoto com a sensibilidade de hoje

|

                                   André Siqueira e Toninho Ferragutti, no show de lançamento no Sesc 14 Bis 


Confesso que, num primeiro momento, não cheguei a ficar animado ao saber que o violonista André Siqueira e o acordeonista Toninho Ferragutti gravaram um álbum com 10 valsas do lendário Garoto (1915-1955). Pensei: será que esses talentosos instrumentistas vão conseguir realizar a proeza de tornar atraente aos ouvintes de hoje um repertório tão antigo, criado quase um século atrás?

Que recursos musicais esses admiradores do grande multi-instrumentista de cordas – paulista como eles – poderiam utilizar para conquistar a atenção das plateias contemporâneas? Afinal, já nos acostumamos à alta intensidade sonora e à variedade rítmica da música de hoje, que nos chacoalha e entorpece, diariamente, por meio das plataformas de streaming, dos smartphones e canais do YouTube.

É provável que um receio semelhante ao meu tenha passado pelas cabeças de alguns dos felizardos que foram ao Sesc 14 Bis, na quinta-feira (3/10), para o show de lançamento de “Valsas de Garoto”, álbum em formato digital do Selo Sesc. Mas bastou escutar “Dias Felizes”, a doce valsa que abriu o repertório da noite, para que a plateia começasse a ser transportada para uma época em que a música e o lirismo costumavam andar de mãos dadas.

Autores dos arranjos do álbum, Siqueira e Ferragutti optaram por releituras: conseguiram imprimir um sabor mais atual às valsas de Garoto, tendo o cuidado de preservar a essência dessas composições. A maior parte do repertório é interpretada em duo de violão e acordeom. Por outro lado, o álbum ganhou timbres adicionais com as participações especiais de mais três craques da música instrumental: o violonista Paulo Bellinati, grande especialista na obra de Garoto; o clarinetista Alexandre Ribeiro e o violinista Ricardo Herz.

Foi bastante feliz a ideia de relembrar, na releitura da valsa “Luar de Areal”, o som do cultuado Trio Surdina – grupo formado por Garoto na década de 1950, quando teve a seu lado os talentos do violinista Fafá Lemos e de Chiquinho do Acordeom. Tanto nessa faixa do álbum, como no show de lançamento, Herz brilhou com seu violino, ao trazer de volta a sonoridade de Fafá, em alguns momentos.

Outra releitura muito especial é a de “A Cruz de Ouro”, que destaca a emotiva interpretação de Bellinati, ao violão. Já a valsa “Dugenir”, que Garoto dedicou à sua esposa, destaca a expressividade do clarinete de Ribeiro. Mas só mesmo quem foi ao show de lançamento, no Sesc 14 Bis, teve o privilégio de ouvir mais uma vez a emotiva “Gente Humilde”, a composição mais popular de Garoto, interpretada por Ferragutti, Siqueira e seus três convidados.

Tratando com carinho esse repertório do passado, Siqueira e Ferragutti utilizam suas sensibilidades contemporâneas para realçar as belezas dessas composições. Aplausos aos protagonistas do projeto “Valsas de Garoto” por provarem que a música instrumental de outras épocas também pode e deve ser apreciada, se o preconceito etarista for deixado de lado. E parabéns ao Selo Sesc por abraçar um projeto como esse, num momento em que a diluição parece tomar conta de muitas áreas de nossa cultura. 

 

São Paulo Jazz Weekend: novo festival abraça a bossa, o choro e o som instrumental brasileiro

|

 

                                                                             A cantora norte-americana Dianne Reeves     

Muita gente pensa que os grandes festivais de música ao ar livre surgiram na segunda metade da década de 1960, época em que a geração hippie sonhava com uma sociedade libertária e naturalista, em um mundo mais pacífico. Impulsionados pelo carisma de ídolos do rock e da música negra daquele período, como Jimi Hendrix, Janis Joplin e Otis Redding, festivais nos Estados Unidos, como o Monterey Pop (em 1967) e Woodstock (1969), difundiram essa impressão errônea.  

O pioneirismo nesse setor do showbiz pertence, de fato, ao Newport Jazz Festival, hoje chamado de “avô dos festivais de música”. Esse evento comemorou 70 anos em julho último, em Rhode Island, com uma edição recheada de craques do gênero. Seu fundador, o pianista e produtor George Wein (1925-2021) também foi responsável pela criação de outros eventos similares, como o New Orleans Jazz & Heritage, megafestival que segue firme em sua trajetória de 54 anos, na Louisiana. Na edição deste ano, sua atração principal foi simplesmente a banda inglesa The Rolling Stones.      

Quem quiser conferir as credenciais do veterano Newport Jazz vai se surpreender ao assistir ao clássico documentário “Jazz on a Summer’s Day” (de Bert Stern e Aram Avakian, disponível no YouTube). Cenas filmadas durante a edição de 1958 desse festival captam com requinte a descontração e as reações dos fãs na plateia, em meio a brilhantes performances de Thelonious Monk, Anita O’Day, Louis Armstrong e Gerry Mulligan, entre outros.

Passadas sete décadas, hoje os festivais de jazz são realizados nos mais diversos cantos do mundo. Para atender seu público, que pode reunir diversas faixas etárias, os organizadores sabem que já não é suficiente oferecer apenas boa música. Muitos frequentadores valorizam a possibilidade de tomar um drinque e se alimentar bem, em meio à maratona musical, ou mesmo dispor de locais agradáveis para relaxar ou se refrescar entre um show e outro.

Um festival diferente de seus pares

A preocupação com o conforto da plateia também está na lista de itens essenciais do São Paulo Jazz Weekend, festival que realiza sua primeira edição nos dias 28 e 29/09 (sábado e domingo), na área externa do Memorial da América Latina. Mas o que mais chama atenção é o seu menu musical, que combina diversos estilos de jazz, bossa nova, choro e muita música instrumental brasileira. Em outras palavras, um festival diferente de quase todos por aí: sem rap, rock, metal, funk carioca ou música sertaneja, em seus dois palcos.

“Nosso objetivo maior é fomentar o mercado”, afirma a produtora Giselle Ventura, que assina a direção do evento com o músico Thiago Espírito Santo. “A gente cria uma oportunidade para um público que virá ao Memorial por causa dos shows de Dianne Reeves, do Shai Maestro Trio ou de Seu Jorge & Daniel Jobim. Ali esse público vai encontrar um leque de sons e músicos jovens que ainda não conhece”, diz ela.

O nome do “bruxo” Hermeto Pascoal chegou a ser anunciado para o primeiro dia do festival, mas seu show foi cancelado porque ele terá que passar por uma intervenção cirúrgica. “Isso pegou a gente de surpresa. Não é fácil substituir um músico como o Hermeto, porque muita gente vai ao festival na expectativa de assistir ao show dele”, admite Thiago. A solução foi convidar Yamandu Costa, que estará de passagem pelo Brasil. O conceituado violonista gaúcho, que hoje vive em Portugal, terá a seu lado dois antigos parceiros: o baterista Edu Ribeiro e o próprio Thiago, no baixo.

O diretor do Jazz Weekend conta que o projeto do novo festival já existe há oito anos, mas ainda não tinha saído do papel por falta de patrocínio. “Em 2020 quase deu certo, mas aí veio a pandemia”, relembra Thiago. “São poucos os festivais que se arriscam a mexer com música instrumental”, comenta, observando que após o longevo Free Jazz Festival (realizado de 1985 a 2001), quase todos os eventos do gênero no Brasil se tornaram “abrangentes”. Em outras palavras, exageram nas doses de música pop e derivados.

Conforto para a plateia

Além da programação musical de alta qualidade, Thiago destaca também a estrutura do Jazz Weekend, criada para que a plateia se sinta confortável ao encarar a maratona de shows. “Eu não posso fazer um festival com 10 horas de duração e oferecer banheiros químicos. Então teremos uma estrutura com 98 cabines de banheiros de louça, com pia e espelho. Já na área de alimentação, mesas de piquenique vão permitir que as pessoas possam se sentar para comer”. 

Diferentemente de outros festivais com mais de um palco, o evento não vai programar shows simultâneos – livrando assim os frequentadores de serem obrigados a escolher entre um show ou outro. As apresentações no Palco Laércio de Freitas (homenagem ao pianista e compositor paulista, que morreu em julho) vão durar de 40 a 60 minutos.  

Texto publicado no caderno de cultura do jornal "Valor Econômico"

Programação        

Sábado (28/9)
Roda de Choro (às 11h10), Irmãos e Brothers (às 12h25), Carol Panesi (às 13h40), Henrique Mota (às 14h55), Amaro Freitas (às 16h10), Scott Kinsey Group (às 17h40), Yamandu Costa Trio (às 19h10) e Dianne Reeves (às 20h30).

Domingo (29/9)
Morgana Moreno e Marcelo Rosário (às 11h15), Dani e Débora Gurgel Big Band (às 12h30), Octeta (às 14h), Brazú Quintê (às 15h05), Salomão Soares e Guegué Medeiros (às 16h15), Shai Maestro Trio (às 19h), Seu Jorge e Daniel Jobim (às 20h30).   

Ingressos e horários

Abertura dos portões: dia 28, às 11h; dia 29, às 11h

Onde: Memorial da América Latina - Acesso para o público pelo Portão 2, na Rua Tagipuru.

Ingressos: R$ 85,00

Onde comprar: 
https://spjw.byinti.com/#/event/UtXz3Q4u0vYLlfI3Cvrw



       
   

Choraço 2023: Paulo Bellinati lidera homenagem a Garoto, mestre do violão moderno

|

                                        Daniel Murray (da esq. para dir.), Paulo Bellinati e Swami Jr., no tributo a Garoto 

Quase sete décadas após a morte do grande violonista e compositor Aníbal Augusto Sardinha (1915-1955), mais conhecido como Garoto, o Brasil ainda tem uma dívida com ele. Considerado um fundador do moderno violão brasileiro e precursor da bossa nova, esse “gênio das cordas”, como chegou a ser chamado, jamais foi reconhecido pelo grande público de nosso país na medida em que sua obra musical mereceria.

É provável que ao menos algumas pessoas que foram anteontem (o feriado de 1.º de maio) ao show “Tributo a Garoto” tenham saído do Sesc 24 de Maio, em São Paulo, surpreendidas pela modernidade de sambas como “Lamentos do Morro” e “Sinal dos Tempos” ou pela beleza de choros e valsas, como “Quanto Dói Uma Saudade”, “Tristezas de Um Violão” e “Naqueles Velhos Tempos”, que revelam a maestria desse compositor paulistano.

Incluída na programação do projeto Choraço, essa homenagem não poderia estar em melhores mãos. A começar por Paulo Bellinati, grande violonista e profundo conhecedor da obra de Garoto, que lançou em 1986 um disco integralmente dedicado às composições do mestre (aliás, intitulado “Garoto”, esse álbum foi remasterizado e relançado pelo Selo Sesc, em 2019).

Ao lado de Bellinati estavam outros dois craques das cordas: Swami Jr. (violão de sete cordas) e Daniel Murray (violão), que se alternaram com ele em diferentes formações. A noite contou ainda com a participação especial de Cainã Cavalcante, outra grande revelação do violão brasileiro neste século.

Pena que Garoto, morto precocemente aos 39 anos, não tenha tido o prazer de ouvir suas composições nas interpretações desses brilhantes discípulos de gerações posteriores. Graças a eles, sua música continua encantando plateias.

Choraço 2023: festival do Sesc homenageia Zé Barbeiro, mestre do choro paulista

|

      
O violonista Zé Barbeiro (no centro do palco), seus convidados e seu grupo de choro 
 

O compositor e violonista Zé Barbeiro, mestre do choro paulista, comemorou seus 50 anos de música, ontem (21/4), no teatro do Sesc 24 de Maio, em São Paulo. O show fez parte da extensa programação do Choraço, projeto que desde o ano passado já merecia ser reconhecido como um festival dedicado ao choro, o gênero mais tradicional da música instrumental brasileira.

Além dos 16 shows da edição deste ano, que ocupa três semanas da programação dessa unidade do Sesc paulista, o Choraço também oferece masterclasses ministradas por ótimos instrumentistas e um bate-papo sobre a História do Choro com o músico e pesquisador Henrique Cazes, especialista nesse gênero (dia 27/4, às 14h).

Essas são atividades típicas dos grandes festivais de música, mas o Choraço também merece esse status pela alta qualidade dos solistas e grupos instrumentais de São Paulo, Rio e Bahia, que compõem o elenco deste ano.  

Zé Barbeiro iniciou a carreira musical tocando seu violão de sete cordas em rodas de samba e choro, mas suas polcas e valsas, assim como os maxixes e sambas de sua autoria, não soam tradicionais. Em choros com tempero contemporâneo, ele expande as formas e bagunça as convenções desse gênero com um senso de humor irresistível.  

Só mesmo um gozador com jeitão de mal humorado, como ele, para batizar composições com títulos como “Clarinetista Enchendo o Sax”, “Dias Melhores Não Virão” ou o imbatível “Mais Quebrado que Macarrão em Cesta Básica”.

O Choraço 2023 prossegue até dia 7 de maio. Consulte a programação e adquira ingressos no site do Sesc SP:
https://www.sescsp.org.br/sesc-24-de-maio-celebra-o-mes.../

Sesc Jazz: festival promove noite de tributo musical a Laercio de Freitas

|

                      O compositor Laércio de Freitas (no centro, de máscara) abraça o clarinetista Nailor Proveta  


Sentado na plateia, o protagonista da noite dedilhava um piano imaginário, em alguns momentos, como se estivesse acompanhando os instrumentistas do palco. Um dos músicos mais queridos e admirados nos círculos do choro e da música instrumental brasileira, o pianista, compositor e arranjador paulista Laércio de Freitas recebeu uma bela homenagem, ontem (22/10), no festival Sesc Jazz, em São Paulo.  

A noite destacou saborosos arranjos de choros e sambas de Laércio, assinados pelo clarinetista Nailor Proveta, pelo violonista Edmilson Capelupi e pelo próprio compositor. Especialmente divertido foi o "bis" exigido pela plateia, quando os pianistas Cristóvão Bastos, Silvia Góes, Carlos Roberto e Hércules Gomes -- convidados especiais da noite -- retornaram juntos ao palco e se sentaram ao único piano. Entre um improviso bem-humorado e outro ouviu-se uma sucessão de risos, tanto no palco como na plateia.

O show “Laércio de Freitas Eterno e Moderno” volta a ser apresentado hoje, às 17h, no teatro do Sesc Pompeia, com participações especiais de outros pianistas convidados: Amilton Godoi, Leandro Braga e Tiago Costa, além de Carlos Roberto (talentoso sobrinho do grande pianista Dom Salvador), que também tocou na noite de ontem.

Choraço: noite de maioria feminina trouxe Maria Alcina e choros atrevidos

|

                         As cantoras Patricia Bastos, Rita Braga e Maria Alcina, em show do projeto Choraço  

Com bom humor e toques teatrais, o show “Se Me Deixam Chorar: A Era do Choro Atrevido” levou imagens raras ao palco do Sesc 24 de Maio, ontem (8/5), em São Paulo. Ao contrário do que ainda se costuma ver em shows, sejam de samba, de MPB, de rock ou de jazz, as mulheres, tanto cantoras, como instrumentistas, eram absoluta maioria no elenco musical dessa noite do projeto Choraço.

Rita Braga e suas convidadas especiais, Maria Alcina e Patrícia Bastos, cantaram saborosos choros, como “Yaô” (de Pixinguinha”), “Tico-Tico no Fubá” (Zequinha de Abreu), “Apanhei um Resfriado” (Leonel Azevedo e Sá Roris) e “Choro Inconsequente” (Raul Seixas), que provocaram sorrisos e ganharam apoio vocal da plateia.

Ao ver Maria Alcina entrar no palco, me veio a lembrança da incrível performance dessa corajosa cantora, em 1972, no Festival Internacional da Canção. No auge da ditadura militar, ela desafiou a censura e a repressão desencadeados pelo golpe de 1964, com uma dança provocativa e seu vozeirão (ainda poderoso 50 anos depois), ao interpretar “Fio Maravilha”, de Jorge Ben. E por isso foi perseguida e censurada. Qualquer semelhança com certos absurdos atuais, vale lembrar, não é mera coincidência. Salve a grande Maria Alcina!

Muito especial também foi a participação da pianista Heloísa Fernandes, que fez a plateia segurar o fôlego ao ouvir sua inventiva releitura do clássico “Chorinho Pra Ele”, do mestre Hermeto Pascoal. O elenco de convidadas trouxe ainda o quarteto das pioneiras Choronas, primeiro grupo feminino de choro, que já se aproxima de seus 30 anos de carreira.

Tomara que esse show sirva de lição para aqueles que ainda insistem em desmerecer os talentos das mulheres, tanto nos palcos como na vida. Com ou sem o apoio dos homens, elas estão conquistando, mais e mais, os espaços que sempre mereceram. 

Os shows e atividades formativas do projeto Choraço prosseguem até 19/5. Consulte a programação e compre seus ingressos no site do Sesc SP: 
https://www.sescsp.org.br/projetos/choraco/

Choraço: os personalíssimos choros de Laércio de Freitas, em merecida homenagem

|

                                                O compositor e pianista Laércio de Freitas, na noite em sua homenagem

Nos círculos do choro e da música instrumental paulista, raros músicos são tão queridos e admirados como ele. O pianista, arranjador, maestro e ator Laércio de Freitas foi homenageado na noite de ontem (6/5), em mais um show do projeto Choraço (no Teatro do Sesc 24 de Maio, em São Paulo).

Compositor com uma assinatura musical personalíssima, esse paulista nascido em Campinas causou impacto entre os fãs do gênero, em 1980, ao lançar seu álbum “São Paulo no Balanço do Choro” (selo Eldorado). Com um repertório quase todo autoral, esse disco já despontou como um clássico instantâneo do choro.

A saúde debilitada não impediu que Laércio participasse, com seu habitual bom humor, do show comemorativo de seus 80 anos. “Estou só ciscando”, brincou, provocando risadas no palco e na plateia, ao se sentar ao piano com Daniel Grajew, já mais ao final da apresentação.

No programa da noite, alguns dos choros mais conhecidos de Laércio, como “Fandangoso”, “Camondongas”, “Sumaré-Pompéia” e “São Paulo no Balanço do Choro”, interpretados por um competente septeto liderado pelo flautista Shen Ribeiro. Não faltou o delicioso “Arabiando”, choro de Esmeraldino Salles (1916-1979), violonista que Laércio credita como uma de suas influências nesse gênero musical .

Salve o maestro e mestre do choro Laercio de Freitas!


Choraço: Thiago Delegado exibe em São Paulo a riqueza musical do choro mineiro

|

                                            O sexteto do violonista mineiro Thiago Delegado, no projeto Choraço

Thiago Delegado preparou uma ótima surpresa para a plateia que foi ouvi-lo ontem (sábado, 30/4), no Sesc 24 de Maio, em São Paulo. Atração de mais uma noite do projeto Choraço, o violonista e compositor radicado em Belo Horizonte ofereceu uma bela seleção de choros assinados por compositores de Minas Gerais. Uma oportunidade rara de se ouvir um repertório praticamente desconhecido em outros estados do país.

Muito bem acompanhado, Thiago abriu a noite com “Cansei de Ser Enganado” – simpático choro de sua autoria, gravado em seu álbum “Viamundo” (2015). No repertório do show também entraram belezas de tradicionais chorões mineiros, como Belini Andrade, Tião do Bandolim e Godofredo Guedes (pai do compositor e cantor Beto Guedes). Ou ainda o grande Abel Ferreira, admirado nacionalmente há décadas, que também será homenageado pelo clarinetista Nailor Proveta, nesta quinta-feira (5/5).

O show “Choro Mineiro” também incluiu deliciosos choros assinados por integrantes do sexteto liderado por Thiago: “Hortência na Folia”, da flautista Marcela Nunes (em parceria com Renato Muringa); “Metafórico”, do clarinetista Caetano Brasil; e “Entre Harmonias e Meio Diminutos”, do cavaquinista Pablo Dias. Só pelos títulos dessas composições já se pode sentir um pouco da modernidade perseguida por esses talentosos instrumentistas mineiros.

Músico eclético, que começou a chamar atenção na noite de Belo Horizonte em rodas de choro, Thiago não deixou por menos. Também relembrou seu choro “Sarau pro Sr. Mozart”, dedicado ao violonista Mozart Secundino, referência do choro de Minas. E ainda homenageou outros dois craques da música instrumental mineira: Celso e Juarez Moreira, com seu choro “Lembrando Irmãos Moreira”. Que beleza de noite!




Choraço: Alexandre Ribeiro homenageia o grande Paulo Moura com choros de gafieira

|

                                    O clarinetista Alexandre Ribeiro, com Allan Abbadia (trombone) e Cleber Silveira 


Em mais uma noite do projeto Choraço (ontem, no teatro do Sesc 24 de Maio, em São Paulo), o show Baile do Ribeiro resgatou para a alegria da plateia um repertório dançante associado à obra do grande clarinetista, compositor e arranjador Paulo Moura (1932-2010).

Como Moura passou a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro, muitos não sabem que esse mestre da música instrumental brasileira nasceu em São José do Rio Preto, no interior paulista. Além de tocar muito jazz e música clássica, ele tinha paixão pelo universo das gafieiras – os salões de baile periféricos, onde se cultivavam estilos particulares de choro e samba, perfeitos para acompanhar os passos dos dançarinos.

O talentoso clarinetista Alexandre Ribeiro, discípulo de Moura, comandou um octeto de craques instrumentistas, formado por Swami Jr. (baixo e violão), Cainã Cavacante (violão de sete cordas), Celso Almeida (bateria), Henrique Araújo (cavaquinho), 
Allan Abbadia (trombone), Cleber Silveira (acordeon) e Leo Rodrigues (percussão).

 A 
descontraída homenagem incluiu momentos mais líricos, como o emotivo choro “Carinhoso” (de Pixinguinha e Braguinha), que a plateia cantou junto com Verônica Ferriani – cantora convidada da noite. A pandeirista Roberta Valente também fez uma participação especial.  

Se estivesse ontem no Teatro do Sesc 24 de Maio, Paulo Moura certamente se sentiria orgulhoso por constatar que sua paixão pelos choros e pelos sambas de gafieira continua a animar e influenciar novas gerações.


Discos em 2018: 80 recomendações de álbuns de jazz, instrumental, MPB e black music

|



Às vésperas de completar 10 anos, este blog oferece a você mais uma lista anual de discos recomendados. Para quem não me conhece e está acessando este blog pela primeira vez, repito algo que já disse em anos anteriores. Não tenho a pretensão de publicar uma lista de “melhores” discos de 2018, pois não concordo com a ideia de que discos de diferentes artistas, que cultivam gêneros musicais diversos, possam ser comparados para se estabelecer um suposto ranking de “melhores”.

Também não acho que o gosto pessoal de um crítico, ou mesmo uma enquete com uma dúzia de supostos experts em música, possam ser utilizados como parâmetros para se afirmar que um disco é superior a outros. Até porque, a cada ano que passa, é maior o número de lançamentos de discos, sejam eles distribuídos em versões físicas (CD ou vinil) ou por meio de plataformas digitais. É praticamente impossível a qualquer crítico especializado ter acesso a toda essa produção fonográfica.

Meu plano inicial era organizar, como no ano passado, uma lista com 50 discos de jazz, música instrumental brasileira, MPB e de algumas vertentes da música negra. Acabei decidindo ampliar esse número para 80 álbuns (listados em ordem alfabética), para não deixar de fora muitos lançamentos de 2018 que merecem atenção.

Finalmente, um aviso importante: como grande parte desses discos que vou recomendar também estão disponíveis no YouTube, se você clicar no título dos discos listados abaixo vai poder ouvi-los ou pelo menos assistir a um vídeo associado a cada um desses álbuns. Se gostar do que ouvir, o artista em questão vai ficar muito contente se você comprar seu disco ou assistir ao seu show quando ele se apresentar em sua cidade.

Aproveito para desejar a você um 2019 repleto de música de boa qualidade. Tomara que esta lista o ajude a descobrir novos artistas e discos. Quem gosta mesmo de música sabe que não há limites para isso. Nossa curiosidade por novos sons sempre se renova. 



                                    
                        

Alexandra Jackson - “Legacy & Alchemy” (Legacy and Alchemy) – Cantando em português quase sem sotaque, essa talentosa intérprete americana declara sua paixão pela música brasileira. Canções de Tom Jobim, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Milton Nascimento se destacam no repertório de seu disco de estreia.

Amaro Freitas - “Rasif” (Far Out) – Ritmos nordestinos, como o baião, o maracatu e o frevo, revelam a identidade do jazz (ou música instrumental, para quem preferir) cultivado por esse inventivo pianista e compositor pernambucano, em seu segundo álbum. Amaro é uma das grandes revelações recentes na cena musical brasileira.

Anaí Rosa - “Anaí Rosa Atraca Geraldo Pereira” (Sesc) – A cantora paulista homenageia Geraldo Pereira, mestre do samba sincopado, cujo centenário é festejado em 2018. Clássicos do gênero, como “Escurinho”, “Acertei no Milhar” e “Cabritada Malsucedida”, surgem em inusitados arranjos de Cacá Machado e Gilberto Monte.

André Abujamra - “Omindá” (independente) – Conhecido por seus trabalhos com Os Mulheres Negras e a banda Karnak, o compositor dedicou 11 anos ao ambicioso projeto de um show-filme sobre as relações do ser humano com a água. Mesmo sem a companhia das belas imagens do espetáculo, as canções continuam soando encantadoras.

Anelis Assumpção - “Taurina” (Scubidu) – A sombra musical do pai, o grande Itamar Assumpção (1949-2003), já não a ofusca mais. Em seu terceiro álbum, a cantora e compositora aborda o universo feminino de modo bem pessoal. Anelis não esconde a tristeza pela morte da irmã, Serena, mas também revela humor e doçura em suas canções.

Aniel Someillan - “Quilombo” (independente) – Primeiro álbum do contrabaixista cubano, que se radicou no Brasil em 2014. A releitura do samba-afro “Canto de Xangô” (de Baden Powell e Vinícius de Moraes), que mistura elementos rítmicos da santeria cubana e do candomblé brasileiro, é exemplar de suas pesquisas musicais.

Antonio Adolfo e Orquestra Atlântica - “Encontros” (AAM) – Nos últimos anos, o pianista e compositor carioca tem lançado discos saborosos e este, em parceria com uma big band, não foge à regra. No repertório, uma versão instrumental de “Sá Marina”, seu grande sucesso, e um arranjo de “Milestones” (Miles Davis), em ritmo de frevo.

Antonio Loureiro - “Livre” (YB) – O título do sexto álbum do multi-instrumentista, compositor e cantor mineiro soa como uma afirmação. Da engajada canção “Resistência” à instrumental “Caipira”, passando pela exuberante versão de “Oriente” (de Gilberto Gil), Loureiro parece decidido a romper fronteiras musicais.

Ari Borger Trio - “Rock ‘n’ Jazz” (independente) – Depois de morar na eclética New Orleans, é natural que este pianista e organista paulistano traga diversidade em sua música. Neste álbum, ele exibe releituras jazzísticas e blueseiras de clássicos dos Beatles, dos Stones e dos Doors, entre outras bandas de rock e pop.


Balaio (Cendi Music) – O quarteto formado em 2009 por Rubem Farias (baixo), Adriano Oliveira (teclados), Leonardo Susi (bateria) e Marco Bosco (percussão) tocou bastante na Ásia e na Europa até, enfim, lançar o primeiro álbum. Calcada em ritmos brasileiros, sua música remete às fusões do jazz dos anos 1970 e 1980.   

Benji Kaplan - “Chorando Sete Cores” (Big Apple Batucada) – Apreciador da música brasileira, o violonista, compositor e arranjador nova-iorquino reveste com cores e texturas eruditas ritmos como o samba, o maxixe, o baião e o maracatu. Para isso, utiliza um quinteto com flautas, clarinetes e trompa, além de seu violão.

Bixiga 70 - “Quebra Cabeça” (Deck) – O 4º álbum da compacta big band paulistana soa como virada de página. A forte ascendência do afrobeat, em seus primeiros discos, dá lugar a composições se abrem para influências de Cabo Verde, Cuba, Jamaica, Índia, Bahia e, naturalmente, da África. Música contagiante para dançar e viajar.

Cacá Machado - “Sibilina” (Circus/YB) – Cinco anos depois do inventivo “Eslavosamba” (2013), seu primeiro álbum, o compositor e professor universitário paulistano exibe mais uma coleção de canções que desafiam padrões. A etérea e ruidosa “Sob Neblina” representa bem o álbum, mas a inquietante “Tem Um” soa como obra-prima.

Cainã Cavalcante - “Corrente” (independente) – Saudado como “genial artista” por ninguém menos que Guinga, o violonista e compositor cearense lança aos 38 anos seu primeiro disco de violão solo. No repertório, belezas como a lírica “Mar de Saudade”, o samba “Vento Sul” e “Forró Gaúcho”, dedicado ao violonista Yamandú Costa.

Carlos Badia e Grupo - “0+2” (independente) – Blues, maracatu, baião, samba: o violonista, cantor e compositor gaúcho (ex-grupo de jazz Delicatessen) não parece preocupado em cultivar gêneros ou ritmos de sua região, no seu segundo disco. Até o belo tema “Uruguai”, que poderia ser considerado um chamamé, soa bem jazzístico.

Carol Panesi & Grupo - “Primeiras Impressões” (independente) – Depois de mais de uma década com a Itiberê Orquestra Família e o grupo de Itiberê Zwarg, a violinista e trompetista carioca gravou seu primeiro álbum. A influência da música universal de Hermeto Pascoal é marcante, mas não falta personalidade às suas composições.

Ceumar, Lui Coimbra e Paulo Freire - “Viola Perfumosa” (Natura/Circus) – A cantora mineira, o violoncelista carioca e o violeiro paulista fazem uma emocionante – e divertida – homenagem à cantora Inezita Barroso (1925-2015), expoente da música caipira. Clássicos como “Luar do Sertão” e “Índia” ganham versões camerísticas.

Coladera - “La Dôtu Lado” (Scubidu) – O português João Pires e o brasileiro Vitor Santana, ambos violonistas, encabeçam esse grupo que realiza um inspirador diálogo entre os universos musicais de Cabo Verde, Portugal e Brasil. Nove das 11 faixas do álbum são cantadas em português, mas a diversidade rítmica é ampla.

Conrado Paulino - “A Canção Brasileira” (independente) – Depois do ótimo álbum “4 Climas” (2015), o violonista argentino lança um sofisticado álbum de violão solo. “Todo Sentimento” (de Cristóvão Bastos e Chico Buarque) e “Sim ou Não” (Djavan) estão entre as pérolas da MPB que ganharam inventivos arranjos.   




Cris Delanno & Nelson Faria - “Bossa Is Her Name” (Batuke) – A cantora americana e o violonista mineiro, ambos radicados no Rio, recriam “Julie Is Her Name” (1955), influente álbum da cantora Julie London. A dupla transforma standards do jazz, como “Cry Me a River”, “’S Wonderful” e “I Should Care”, em atraentes bossas.

Dani Gurgel - “Tuqti” (Da Pá Virada) – O título do 2.º disco autoral da cantora paulistana tem a ver com o estilo de canto onomatopaico que os jazzistas chamam de scat. Dani abre o álbum exibindo sua habilidade vocal, no contagiante samba “Cadê a Rita” (com Gabriel Santiago), mas também interpreta canções em português e inglês.

Daniela Spielmann - “Afinidades” (independente) – Primeiro álbum totalmente autoral da saxofonista e flautista carioca, que também faz parte do grupo Rabo de Lagartixa. No repertório, ritmos brasileiros se misturam com a marcante influência do jazz. Participações especiais de Anat Cohen (clarinete) e Silvério Pontes (trompete).

Douglas Braga - “Música Livre” (independente) – Música clássica, jazz e música instrumental brasileira se encontram neste inusitado álbum idealizado pelo saxofonista e compositor paulista. O clarinetista Nailor Proveta e o violonista Gian Correa contribuíram com obras encomendadas especialmente para o projeto.

Duduka da Fonseca Trio - “Plays Dom Salvador” (Sunnyside) – O baterista carioca, radicado em Nova York, faz contagiante homenagem ao pianista Dom Salvador, que festejou seus 80 anos em 2018. Com David Feldman (piano) e Guto Wirtti (baixo), Duduka relembra “Tematrio” e “Farjuto”, entre outros clássicos do mestre do samba-jazz.

Duo Taufik - “D’Anima” (independente) – Para comemorar 10 anos de parceria, os irmãos Eduardo (piano) e Roberto Taufik (violão) gravaram este álbum com inspiradas composições próprias e criativas releituras de “Lôro” (Egberto Gismonti) e “Último Pau de Arara” (Corumba e Venâncio). Esse duo potiguar merece ser mais conhecido.

Edu Lobo, Dori Caymmi e Marcos Valle - “Edu, Dori & Marcos” (Biscoito Fino) – O encontro desses três grandes compositores e intérpretes da MPB, de fato, ficou restrito à sessão de fotos para a capa. Ainda assim, nas 12 faixas deste álbum, há belezas de sobra nas releituras que cada um deles faz de composições dos outros.

Edu Ribeiro, Toninho Ferragutti e Fábio Peron - “Folia de Reis” (Blaxtream) – A inusitada formação – bateria, acordeom e bandolim – explica a sonoridade diferente deste trio de craques liderado por Ribeiro. No repertório, composições próprias como o frevo “Procure Saber” (de Peron) e o maracatu “Mogiana” (Ferragutti). 




Elza Soares - “Deus É Mulher” (Deck) – Menos sombrio que o anterior “A Mulher do Fim do Mundo”, este álbum da cantora soa mais político e contundente. Entre ruídos e guitarras distorcidas, canções como “Exu nas Escolas” (de Edgar e Kiko Dinucci) e “Credo” (Douglas Germano) parecem ter sido compostas com os olhos num sinistro 2019.

Escalandrum - “Studio 2” (Warner) – Perto de completar 20 anos, o grupo de jazz argentino gravou seu 11º álbum no lendário estúdio Abbey Road, em Londres, só com repertório autoral. Do frenético tema “Acuático” (Nicolás Guerschberg) à melancolia de “Lolo” (Pipi Piazzolla), o brilhante sexteto tem vários motivos para comemorar. 

Eugénia Melo e Castro - “Mar Virtual” (Sesc) – Pioneira no diálogo entre a música popular brasileira e a canção portuguesa, a cantora e compositora lusitana realiza aqui um belo e ousado projeto. Inspirou-se na obra de seu pai, o poeta Ernesto Melo e Castro, que também dialoga com a poesia concretista brasileira. 

Fabiano Chagas - “Tributum” (independente) – No seu segundo álbum, o violonista e arranjador goiano homenageia em composições próprias músicos que admira, como o bandolinista Hamilton de Holanda e os jazzistas John Coltrane, Bill Frisell e Pat Metheny. Participações de Duduka da Fonseca (bateria) e Bororó (baixo). 

Fotografia Sonora - “Viva Airto!” (independente/Tratore) – O quinteto instrumental paulista tem como convidado especial, em seu quarto álbum, ninguém menos que Airto Moreira, grande mestre da percussão. De essência jazzística, as seis composições são assinadas por músicos do grupo, incluindo a homenagem “Viva Airto!”.  


Gaia Wilmer - Migrations (RPR/Biscoito Fino) – A saxofonista catarinense, hoje radicada em Boston (EUA), estreia bem em disco. Suas composições reciclam influências de músicos do jazz, como a americana Maria Schneider e o argentino Guillermo Klein, assim como de Hermeto Pascoal, cujo tema “Acuri” integra o repertório. 

Gilberto Gil - “OK OK OK” (Biscoito Fino) – É estimulante se ver um artista que já não precisa provar mais nada, aos 76 anos, lançar um disco só de composições inéditas. Entre canções leves que dedica a amigos, familiares e musas ocasionais, destaca-se sua sinceridade ao abordar temas difíceis, como o envelhecimento. 
 

Gilson Peranzzetta - “Tributo a Oscar Peterson” (Fina Flor) – Gravada ao vivo, em 2000, só saiu em 2018 esta bela homenagem do pianista carioca ao canadense Peterson (1925-2007), que despertou seu interesse pelo jazz. Com Paulo Russo (contrabaixo) e João Cortez (bateria), Peranzzetta toca standars de Cole Porter e Henry Mancini. 

Guilherme Dias Gomes - “Trips” (independente) – Jazz acústico de excelente qualidade, nesta sessão de gravação comandada pelo trompetista, compositor e arranjador carioca. Idriss Boudrioua (sax tenor), David Feldman (piano), André Vanconcelos (contrabaixo) Rafael Barata (bateria) e Firmino (percussão) formam o sexteto. 




Hamilton de Holanda - “Toca Jacob do Bandolim” (Deck) – Só mesmo um músico criativo como este bandolinista e compositor poderia encarar um projeto tão audacioso. Hamilton recria em quatro álbuns – cada um com uma abordagem musical diferente – a obra monumental de Jacob do Bandolim (1918-1969), mestre do choro.

Hamleto Stamato - “Ponte Aérea” (Fina Flor) – O pianista paulista continua a cultivar com personalidade o estilo ao qual já dedicou vários álbuns: o samba-jazz. Desta vez revisita clássicos de Tom Jobim (“O Morro Não Tem Vez”), Baden Powell (“Berimbau”) e Moacir Santos (“April Child”), além de tocar composições próprias.

Hércules Gomes - “No Tempo da Chiquinha Gonzaga” (independente) – Sem recorrer a releituras, o talentoso pianista capixaba interpreta clássicos da obra de Chiquinha Gonzaga (1847-1935) de maneira respeitosa, mas mais palatável aos ouvidos de hoje. Participações da cantora Vanessa Moreno e do flautista Rodrigo Y Castro.

Isca de Polícia - “Irreversível” (Elo Music) – A banda paulistana, que acompanhava Itamar Assumpção (1949-2003) nos anos 1980, lança seu segundo álbum. No repertório, uma nova safra de canções inspiradas pela estética musical de seu inspirador – a maior parte delas é assinada pelo baixista e produtor Paulo Lepetit.

Itiberê Zwarg & Grupo - “Intuitivo” (Sesc) – Depois de tocar com Hermeto Pascoal durante quatro décadas, esse baixista e compositor já se tornou um expoente da chamada “música universal”. Provas disso são composições de sua autoria incluídas neste álbum, como “Partiu”, “Explodindo Pipoca” e “No Galinheiro do Garga”.

Ivans Lins e Gilson Peranzzetta - “Cumplicidade” (Fina Flor) – O título é bem adequado. Ivan (voz e teclado) e Gilson (piano e arranjos) celebram sem pompas essa parceria de mais de quatro décadas. No repertório, “Setembro”, belo tema da dupla, e sucessos como “Abre Alas” e “Começar de Novo” (de Ivan e Vitor Martins).

Jane Duboc - “Duetos” (independente) – Uma das cantoras mais completas do país, a paraense sempre demonstrou interesse por diversas vertentes musicais – da MPB ao jazz. Neste projeto de viés mais romântico, ela canta em duos com Bianca Gismonti, Mafalda Minnozzi, Celso Fonseca e Fábio Jr., entre vários convidados.

John Coltrane - “Both Directions at Once” (Impulse/Verve) – Uma das surpresas de 2018 foi o lançamento de gravações inéditas do mais cultuado saxofonista do jazz. Ouvidos 55 anos depois, esses registros do quarteto de Coltrane, com McCoy Tyner (piano), Elvin Jones (bateria) e Jimmy Garrison (contrabaixo), ainda soam sublimes.

John Mueller – “Na Linha Torta” (independente) – O cantor, violonista e compositor catarinense aposta em repertório totalmente autoral (com diversos parceiros), em seu segundo álbum. Conta também com participações especiais de Guinga (voz e violão, na faixa-título) e da cantora Ana Paula da Silva, em “Maré Rasa”.  




José James - “Lean on Me” (Blue Note) – Versátil cantor americano, James costuma alternar projetos calcados em diversos gêneros de música negra. Desta vez homenageia Bill Withers, expoente da soul music, que festejou 80 anos em 2018. No repertório, grandes canções, como “Ain’t No Sunshine”, “Just the Two of Us” e “Use Me”.

Joyce Moreno - “50” (Biscoito Fino) – Para comemorar 50 anos de carreira, a cantora e compositora revisita o repertório de “Joyce” (1968), seu disco de estreia. Além das 11 canções assinadas por Paulinho da Viola, Ruy Guerra e Marcos Valle, entre outros, ela inclui a bela “Com o Tempo”, parceria recente com Zélia Duncan. 


Kamasi Washington - “Heaven & Earth” (Young Turks) – Três anos depois de seu cultuado álbum triplo “Epic”, o saxofonista e compositor de jazz se lança em outro ambicioso álbum conceitual de longa duração, que inclui um coro e uma orquestra. Entre as místicas de John Coltrane e Sun Ra, Washington vai erguendo a sua.

Kastrup - “Ponto de Mutação” (independente) – “No Brasil de hoje, precisamos de uma utopia para encarar os próximos anos”, sugere o percussionista, compositor e produtor Guilherme Kastrup. De essência filosófica e experimental, seu álbum reúne um elenco de 25 instrumentistas e vocalistas, como Ná Ozzetti e Arícia Mess.

Leila Maria - “Tempo” (Biscoito Fino) – Quem já ouviu seu disco dedicado ao repertório de Billie Holiday, sabe que ela é uma grande cantora. Mesmo neste álbum, um projeto mais autoral, com canções em português e em parceria com o pianista e produtor Rodrigo Braga, Leila também se vale de seus recursos jazzísticos.

Leny Andrade e Gilson Peranzzetta - “Canções de Cartola e Nelson Cavaquinho” (Fina Flor) – A cantora carioca já havia dedicado álbuns inteiros às obras de Cartola e Nelson Cavaquinho, com arranjos de Peranzzetta. Décadas depois, eles voltam a interpretar sucessos desses preciosos cancioneiros, em emotivos duos de voz e piano.  




Luciana Souza - “The Book of Longing” (Sunnyside) – A refinada cantora e compositora paulistana, que vive nos EUA desde os anos 1990, interpreta poemas de Leonard Cohen e Emily Dickinson, entre outros, que ela mesmo musicou. Tem a seu lado dois craques do jazz: Chico Pinheiro (guitarra) e Scott Colley (contrabaixo).

Luísa Mitre - “Oferenda” (Savassi Festival) – O primeiro álbum da jovem pianista mineira inaugura o selo do Savassi Festival, um dos maiores eventos de música instrumental do país. Influenciada por mestres brasileiros do piano, como Egberto Gismonti e César Camargo Mariano, Luísa também releva referências eruditas em suas composições.

Martin Iaies 4 – “Rewind & FF” (Club del Disco) – Filho do pianista de jazz Adrián Iaies, o guitarrista argentino faz uma promissora estreia em disco. Composições de sua autoria, como “JSV Blues” ou as sensíveis baladas “Sábado” e “Mauri’s Rules” demonstram seu domínio da linguagem do jazz clássico.

Matthew Shipp - “Ao Vivo - Jazz na Fábrica” (Sesc) – Neste concerto solo (registrado em 2016, no festival Jazz na Fábrica, em São Paulo), o inventivo pianista americano toca composições próprias e recria standards. Para fãs do jazz de vanguarda, ouvi-lo descontruir clássicos como “Summertime” (Gershwin) tem um sabor especial.

Mauricio Pereira - “Outono no Sudeste” (independente) – Da bela canção que intitula o álbum à suingada “Quatro Dois Quatro” (sobre o universo do futebol), o compositor e cantor paulistano exibe toda sua versatilidade. “A Mais (Rubião Blues)”, canção que mimetiza os altos e baixos de uma paixão, é um achado.

Música de Montagem (Circus) – O violonista e professor Sergio Molina é também compositor (em parcerias com vários letristas) das nove canções gravadas por esse septeto paulistano. Elas ilustram o procedimento de “montagem” que, segundo tese de Molina, tem sido utilizado na criação da música popular desde 1967.


Nelson Ayres Big Band (independente) – Quase quatro décadas após o impacto de sua pioneira big band na então emergente cena instrumental brasileira, o pianista e compositor paulista voltou a ativá-la e, enfim, lança seu disco de estreia. Não pense que se trata de música orquestral para dançar: é jazz da mais alta qualidade.

Nelson da Rabeca e Thomas Rohrer - “Tradição Improvisada” (Sesc) – Instrumento medieval, precursor do violino, a rabeca pode ser ouvida em várias regiões brasileiras. Seu som áspero aproxima, neste álbum, representantes de tradições bem diversas: o rabequeiro alagoano e o multi-instrumentista suíço, adepto da improvisação livre.

Orquestra à Base de Sopro de Curitiba e Izabel Padovani - “Passarinhadeira” (Tratore) – É difícil acreditar que este disco dedicado às incríveis canções de Guinga possa ter sido gravado ao vivo. Da formação incomum da orquestra, dos sofisticados arranjos e das sensíveis interpretações da cantora nasceu uma coleção de belezas.

Orquestra Mundana Refugi (Sesc) – Liderada pelo violonista e arranjador Carlinhos Antunes, essa orquestra de instrumentação inusitada (formada por músicos refugiados e imigrantes de diversos países, além de alguns brasileiros) mistura no repertório músicas de diferentes tradições – do Haiti e da Andaluzia ao Irã e à Palestina.

Paula Santoro e Duo Taufik - “Tudo Será Como Antes” (independente) – A talentosa cantora mineira se une aos irmãos Eduardo (piano) e Roberto (violão), do Duo Taufic, para recriar sucessos de Milton Nascimento, Lô Borges, Toninho Horta e outros compositores do chamado Clube da Esquina. A leveza dos arranjos chama atenção.   




Paulo Bellinati & Marco Pereira - “Xodós” (Borandá) – Uma amizade de cinco décadas ajuda a explicar a relação quase telepática que caracteriza o encontro desses grandes violonistas.  O repertório do álbum destaca sucessos do sanfoneiro Dominguinhos e de Dilermando Reis, mestre do violão, além de 
composições próprias. 

Poesia - Canções de Carlos Rennó (Sesc) – Letrista conceituado, com mais de 130 canções gravadas por populares intérpretes, Rennó reúne nesse disco 16 de suas canções, incluindo nove inéditas. Para compor esse painel de sua obra, conta com parceiros como Lenine, João Bosco, Chico César, Zeca Baleiro e Arrigo Barnabé.

Raul de Souza - “Blue Voyage” (Sesc) – Trombonista reconhecido mundialmente e mestre do samba-jazz, o carioca de 84 anos oferece a seus fãs um álbum autoral gravado na França. Do contagiante samba “Vila Mariana” à emotiva balada “Primavera em Paris”, passando pela valsa-jazz “St. Martin”, Raul continua em grande forma.

Renato Gama - “Olhos Negros - Vivo” (independente) – Líder da banda paulistana Nhocuné Soul por mais de duas décadas, o cantor e compositor gravou seu primeiro álbum solo. Fusões do samba com o soul, o funk e o reggae dominam suas canções, que abordam com poesia o cotidiano da periferia. Difícil ouvi-las sem dançar.

Rogerio Boccato Quarteto - “No Old Rain” (RPR) – Radicado em Nova York, o baterista paulista estreia como líder, bem acompanhado por Dan Blake (sax tenor e soprano), Nando Michelin (piano elétrico) e Jay Anderson (contrabaixo). Temas de Milton Nascimento, Egberto Gismonti e Toninho Horta ganham novas cores, em criativas versões.

Ron Carter Quartet & Vitoria Maldonado - “Brasil L.I.K.E” (Summit/Tratore) – O cultuado contrabaixista americano e a cantora paulistana gravaram juntos este disco de jazz e bossa nova. Clássicos de Cole Porter, George Gershwin, Tom Jobim e João Donato destacam-se no repertório. Roberto Menescal é um dos convidados.

Rubinho Antunes - “Expedições” (Blaxtream) – O afiado quinteto do trompetista paulista inclui Vinicius Gomes (guitarra), Fabio Leandro (piano), Daniel de Paula (bateria) e Bruno Barbosa (contrabaixo). Composições próprias, como “Silence” e “Indi”, revelam influências do jazz da Europa, onde Rubinho viveu por três anos. 




Sergio Albach - “Clarone no Choro” (independente) – Líder da original Orquestra à Base de Sopro de Curitiba, esse virtuose do clarinete realizou um projeto inusitado: gravou clássicos do choro, executando os solos com um clarone (ou clarinete baixo), instrumento raramente utilizado na música popular brasileira.

Sergio Galvão, Lupa Santiago, Clement Landais e Franck Enouf - “2x2” (Origin) – O “2x2” do título não tem nada a ver com competição, mas sim com o fato de esse quarteto incluir dois músicos brasileiros e dois franceses. Gravado na França, combina jazz contemporâneo da melhor qualidade com influências da música brasileira.  


Stefano Bollani - “Que Bom” (Biscoito Fino) – Fã assumido da música brasileira, o pianista italiano se superou nesta gravação. Com participações especiais de Caetano Veloso, Hamilton de Holanda, Jacques Morelenbaum e João Bosco, ele toca sambas, choros e baiões de sua autoria com muita liberdade e bom humor.

Thiago Amud - “O cinema que o sol não apaga” (Rocinante) – O 3.º álbum do compositor, cantor e violonista carioca confirma seu prestígio como grande revelação da MPB nesta década. Inventivo tanto nas letras como nos arranjos, Amud dedica esse disco ao compositor mineiro Nelson Ângelo. As gravações contaram com 73 músicos.

Toninho Ferragutti e Salomão Soares (independente) – Representantes de duas gerações de nossa música instrumental, o acordeonista paulista e o pianista paraibano decidiram gravar este álbum depois de tocarem juntos somente duas vezes. O baião “Alegria de Matuto” (de Soares) é uma das faixas mais contagiantes do repertório.

Trio Corrente & Orquestra Jazz Sinfônica (independente) – É tanta a sintonia entre os músicos desse grupo instrumental, que ele pode até atuar como solista num concerto com orquestra. Mesmo uma canção já interpretada de tantas maneiras, como “Garota de Ipanema”, ganhou frescor na versão desse trio com a Jazz Sinfônica.

Trio Puelli - “Radamés Gnattali - Integral das obras para piano, violino e violoncelo” (Sesc) – A pianista Karin Fernandes, a violinista Ana de Oliveira e a violoncelista Adriana Holtz interpretam cinco peças (duas são inéditas) do grande compositor gaúcho, que ignorou as supostas fronteiras entre a música popular e a erudita.

Van Morrison and Joey DeFrancesco - “You’re Driving Me Crazy” (Exile/Sony) – O que mais chama atenção neste encontro do cantor pop irlandês com o organista americano é o suingue de DeFrancesco, que também toca trompete, em algumas faixas. No repertório, standards como “You’re Driving Me Crazy” e “Have I Told You Lately”.

Vintena Brasileira - “[R]existir” (independente) – Comandada pelo criativo pianista e compositor paulista André Marques, essa pequena orquestra de formação incomum também inclui viola caipira, bandolim e guitarras, além de sopros, baixo e bateria. Exemplo inspirador de como a música universal de Hermeto Pascoal frutificou.

Yamandu Costa e Ricardo Herz (independente) – Baião, xote, milonga, choro, chamamé – a diversidade rítmica brasileira está bem representada neste álbum, que une pela primeira vez o violonista gaúcho e o violinista paulista. O resultado é tão atraente que, na certa, esses grandes instrumentistas podem se reunir outras vezes.

Yaniel Matos - “Carabalí” (independente) – Radicado em São Paulo há quase duas décadas, o eclético pianista e violoncelista cubano comanda seu trio Carabalí, com Aniel Someillan (contrabaixo) e Eduardo Espasande (percussão). No repertório, composições de sua autoria calcadas em ritmos de Santiago de Cuba, onde nasceu.

(Agradeço a Katia Medaglia pela sugestão da foto e pelo auxílio na produção)

Sesc Jazz: improvisos e humor de Stefano Bollani conquistam a plateia do festival

|


Uma das melhores experiências que um festival de música pode proporcionar a uma plateia é a de ser surpreendida pela performance de um artista que ela ainda desconhece. Os sorrisos nos rostos da plateia do Sesc Jundiaí, ao final do show do pianista Stefano Bollani, eram transparentes: muitas daquelas pessoas nem imaginaram, ao saírem de casa, que se emocionariam ou mesmo se divertiriam tanto naquela noite de sábado, que começou com um belo show do trio do pianista Salomão Soares.

Bollani vem cultivando há décadas uma prolífica paixão pela música brasileira, depois de descobrir a bossa nova quando ainda era adolescente. O resultado mais recente dessa afinidade musical é seu álbum “Que Bom” (já lançado no Brasil pelo selo Biscoito Fino), com um delicioso repertório de composições próprias, que ele exibiu em sua apresentação no festival Sesc Jazz.

“Vou tocar a música de um compositor contemporâneo, muito vivo, que sou eu”, brincou, falando à plateia, em bom português. Quem já o conhecia e teve a chance de apreciar alguns de seus discos sabe que esse jazzista nascido em Milão (ele costuma dizer que não se considera um cidadão italiano, propriamente, por acreditar que a divisão do mundo em países é artificial) jamais reproduz nos palcos o que registrou nos estúdios de gravação.

Composições como o baião “Ho Perduto il Mio Pappagalino” (inspirada pela lembrança de um periquito que fugiu de sua casa, quando ainda era menino), a quase bossa “Uomini e Polli” (tema com marcante influência de João Donato), assim como o contagiante samba “Galápagos”, ganharam um tempero mais percussivo no show. Em alguns momentos, como no samba-jazz “Olha a Brita”, Bollani chega a percutir as cordas e o próprio corpo do piano com as mãos.

“Se vocês não gostaram do que tocamos aqui, sugiro que ouçam o disco, porque ele está muito melhor”, brincou novamente, já quase ao final do show. Ele sabe que, em seu caso, não se trata de uma versão ser melhor do que a outra. São apenas diferentes – e no palco a música costuma ganhar um calor que, muitas vezes, não existe nas gravações. Mas Bollani é um músico carismático e engraçado, daqueles que jamais perdem uma oportunidade de fazer sua plateia sorrir.

Bem acompanhado pela percussão de Armando Marçal, pela bateria de Thiago da Serrinha e pelo contrabaixo de João Rafael (trio que em alguns momentos soa como uma compacta escola de samba), Bollani também oferece à plateia boas surpresas, em seus improvisos. Como uma divertida releitura de “Cheek to Cheek” (de Irving Berlin), clássico da canção norte-americana, em andamento acelerado.

Mais inusitada foi a citação da canção-manifesto “Tropicália” (de Caetano Veloso), ao improvisar o clássico choro “Segura Ele”. “Eu gostaria de ter composto essa música. Pixinguinha e eu tivemos a mesma ideia, mas ele nasceu antes de mim”, disparou Bollani, com a maior cara de pau, arrancando risos da plateia.

Ao voltar ao palco para atender os pedidos de bis, cantou a lírica “La Nebbia a Napoli” (“Caetano Veloso não está aqui, então eu mesmo vou canta-la”, brincou), mas ainda reservou outra surpresa. Tocou o choro “Tico-tico no Fubá” (de Zequinha de Abreu), convidando a plateia a participar com palmas, em uma versão tão maluca e hilariante, que chegou a lembrar as estripulias de Chico, o pianista dos comediantes irmãos Marx, nas telas do cinema. A plateia de Jundiaí não vai esquecer dessa noite tão cedo.


(Resenha escrita a convite da produção do festival Sesc Jazz. Leia outras críticas de shows desse evento, no site do Sesc SP: https://www.sescsp.org.br/online/revistas/tag/12411_CRITICAS+SESC+JAZZ)



Paulo Bellinati & Marco Pereira: violonistas celebram afinidades no álbum 'Xodós'

|

                                           Os violonistas Paulo Bellinati e  Marco Pereira / Fotos de Tarita de Souza 

Um encontro de músicos de alto quilate, como Paulo Bellinati e Marco Pereira, já seria por si só um evento especial, mas por trás do álbum “Xodós” (lançamento com o selo de qualidade da gravadora Borandá) há uma amizade de quase cinco décadas. Uma parceria musical marcada por afinidades, perfeccionismo técnico e profunda dedicação a esse instrumento tão essencial na linguagem da música brasileira.

Paulistanos, eles nasceram no mesmo mês de setembro, em 1950, com uma diferença de apenas três dias. Conheceram-se quando cursavam o Conservatório Dramático e Musical do Estado de São Paulo, onde frequentavam aulas de violão com o mesmo mestre: o uruguaio Isaías Sávio.

Também cultivaram praticamente as mesmas referências no violão. “Nosso grande ídolo foi Baden Powell (1937-2000). Naquela época quase não havia partituras de música popular, então o jeito era ralar muito ouvindo os LPs, para tirar de ouvido as músicas que queríamos tocar”, relembra Pereira.

Chegaram a se apresentar algumas vezes em duo, no início dos anos 1970, mas a parceria foi suspensa quando decidiram aprimorar os estudos na Europa. Depois de ingressar no Conservatório de Genebra, na Suíça, Bellinati não demorou a formar um grupo de música instrumental brasileira. Pereira se fixou em Paris, onde obteve o título de mestre em violão clássico e se tornou um conceituado concertista. De vez em quando, um deles convidava o outro para tocarem juntos.

De volta ao Brasil, já em 1981, os dois formaram o trio Pó de Mico, com o percussionista Zé Eduardo Nazário. Apresentaram-se algumas vezes, mas pouco depois Pereira decidiu deixar São Paulo para se tornar professor da Universidade de Brasília. Ali assumiu a recém-criada cadeira de Violão Superior, além de lecionar Harmonia Funcional. Paralelamente, seguiu com sua carreira de solista erudito, mas também gravou elogiados discos de música brasileira.

Já tocando também guitarra, viola caipira e cavaquinho, Bellinati uniu-se ao grupo instrumental Pau Brasil, com o qual se destacou como solista e compositor por cerca de uma década. O interesse pela música do violonista e compositor paulista Garoto (1915-1955) reativou sua ligação com o violão, levando-o a uma bem-sucedida carreira de concertista, especialmente em palcos dos Estados Unidos. Em 2002, voltou a fazer parte do grupo Pau Brasil, com o qual continua tocando até hoje.

“Sempre me surpreendi com o fato de termos continuado nossas carreiras em paralelo”, observa Pereira. “Alguns anos atrás tive a ideia de escrever um concerto para dois violões e orquestra. Passei oito meses feito doido, escrevendo. Estava finalizando o último movimento, quando li a notícia de que o Bellinati ia estrear um concerto para dois violões e orquestra. Era muita coincidência”, relembra o violonista, que sugeriu ao amigo, em meados de 2015, que retomassem a parceria.

A reestreia do duo se deu no Clube do Choro de Brasília (DF), algumas semanas depois. No programa dessa apresentação já figurava boa parte do repertório que viria a compor o álbum “Xodós”. Por sinal, os arranjos da dupla para “Eu Só Quero Um Xodó”, “Isso Aqui Tá Bom Demais”, “De Volta pro Aconchego” e “Gostoso Demais”, sucessos do sanfoneiro Dominguinhos (1941-2013), nasceram para atender a um pedido da produção do Clube do Choro, que costuma homenagear figuras importantes da música brasileira.

“Eles pedem que a gente toque ao menos uma música do homenageado, mas acabamos tocando cinco. Poderíamos fazer até um disco inteiro dedicado a Dominguinhos”, diz Pereira. Só a toada “Lamento Sertanejo” não entrou no disco, mas o duo costuma toca-la nos shows. “É muito legal, porque as pessoas saem cantando, espontaneamente, assim que a reconhecem”, conta Bellinati.

Se o acaso contribuiu para a criação dessas saborosas versões instrumentais de canções de Dominguinhos, as composições do violonista Dilermando Reis (1916-1977) já frequentavam o repertório de Pereira desde cedo. Tanto que este homenageou o influente mestre do violão, recriando com elegância suas composições no álbum “Dois Destinos” (Borandá, 2016).

O batuque “Xodó da Bahiana”, o choro “Magoado” e a valsa “Se Ela Perguntar”, interpretadas por Pereira em seu disco, ganham novos tratamentos e sonoridades nas releituras do duo. Vale lembrar que, nas 14 faixas de “Xodós” (foto da capa abaixo), Pereira toca violão com cordas de nylon no canal esquerdo; o violão com cordas de aço de Bellinati é ouvido no canal direito. A produção do álbum ficou a cargo de Swami Jr., outro grande violonista.


“Já nos ensaios a gente se surpreendia ao notar que rola uma liberdade, uma grande confiança entre nós, algo que não é comum entre qualquer músico. Se você toca completamente relaxado, com a certeza de que seu parceiro está 100% com você, você toca com mais calor. O rendimento é muito maior”, comenta Bellinati.

Pereira concorda com o parceiro e observa que a maturidade traz uma relação diferente com a música. “Quando você tem vinte e poucos anos se preocupa em impressionar o público com sua performance, com exuberância técnica. Mais tarde você amadurece e passa a valorizar o resultado musical. Esse disco também tem um pouco de exuberância, mas nós estamos a serviço da música o tempo todo”, considera.

O repertório de “Xodós” inclui também composições próprias. “Foi difícil escolher”, admite Pereira. “Ficamos com aquelas que poderiam funcionar bem com os dois violões”. De Bellinati entraram a inédita “Fandango” e “Jongo”, composição que se tornou um clássico no repertório do grupo Pau Brasil. Pereira contribuiu com “Choro de Juliana”, “Amigo Leo”, “Santo Amaro” e “Café Compadre”.

Hoje, tanto “Choro de Juliana” como “Jongo” são tocadas por violonistas de diversos países, em gravações mais tradicionais do que a ouvida em “Xodós”. “Algumas de nossas composições entraram no repertório do violão clássico. O cara pega a partitura, decora e a reproduz nos concertos”, observa Pereira. “Como eu e Bellinati também temos em nossa formação a bagagem do jazz, nossas versões acabam ficando diferentes, também por causa das partes improvisadas”.

Os dois admitem terem ficado especialmente satisfeitos com a releitura da lírica valsa “Se Ela Perguntar” (de Dilermando Reis). “Toquei essa música a vida inteira. Minha avó sempre chorava quando a ouvia. Ficamos emocionados ao escutar essa gravação”, conta Bellinati. “Ela possui uma magia que nem a gente consegue entender como conseguiu. É uma coisa rara, uma benção. Talvez tenham baixado alguns anjos no estúdio, na hora em que a tocamos”, brinca Pereira.

Perfeccionistas, eles contam que chegaram a masterizar o disco pela segunda vez, por não terem ficado satisfeitos com o resultado sonoro da primeira versão. “Passei a vida achando que eu era perfeccionista, mas ao fazer esse disco com o Bellinati percebi que eu sou fichinha perto dele. Ele tira até a última gota do som”, diverte-se Pereira. “Esse disco representa a história de nossas vidas, então tínhamos que caprichar”, retruca Bellinati.

Tratando-se desses dois grandes violonistas, que há décadas desenvolvem carreiras consagradas internacionalmente (e já não precisam provar mais nada a ninguém), só poderíamos esperar por algo assim: música brasileira de alta qualidade, tocada com requinte técnico, elegância e emoção.


(Texto escrito a convite da gravadora Borandá)

Paulo Bellinati e Marco Pereira lançam o álbum "Xodós", dia 15/08, às 21h, em show no Sesc 24 de Maio, na região central de São Paulo. Ingressos de R$ 7,50 a R$ 25,00, nas bilheterias das unidades do Sesc SP (a partir de 7/8) e online (a partir de 8/8), no portal do Sesc SP



Jazzmin's Big Band: orquestra feminina chega com formação e arranjos originais

|

                                                                                  Instrumentistas da Jazzmin's Big Band

A falta de combustíveis e outros transtornos provocados pela greve dos caminhoneiros não impediram que o teatro do Sesc Consolação ficasse lotado, na noite de ontem, em São Paulo, para o show da Jazzmin’s Big Band. A plateia aplaudiu com animação os arranjos e improvisos dessa pioneira orquestra feminina e ainda exigiu bis.

Duas ou três décadas atrás, uma big band formada apenas por mulheres instrumentistas seria algo quase inimaginável. Com menos de um ano de atividade, a Jazzmin’s sugere no palco que não pretende apenas conquistar mais espaço profissional em um universo ainda majoritariamente masculino.

Trata-se de um trabalho musical seríssimo, a começar pelo fato de todos os arranjos interpretados pela Jazzmin’s serem originais. A própria formação não-convencional dessa big band, que inclui instrumentos como trompa, clarone e vibrafone, impede que ela utilize arranjos tradicionais para big bands.

Entre os números favoritos da plateia, no show de ontem, destacaram-se “Doralice” (de Dorival Caymmi), “Bebê” (Hermeto Pascoal) e “Duas Contas” (Garoto), além do saboroso samba “7 x 1” (composição da baixista Gê Cortes). São exemplos da alta qualidade do repertório que essa orquestra vem formando com o apoio de diversos arranjadores, como Gaia Wilmer, Thiago Costa, Luca Raele, Welbert Dias e Anderson Quevedo, entre outros.

Tomara que o primeiro disco da Jazzmin’s não demore.





 

©2009 Música de Alma Negra | Template Blue by TNB