O guitarrista Kenny Brown, da banda Tony Hall & The Heroes
Em meio às dificuldades econômicas que continuam abatendo o país, a 14ª edição do Bourbon Street Fest, que começa hoje, é uma demonstração de resistência do setor cultural. Forçado a cancelar sua edição de 2016 por falta de patrocínio, o festival produzido pela casa noturna paulistana Bourbon Street Music Club retorna neste ano com um programa mais compacto, sem abrir mão de sua proposta original: trazer ao país a rica diversidade da música criada em New Orleans.
A atração de hoje (30/11), às 22h30, no palco do Bourbon Street, é o baixista e cantor Tony Hall, que volta a São Paulo à frente de banda The Heroes. Com um currículo invejável, que inclui participações em shows e gravações de grandes ídolos da música negra, de B.B. King e Stevie Wonder a George Clinton e Neville Brothers, Hall traz um repertório dançante e calcado no rhythm & blues e no funk ao estilo de New Orleans. Sua banda inclui outros craques da cena musical dessa cidade da Louisiana, como Kurt Brunus (teclados), Kenny Brown (guitarra) e Raymond Weber (bateria).
Outra atração já bem conhecida pelos frequentadores do Bourbon Street se apresenta na sexta-feira (1º/12), no clube paulistano. O trio vocal Mahogany Blue destaca Lanita May, Doreen Carter e Yadonna West, cantoras com vozes poderosas. Elas interpretam clássicos da soul music, do rhythm & blues e do pop norte-americano, em versões que revelam influências da música gospel que cantavam em igrejas de New Orleans.
Como é de hábito, o encerramento do Bourbon Street Fest 2017 será gratuito e ao ar livre, domingo (3/12), a partir das 16h, no Parque do Ibirapuera. Além de novas apresentações de Tony Hall & The Heroes e do trio Mahogany Blues, o programa inclui ainda a Orleans Street Jazz Band, banda de rua ao estilo de New Orleans, que circula pela plateia tocando temas conhecidos, inclusive da música brasileira.
O festival é produzido pela equipe do Bourbon Street Music Club, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura. Também conta com apoio do Consulado dos Estados Unidos em São Paulo e do New Orleans Convention & Visitors Bureau.
Outras informações em www.facebook.com/bourbonstreetfest
14º Bourbon Street Fest: evento enfrenta a crise econômica com edição compacta
Marcadores: Bourbon Street Fest 2017, funk, kenny brown, kurt brunus, mahogany blue, new orleans, parque do ibirapuera, raymond weber, rhythm & blues, soul, tony hall, tony hall & the heroes | author: Carlos CaladoJoão Marcos Coelho: crítico analisa e incentiva a 'música de invenção' em novo livro
Marcadores: blues, bola de nieve, Egberto Gismonti, instrumental, jazz, john coltrane, keith jarrett, mose allison, Música Contemporânea, música de invenção, quincy jones, Thelonious Monk | author: Carlos Calado
O jornalista João Marcos Coelho (foto acima), grande referência no campo
da crítica musical em nosso país, apresenta em seu novo livro uma proposta que muitos
apreciadores da música contemporânea certamente aplaudiriam. Maestros, orquestras
e intérpretes preguiçosos, que insistem em repetir nas salas de concerto os
mesmos clichês do repertório clássico, como “As Quatro Estações” de Vivaldi, a “Nona
Sinfonia” de Beethoven ou “Quadros de Uma Exposição” de Mussorgsky, deveriam
ser taxados com um imposto que seria revertido à realização de projetos de
música contemporânea.
“Sei que extrapolo ao propor um novo imposto”, escreve
Coelho, que não abre mão da ironia e do humor fino nos reveladores textos reunidos
no livro “Pensando as Músicas no Século XXI” (lançamento da Editora Perspectiva).
“Sei também que só me cabe, como crítico jornalístico, a tarefa de desmontar no
dia a dia a narcótica engrenagem da vida musical convencional, cuja matriz
magna são as instituições maiores, as orquestras sinfônicas, que embalam o
público como se fosse composto de crianças sempre a fim de ouvir um milhão de
vezes a mesma obra”.
De cara, em seu texto de apresentação do livro, Coelho
sintetiza em que consiste a “duríssima” vida de um crítico musical. “Ele tem de
atuar simultaneamente em duas frentes: como catalisador, deve examinar e
descartar o lixo sonoro que nos cerca, filtrando e incentivando a música de
qualidade; e, como provocador, tem de surpreender os padrões do gosto, tirar os
leitores da zona de conforto, levá-los a experimentar, descobrir o novo”. Para
os estudantes de jornalismo, ou mesmo colegas de profissão mais jovens que
ainda se perguntam qual é exatamente a função de um crítico musical, aí está
uma definição prática e precisa.
Publicados a partir de 2009 originalmente nos jornais “O
Estado de S. Paulo” e “Valor Econômico”, ou nas revistas “Bravo” e Concerto”,
os 101 ensaios, resenhas e críticas de discos e concertos reunidos no livro de
Coelho não abrangem apenas o universo da música clássica ou contemporânea -- de Brahms e Wagner a Stravinski e Boulez. Abordam
também o jazz de Thelonious Monk, John Coltrane, Keith Jarrett e Quincy Jones,
assim como abrem espaço para artistas que flertaram com esse gênero musical,
como o ator, bailarino e cantor Fred Astaire ou o arranjador e compositor de
trilhas sonoras Henry Mancini.
Praticante da bem-humorada distinção do pianista e compositor
Duke Ellington (“Existem dois tipos de música: a boa música e a de outro tipo”),
Coelho vai buscar, sem preconceitos, a música que merece ser ouvida e analisada
nos mais diversos gêneros -- sejam as canções pungentes do “cantautor” cubano
Bola de Nieve (1911-1971), a música instrumental brasileira de Egberto Gismonti
ou os blues do cantor e pianista norte-americano Mose Allison (1927-2016).
Em outras palavras, o que interessa a João Marcos Coelho é a
música feita com criatividade, a “música de invenção”, que nada tem a ver, de modo geral, com a música descartável, fabricada para alimentar as paradas de
sucesso ou a programação das rádios comerciais. Um exemplo a ser seguido também por aqueles que ainda insistem na preconceituosa e arcaica polêmica das fronteiras entre a música erudita e a popular.
Heloísa Fernandes: a música à flor da pele da pianista e compositora no álbum "Faces"
Marcadores: andré magalhães, Borandá, fernando pessoa, Heloísa Fernandes, jazz, música instrumental brasileira, nise da silveira, thomas zoells | author: Carlos Calado
Heloísa Fernandes - Foto de William Struhs
Uma das mais talentosas pianistas reveladas durante este século na cena da música instrumental brasileira, Heloísa nasceu em Presidente Prudente (SP). Paulo Gori e Gilberto Tinetti foram seus principais mestres de piano. Formada em regência pelo Centro de Estudos Tom Jobim, despontou em 2001 como finalista do conceituado Prêmio Visa de Música Brasileira. Já realizou parcerias com músicos de renome, como Naná Vasconcelos, Zeca Assumpção e Gil Jardim. Desde 2004 sua música também vem sendo elogiada no exterior.
A história do álbum “Faces” (lançamento com o selo de qualidade Borandá) teve início em abril de 2014, quando ela realizou uma turnê pelos Estados Unidos. “Ao tocar em Chicago, na sala de concertos da PianoForte Foundation, encontrei um piano fantástico, um Fazioli. O som daquele piano era tão lindo que fiquei arrepiada quando toquei os primeiros acordes”, conta. Logo após a apresentação, Thomas Zoells (promotor de concertos e dono da sala, que também dispõe de um estúdio de gravação) a convidou a retornar no dia seguinte para gravar um disco.
“Ninguém jamais havia conduzido nosso Fazioli a sons tão incríveis, nem havíamos tido em nosso programa uma sonoridade tão poética e afetiva”, elogiou o suíço, justificando o convite imediato que fez à pianista, em depoimento incluído no encarte do disco. [
Mais interessada em registrar material inédito, Heloísa sugeriu a Zoells adiar a gravação para março de 2015, quando poderia voltar a Chicago com novas composições. No entanto, a inesperada doença arrefeceu seu ânimo. Sentindo-se sem condições físicas para realizar a gravação, chegou a pensar em desistir do projeto.
“Mas as estrelas já tinham se alinhado e eu não sabia. O querido André Magalhães, produtor dos meus discos ‘Fruto’ e ‘Candeias’, me contou que estaria em Chicago, coincidentemente, no mesmo período da gravação. Ele me convenceu a manter as datas. Disse que iria produzir o disco, que estava tudo certo”, relembra. “Isso me fez acreditar que o universo estava conspirando para que essa gravação acontecesse, desde o meu encantamento com o piano Fazioli e o convite de Thomas Zoells até a presença iluminada do André na produção”.
Nos quatro meses que precederam as gravações do álbum, Heloisa mergulhou fundo no processo de composição. “Fui construindo vários temas, com total liberdade para improvisar. Eu sabia mais ou menos para onde iria durante as improvisações, mas me dei liberdade absoluta para encontrar novas coisas. Queria fazer uma música viva e para isso tinha que correr riscos”, reflete a pianista, que combina em suas composições influências da música clássica e da música popular brasileira com muita improvisação – o recurso criativo mais característico do jazz.
As inéditas composições que Heloísa exibe em “Faces” nasceram, segundo ela, a partir de sentimentos que brotaram durante o período em que adoeceu. “Batizei cada peça, no início de sua criação, com o nome de uma emoção, um sentimento”, relembra. Posteriormente, formatou e rebatizou seis dessas composições em duas suítes. A lírica “As Três Graças” refere-se a deusas da mitologia grega que simbolizam o feminino – Aglaia, Thalia e Euphrosyne representam, respectivamente, a claridade, a fertilidade e a alegria. “Rios”, a emotiva suíte que encerra o álbum, retoma alguns elementos das peças anteriores.
Outra composição inédita é a impactante “Mergulho”, que começa com a pianista extraindo sons inusitados, ao percutir diretamente as cordas do instrumento. É também a única faixa do álbum em que Heloísa utiliza a voz para improvisar, criando belas melodias. A inspiração dessa composição, segundo ela, veio de obras do acervo do Museu de Imagens do Inconsciente, produto do revolucionário trabalho da psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999). “Como é que pessoas esquizofrênicas, consideradas loucas, podem fazer coisas tão incríveis?”, comenta a compositora.
Já a faixa de abertura do álbum combina “Colheita” (releitura de uma composição de Heloísa que fez parte de “Fruto”, seu álbum de estreia, lançado em 2005) com uma delicada releitura instrumental de “Caicó” (canção folclórica já gravada por Milton Nascimento e Dominguinhos, entre outros).
“Eu estava com a sensibilidade à flor da pele”, comenta a pianista, que durante o processo de criação dessas composições chegou a pensar que seu álbum resultaria em uma espécie de autorretrato musical. “Depois percebi que vivi um processo de transformação: minha vida estava sendo transformada em música”, conclui.
Versos de um poema do “Livro do Desassossego”, de Fernando Pessoa, que Heloísa utilizou como epígrafe para seu álbum, sintetizam como ela interpreta hoje essas composições, nascidas em um período difícil, mas sublimadas com muita sensibilidade e arte. “Dar uma emoção a cada personagem, a cada estado de alma uma alma”.
Texto escrito a convite da gravadora Borandá
Grooveria: coletivo musical reforça trabalho autoral no contagiante álbum "Moto Contínuo"
Marcadores: 'Moto Contínuo', Baden Powell, Claudio Zoli, Fernanda Abreu, funk, Grooveria, Jota Erre, lincoln olivetti, Mart'nália, Rogê, samba-funk, samba-rock, soul, Tuto Ferraz, Walmir Borges | author: Carlos Calado
Quem conheceu a Grooveria nas concorridas jams do clube paulistano Na Mata Café durante a década passada, ou a ouviu mais tarde em apresentações por várias capitais do país, já sabe porque esse coletivo de São Paulo tornou-se uma referência para quem curte música dançante da melhor qualidade.
Essa sólida trajetória de 16 anos está muito bem representada em “Moto Contínuo”, o terceiro álbum do coletivo musical criado e comandado pelo baterista, compositor e arranjador Tuto Ferraz. Releituras dançantes de clássicos da MPB e composições próprias que misturam influências do samba e da black music resultam em uma receita musical aprimorada a cada nova apresentação.
“Acho legal fazer a releitura de um clássico, para que a galera de hoje possa ouvi-lo com uma pegada mais atual”, comenta o líder da Grooveria, referindo-se a faixas do álbum, como o afro-samba “Berimbau” (de Baden Powell e Vinicius de Moraes), que destaca a cantora Fernanda Abreu, ou a popular canção “Ponteio” (de Edu Lobo e Capinan), com participação de Walmir Borges, nos vocais. Ambas reaparecem em novas versões, depois de serem tocadas durante anos nos shows da Grooveria.
Mart’nália e Fernanda Abreu
Já a saborosa releitura do samba “Jorge Maravilha” (de Chico Buarque), cuja base rítmica foi gravada ainda em 2012, ficou anos na gaveta até que Tuto tivesse a ideia de convidar Mart’nália para canta-la. “Era o que estava faltando. Mart’nália arrebentou na gravação”, comenta o arranjador e baterista. Outra boa sacada dessa versão, já quase ao final da faixa, é a citação de um conhecido riff de metais da banda do soulman norte-americano James Brown.
O fã mais atento vai logo notar que, se antes as releituras predominavam no repertório da Grooveria, agora as composições próprias comparecem em número bem maior. “Funky Night”, um irresistível disco-funk instrumental assinado por Tuto que abre o álbum, homenageia o arranjador e tecladista Lincoln Olivetti, craque do gênero. O líder da Grooveria não deixou por menos: para reviver a original sonoridade dos metais nos arranjos de Olivetti, foi buscar no Rio o naipe de sopros que tocou com ele até sua morte prematura, em 2015.
Outra favorita dos dançarinos nos shows da Grooveria durante os últimos anos é “Alright”, funk que aparece no álbum em versões em inglês e em português (“Chapando no Groove”). Essa composição de Tuto também ficou guardada durante alguns anos até 2012, quando ele decidiu procurar Fernanda Abreu (os dois ainda não se conheciam) para convidá-la a escrever a letra. Hoje musa e parceira de vida do baterista, a cantora carioca gravou essa faixa, além de todos os vocais de apoio do álbum.
Black music e MPB
Assim como reconhece a marcante influência que recebeu da black music, mencionando a banda Earth, Wind and Fire e o guitarrista Nile Rodgers entre seus favoritos no gênero, Tuto também destaca a importância dos ritmos brasileiros em sua formação. Graças às discotecas de seus pais e de sua irmã mais velha, cresceu ouvindo muita MPB, especialmente as canções dos compositores mineiros do Clube da Esquina e os sambas de Chico Buarque, João Bosco e Djavan. Nada mais natural, portanto, que ele inclua no repertório do novo álbum da Grooveria quatro sambas de sua autoria, compostos com diversos parceiros.
Com o próprio Tuto no vocal e versos que remetem à falta de participação da sociedade brasileira na difícil situação que atravessamos (“Eu quero ver você fazer alguma coisa pra virar um sim /eu quero ver você gritar, espernear, mas não deixar barato assim”), o samba “Eu Quero Ver” soa clássico. Poderia até ter sido composto na década de 1970, assim como tem potencial de se tornar um hino para aqueles que realmente desejam um país livre da corrupção e da roubalheira generalizada.
Os sambas-funks “Vim” (com participação especial do guitarrista Claudio Zoli), “Menina Morena” (com vocais de Rogê) e “Sambou” (cantado por Jota Erre) confirmam a profunda intimidade da Grooveria com as pistas de dança. “Essas músicas refletem aqueles anos em que a gente tocava muito em baladas de clubes”, comenta Tuto, consciente de que seu coletivo está preparado para ingressar em uma nova fase.
Muito bem produzido, o terceiro álbum da Grooveria confirma sua evolução musical, assim como o fato de que esse coletivo já possui um trabalho autoral e experiência mais que suficiente para se apresentar em festivais e salas de espetáculos. Essa criativa fábrica de grooves está pronta – e merece – ser ouvida por plateias bem mais amplas. No Brasil e pelo mundo afora.
Série Música Contemporânea: CPFL exibe talentos da música instrumental em SP
Marcadores: andré mehmari, choro, CPFL, jazz, João Marcos Coelho, marcos paiva, música clássica, Música Contemporânea, música instrumental brasileira, projeto B, Teco Cardoso, Tiago Costa | author: Carlos Calado
O contrabaixista e compositor Marcos Paiva / Foto: Mauricio Landini
A série de concertos, em quatro sábados de outubro e novembro, começa no dia 7/10, com a apresentação do quarteto do contrabaixista e compositor Marcos Paiva. A seguir, textos que escrevi para apresentar os músicos selecionados para essa série.
Improvisos e influências: a música instrumental
brasileira em grande fase
Diferentemente da cena da canção popular brasileira, que durante a última década tem se mostrado (com raras exceções) pouco inspiradora, a música instrumental criada em nosso país não só se renovou como vive neste século um período de produção intensa, diversificada e de alta qualidade.
Há quem prefira chama-la de jazz brasileiro, já que se trata de uma vertente musical que utiliza com frequência o recurso inventivo da improvisação. Aliás, a influência do jazz tem se manifestado em nossa música instrumental, em maior ou menor medida, desde as primeiras décadas do século 20: de sambas e choros do pioneiro mestre Pixinguinha (1897-1973) à hoje cultuada obra do maestro e compositor Moacir Santos (1926-2006), que se radicou nos Estados Unidos.
Assim como nossa música instrumental desenvolve há décadas diálogos com o choro, com o samba e a bossa nova, sem falar nos ritmos regionais brasileiros, entre suas influências também está a da música erudita, tanto a clássica como a contemporânea. Essa profusão de referências caracteriza os quatro concertos desta série, que destaca alguns dos mais talentosos músicos e grupos da cena atual da música instrumental brasileira.
Programação
Há quem prefira chama-la de jazz brasileiro, já que se trata de uma vertente musical que utiliza com frequência o recurso inventivo da improvisação. Aliás, a influência do jazz tem se manifestado em nossa música instrumental, em maior ou menor medida, desde as primeiras décadas do século 20: de sambas e choros do pioneiro mestre Pixinguinha (1897-1973) à hoje cultuada obra do maestro e compositor Moacir Santos (1926-2006), que se radicou nos Estados Unidos.
Assim como nossa música instrumental desenvolve há décadas diálogos com o choro, com o samba e a bossa nova, sem falar nos ritmos regionais brasileiros, entre suas influências também está a da música erudita, tanto a clássica como a contemporânea. Essa profusão de referências caracteriza os quatro concertos desta série, que destaca alguns dos mais talentosos músicos e grupos da cena atual da música instrumental brasileira.
Programação
7/10 – Marcos Paiva Quarteto
O trio do contrabaixista e compositor paulista chamou atenção em 2015 com o álbum “Choroso”, no qual abordou o choro com a linguagem do jazz moderno. Agora, à frente de um quarteto, Paiva esboça novas releituras desse gênero instrumental brasileiro, incluindo composições inspiradas na obra de Irineu Batina (1863-1914), professor de Pixinguinha. “Reler o passado com os olhos do presente” é o slogan de Paiva.
21/10 – Projeto B
Com quatro discos lançados, o quinteto paulista tem construído um repertório que mistura música erudita contemporânea, música instrumental brasileira e jazz de vanguarda, com muita improvisação. Sua fonte de inspiração é o conturbado ambiente das megalópoles, onde a diversidade cultural convive com o caos urbano. “Não existe uma linha divisória entre a música erudita e a popular”, afirma o guitarrista Yvo Ursini.
11/11 – Teco Cardoso e Tiago Costa
“Erudito popular... e vice-versa”, o título do álbum que o pianista Tiago Costa e o saxofonista e flautista Teco Cardoso lançaram em 2016, é revelador. Com um repertório eclético, que combina composições próprias e pérolas de Moacir Santos, Ernesto Nazareth e John Williams, o duo idealiza uma ponte entre o erudito e o popular – segundo Cardoso, sem assumir “grandes compromissos com as regras de nenhum dos mundos que ela une”.
25/11 – André Mehmari
O pianista e compositor radicado em São Paulo já apontou a preguiça dos que insistem em separar os universos da música clássica e da música popular. “Eles preferem que esses mundos sejam estanques”, comenta Mehmari, cujas composições já foram interpretadas por algumas das principais orquestras e grupos de câmara do país. Como solista internacional, ele tem frequentado conceituados festivais de jazz e salas de concerto.
Mais informações no site da CPFL
21/10 – Projeto B
Com quatro discos lançados, o quinteto paulista tem construído um repertório que mistura música erudita contemporânea, música instrumental brasileira e jazz de vanguarda, com muita improvisação. Sua fonte de inspiração é o conturbado ambiente das megalópoles, onde a diversidade cultural convive com o caos urbano. “Não existe uma linha divisória entre a música erudita e a popular”, afirma o guitarrista Yvo Ursini.
11/11 – Teco Cardoso e Tiago Costa
“Erudito popular... e vice-versa”, o título do álbum que o pianista Tiago Costa e o saxofonista e flautista Teco Cardoso lançaram em 2016, é revelador. Com um repertório eclético, que combina composições próprias e pérolas de Moacir Santos, Ernesto Nazareth e John Williams, o duo idealiza uma ponte entre o erudito e o popular – segundo Cardoso, sem assumir “grandes compromissos com as regras de nenhum dos mundos que ela une”.
25/11 – André Mehmari
O pianista e compositor radicado em São Paulo já apontou a preguiça dos que insistem em separar os universos da música clássica e da música popular. “Eles preferem que esses mundos sejam estanques”, comenta Mehmari, cujas composições já foram interpretadas por algumas das principais orquestras e grupos de câmara do país. Como solista internacional, ele tem frequentado conceituados festivais de jazz e salas de concerto.
Mais informações no site da CPFL
Savassi Festival: evento mineiro terá seu selo e planeja edições nos EUA e em Portugal
Marcadores: Bruno Golgher, daniel santiago, deangelo silva, Fred Selva, instrumental, jazz, Juliana Perdigão, Luisa Mitre, Oded Tzur, rafael martini, savassi festival 2017, Shai Maestro, túlio araújo, vitor arantes | author: Carlos Calado
O pianista e compositor israelense Chai Maestro
Quem teve a sorte de assistir às apresentações do pianista e compositor israelense Shai Maestro, no Savasssi Festival, certamente vai conserva-las na memória por muito tempo. O jazzista radicado em Nova York e seus parceiros de trio -– o baixista Jorge Roeder e o baterista Obed Calvaire -– foram responsáveis por alguns dos momentos mais emocionantes da 15ª edição desse evento, encerrado no domingo (27/8), em Belo Horizonte (MG).
Maestro introduziu sua composição “From One Soul to Another” com uma breve preleção. Chamou a atenção da plateia para o fato de que, numa época em que a intolerância racial e outras formas de preconceito são tão evidentes, um festival que atrai um público interessado na música instrumental de diversos países tem um significado especial. Ouvir a plateia entoar em uníssono a bela melodia do pianista, que soa como um hino pela paz, foi de arrepiar.
Outro músico israelense que se destacou no último final de semana do evento foi Oded Tzur (na foto abaixo). Tocando emotivas composições próprias, como “Single Mother” e “The Whale Song”, o saxofonista surpreendeu ao soprar seu instrumento de maneira muito suave, no limite do silêncio. Algo raro de se ouvir, que tanto a educada plateia do CCBB, como grande parte dos que acompanharam sua apresentação ao ar livre, souberam apreciar com a devida atenção.
Bem escolhidas, as atrações nacionais representaram a diversidade e o alto nível da música instrumental que se produz hoje em nosso país. No sábado (26/8), o jovem quarteto do pianista Vitor Arantes exibiu composições originais calcadas em ritmos brasileiros. Com uma abordagem mais jazzística, o sexteto do pianista Deangelo Silva também contagiou a plateia com composições próprias, como “Bahia” e “São Paulo”, além de um inventivo arranjo de “Aquelas Coisas Todas” (de Toninho Horta).
Já no domingo, a variedade de estilos foi mais ampla ainda. O pandeirista Túlio Araújo exibiu suas fusões de choro, samba e jazz, incluindo uma participação especial do pianista israelense Guy Mintus. À frente de seu Quinteto Experimental, o guitarrista Daniel Santiago (na foto abaixo, com o baixista Frederico Heliodoro) mostrou composições próprias com marcante influência do rock. Soprando seu pífano, Jorge Continentino deu um tratamento jazzístico a ritmos do Nordeste. E encerrou a noite com uma "canja" de bateristas, com destaque para o veterano Neném, grande craque da cena musical mineira, que dividiu o palco com o norte-americano Obed Calvaire, André “Limão” Queiroz e Felipe Continentino.
Planos para 2018
Ao fazer um balanço da 15ª edição do Savassi Festival, Bruno Golgher, criador e produtor do evento, diz que ficou muito sensibilizado com as apresentações de Shai Maestro, em especial, e de Oded Tzur. “Quando esteve aqui pela primeira vez, cinco anos atrás, Shai deixou uma impressão forte, mas principalmente entre os músicos. Naquela época, a programação do festival na rua ainda era encarada como uma festa. Agora há um público muito mais interessado na música do que em festa”, avalia.
Um projeto do festival ao qual o produtor confere um significado especial é o Música Nova. Esse programa de incentivo à criação de composições de música instrumental contemplou, neste ano, quatro jovens compositores: os pianistas Rafael Martini e Luisa Mitre, a cantora Juliana Perdigão e o vibrafonista Fred Selva.
“Tenho a impressão de que a ênfase do festival em composição e em colaborações musicais exerceu um impacto na percepção das pessoas sobre o que é um festival”, observa Golgher, contando que recebeu um retorno positivo bem maior do que em edições anteriores. “As pessoas começaram a sentir que o festival tem um papel, além de reunir muitos shows sobre um palco. Isso quer dizer que o festival está tocando em um ponto que pode ser desenvolvido”.
O produtor comenta também que, embora algumas pessoas já viessem sugerindo há alguns anos a criação de um selo do festival, ainda tinha dúvidas sobre o momento certo para investir nesse projeto. “Você precisa ter um motivo forte para isso. A ideia é que o selo Savassi grave obras comissionadas pelo festival. Nosso selo não vai ter uma função comercial”, afirma Golgher.
A criação desse selo será, segundo ele, uma das ações mais importantes do Savassi Festival, fechando um ciclo, nos próximos anos. “Os músicos vão compor e apresentar suas obras no festival para um grupo de jornalistas e curadores, que vão divulgar e contratar artistas. O selo, que vai registrar composições feitas para o festival, tornará esse material disponível de uma maneira mais ampla”, explica Golgher, que tem a intenção de lançar o selo em 2018. Por isso, as apresentações de Rafael Martini, Luisa Mitre, Fred Selva e Juliana Perdigão durante esta edição já foram registradas em “multitrack” (um processo de gravação em alta definição sonora).
Outra iniciativa do Savassi Festival com potencial para crescer, nas próximas edições, é o concurso Novos Talentos do Jazz, cujo objetivo é criar oportunidades e abrir espaço para jovens instrumentistas. A partir deste ano essa competição será realizada em parceria com outros dois eventos do gênero no país: o POA Jazz Fest (RS) e o Sampa Jazz Fest (SP).
Representando esses festivais de música instrumental, o produtor gaúcho Carlos Badia e o paulista Daniel Nogueira participaram, ao lado do carioca Pedro Albuquerque (curador do Brasil Jazz Fest), de uma mesa redonda na última sexta-feira (25/8), para conversar sobre as estratégias dessa parceria e suas perspectivas.
“Foi importante começar essa parceria com outros festivais. Pensando sob o ponto de vista do artista, isso pode mudar uma trajetória. Imagine o efeito sobre a carreira de um músico ou de uma banda jovem que tiver a oportunidade de participar de três festivais. Ou de cinco festivais, quem sabe, já no próximo ano”, comenta Golgher (na foto ao lado, à esquerda, com o curador Pedro Albuquerque). O primeiro músico escolhido para se apresentar nos festivais de Porto Alegre e São Paulo, ainda neste ano, é o pianista e compositor Vitor Arantes.
A parceria entre os três eventos deve resultar em outros desdobramentos, como a realização de um festival de música instrumental brasileira em Nova York, onde o Savassi Festival já realizou três edições, no período 2013-2015. “De nosso primeiro encontro surgiu a ideia de voltar a Nova York, com os três festivais assinando o projeto. Isso pode dar muito certo”, festeja o produtor mineiro, prevendo que o retorno aos EUA tem boas chances de acontecer já no próximo ano.
Os planos de internacionalização do Savassi Festival não param por aí. Depois de trazer o vibrafonista português Eduardo Cardinho para a edição deste ano, Bruno Golgher também pretende levar o evento a Portugal. “Lá ele terá uma configuração diferente de Nova York, onde fizemos um festival de música instrumental brasileira. Em Portugal, teremos um programa de colaboração entre artistas brasileiros e portugueses, que vai resultar em um festival. A ideia é promover um ir e vir permanente”.
Cobertura realizada em Belo Horizonte a convite da produção do Savassi Festival.
Quem teve a sorte de assistir às apresentações do pianista e compositor israelense Shai Maestro, no Savasssi Festival, certamente vai conserva-las na memória por muito tempo. O jazzista radicado em Nova York e seus parceiros de trio -– o baixista Jorge Roeder e o baterista Obed Calvaire -– foram responsáveis por alguns dos momentos mais emocionantes da 15ª edição desse evento, encerrado no domingo (27/8), em Belo Horizonte (MG).
Maestro introduziu sua composição “From One Soul to Another” com uma breve preleção. Chamou a atenção da plateia para o fato de que, numa época em que a intolerância racial e outras formas de preconceito são tão evidentes, um festival que atrai um público interessado na música instrumental de diversos países tem um significado especial. Ouvir a plateia entoar em uníssono a bela melodia do pianista, que soa como um hino pela paz, foi de arrepiar.
Outro músico israelense que se destacou no último final de semana do evento foi Oded Tzur (na foto abaixo). Tocando emotivas composições próprias, como “Single Mother” e “The Whale Song”, o saxofonista surpreendeu ao soprar seu instrumento de maneira muito suave, no limite do silêncio. Algo raro de se ouvir, que tanto a educada plateia do CCBB, como grande parte dos que acompanharam sua apresentação ao ar livre, souberam apreciar com a devida atenção.
Bem escolhidas, as atrações nacionais representaram a diversidade e o alto nível da música instrumental que se produz hoje em nosso país. No sábado (26/8), o jovem quarteto do pianista Vitor Arantes exibiu composições originais calcadas em ritmos brasileiros. Com uma abordagem mais jazzística, o sexteto do pianista Deangelo Silva também contagiou a plateia com composições próprias, como “Bahia” e “São Paulo”, além de um inventivo arranjo de “Aquelas Coisas Todas” (de Toninho Horta).
Já no domingo, a variedade de estilos foi mais ampla ainda. O pandeirista Túlio Araújo exibiu suas fusões de choro, samba e jazz, incluindo uma participação especial do pianista israelense Guy Mintus. À frente de seu Quinteto Experimental, o guitarrista Daniel Santiago (na foto abaixo, com o baixista Frederico Heliodoro) mostrou composições próprias com marcante influência do rock. Soprando seu pífano, Jorge Continentino deu um tratamento jazzístico a ritmos do Nordeste. E encerrou a noite com uma "canja" de bateristas, com destaque para o veterano Neném, grande craque da cena musical mineira, que dividiu o palco com o norte-americano Obed Calvaire, André “Limão” Queiroz e Felipe Continentino.
Planos para 2018
Ao fazer um balanço da 15ª edição do Savassi Festival, Bruno Golgher, criador e produtor do evento, diz que ficou muito sensibilizado com as apresentações de Shai Maestro, em especial, e de Oded Tzur. “Quando esteve aqui pela primeira vez, cinco anos atrás, Shai deixou uma impressão forte, mas principalmente entre os músicos. Naquela época, a programação do festival na rua ainda era encarada como uma festa. Agora há um público muito mais interessado na música do que em festa”, avalia.
Um projeto do festival ao qual o produtor confere um significado especial é o Música Nova. Esse programa de incentivo à criação de composições de música instrumental contemplou, neste ano, quatro jovens compositores: os pianistas Rafael Martini e Luisa Mitre, a cantora Juliana Perdigão e o vibrafonista Fred Selva.
“Tenho a impressão de que a ênfase do festival em composição e em colaborações musicais exerceu um impacto na percepção das pessoas sobre o que é um festival”, observa Golgher, contando que recebeu um retorno positivo bem maior do que em edições anteriores. “As pessoas começaram a sentir que o festival tem um papel, além de reunir muitos shows sobre um palco. Isso quer dizer que o festival está tocando em um ponto que pode ser desenvolvido”.
O produtor comenta também que, embora algumas pessoas já viessem sugerindo há alguns anos a criação de um selo do festival, ainda tinha dúvidas sobre o momento certo para investir nesse projeto. “Você precisa ter um motivo forte para isso. A ideia é que o selo Savassi grave obras comissionadas pelo festival. Nosso selo não vai ter uma função comercial”, afirma Golgher.
A criação desse selo será, segundo ele, uma das ações mais importantes do Savassi Festival, fechando um ciclo, nos próximos anos. “Os músicos vão compor e apresentar suas obras no festival para um grupo de jornalistas e curadores, que vão divulgar e contratar artistas. O selo, que vai registrar composições feitas para o festival, tornará esse material disponível de uma maneira mais ampla”, explica Golgher, que tem a intenção de lançar o selo em 2018. Por isso, as apresentações de Rafael Martini, Luisa Mitre, Fred Selva e Juliana Perdigão durante esta edição já foram registradas em “multitrack” (um processo de gravação em alta definição sonora).
Outra iniciativa do Savassi Festival com potencial para crescer, nas próximas edições, é o concurso Novos Talentos do Jazz, cujo objetivo é criar oportunidades e abrir espaço para jovens instrumentistas. A partir deste ano essa competição será realizada em parceria com outros dois eventos do gênero no país: o POA Jazz Fest (RS) e o Sampa Jazz Fest (SP).
Representando esses festivais de música instrumental, o produtor gaúcho Carlos Badia e o paulista Daniel Nogueira participaram, ao lado do carioca Pedro Albuquerque (curador do Brasil Jazz Fest), de uma mesa redonda na última sexta-feira (25/8), para conversar sobre as estratégias dessa parceria e suas perspectivas.
“Foi importante começar essa parceria com outros festivais. Pensando sob o ponto de vista do artista, isso pode mudar uma trajetória. Imagine o efeito sobre a carreira de um músico ou de uma banda jovem que tiver a oportunidade de participar de três festivais. Ou de cinco festivais, quem sabe, já no próximo ano”, comenta Golgher (na foto ao lado, à esquerda, com o curador Pedro Albuquerque). O primeiro músico escolhido para se apresentar nos festivais de Porto Alegre e São Paulo, ainda neste ano, é o pianista e compositor Vitor Arantes.
A parceria entre os três eventos deve resultar em outros desdobramentos, como a realização de um festival de música instrumental brasileira em Nova York, onde o Savassi Festival já realizou três edições, no período 2013-2015. “De nosso primeiro encontro surgiu a ideia de voltar a Nova York, com os três festivais assinando o projeto. Isso pode dar muito certo”, festeja o produtor mineiro, prevendo que o retorno aos EUA tem boas chances de acontecer já no próximo ano.
Os planos de internacionalização do Savassi Festival não param por aí. Depois de trazer o vibrafonista português Eduardo Cardinho para a edição deste ano, Bruno Golgher também pretende levar o evento a Portugal. “Lá ele terá uma configuração diferente de Nova York, onde fizemos um festival de música instrumental brasileira. Em Portugal, teremos um programa de colaboração entre artistas brasileiros e portugueses, que vai resultar em um festival. A ideia é promover um ir e vir permanente”.
Cobertura realizada em Belo Horizonte a convite da produção do Savassi Festival.
Annette Peacock: pioneira e vanguardista, compositora canta no Jazz na Fábrica
Marcadores: albert ayler, annette peacock, ECM, free jazz, Jazz na Fábrica 2017, Paul Bley, Robert Moog, Timothy Leary, vanguarda | author: Carlos Calado
Annette Peacock já foi chamada de ícone da vanguarda, de “figura cult do underground”, de “símbolo cult do empoderamento feminino”. Atração do festival Jazz na Fábrica, neste sábado (26) e domingo (27), em São Paulo, a compositora, pianista e vocalista nova-iorquina jamais seguiu padrões convencionais em sua música.
Embora tenha despontado na cena musical dos anos 1960, tocando piano com o expoente do free jazz Albert Ayler, ou tenha composto peças experimentais para o trio de jazz do pianista Paul Bley, ela já não se identificava como jazzista naquela época.
“Eu tinha um grande interesse pela música de vanguarda, pela liberdade, mas não me considerava uma musicista de jazz”, diz ela à Folha. “Sou antes de tudo uma compositora. Gosto de criar ambientes, de tentar romper as fronteiras entre os gêneros musicais”.
Ainda na década de 1960, Annette vivenciou uma experiência radical que alterou sua maneira de encarar a música. Ao se aproximar do psicólogo e neurocientista Timothy Leary, ideólogo do uso criativo do LSD (ácido lisérgico), foi uma das primeiras artistas a experimentá-lo.
“Timothy exerceu uma grande influência sobre mim. Só fiz uma única viagem de ácido e até hoje estou tentando voltar dela. Enfrentar a realidade não tem sido fácil”, ela comenta, rindo. “Quando nos conhecemos, perguntei a ele o que pretendia fazer com o LSD. Timothy me disse que queria influenciar as artes”.
Pioneira também na utilização dos sintetizadores eletrônicos, Annette convenceu o inventor Robert Moog a lhe emprestar um protótipo, antes mesmo de esse instrumento se tornar viável comercialmente. Com ele realizou experimentos sonoros com a própria voz.
Por ser uma artista que, ao criar e gravar sua música, não levava em conta se ela seria ou não rentável, encarou dissabores. “Quando era mais jovem, eu lançava um álbum muito segura de que aquela era a melhor coisa a ser feita naquele momento. No entanto, como eu não conseguia me conectar com o mercado, acabava ficando desiludida, frustrada”, admite.
Depois de passar mais de uma década sem gravar, em 2000 lançou pelo selo europeu de jazz ECM o hoje cultuado “An Acrobat’s Heart”, álbum que reativou o interesse por sua música. Acompanhada por um quarteto de cordas, além de seu piano, ela interpreta nesse disco uma coleção de canções dissonantes e minimalistas, com certa nostalgia.
Algumas dessas canções estarão, segundo ela, no repertório de suas apresentações no Sesc Pompeia. “Vou levar comigo um percussionista (Roger Turner), porque sei que as pessoas valorizam muito de ritmos aí no Brasil”, avisa. “Vamos tocar peças de vários dos meus álbuns. Talvez as pessoas conheçam algumas delas, mas vou rearranjá-las. Será um programa bem diversificado”.
Ao saber que, em São Paulo, deve encontrar uma plateia com jovens interessados em free jazz e música de vanguarda, ela se entusiasma. E conta que se surpreendeu com as reações dos fãs que conheceu após uma apresentação que fez há pouco, em Portugal.
“Tive uma experiência maravilhosa na cidade do Porto. Foi incrível ver aqueles jovens, com os olhos brilhando, me dizerem que adoram minha música”, relembra. “O free jazz e a música que eu faço têm tudo a ver com liberdade – os jovens buscam a liberdade”.
(Entrevista publicada parcialmente na "Folha de S. Paulo", em 26/8/2017)
Chico Buarque: uma grande canção e novas pérolas, no esperado álbum "Caravanas"
Marcadores: caravanas, chico brown, chico buarque, clara buarque, cristóvão bastos, crítica, jorge helder, luiz claudio ramos, resenha, valor | author: Carlos Calado
O compositor, em foto de Leo Aversa
Paixões incontroláveis, conflitos sociais, preconceitos, sonhos. Quem conhece a obra musical de Chico Buarque vai logo se lembrar de que esses temas estão presentes em algumas de suas melhores canções. O compositor carioca volta a abordá-los em “Caravanas” (seu primeiro álbum desde 2011, lançado nesta sexta-feira), mas isso não tem nada a ver com redundância –- até porque esses temas são atemporais. Perfeccionista, quando Chico decide, depois de alguns anos, que está na hora de gravar e apresentar ao público uma nova coleção de composições próprias, a canção brasileira só tem a ganhar com isso.
“Tua Cantiga”, a faixa que abre esse álbum, já circula em rádios e na internet há quase um mês. É uma típica canção de amor, feita em parceria com o pianista Cristóvão Bastos, que já havia composto com Chico a bela “Todo Sentimento”, três décadas atrás. Em ritmo de toada, o piano quase hipnótico e as inversões harmônicas de Bastos, autor também do arranjo, evocam uma atmosfera de encantamento que realça a impetuosa paixão descrita nos versos.
Por mais risível que pareça, essa canção (“Quando teu coração suplicar /ou quando teu capricho exigir /largo mulher e filhos /e de joelhos /vou te seguir”) rendeu a Chico um julgamento sumário nas redes sociais. Apressadas feministas identificaram nesses versos uma prova de machismo do autor – reação típica do “politicamente correto” e do moralismo que têm orientado esses veredictos virtuais. Será que essas pessoas não desconfiam de que um personagem (lembre-se que Chico já criou personagens memoráveis em suas canções e romances) não reflete necessariamente as convicções pessoais de um autor?
“As Caravanas” –- canção que inspirou o título do álbum e o conclui -– talvez não vá provocar tanta polêmica quanto “Tua Cantiga”, mas certamente será lembrada no futuro entre outras grandes canções de Chico, como “Construção” (1971) ou “Vai passar” (1984). Nela, o compositor aborda de maneira impactante um fenômeno social que tem se repetido durante os verões no Rio de Janeiro: os bandos de garotos pobres das favelas e dos subúrbios, que decidem exercer seu direito de visitar as praias da zona sul carioca, desencadeando a rejeição e o medo dos frequentadores de classe média.
“Com negros torsos nus deixam em polvorosa /a gente ordeira e virtuosa que apela /pra polícia despachar de volta /o populacho pra favela /ou pra Benguela, ou pra Guiné”, ironizam os versos de Chico, apontando que o racismo secular se mistura ao preconceito social nas reações dos cariocas “de bem” que rejeitam essas visitas indesejadas. “Tem que bater, tem que matar /engrossa a gritaria / Filha do medo, a raiva é mãe da covardia”, desmascara a letra.
Em uma canção de alto quilate como essa, o tratamento musical precisa estar à altura dos versos. É o que se ouve no arranjo perfeito de Luiz Claudio Ramos, parceiro costumeiro do compositor. À voz de Chico, que de início é acompanhada apenas por um básico trio (violão, baixo e bateria), logo se somam outros instrumentos (teclados, percussões), simulando a tensão crescente provocada pela chegada da “caravana do Arará”. Esta é representada por um batuque tribal típico do funk carioca (vocalizado pelo "beatbox" de Mike), que se junta, num crescendo vertiginoso, ao som de uma orquestra, levando o cantor ao clímax: um grito de medo. Acertadamente escolhida para encerrar o álbum, “As Caravanas” deixa no ar uma sensação perturbadora – efeito que poderia ser diluído se fosse ouvida antes das canções mais líricas, que predominam no disco.
Uma das mais felizes, literalmente, é “Massarandupió”, valsa contagiante que Chico compôs em parceria com o músico Chico Brown (seu neto, filho do percussionista e compositor Carlinhos Brown e de sua filha Helena). O título se refere a uma praia da Bahia, onde o jovem Brown passava férias na infância. “Lembrar a meninice é como ir /cavucando de sol a sol / atrás do anel de pedra cor de areia /em Massarandupió”, imagina Chico, em seus versos nostálgicos.
Também carregando uma boa dose de nostalgia, o bolero “Casualmente” (parceria com o baixista Jorge Helder), com letra em espanhol, remete à beleza das ruas de Havana, a capital da ilha de Cuba. Pode soar como uma resposta elegante de Chico aos “haters” direitistas que já o provocaram (inclusive gritando “vai pra Cuba”), mas o fato é que essa canção nasceu como uma encomenda da cantora Omara Portuondo, do grupo cubano Buena Vista Social Club, ainda não gravada.
O samba-canção “Desaforos” também sugere uma certa ambiguidade. “Sou apenas um mulato que toca boleros /Custo a crer que meros lero-leros de um cantor /possam te dar tal dissabor”, ironizam os versos, que aparentam ter sido escritos para uma mulher. Como não pensar que se trata de um recado sutil, que o autor do gozador refrão “você não gosta de mim /mas sua filha gosta” (do samba “Jorge Maravilha”, assinado com o pseudônimo Julinho da Adelaide, em 1973, durante a ditadura militar) estaria mandando a seus detratores virtuais?
Numa época em que as questões de gênero e sexualidade estão em foco diário na mídia e nas redes sociais, o relaxado “Blues pra Bia” também pode render polêmica, mesmo que isso não estivesse nos planos do autor. Ao suspeitar que o alvo de sua paixão não se interessaria por homens, o personagem conclui seu relato com uma solução gaiata: “Porém nada me amofina /até posso virar menina /pra ela me namorar”.
Paixão arrebatadora também é o tema de “Dueto”, canção composta originalmente por Chico para o musical “O Rei de Ramos”, em 1979, e gravada no ano seguinte em duo com Nara Leão. Agora, em uma versão mais leve, ele divide os vocais com a neta Clara Buarque, irmã de Chico Brown. O ritmo ternário e o acordeom de Marcos Nimrichter emprestam um tempero especial ao arranjo de Luiz Cláudio Ramos, que remete a valsas francesas. Ao final, em descontraído tom de improviso, a dupla atualiza referências clássicas contidas nos versos (o amor que “consta nos autos, nas bulas, nos dogmas”), introduzindo nomes de redes sociais e aplicativos.
Outra canção não inédita do álbum é a lírica “A moça do sonho”, parceria de Chico com Edu Lobo para o musical “Cambaio” (2001). O arranjo despojado de Ramos, só com seu violão e o violoncelo de Hugo Pilger, deixa mais espaço para que o ouvinte se concentre na beleza das imagens oníricas (“Entre escadas que fogem dos pés /e relógios que rodam para trás /se eu pudesse encontrar meu amor /não voltava jamais”).
Finalmente, no samba sincopado “Jogo de Bola”, Chico retorna a outra de suas paixões, que já gerou o hoje clássico samba “O Futebol” (1989). Na letra recheada por firulas poéticas (“outrora, quando em priscas eras /um Puskás eras /a fera das feras da esfera, /mas agora há que aplaudir o toque /o tique-taque, o pique, o breque /o lance de craque do centroavante”), o compositor relembra o passado para lançar um olhar igualmente apaixonado pelo futebol de hoje.
Só pelo gol de placa que é a canção “As Caravanas” já teria valido a pena esperar seis anos, mas há muito mais a aplaudir no novo disco desse grande craque da canção.
(Resenha originalmente publicada no jornal "Valor", em 25/8/2017)
Paixões incontroláveis, conflitos sociais, preconceitos, sonhos. Quem conhece a obra musical de Chico Buarque vai logo se lembrar de que esses temas estão presentes em algumas de suas melhores canções. O compositor carioca volta a abordá-los em “Caravanas” (seu primeiro álbum desde 2011, lançado nesta sexta-feira), mas isso não tem nada a ver com redundância –- até porque esses temas são atemporais. Perfeccionista, quando Chico decide, depois de alguns anos, que está na hora de gravar e apresentar ao público uma nova coleção de composições próprias, a canção brasileira só tem a ganhar com isso.
“Tua Cantiga”, a faixa que abre esse álbum, já circula em rádios e na internet há quase um mês. É uma típica canção de amor, feita em parceria com o pianista Cristóvão Bastos, que já havia composto com Chico a bela “Todo Sentimento”, três décadas atrás. Em ritmo de toada, o piano quase hipnótico e as inversões harmônicas de Bastos, autor também do arranjo, evocam uma atmosfera de encantamento que realça a impetuosa paixão descrita nos versos.
Por mais risível que pareça, essa canção (“Quando teu coração suplicar /ou quando teu capricho exigir /largo mulher e filhos /e de joelhos /vou te seguir”) rendeu a Chico um julgamento sumário nas redes sociais. Apressadas feministas identificaram nesses versos uma prova de machismo do autor – reação típica do “politicamente correto” e do moralismo que têm orientado esses veredictos virtuais. Será que essas pessoas não desconfiam de que um personagem (lembre-se que Chico já criou personagens memoráveis em suas canções e romances) não reflete necessariamente as convicções pessoais de um autor?
“As Caravanas” –- canção que inspirou o título do álbum e o conclui -– talvez não vá provocar tanta polêmica quanto “Tua Cantiga”, mas certamente será lembrada no futuro entre outras grandes canções de Chico, como “Construção” (1971) ou “Vai passar” (1984). Nela, o compositor aborda de maneira impactante um fenômeno social que tem se repetido durante os verões no Rio de Janeiro: os bandos de garotos pobres das favelas e dos subúrbios, que decidem exercer seu direito de visitar as praias da zona sul carioca, desencadeando a rejeição e o medo dos frequentadores de classe média.
“Com negros torsos nus deixam em polvorosa /a gente ordeira e virtuosa que apela /pra polícia despachar de volta /o populacho pra favela /ou pra Benguela, ou pra Guiné”, ironizam os versos de Chico, apontando que o racismo secular se mistura ao preconceito social nas reações dos cariocas “de bem” que rejeitam essas visitas indesejadas. “Tem que bater, tem que matar /engrossa a gritaria / Filha do medo, a raiva é mãe da covardia”, desmascara a letra.
Em uma canção de alto quilate como essa, o tratamento musical precisa estar à altura dos versos. É o que se ouve no arranjo perfeito de Luiz Claudio Ramos, parceiro costumeiro do compositor. À voz de Chico, que de início é acompanhada apenas por um básico trio (violão, baixo e bateria), logo se somam outros instrumentos (teclados, percussões), simulando a tensão crescente provocada pela chegada da “caravana do Arará”. Esta é representada por um batuque tribal típico do funk carioca (vocalizado pelo "beatbox" de Mike), que se junta, num crescendo vertiginoso, ao som de uma orquestra, levando o cantor ao clímax: um grito de medo. Acertadamente escolhida para encerrar o álbum, “As Caravanas” deixa no ar uma sensação perturbadora – efeito que poderia ser diluído se fosse ouvida antes das canções mais líricas, que predominam no disco.
Uma das mais felizes, literalmente, é “Massarandupió”, valsa contagiante que Chico compôs em parceria com o músico Chico Brown (seu neto, filho do percussionista e compositor Carlinhos Brown e de sua filha Helena). O título se refere a uma praia da Bahia, onde o jovem Brown passava férias na infância. “Lembrar a meninice é como ir /cavucando de sol a sol / atrás do anel de pedra cor de areia /em Massarandupió”, imagina Chico, em seus versos nostálgicos.
Também carregando uma boa dose de nostalgia, o bolero “Casualmente” (parceria com o baixista Jorge Helder), com letra em espanhol, remete à beleza das ruas de Havana, a capital da ilha de Cuba. Pode soar como uma resposta elegante de Chico aos “haters” direitistas que já o provocaram (inclusive gritando “vai pra Cuba”), mas o fato é que essa canção nasceu como uma encomenda da cantora Omara Portuondo, do grupo cubano Buena Vista Social Club, ainda não gravada.
O samba-canção “Desaforos” também sugere uma certa ambiguidade. “Sou apenas um mulato que toca boleros /Custo a crer que meros lero-leros de um cantor /possam te dar tal dissabor”, ironizam os versos, que aparentam ter sido escritos para uma mulher. Como não pensar que se trata de um recado sutil, que o autor do gozador refrão “você não gosta de mim /mas sua filha gosta” (do samba “Jorge Maravilha”, assinado com o pseudônimo Julinho da Adelaide, em 1973, durante a ditadura militar) estaria mandando a seus detratores virtuais?
Numa época em que as questões de gênero e sexualidade estão em foco diário na mídia e nas redes sociais, o relaxado “Blues pra Bia” também pode render polêmica, mesmo que isso não estivesse nos planos do autor. Ao suspeitar que o alvo de sua paixão não se interessaria por homens, o personagem conclui seu relato com uma solução gaiata: “Porém nada me amofina /até posso virar menina /pra ela me namorar”.
Paixão arrebatadora também é o tema de “Dueto”, canção composta originalmente por Chico para o musical “O Rei de Ramos”, em 1979, e gravada no ano seguinte em duo com Nara Leão. Agora, em uma versão mais leve, ele divide os vocais com a neta Clara Buarque, irmã de Chico Brown. O ritmo ternário e o acordeom de Marcos Nimrichter emprestam um tempero especial ao arranjo de Luiz Cláudio Ramos, que remete a valsas francesas. Ao final, em descontraído tom de improviso, a dupla atualiza referências clássicas contidas nos versos (o amor que “consta nos autos, nas bulas, nos dogmas”), introduzindo nomes de redes sociais e aplicativos.
Outra canção não inédita do álbum é a lírica “A moça do sonho”, parceria de Chico com Edu Lobo para o musical “Cambaio” (2001). O arranjo despojado de Ramos, só com seu violão e o violoncelo de Hugo Pilger, deixa mais espaço para que o ouvinte se concentre na beleza das imagens oníricas (“Entre escadas que fogem dos pés /e relógios que rodam para trás /se eu pudesse encontrar meu amor /não voltava jamais”).
Finalmente, no samba sincopado “Jogo de Bola”, Chico retorna a outra de suas paixões, que já gerou o hoje clássico samba “O Futebol” (1989). Na letra recheada por firulas poéticas (“outrora, quando em priscas eras /um Puskás eras /a fera das feras da esfera, /mas agora há que aplaudir o toque /o tique-taque, o pique, o breque /o lance de craque do centroavante”), o compositor relembra o passado para lançar um olhar igualmente apaixonado pelo futebol de hoje.
Só pelo gol de placa que é a canção “As Caravanas” já teria valido a pena esperar seis anos, mas há muito mais a aplaudir no novo disco desse grande craque da canção.
(Resenha originalmente publicada no jornal "Valor", em 25/8/2017)
Abdullah Ibrahim: pianista sul-africano enfrentou racismo com belezas musicais
Marcadores: abdullah ibrahim, áfrica do sul, apartheid, Cape Town, Cidade do Cabo, duke ellington, Hugh Masekela, jazz, Jazz Epistles, Jazz na Fábrica 2017 | author: Carlos Calado
Num momento em que o preconceito racial volta a chamar atenção no noticiário, os concertos do pianista e compositor sul-africano Abdullah Ibrahim – hoje e amanhã, no festival Jazz na Fábrica, em São Paulo – ganham um sentido maior.
Aos 82 anos, Ibrahim é um remanescente da luta contra o infame regime político do apartheid, que durante quase cinco décadas (1948-1994) segregou a população majoritariamente negra e extinguiu seus direitos civis, na África do Sul. Em outras palavras, o racismo chegou a ser transformado em lei nesse país.
Maior símbolo da resistência contra essa segregação racial, o ativista Nelson Mandela (1918-2013) passou 27 anos na prisão, até se tornar o primeiro presidente negro sul-africano após a instauração do regime democrático.
“Entendemos desde cedo que a luta era por nossa própria humanidade”, disse Ibrahim, no ano passado, em entrevista ao jornal irlandês “Irish Times”. Quando decidiu se exilar na Europa, em 1962, seu grupo Jazz Epistles (do qual também fazia parte o trompetista Hugh Masekela) já enfrentava duras restrições do governo separatista, mesmo sem exercer atividades políticas explícitas.
Nessa época, Ibrahim ainda era conhecido como Dollar Brand (seu nome original era Adolph Johannes Brand). Em 1963, um encontro quase casual elevou sua carreira musical a outro nível. Ao tocar no Africana Club, em Zurique, na Suíça, foi ouvido pelo pianista e compositor norte-americano Duke Ellington (influência marcante em sua música), que fazia uma turnê pela Europa.
Impressionado, Ellington o ajudou a gravar um disco, intitulado “Duke Ellington Presents the Dollar Brand Trio”, que o introduziu na cena internacional do jazz. Dois anos depois já estava tocando nos Estados Unidos. Ao se converter ao islamismo, em 1968, adotou o nome Abdullah Ibrahim.
“The Song Is My Story” (2015), sua gravação mais recente, mostra como sua original concepção musical evoluiu ao longo de seis décadas. Nas composições de Ibrahim, líricas melodias de ascendência africana são tratadas com a sofisticação das harmonias do jazz. Sem dispensar, naturalmente, o recurso da improvisação.
“Improvisação é meditação em movimento”, ele reflete na capa desse álbum, fornecendo uma chave para se penetrar em seu universo sonoro. Na música meditativa de Ibrahim, o silêncio desempenha um papel quase tão importante quanto o das notas musicais ou o dos ritmos.
Hoje, o veterano pianista e compositor alterna períodos na Alemanha, onde mora, e na bela Cidade do Cabo, onde nasceu. Pode-se dizer que é mais que um vencedor: superou o preconceito e a segregação racial do apartheid com a beleza de sua música.
(Texto publicado na "Folha de S. Paulo", em 19/08/2017)
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