O saxofonista Donald Harrison se diverte com o baixista Nori Naraoka
Três anos atrás, o Bourbon Street Fest enfrentou um momento difícil durante sua última edição antes da pandemia. Naquela tarde de setembro de 2019, no Parque Ibirapuera (em São Paulo), a tristeza estampada nos rostos da equipe de produção era evidente. Bonerama e Dwayne Dopsie & Zydeco Hellraisers – duas das bandas mais populares da eclética cena musical da cidade de New Orleans, que norteia o elenco desse evento desde sua primeira edição – tocaram embaixo de chuva para uma pequena plateia.
Anteontem (25/9), no encerramento da 18.ª edição desse festival paulistano, agora no simpático Parque Burle Marx, o tempo colaborou para uma agradável tarde de domingo, dedicada a diversos gêneros da música negra cultivada em New Orleans. Revelação promissora, o carismático cantor e tecladista Kevin Gullage, de 23 anos, comprovou que são merecidos os elogios que já conquistou, tanto nos meios musicais de sua cidade natal como no televisivo concurso “American Idol”.À frente da afiada banda The Blues Groovers, que inclui o baixo de cinco cordas de Tony Gullage, seu pai, Kevin deliciou a plateia com releituras de clássicos do rhythm’n’blues, como “Thrill Is Gone” (item essencial do repertório do “rei do blues”, B.B. King) e a lendária “The House of the Rising Sun” (canção que, depois de ser gravada por Bob Dylan e Joan Baez, tornou-se um megassucesso na versão da banda britânica The Animals). Tudo indica que esse garoto tem um futuro musical brilhante à sua frente.
Já conhecido entre a plateia paulista, o saxofonista e compositor Donald Harrison surpreendeu os que esperavam ouvir jazz. Desta vez ele preferiu tocar temas mais dançantes, na linha do soul e do funk ao estilo de New Orleans, mostrando que também se vira muito bem como cantor. Depois de fazer uma declaração de amor ao Brasil, ele revelou outra surpresa: um samba que tinha composto na noite anterior.
Claro que Harrison não deixaria de fora do show sua faceta musical que o liga a uma das tradições culturais mais originais de New Orleans. Para acompanhá-lo em “Big Chief” e “Iko Iko” (canções que remetem ao Mardi Gras, o carnaval de sua cidade-natal), ele trouxe ao palco Dwayne Hitches e Edwin Harrison – ambos vestidos com multicoloridas fantasias de indígenas típicas do Mardi Gras. E para quem não notou, a percussão da banda estava a cargo de ninguém menos que o veterano Bill Summers, ex-integrante das bandas Los Hombres Calientes e Headhunters.
Como já fez em outras edições do Bourbon Street Fest, a banda de rua Orleans Street Jazz Band circulou pela plateia do parque, que dançou e se divertiu com seus clássicos do dixieland – especialmente com uma versão do funk “Descobridor dos Sete Mares” (de Michel e Gilson Mendonça), grande sucesso de Tim Maia.
Outra boa surpresa dessa tarde foi a participação da Favela Brass, banda de metais formada por crianças e adolescentes de comunidades do Rio de Janeiro. Criador desse projeto inspirador, o tubista britânico Tom Ashe utiliza a música com sotaque de New Orleans para ampliar os horizontes desses jovens. “Eles jamais vão se esquecer deste dia”, agradeceu, eufórico, o líder. Emocionada, a plateia não queria deixar a banda sair do palco. Além da diversão que proporciona, um festival de música também tem o poder de transformar vidas.