Luciana Souza: cantora recria a atmosfera solitária do jazz de Chet Baker

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                                                                                               Photo by Bob Wolfenson

É preciso um pouco de coragem e muito talento para gravar um álbum como “The Book of Chet” (lançamento Sunnyside/Universal), que acaba de sair no Brasil. Na contramão da histeria dançante que move grande parte da produção musical de hoje, Luciana Souza interpreta dez canções, algumas bem tristes, em versões tão lentas e minimalistas que chegam a causar estranhamento.

Mesmo intrigado, depois de algumas faixas, o ouvinte que se deixou levar pela sutileza das linhas melódicas e pela esparsas intervenções do trio que acompanha a cantora percebe que está encantado pela atmosfera de melancolia e beleza do álbum. Como em um universo paralelo, a sensação de tempo se dissolve.

As letras das canções, como “The Thrill Is Gone” (Henderson & Brown), “The Touch of Your Lips” (Noble) ou “You Go to My Head” (Gillespie & Coats), evocam dores amorosas e muita solidão, mas Luciana jamais perde a elegância, combinando silêncios e notas longas, sem apelar para exageros dramáticos.

É assim que ela, o guitarrista Larry Koonse, o baixista David Piltch e o baterista Jay Bellerose recriam, com muita personalidade, o universo sonoro do trompetista e cantor norte-americano Chet Baker (1929-1988), ícone do “cool jazz”. Em vários momentos, a sensação é quase a de escutar um quarteto, já que os vocais da cantora soam como outro instrumento.

Novos duos de voz e violão

Lançado no final de agosto, nos EUA, onde a paulistana Luciana Souza vive desde a década de 1990, “The Book of Chet” chegou ao mercado junto com “Duos III” (Sunnyside/Universal), o terceiro álbum da série em que ela interpreta clássicos da canção brasileira, no formato voz e violão. Ambos foram produzidos pelo norte-americano Larry Klein.

Nessas gravações, mais uma vez, Luciana tem a companhia dos grandes violonistas Marco Pereira e Romero Lubambo, em releituras de canções de diversas épocas: da triste “Mágoas de Caboclo” (de Cascata e Azevedo), que fez sucesso na voz de Nelson Gonçalves, ao bem sacado medley que une “Lamento Sertanejo” (Gilberto Gil e Dominguinhos) e “Maça do Rosto” (Djavan).

Mesmo ao interpretar algumas canções já gravadas quase à exaustão, Luciana oferece surpresas: como em “Dindi” (de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira), clássico da era da bossa nova que ressurge em versão inovadora, com o violão “bluesy” de Lubambo.

Brilhantes também são os encontros de Luciana com o violonista e compositor Toninho Horta, que contribuiu com duas de suas canções mais belas e estranhas: “Beijo Partido” e “Pedra da Lua” (esta em parceria com o poeta Cacaso).

Assim como já foram indicados para o próximo prêmio Grammy, “The Book of Chet” e “Duos III” merecem frequentar as listas de melhores álbuns do ano. Têm tudo para agradar fãs do jazz ou da MPB.


(resenha publicada parcialmente na “Folha de S. Paulo”, em 26/12/02)

Toninho Ferragutti: acordeonista mistura influências em bela e emotiva trilha sonora

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Se conhecesse algum dos discos gravados pelo acordeonista Toninho Ferragutti, talvez o preconceituoso Joe Bishop, crítico do jornal britânico “The Guardian”, não tivesse afirmado, ao comentar o recente sucesso do cantor Michel Teló (sic), que o acordeom não tem lugar na música popular de hoje.

No álbum “O Sorriso da Manu” (lançamento do selo Borandá), Ferragutti reúne uma pequena orquestra para interpretar composições que escreveu para a trilha sonora de um espetáculo de dança do Grupo Luceros. Contando com o clarinetista Alexandre Ribeiro, com o pianista Paulo Braga e um quarteto de cordas, entre outros músicos, o acordeonista paulista combinou diversas influências e referências, do flamenco à música clássica, passando pelo baião e pelo choro, para compor peças repletas de belezas e emoções. Música sensível, criada para um espetáculo, que ganhou vida própria. 


(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 15/12/2012)

 

Roberto Sion: instrumentista demonstra ser músico completo no CD "12 Canções"

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Saxofonista e flautista de destaque na cena do jazz e da música instrumental brasileira, o paulista Roberto Sion tem demonstrado desde a década de 1970, gravando, compondo, escrevendo arranjos ou regendo orquestras, que seu talento não se limita a um único gênero musical.

No álbum “12 Canções Inéditas” (lançamento independente), além de compor todas as faixas com o letrista Maurício Gusmão, Sion exibe também seu pleno domínio do piano. Na gravação da etérea “Valsa de Ivã e Heloísa”, por exemplo, ele não deixa por menos: toca as quatro vozes de um naipe de saxofones, para o criativo arranjo que escreveu.

Do lirismo de “Cena” e “Cantilena” à sátira de “Expresso Executivo”, os cantores Alaíde Costa, Dominguinhos, Filó Machado, Jane Duboc, Maurício Pereira, Tuca Fernandes e Zé Luiz Mazzioti participam como intérpretes (ou instrumentos) adequados para cada canção. Projeto bem realizado por um músico completo.


(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 15/12/2012)


 

Osesp: orquestra paulista interpreta Chico Buarque e a ópera negra 'Porgy and Bess'

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                                                                                                                O compositor Chico Buarque

As dezenas de poltronas vazias, na Sala São Paulo, podiam ser facilmente justificadas pelas chuvas que inundaram parte da capital paulista, na noite da última quinta-feira. Bastava ver o compositor Chico Buarque e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sentados lado a lado, na plateia, para saber que o programa de encerramento do ano executado pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) era mesmo especial.

Uma opereta de Leonard Bernstein (1918-1990), uma suíte com conhecidas canções de Chico Buarque e “Porgy and Bess”, a polêmica ópera negra de George Gershwin (1898-1937) não compõem um programa indicado para ouvidos tradicionalistas, especialmente aqueles que ainda resistem a aceitar a convivência da música popular com a chamada música erudita.

Adicionada ao programa, a extrovertida abertura da opereta “Candide”, que abriu a noite, foi regida quase com fúria pelo jovem maestro Yuri Azevedo – vencedor do prêmio Eleazar de Carvalho, no Festival de Inverno de Campos de Jordão deste ano.

O peso orquestral dessa peça criou um contraste sonoro bem adequado para que a plateia pudesse captar melhor as sutilezas da inédita “Suíte Chico”. Atendendo a convite da orquestra, o maestro e arranjador Luiz Cláudio Ramos, também presente na plateia, escreveu-a a partir de quatro canções do parceiro, valorizando a beleza de suas melodias.


                                                                  A Osesp durante a apresentação de "Porgy and Bess"/Divulgação

Regida por Marin Alsop, a Osesp torna-se uma pequena orquestra de câmara, na parte inicial da suíte, que une as toadas “Querido Diário” e “Paratodos”. Sopros e cordas formam delicadas texturas sonoras, na valsa “Nina”, que precede a conclusão com o samba “Dura na Queda”.

Talvez a curta duração da peça, ou mesmo a tensão típica das estreias, expliquem o fato de a plateia ter se mostrado menos efusiva do que o próprio Chico, ao se levantar para aplaudir a orquestra. É bem provável que a plateia do último concerto desse programa (hoje, às 16h30) possa presenciar uma performance mais firme e brilhante.

Reforçada, como manda o figurino operístico, por um grande coro e os cantores Indira Mahajan (soprano), Alison Buchanan (soprano), Larry D. Hylton (tenor) e Derrick Parker (baixo-barítono), a Osesp fechou a noite com excertos de “Porgy and Bess”, ópera de Gershwin escrita em 1935, que aproximou esse gênero do universo do jazz por meio de formas musicais afro-americanas, como os “spirituals” e as “work songs”.

É natural que aqueles que conheceram as canções mais populares integrantes dessa ópera, como “Summertime”, “It Ain’t Necessarily So” ou “Bess, You Is My Woman Now”, por meio das interpretações mais modernas dos jazzistas Miles Davis, Ella Fitzgerald ou Louis Armstrong, gravadas já nas décadas de 1950 e 1960, estranhem um pouco a estética lírica da obra de Gershwin. Mesmo assim, aos ouvidos de hoje, ela pode ser apreciada como uma antiga foto em sépia, que décadas mais tarde, como qualquer grande obra clássica, mantém sua aura artística e força emotiva.


(Texto publicado originalmente na "Folha de S. Paulo", em 15/12/02)

 

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