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Wayne Shorter (1933-2023): perdemos um grande criador e visionário do jazz

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             Wayne Shorter, no festival Jazz al Parque 2015, em Bogotá, na Colômbia
 

Na época da pandemia, abandonei o costume jornalístico de homenagear músicos ao saber que eles morreram. Até porque, durante aqueles deprimentes anos de 2020 e 2021, eu seria obrigado a fazer isso quase diariamente. Homenagens e tributos a grandes artistas podem ser feitos a qualquer dia e hora, mas hoje prefiro o elogio escrito ou postado enquanto esses artistas ainda estão vivos e produzindo. Muitos deles precisam de estímulos para seguir adiante.

Decidi suspender temporariamente minha decisão ao saber da morte de Wayne Shorter, um dos meus heróis musicais desde os tempos de adolescência. Mas não vou repetir aqui tudo que já escrevi sobre esse grande saxofonista e personalíssimo compositor. Prefiro resgatar um comentário que postei no Facebook, por ocasião de sua última apresentação no Brasil, em 2016. Indignado com as atitudes de alguns imbecis, durante e após o concerto de Shorter e Herbie Hancock no Brasil Jazz Fest, confirmo quase sete anos depois que pressenti no ar o mau cheiro da tendência reacionária que já despontava neste país:

“Ouvir um bobão qualquer gritar ‘Toca Raul!’, durante o concerto de Herbie Hancock e Wayne Shorter, em São Paulo, não chegou a me surpreender. Já no dia seguinte, saber que um sujeito deixou a plateia brandindo seu dedo médio com indignação me fez pensar que a estupidez humana não tem limites.

Eu me sinto um felizardo por pertencer a uma geração que cresceu ouvindo músicos inovadores como Hancock e Shorter, assim como Miles Davis, John Coltrane, Hermeto Pascoal, Naná Vasconcelos e tantos outros. Com eles aprendi que a música vai muito além dessas canções redundantes e grudentas feitas para serem repetidas nas rádios e vendidas por atacado. Descobri graças a eles que a música também pode ser uma grande aventura, uma viagem ao desconhecido.

Será que daqui a alguns anos, num Brasil inculto e reacionário (tomara que seja apenas um pesadelo), músicos inventivos e corajosos como Shorter e Hancock serão vaiados?”

Aqui o link para a resenha desse revelador concerto de Shorter e Hancock (na Sala São Paulo, em 2016, incluído na programação do Brasil Jazz Fest), que escrevi para a "Folha de S. Paulo":

https://www.carloscalado.com.br/2016/04/wayne-shorter-herbie-hancock-musica.html



Rui Carvalho: diretor do Festival Amazonas Jazz trocou Europa pelo Brasil

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                                       Rui Carvalho rege a Amazonas Band / Foto de Bruno Zanardo / Divulgação 

Quando desembarcou em São Paulo, em 1978, o jovem músico português Rui Carvalho não imaginava que viveria neste país por mais de quatro décadas. Muito menos que se tornaria regente e arranjador da Amazonas Band, a conceituada big band de Manaus (AM), onde também dirige o Festival Amazonas Jazz, um dos principais eventos desse gênero no Brasil.

“A vida é como ela é, não o que a gente imagina”, reflete hoje o maestro, aos 65 anos. Nascido em Lisboa, ele se interessou pelos improvisos do jazz ainda na adolescência. Ficava acordado até a meia-noite para poder ouvir o programa diário “Cinco Minutos de Jazz”, que o radialista José Duarte, pioneiro divulgador dessa vertente musical em Portugal, produz e apresenta desde 1966.

Carvalho também se lembra de como ficou impressionado ao ver e ouvir Miles Davis, na TV portuguesa, no início dos anos 1970. O trompetista americano provocou os fãs e críticos mais conservadores, na época, por ter eletrificado seu jazz. "Miles chamou minha atenção não apenas pela música, mas também pelo layout de seu grupo. Tinha muito a ver com a minha geração, com o rock 'n' blues, com a soul music, com a contracultura do final dos anos 1960".

Antes de se radicar no Brasil, Carvalho também morou na Suécia – solução que encontrou para fugir do serviço militar obrigatório, na época em que Portugal travava uma guerra contra suas antigas colônias na África. “A Suécia era um dos poucos países na Europa que concediam asilo por razões humanitárias”, explica. Se ficasse em Portugal, teria duas opções: ser soldado em uma guerra absurda ou ir para a prisão.

Na pequena cidade sueca de Lund, ele dividia o aluguel com músicos de uma banda de rock. “Era tudo o que eu queria: morava com um bando de americanos desertores da Guerra do Vietnã e tinha aulas de bateria com um deles. A bateria já ficava montada na sala da casa”, relembra, rindo. Além de iniciar seus estudos musicais, também aproveitou os seis anos na Suécia para se formar em Antropologia.

A vontade de voltar a falar português, no dia a dia, pesou na decisão de deixar a Europa. "O Brasil sempre exerceu um certo fascínio sobre mim. Eu já tinha interesse pela música brasileira, mas depois de ouvir 'Dança das Cabeças', o disco de Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos, minha vontade de conhecer mais a música e a cultura brasileira aumentou”.

Já vivendo em São Paulo, no início dos anos 1980, Carvalho assumiu a bateria da Salada Mista, orquestra da Fundação das Artes de São Caetano do Sul. Ali se tornou discípulo de Antonio Duran, maestro e arranjador argentino bastante respeitado nos círculos musicais, que o incentivou a se aprofundar em regência e arranjos para big bands. “Aprendi muito com ele”, reconhece.

Disciplinado e persistente, Carvalho lecionou bateria, percussão sinfônica e prática de big band durante 14 anos, no Conservatório de Tatuí (SP). Nessa fase também regeu e escreveu arranjos para a big band Prata da Casa, trabalho que repercutiu nos meios da música instrumental brasileira. Deixou São Paulo em 2001, ao aceitar o desafio de assumir a regência da Amazonas Band.

“A princípio eu deveria ter ficado 18 meses em Manaus, mas lá vão mais de 18 anos”, comenta o maestro, consciente do legado musical que tem construído à frente da big band. Além de fazer concertos regulares, já lançou dois discos com a Amazonas Band, em parcerias com craques da música instrumental: num deles, o saxofonista Vinícius Dorin; no outro, o pianista Gilson Peranzzetta e o flautista Mauro Senise. Também já dividiu palcos com grandes músicos do jazz, como David Liebman, Bob Mintzer, Cláudio Roditi e Jeremy Pelt.

"Uma big band sustentada pelo Estado, que faz sucesso, é coisa rara”, comenta o maestro. “A Amazonas Band resultou muito bem porque não tem apenas um viés de palco – ela também tem um viés educacional. Todos os músicos da banda são muito ativos e contribuíram bastante para desenvolver a educação, no campo da música popular, aqui em Manaus".

Carvalho não esconde sua animação pela retomada do Festival Amazonas Jazz, evento que criou e comandou desde a edição de estreia, em 2006. Suspenso há cinco anos, esse festival vai realizar sua 10ª edição, em Manaus [Obs: evento adiado por causa da pandemia de coronavírus; novas datas serão anunciadas]. A programação segue o formato de anos anteriores, que combina concertos noturnos com uma extensa série de workshops, oficinas e palestras.

Os trompetistas Randy Brecker e Keyon Harrold, os pianistas Aaron Parks e Edsel Gomez, o baterista Jeff “Tain” Watts, o trombonista John Fedchock e o saxofonista Frode Gjerstad são destaques entre os concertos agendados para o imponente Teatro Amazonas. Também de primeira linha, o elenco brasileiro inclui o Trio Corrente, o Amilton Godoy Trio, Marcelo Coelho & McLav.in, o Daniel D’Alcântara Quinteto, Leila Pinheiro e Amazonas Band, entre outros.

“Eu não imaginava que viveria por tanto tempo em Manaus. Também nunca imaginei que fosse dirigir big bands, mas acabei me apaixonando por elas. Parece quase um sonho”, comenta o maestro, que vai reger a Amazonas Band nas noites de abertura e de encerramento do festival. 


(Texto publicado no caderno Eu & Fim de Semana do jornal "Valor Econômico", em 13/3/2020)

Sesc Jazz: Gismonti encanta plateia paulista e anuncia álbum com clássicos da MPB

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                                                                 O pianista e compositor Egberto Gismonti

Ontem, ao assistir ao emocionante show de Egberto Gismonti (no festival Sesc Jazz, em São Paulo), fiquei pensando como tive sorte. Pertenço a uma geração que cresceu e amadureceu acompanhando de perto os discos e os shows de Gismonti, Hermeto Pascoal, Paulo Moura, Naná Vasconcelos, Victor Assis Brasil, Cesar Camargo Mariano, Pau Brasil, Cama de Gato e Duofel, entre tantos outros – para ficar apenas no campo de nossa preciosa música instrumental, que tantas belezas produziu desde os anos 1960.

Ao lado do filho Alexandre, talentoso violonista, Gismonti ofereceu à plateia do Sesc Pompeia, praticamente, uma síntese de sua obra musical. Alternando o violão e o piano, como gosta de fazer, sugeriu novas relações entre algumas de suas composições mais conhecidas, misturando-as em inventivas fusões. Também surpreendeu a plateia com belíssimas releituras de “Carinhoso” (talvez a mais emotiva e original versão do choro-canção de Pixinguinha que já ouvi até hoje) e “Retrato em Branco e Preto” (de Tom Jobim e Chico Buarque).

Não bastassem esses dois presentes musicais, Gismonti também revelou durante o show que já está gravando há algum tempo, na Europa, um álbum com releituras de clássicos da música popular brasileira que aprecia. Segundo ele, a sugestão partiu de Manfred Eicher, o produtor do selo alemão ECM, para o qual Gismonti tem gravado desde “Dança das Cabeças”, o cultuado disco que fez em duo com Naná Vasconcelos, em 1976.

Já ao final da noite, ao retornar ao palco, atendeu dois pedidos de bis entre os muitos que partiram da plateia. Primeiro, tocou a lírica “Palhaço”, uma de suas composições mais populares. Depois, uma versão instrumental de “Água e Vinho”, canção cheia de melancolia do seu álbum homônimo de 1972, que encantou muita gente de minha geração. Num país mais sério do que este, um músico do quilate de Gismonti seria homenageado diariamente.



Egberto Gismonti: compositor e instrumentista encantou a platéia do Bourbon Street

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Ver e ouvir um músico de altíssimo quilate a poucos metros de distância já seria por si só um privilégio, mas a apresentação de Egberto Gismonti, ontem, no clube paulistano Bourbon Street, superou qualquer expectativa.

Numa noite especialmente iluminada, o compositor e multi-instrumentista revisitou diversas joias de seu repertório, como “Caravela”, “Raga” e “Dança das Cabeças” –- esta introduzida por uma carinhosa menção ao saudoso percussionista Naná Vasconcelos (1944-2016), com o qual gravou um de seus discos mais cultuados.


Gismonti também divertiu a plateia do Bourbon Street, contando saborosos “causos” extraídos de suas andanças pelo mundo, que envolvem outros grandes músicos e/ou parceiros musicais, como o mestre da bossa nova Tom Jobim, o violonista Baden Powell, o contrabaixista Charlie Haden e o saxofonista Jan Garbarek.


E não bastassem tantas delícias numa única apresentação, o pianista ainda surpreendeu os fãs com uma personalíssima releitura do choro “Carinhoso”, de Pixinguinha. Que noite!





Naná Vasconcelos (1944-2016): percussionista era capaz até de fazer chover no palco

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Os felizardos que viram o show “O Bater do Coração” dificilmente vão se esquecer. Foi em janeiro de 1992, num dos eventuais retornos ao país do percussionista Naná Vasconcelos, que morava nos Estados Unidos desde os anos 1970. Como um regente informal, ele transformava a plateia em uma orquestra de percussão corporal, dando a todos a nítida sensação de ouvir sons de chuva ou de estar em um barco no meio da selva. Fazia isso utilizando estalos de dedos, palmas e as vozes dos espectadores.

Impossível esquecer também a evidente emoção desse músico pernambucano, nesse mesmo show, ao entoar sua canção “Tu Nem Quer Saber”. Nos versos melancólicos (“Já que tu não quer saber de mim / Canto essa dor / É que tu não quer saber de ti / Falo deste amor”), ele aludia à mágoa que ainda sentia por ser ignorado pelas gravadoras brasileiras, que raramente lançavam seus discos no país.

Detalhe essencial para se avaliar essa injustiça absurda: no início dos anos 1990, Naná já era um músico consagrado na cena internacional, com mais de uma dúzia de álbuns lançados nos Estados Unidos e na Europa. A conceituada revista norte-americana “Down Beat”, por exemplo, já o tinha eleito melhor percussionista do mundo por cinco anos.

“Será que o brasileiro vai querer ouvir aboios, cocos e esse tipo de material da música popular que eu misturo com as minhas coisas?”, perguntou ele a este repórter, dias antes do show em São Paulo, demonstrando insegurança. Naná até tinha motivo para isso: também esnobados durante a década de 1980, os ritmos brasileiros haviam perdido sua hegemonia para o rock, no mercado nacional.

Sem limites

Músico do mundo, ele demonstrou em seus discos e parcerias, especialmente ao longo dos anos 1970, 1980 e 1990, que sua música não tinha limites geográficos, étnicos, muito menos de gêneros ou estilos. Viajou por vários continentes, tocando música instrumental, jazz, rock, música indiana, ritmos africanos, até folclore escandinavo, sem jamais deixar de lado suas profundas ligações com a música brasileira.

Não foram poucos os críticos e compositores que se surpreenderam com o talento de Naná. Usando apenas o berimbau e alguns instrumentos de percussão, além da voz e de seu corpo (eventualmente, chegou a usar fitas gravadas, como no álbum "Amazonas", de 1973), era capaz de criar peças inventivas e sofisticadas, que o aproximavam da música de vanguarda, mesmo que não tivesse essa pretensão.

Provavelmente, seu disco mais cultuado é “Dança das Cabeças” (1977), registro de sua primeira parceria com Egberto Gismonti. Essa excitante suíte, composta por música escrita e improvisada, inclui releituras de peças de Gismonti e a inventiva versão de “Fé Cega, Faca Amolada” (de Milton Nascimento). Outro item festejado pelos fãs é sua fase com o grupo Codona, ao lado do trompetista Don Cherry e do citarista Collin Walcott, que rendeu três álbuns.

Já voltando a se reaproximar do Brasil, em 1995, Naná revelou que também tinha talento para a produção musical. Assumiu a direção artística do festival PercPan (dividida com Gilberto Gil, a partir do ano seguinte), contribuindo para trazer ao país diversos expoentes da percussão internacional.

Em 2002, decidido a proteger uma manifestação típica da cultura pernambucana ameaçada de desaparecimento, aceitou um novo desafio: como coordenador da abertura do carnaval da cidade de Recife, promovia encontros de dezenas de maracatus, que envolviam centenas de batuqueiros, orquestras e astros da MPB.

Por essas e outras, sem o talento e a música de Naná Vasconcelos, o Brasil vai ficar menos inventivo, menos brasileiro.


(Texto publicado na versão online da "Folha de S. Paulo", em 9/03/2016, por ocasião da morte de Naná Vasconcelos)

Naná Vasconcelos, Zeca Baleiro e Paulo Lepetit: trio se diverte com a diversidade brasileira

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                                              Ilustração para encarte do CD, baseada em fotos de Matthieu Rougé

Fruto da inédita parceria do percussionista pernambucano Naná Vasconcelos com o cantor maranhense Zeca Baleiro e o baixista paulista Paulo Lepetit, artistas que já deixaram suas marcas em diferentes gêneros da música popular brasileira, o álbum “Café no Bule” (lançamento do Selo Sesc) logo envolve o ouvinte com sua descontração. O samba de terreiro “Batuque na Panela” antecipa o tom bem-humorado de outras faixas, como o coco-de-roda “Mosca de Bolo” ou o “Xote do Tarzan”.

Também chama atenção a diversidade rítmica do repertório, quase todo assinado pelos três parceiros, que vai de uma dançante ciranda (“Ciranda da Meia-noite”) a um maracatu com tiradas filosóficas (“Loa”), passando pelo afoxé “A Dama do Chama-Maré”, que ganhou tempero de reggae e um naipe de metais. Um disco que não nasceu da pretensão de criar canções rebuscadas, mas sim do prazer proporcionado por esse encontro musical. Prazer que também se estende ao ouvinte. 


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 27/03/2016)

Hamilton de Holanda: em fase de alta produção, bandolinista lança três álbuns

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Se você ainda não conhece a música de Hamilton de Holanda, já está mais do que na hora. Esse bandolinista e compositor brasiliense, radicado no Rio de Janeiro, é hoje um dos mais criativos expoentes da música instrumental brasileira, reconhecido também em vários países da Europa e nos EUA, onde tem se apresentado. Hamilton costuma dizer que, para ser acessível sem perder a sofisticação, a música precisa ser simples. Um princípio estético que tem tudo a ver com sua personalidade.

Esta entrevista foi realizada, em Olinda (PE), durante a última edição do festival Mimo, onde Hamilton se apresentou ao lado do pianista italiano Stefano Bollani. 

Você tem lançado mais de um disco por ano e, nos últimos meses, saíram três novos álbuns seus: “O Que Será” (pelo selo ECM), com o pianista italiano Stefano Bollani; “Mundo de Pixinguinha” (selo Rob Digital), com diversos convidados; e “Trio” (selo Brasilianos), do seu grupo. Como você explica essa produção tão intensa?
 
Hamilton de Holanda - A vida é movimento. Eu me sinto num momento bem produtivo e não vou me podar, mesmo que isso possa até incomodar algumas pessoas. Já ouvi fãs reclamarem de não ter dinheiro para comprar todos os meus discos. Alguns dos meus CDs estão à venda em lojas ou no iTunes, mas outros estão em meu site, de graça. Daqui a dez ou vinte anos, quero poder olhar pra eles sem ficar pensando que poderiam ter ficado melhores. Quando termino um disco, costumo me desapegar dele. Tenho consciência de que fiz o melhor naquela época.

Como surgiu seu duo com o pianista Stefano Bollani?

HH - Quando eu morava na França, ganhei um disco do Bollani que tinha composições dele, bem diferentes e com harmonias muito bonitas. Na última faixa, ele cantava “Trem das Onze”, do Adoniran [Barbosa], em italiano. Aí pensei: um dia vou cruzar com esse cara e tocar com ele. Não deu outra: em 2009, fui tocar em um festival em Bolzano, na Itália, e participei de um show do Bollani. Tocamos uma do Baden [Powell] e uma do Egberto [Gismonti]. Desde então já fizemos mais de 50 shows juntos. Gosto muito de tocar com ele. Fora o grande musico que o Bollani é, além de todo o conhecimento que ele possui do instrumento, tem muito humor na música que ele faz.

Vocês sempre tocam o repertório desse disco nos shows?

HH - Nós até repetimos uma ou outra música, alguma dele, alguma do Pixinguinha, mas sempre tocamos outras diferentes. Assim o show sempre traz surpresas para o público, mas também gostamos de [criar] surpresas para a gente. “O Que Será” é a gravação do último show de um giro que demos pela Europa, no ano passado. Foi gravado em um festival na Antuérpia, que comemorou os 90 anos do gaitista Toots Thielemans, com umas 5 mil pessoas na plateia. Foi uma noite muito especial.

O álbum “O Que Será” foi lançado pelo ECM, um dos selos independentes mais cultuados na área do jazz e da música instrumental. Você também é fã dos discos do ECM? Como é que se deu esse contato?

 
HH - Sim. Todo cara, que gosta de jazz, gosta do “Koln Concert”, do Keith Jarrett, por exemplo. Ou dos discos do Egberto (Gismonti), do Naná (Vasconcelos) e do Jan Garbarek. O Bollani já tinha um disco lançado com o Chick Corea pela ECM – esse foi o nosso canal. Ele mandou a gravação para o Manfred Eischer [criador e diretor do selo], que adorou. Os dois foram para a Noruega e mixaram o disco em Oslo.

Em “Mundo de Pixinguinha” você toca em duos com um elenco internacional de convidados, como os pianistas cubanos Chucho Valdés e Omar Sosa, o acordeonista francês Richard Galliano, o trompetista norte-americano Wynton Marsalis e o próprio Bollani, entre outros. Como foi a produção desse trabalho?

HH - O processo de criação desse disco foi mais coletivo, até porque envolveu muitos convidados. É um projeto meu, com o meu empresário, o Marcos Portinari, e a produtora Lu Araújo. A ideia surgiu em Brasília, na inauguração de uma exposição sobre o Pixinguinha. O projeto inicial era gravar com três pianistas, mas, de repente apareceu o Wynton, e gravamos o Mário Laginha, quando estive em Lisboa. Depois pensamos que também tínhamos que convidar músicos brasileiros, então entraram o [pianista] André Mehmari, a [flautista] Odette Ernest Dias e o [saxofonista e flautista] Carlos Malta. Foi um processo bem trabalhoso, mas muito divertido. A ideia é justamente expandir um pouco o universo da música do Pixinguinha.

Alguma surpresa durante as gravações? 

 
HH - Eles [os convidados estrangeiros] ficaram encantados. Quando estávamos tocando “Lamentos”, o Chucho [Valdés] parou no meio da gravação, emocionado. O [Richard] Galliano me disse que a música do Pixinguinha pode ser antiga, mas, além de popular, é uma música elaborada, o que permite que ela possa soar eterna, atemporal.

Você tem tocado e gravado em duos, com frequência. O que atrai você nesse formato instrumental? 

 
HH - Eu aprendi a tocar com o meu pai, em casa. Então, mesmo que eu não pense nisso, o duo sempre vai estar presente na minha vida. Tocar em duo é uma relação muito íntima. Tocar sozinho é a intimidade no máximo, mas é uma coisa muito solitária. O duo mantém essa intimidade, mas com alguém. Existe uma cumplicidade muito grande no duo. Tocar em duo também permite dividir a música com outra pessoa. Tenho isso em mim desde pequeno. Meu pai dizia que, se você aprender a tocar um instrumento, vai fazer muitos amigos na vida.

(Versão completa da entrevista publicada no “Guia Folha - Livros, Discos, Filmes”, em 26/10/2013) 


 

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