O guitarrista Kenny Brown, da banda Tony Hall & The Heroes
Em meio às dificuldades econômicas que continuam abatendo o país, a 14ª edição do Bourbon Street Fest, que começa hoje, é uma demonstração de resistência do setor cultural. Forçado a cancelar sua edição de 2016 por falta de patrocínio, o festival produzido pela casa noturna paulistana Bourbon Street Music Club retorna neste ano com um programa mais compacto, sem abrir mão de sua proposta original: trazer ao país a rica diversidade da música criada em New Orleans.
A atração de hoje (30/11), às 22h30, no palco do Bourbon Street, é o baixista e cantor Tony Hall, que volta a São Paulo à frente de banda The Heroes. Com um currículo invejável, que inclui participações em shows e gravações de grandes ídolos da música negra, de B.B. King e Stevie Wonder a George Clinton e Neville Brothers, Hall traz um repertório dançante e calcado no rhythm & blues e no funk ao estilo de New Orleans. Sua banda inclui outros craques da cena musical dessa cidade da Louisiana, como Kurt Brunus (teclados), Kenny Brown (guitarra) e Raymond Weber (bateria).
Outra atração já bem conhecida pelos frequentadores do Bourbon Street se apresenta na sexta-feira (1º/12), no clube paulistano. O trio vocal Mahogany Blue destaca Lanita May, Doreen Carter e Yadonna West, cantoras com vozes poderosas. Elas interpretam clássicos da soul music, do rhythm & blues e do pop norte-americano, em versões que revelam influências da música gospel que cantavam em igrejas de New Orleans.
Como é de hábito, o encerramento do Bourbon Street Fest 2017 será gratuito e ao ar livre, domingo (3/12), a partir das 16h, no Parque do Ibirapuera. Além de novas apresentações de Tony Hall & The Heroes e do trio Mahogany Blues, o programa inclui ainda a Orleans Street Jazz Band, banda de rua ao estilo de New Orleans, que circula pela plateia tocando temas conhecidos, inclusive da música brasileira.
O festival é produzido pela equipe do Bourbon Street Music Club, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura. Também conta com apoio do Consulado dos Estados Unidos em São Paulo e do New Orleans Convention & Visitors Bureau.
Outras informações em www.facebook.com/bourbonstreetfest
14º Bourbon Street Fest: evento enfrenta a crise econômica com edição compacta
Marcadores: Bourbon Street Fest 2017, funk, kenny brown, kurt brunus, mahogany blue, new orleans, parque do ibirapuera, raymond weber, rhythm & blues, soul, tony hall, tony hall & the heroes | author: Carlos CaladoJoão Marcos Coelho: crítico analisa e incentiva a 'música de invenção' em novo livro
Marcadores: blues, bola de nieve, Egberto Gismonti, instrumental, jazz, john coltrane, keith jarrett, mose allison, Música Contemporânea, música de invenção, quincy jones, Thelonious Monk | author: Carlos Calado
O jornalista João Marcos Coelho (foto acima), grande referência no campo
da crítica musical em nosso país, apresenta em seu novo livro uma proposta que muitos
apreciadores da música contemporânea certamente aplaudiriam. Maestros, orquestras
e intérpretes preguiçosos, que insistem em repetir nas salas de concerto os
mesmos clichês do repertório clássico, como “As Quatro Estações” de Vivaldi, a “Nona
Sinfonia” de Beethoven ou “Quadros de Uma Exposição” de Mussorgsky, deveriam
ser taxados com um imposto que seria revertido à realização de projetos de
música contemporânea.
“Sei que extrapolo ao propor um novo imposto”, escreve
Coelho, que não abre mão da ironia e do humor fino nos reveladores textos reunidos
no livro “Pensando as Músicas no Século XXI” (lançamento da Editora Perspectiva).
“Sei também que só me cabe, como crítico jornalístico, a tarefa de desmontar no
dia a dia a narcótica engrenagem da vida musical convencional, cuja matriz
magna são as instituições maiores, as orquestras sinfônicas, que embalam o
público como se fosse composto de crianças sempre a fim de ouvir um milhão de
vezes a mesma obra”.
De cara, em seu texto de apresentação do livro, Coelho
sintetiza em que consiste a “duríssima” vida de um crítico musical. “Ele tem de
atuar simultaneamente em duas frentes: como catalisador, deve examinar e
descartar o lixo sonoro que nos cerca, filtrando e incentivando a música de
qualidade; e, como provocador, tem de surpreender os padrões do gosto, tirar os
leitores da zona de conforto, levá-los a experimentar, descobrir o novo”. Para
os estudantes de jornalismo, ou mesmo colegas de profissão mais jovens que
ainda se perguntam qual é exatamente a função de um crítico musical, aí está
uma definição prática e precisa.
Publicados a partir de 2009 originalmente nos jornais “O
Estado de S. Paulo” e “Valor Econômico”, ou nas revistas “Bravo” e Concerto”,
os 101 ensaios, resenhas e críticas de discos e concertos reunidos no livro de
Coelho não abrangem apenas o universo da música clássica ou contemporânea -- de Brahms e Wagner a Stravinski e Boulez. Abordam
também o jazz de Thelonious Monk, John Coltrane, Keith Jarrett e Quincy Jones,
assim como abrem espaço para artistas que flertaram com esse gênero musical,
como o ator, bailarino e cantor Fred Astaire ou o arranjador e compositor de
trilhas sonoras Henry Mancini.
Praticante da bem-humorada distinção do pianista e compositor
Duke Ellington (“Existem dois tipos de música: a boa música e a de outro tipo”),
Coelho vai buscar, sem preconceitos, a música que merece ser ouvida e analisada
nos mais diversos gêneros -- sejam as canções pungentes do “cantautor” cubano
Bola de Nieve (1911-1971), a música instrumental brasileira de Egberto Gismonti
ou os blues do cantor e pianista norte-americano Mose Allison (1927-2016).
Em outras palavras, o que interessa a João Marcos Coelho é a
música feita com criatividade, a “música de invenção”, que nada tem a ver, de modo geral, com a música descartável, fabricada para alimentar as paradas de
sucesso ou a programação das rádios comerciais. Um exemplo a ser seguido também por aqueles que ainda insistem na preconceituosa e arcaica polêmica das fronteiras entre a música erudita e a popular.
Heloísa Fernandes: a música à flor da pele da pianista e compositora no álbum "Faces"
Marcadores: andré magalhães, Borandá, fernando pessoa, Heloísa Fernandes, jazz, música instrumental brasileira, nise da silveira, thomas zoells | author: Carlos Calado
Heloísa Fernandes - Foto de William Struhs
Uma das mais talentosas pianistas reveladas durante este século na cena da música instrumental brasileira, Heloísa nasceu em Presidente Prudente (SP). Paulo Gori e Gilberto Tinetti foram seus principais mestres de piano. Formada em regência pelo Centro de Estudos Tom Jobim, despontou em 2001 como finalista do conceituado Prêmio Visa de Música Brasileira. Já realizou parcerias com músicos de renome, como Naná Vasconcelos, Zeca Assumpção e Gil Jardim. Desde 2004 sua música também vem sendo elogiada no exterior.
A história do álbum “Faces” (lançamento com o selo de qualidade Borandá) teve início em abril de 2014, quando ela realizou uma turnê pelos Estados Unidos. “Ao tocar em Chicago, na sala de concertos da PianoForte Foundation, encontrei um piano fantástico, um Fazioli. O som daquele piano era tão lindo que fiquei arrepiada quando toquei os primeiros acordes”, conta. Logo após a apresentação, Thomas Zoells (promotor de concertos e dono da sala, que também dispõe de um estúdio de gravação) a convidou a retornar no dia seguinte para gravar um disco.
“Ninguém jamais havia conduzido nosso Fazioli a sons tão incríveis, nem havíamos tido em nosso programa uma sonoridade tão poética e afetiva”, elogiou o suíço, justificando o convite imediato que fez à pianista, em depoimento incluído no encarte do disco. [
Mais interessada em registrar material inédito, Heloísa sugeriu a Zoells adiar a gravação para março de 2015, quando poderia voltar a Chicago com novas composições. No entanto, a inesperada doença arrefeceu seu ânimo. Sentindo-se sem condições físicas para realizar a gravação, chegou a pensar em desistir do projeto.
“Mas as estrelas já tinham se alinhado e eu não sabia. O querido André Magalhães, produtor dos meus discos ‘Fruto’ e ‘Candeias’, me contou que estaria em Chicago, coincidentemente, no mesmo período da gravação. Ele me convenceu a manter as datas. Disse que iria produzir o disco, que estava tudo certo”, relembra. “Isso me fez acreditar que o universo estava conspirando para que essa gravação acontecesse, desde o meu encantamento com o piano Fazioli e o convite de Thomas Zoells até a presença iluminada do André na produção”.
Nos quatro meses que precederam as gravações do álbum, Heloisa mergulhou fundo no processo de composição. “Fui construindo vários temas, com total liberdade para improvisar. Eu sabia mais ou menos para onde iria durante as improvisações, mas me dei liberdade absoluta para encontrar novas coisas. Queria fazer uma música viva e para isso tinha que correr riscos”, reflete a pianista, que combina em suas composições influências da música clássica e da música popular brasileira com muita improvisação – o recurso criativo mais característico do jazz.
As inéditas composições que Heloísa exibe em “Faces” nasceram, segundo ela, a partir de sentimentos que brotaram durante o período em que adoeceu. “Batizei cada peça, no início de sua criação, com o nome de uma emoção, um sentimento”, relembra. Posteriormente, formatou e rebatizou seis dessas composições em duas suítes. A lírica “As Três Graças” refere-se a deusas da mitologia grega que simbolizam o feminino – Aglaia, Thalia e Euphrosyne representam, respectivamente, a claridade, a fertilidade e a alegria. “Rios”, a emotiva suíte que encerra o álbum, retoma alguns elementos das peças anteriores.
Outra composição inédita é a impactante “Mergulho”, que começa com a pianista extraindo sons inusitados, ao percutir diretamente as cordas do instrumento. É também a única faixa do álbum em que Heloísa utiliza a voz para improvisar, criando belas melodias. A inspiração dessa composição, segundo ela, veio de obras do acervo do Museu de Imagens do Inconsciente, produto do revolucionário trabalho da psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999). “Como é que pessoas esquizofrênicas, consideradas loucas, podem fazer coisas tão incríveis?”, comenta a compositora.
Já a faixa de abertura do álbum combina “Colheita” (releitura de uma composição de Heloísa que fez parte de “Fruto”, seu álbum de estreia, lançado em 2005) com uma delicada releitura instrumental de “Caicó” (canção folclórica já gravada por Milton Nascimento e Dominguinhos, entre outros).
“Eu estava com a sensibilidade à flor da pele”, comenta a pianista, que durante o processo de criação dessas composições chegou a pensar que seu álbum resultaria em uma espécie de autorretrato musical. “Depois percebi que vivi um processo de transformação: minha vida estava sendo transformada em música”, conclui.
Versos de um poema do “Livro do Desassossego”, de Fernando Pessoa, que Heloísa utilizou como epígrafe para seu álbum, sintetizam como ela interpreta hoje essas composições, nascidas em um período difícil, mas sublimadas com muita sensibilidade e arte. “Dar uma emoção a cada personagem, a cada estado de alma uma alma”.
Texto escrito a convite da gravadora Borandá
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