Melhores de 2011: críticos elegem seus álbuns favoritos em enquete do "Valor Econômico"

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Atendendo a um convite do jornal “Valor Econômico”, com o qual tenho colaborado durante a última década, participei de uma enquete para eleger os melhores discos de 2011. Para essa votação também contribuíram os jornalistas e críticos João Marcos Coelho, Luciano Buarque de Hollanda, Tárik de Souza e Zuza Homem de Mello.

Quem atua na área musical sabe que essa é uma das tarefas mais difíceis, discutíveis até, nesse ramo. Como justificar que um trabalho artístico nos parece melhor do que outro, sem sermos parciais ou mesmo injustos? Até que ponto nosso gosto pessoal pesa decisivamente nessa decisão?

O fato é que aceitei indicar cinco CDs nacionais e cinco internacionais de qualquer gênero, lançados em 2011. O resultado da enquete está no no site do “Valor Econômico”. Estes foram os 10 álbuns que eu selecionei, em ordem alfabética:
                           


ÁLBUNS NACIONAIS 
Alma Lírica Brasileira - Mônica Salmaso (Biscoito Fino)
Indivisível - Zé Miguel Wisnik (Circus)
Liebe Paradiso - Celso Fonseca e Ronaldo Bastos (Dubas)
Recanto - Gal Costa (Universal)
Vento em Madeira - Quinteto Vento em Madeira (Maritaca)


ÁLBUNS INTERNACIONAIS
Dreamer in Concert - Stacey Kent (EMI)
For True - Trombone Shorty (Verve/Universal)
Live in Marsiac - Brad Mehldau (Nonesuch/Warner)
Ninety Miles - Stefon Harris, David Sánchez e Christian Scott (Concord)
Rio - Keith Jarrett (ECM/Borandá)


Cesária Évora: diva de Cabo Verde dizia que "a alegria e a tristeza são vizinhas"

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Cesária Évora (1941-2012) foi a maior estrela musical de Cabo Verde. Sem sua voz emotiva e seu discreto carisma, a música popular desse arquipélago africano, ex-colônia de Portugal, não seria hoje tão conhecida mundialmente.

Pelo que representou na cena musical do último século, é justo equipará-la a outras grandes divas do canto, como Amália Rodrigues (1920-1999), principal intérprete do fado português, Bessie Smith (1894-1937), maior cantora do blues clássico norte-americano, ou Celia Cruz (1925-2003), “rainha” da salsa cubana.

Sobrinha do compositor B. Leza, que ajudou a dar forma à moderna canção cabo-verdiana, Cesária nasceu no porto de Mindelo. Sua carreira musical levou décadas para engrenar. Chegou a fazer gravações em Portugal, na década de 1970, mas só alcançou o sucesso quando já era cinquentona. Lançado em 1992, “Miss Perfumado” foi o álbum que a projetou mundialmente.

Nenhum dos gêneros musicais que faziam parte de seu repertório identificou-se tão bem com sua imagem artística como a “morna”. Hoje um símbolo cultural de seu país, essa modalidade de canção em andamento lento caracteriza-se por versos carregados de melancolia, que falam de amores frustrados, saudade e exílio – como “Sodade”, o maior sucesso de Cesária.

O hábito de entrar nos palcos sem sapatos, que a tornou conhecida como “a diva dos pés descalços”, não era apenas uma idiossincrasia. Soava também como um gesto que expressava seu apego às raízes da música que cultivou por toda a vida.

“Quem quiser se afastar da tradição, que se afaste. Sempre cantei e vou continuar cantando música típica de Cabo Verde”, afirmava, quando lhe perguntavam se não pensava em “modernizar” seu repertório ou trocar por instrumentos eletrônicos o cavaquinho, os violões, o piano e a percussão que costumavam acompanhá-la.

Essa determinação não a impediu de se aproximar da música brasileira, pela qual tinha grande admiração. Fã da fluminense Angela Maria, cantora da chamada “era de ouro” do rádio brasileiro, Cesária gravou dois de seus sucessos: o samba-canção “Negue” e o bolero “Beijo Roubado” (ambos de Adelino Moreira). Também fez parcerias com Caetano Veloso, Gal Costa e Marisa Monte.

Em uma entrevista que fiz com ela para a "Folha de S. Paulo", em 2005, ao revelar que gostava das folias do Carnaval, Cesária me disse que não era tão melancólica quanto faziam supor as mornas que cantava. “Posso não ser muito alegre, mas triste também não sou. A alegria e a tristeza são vizinhas”, filosofou com sabedoria a diva descalça.


(texto publicado na "Folha de S. Paulo", em 20/12/2011)





Stacey Kent: cantora volta a demonstrar sua paixão pela música brasileira

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Ela não se cansa de declarar seu amor pela música brasileira. Tanto é que, desde 2008, a cantora norte-americana Stacey Kent já esteve quatro vezes no país. Na última visita, em outubro, ao participar do concerto comemorativo dos 80 anos do monumento ao Cristo Redentor, no Rio, ela falou à "Folha de S. Paulo" sobre o CD “Dreamer in Concert”, que a EMI acaba de lançar no Brasil.

“Sempre que meus fãs iam conversar comigo, após os concertos, me perguntavam quando eu faria um disco gravado ao vivo. Eles queriam levar o show para casa”, diz ela, justificando o conceito desse álbum, depois de gravar mais de uma dezena de discos em estúdios, sempre acompanhada pelo saxofonista Jim Tomlinson, seu marido.

No novo CD, registrado em maio último, no La Cigale, em Paris, Stacey interpreta clássicos da canção norte-americana e do jazz, como “If I Were a Bell” (Frank Loesser), “They Can’t Take That Away From Me” (Ira e George Gershwin) e "It Might As Well Be Spring" (Rogers e Hammerstein), além de recentes composições de Tomlinson com o escritor nipo-britânico Kazuo Ishiguro.

Com sua voz doce e “cool”, ela também passeia com elegância pela moderna canção francesa, em “Ces Petit Riens” (Serge Gainsbourg) e “Jardin D’Hiver” (Biolay e Zeidel). E, naturalmente, reverencia a música brasileira, com três canções de Tom Jobim, “Corcovado”, “Águas de Março” e “Dreamer” (Versão de "Vivo Sonhando"), além do "Samba Saravah" (Pierre Barouh, Vinicius de Moraes e Baden Powell).

“Sei que ainda tenho muita coisa a aprender sobre a cultura do Brasil e isso é um projeto para a vida inteira. Química pessoal é algo raro. Eu me sinto bem demais aqui. É uma sensação muito forte”, diz Stacey, já em português fluente. A admiração pela música brasileira a levou frequentar cursos intensivos de língua portuguesa, nos últimos três verões.

O fato de ser “muito emotiva”, segunda ela, ajuda a explicar sua empatia com os brasileiros. “Vocês não têm medo de falar das coisas tristes ou dolorosas, não têm medo de chorar. Eu também gosto, tanto no estúdio, como no palco, de compartilhar minhas emoções, meu coração, com as pessoas”.

 
A cantora também se mostrou eufórica ao falar de seu encontro com o cantor e compositor carioca Marcos Valle, que conhecera na véspera do concerto em homenagem ao monumento do Cristo Redentor. Juntos, cantaram o clássico “Samba de Verão”, de autoria do brasileiro.

“A química entre nós foi tão incrível que passamos quase a noite inteira falando. Era impossível sair. Quando é que teremos outra oportunidade de cantar e conversar com um músico tão fantástico como Marcos Valle?”, disse Stacey, descrevendo o encontro, que também incluiu Tomlinson, seu parceiro.

(reportagem publicada parcialmente, na "Folha de S. Paulo", em 15/12/2011)



New Orleans Jazz & Heritage Festival: evento musical antecipa sua atrações para 2012

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Demonstrando seu interesse em atrair um maior número de turistas, o New Orleans Jazz & Heritage Festival antecipou em um mês o anúncio de sua próxima edição, que vai acontecer de 27/4 a 6/5 de 2012. Grandes atrações de vários gêneros musicais, como Herbie Hancock (na foto ao lado), Al Green (na imagem abaixo), Sharon Jones & The Dap Kings, Esperanza Spalding, Eagles, Foo Fighters, Dianne Reeves, Jannele Monáe, James Cotton, David Sanborn, Regina Carter, Poncho Sanchez, Bonnie Raitt, Jill Scott e Tom Petty, entre muitas outras, prometem um festival com artistas de peso para todos os gostos.

Um dos maiores eventos musicais do mundo, o Jazz Fest de New Orleans mantém há quatro décadas sua eclética receita sonora. Graças aos 12 palcos que exibem simultaneamente suas atrações, ao ar livre, na área do Fairgrounds (o hipódromo local), novamente vai oferecer mais de 400 shows concentrados nas sete tardes de sua programação principal. 


 Atrações internacionais do jazz, do blues, do soul, do R&B e outros segmentos da black music, até do pop e do rock, se revezam no Jazz Fest, todos os anos. Mas seu grande diferencial está mesmo nas centenas de excelentes músicos e bandas locais, como Trombone Shorty, Neville Brothers, Allen Toussaint, Terence Blanchard, Doctor John, Astral Project, John Boutté, Galactic, Irma Thomas, Jon Cleary, Walter “Wolfman” Washington, Donald Harrison, Irvin Mayfield, Big Sam’s Funky Nation, Ellis Marsalis, Luther Kent, Leah Chase ou a Preservation Hall Jazz Band, que vai festejar seu 50º aniversário em 2012. Quem já teve a chance de ouvi-los ao vivo, sabe que esses músicos são capazes de se destacar em qualquer evento do gênero no mundo.

Repito aqui uma dica que costumo dar aos amigos interessados em conhecer New Orleans. Essa é a melhor época do ano para se visitá-la, tanto pelo clima quente e pouco chuvoso, como pela oportunidade de se ouvir, em poucos dias, os melhores artistas e bandas dessa cidade tão musical.

Mais informações sobre o próximo New Orleans Jazz Fest, no site oficial:
http://www.nojazzfest.com/

Vinicius Cantuária: compositor radicado nos EUA volta com saborosas parcerias

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O compositor e cantor Vinicius Cantuária vai irritar muita gente, por dizer, em um vídeo de divulgação de seu álbum “Samba Carioca” (lançamento no mercado brasileiro da gravadora Biscoito Fino), que “todo samba bom tem que ter americano na parada”. Seja ou não pertinente sua tese, o fato é que as parcerias internacionais desse músico amazonense crescido no Rio, que se radicou em Nova York durante a década de 1990, têm rendido projetos bem originais. Só pela faixa “Berlin”, uma belíssima bossa nova composta por Cantuária, cujo arranjo minimalista conta com o piano do jazzista norte-americano Brad Mehldau, este CD já mereceria atenção. 

Além de contar com a inquietude de Arto Lindsay na produção, Cantuária reúne outros parceiros de peso, como o inventivo guitarrista Bill Frisell (na nostálgica bossa “Só Ficou Saudade”) ou os pianistas João Donato (na sintética “Fugiu”) e Marcos Valle (também parceiro do compositor, na suave “Orla”). Um disco cheio de pequenas surpresas, especialmente para quem não pensa que o samba só existe com cavaquinho, pandeiro e tamborim.

(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 25/11/2011)



Hamleto Stamato Trio: o carisma do samba-jazz em novo CD do pianista paulista

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Quem poderia imaginar que, meio século após sua eclosão como uma variante instrumental da bossa nova, o samba-jazz voltaria a ser cultivado por novas gerações de músicos e apreciadores? No quarto volume da série “Speed Samba Jazz” (lançamento do selo Delira), o trio do pianista paulista Hamleto Stamato, com o baixista Ney Conceição e o baterista Erivelton Silva, segue a linha dos álbuns anteriores, combinando releituras de clássicos da bossa nova e da canção norte-americana.

Ao ouvir a agitada versão de “Softly as in a Morning Sunrise” (de Romberg e Hammerstein), quem não conhece essa canção, já recriada no passado por diversos jazzistas, pode até pensar que ela tenha nascido com batida de samba. Já as releituras de “Seascape” (Johnny Mandel) e “The Look of Love” (Burt Bacharach) são tingidas por Stamato com a típica melancolia do samba-canção. Entre as composições próprias do pianista, “Na Lapa” revive o sabor característico dos jazzificados sambas da década de 1960.


(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 25/11/2011)
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João Parahyba: percussionista e compositor recria a atmosfera do samba-jazz dos anos 1960

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É natural que as gerações mais jovens associem a imagem de João Parahyba ao lendário Trio Mocotó, cujo contagiante samba-rock foi redescoberto e festejado durante a última década. Mas quem acompanha a carreira desse eclético percussionista, compositor e arranjador paulista sabe que ele também já colocou seu talento a serviço da MPB, do jazz, da música instrumental ou até da música eletrônica.

Em "O Samba no Balanço do Jazz" (lançamento SescSP), João Parahyba interpreta com personalidade a atmosfera sonora do samba-jazz – o híbrido subgênero que revigorou a música instrumental brasileira, na década de 1960. “Minha intenção foi fazer uma reverência ao começo de minha vida musical. Fui um privilegiado, porque entrei na música convivendo com Milton Banana, com o Zimbo Trio e o Tamba Trio. Eu era amigo do Luiz Eça, do Bebeto, do César Camargo Mariano e do João Donato. Fui aceito por eles como o caçula dessa seleção”, relembra.

Com a sabedoria de quem conhece a fundo a linguagem do samba-jazz, JP relê aqui alguns clássicos dessa vertente, como “Sambou, Sambou” (João Donato), “Nanã” (Moacir Santos) e “Batida Diferente/Estamos Aí” (Durval Ferreira e Maurício Einhorn). Exibe também saborosas composições próprias que remetem a esse gênero, como “Kurukere” e “Number One”, conduzindo o elegante quinteto que inclui Giba Pinto (baixo), Rudy Arnaut (guitarra), Marcos Romera (piano) e Teco Cardoso (sax barítono e flauta), além das participações de Thiago Costa (piano), Rodrigo Lessa (bandolim), Marcelo Mariano (baixo), Beto Bertrami (piano) e Ubaldo Versolato (flauta e sax barítono).

Três veteranos do gênero também participam do projeto. Mentor musical de JP, Amilton Godoy, o pianista do original Zimbo Trio, contribui com um arranjo de sua composição “Batráquio”, escrito especialmente para o quinteto do percussionista. O compositor e arranjador Laércio “Tio” de Freitas oferece a seu ex-aluno a oportunidade de lançar a inédita bossa “Búzios”. Clayber de Souza, ex-integrante dos cultuados Sambalanço Trio e Jongo Trio, mostra seu virtuosismo à gaita, no jazzístico arranjo que escreveu para o “Trenzinho do Caipira” (Villa-Lobos).

JP também introduz neste álbum seu filho Janja Gomes, autor da sensível valsa-jazz “Valseta”, cuja gravação destaca o emotivo solo de clarinete de Nailor Proveta e um inusitado sample com o argentino Julio Cortázar, declamando um de seus escritos poéticos. Uma bela surpresa que nos faz pensar: embora não seja regra, o talento artístico certamente pode ser transmitido por via genética.

(texto escrito a convite do selo SescSP)

ECM: preciosidades do selo europeu de jazz e música improvisada retornam ao Brasil

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                    Jan Garbarek, Egberto Gismonti e Charlie Haden, na capa do álbum "Mágico" (1979)

Uma ótima notícia para os apreciadores do jazz e da música improvisada contemporânea: o catálogo do conceituado selo ECM – com mais de 1.200 discos de músicos de alto quilate, como Keith Jarrett, Pat Metheny, Charlie Haden, Chick Corea, Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos – vai voltar a ser distribuído oficialmente no mercado brasileiro. A iniciativa é da gravadora paulista Borandá, que acaba de estabelecer uma parceria com esse selo europeu e também planeja trazer alguns de seus artistas para apresentações no país.

Fundado em 1969, pelo contrabaixista e produtor alemão Manfred Eicher, o ECM (sigla de Edição de Música Contemporânea) só precisou de alguns anos para ver reconhecido o alto padrão musical de seus projetos. Depois de gravar elogiados álbuns de jazzistas como Mal Waldron, Paul Bley e Jan Garbarek, lançou “Köln Concert” (1975), álbum de Keith Jarrett que ultrapassou a marca de três milhões de cópias vendidas – número inusitado para uma gravação ao vivo de piano-solo.

Não à toa, o elogio de um crítico da revista canadense “Coda” (“o mais belo som próximo do silêncio”) tornou-se uma espécie de slogan informal do selo. Assim como o nova-iorquino Blue Note, cujo catálogo é identificado pelo som enérgico do hard bop dos anos 1950, ou o Impulse!, selo associado à ebulição do free jazz da década de 1960, o ECM desenvolveu uma relativa identidade sonora – em parte graças à música esparsa e melancólica de jazzistas europeus, como John Surman, Terje Rypdal ou Eberhard Weber.

Responsável pela parceria com o ECM, Fernando Grecco, diretor da Borandá, conta que a iniciativa aconteceu casualmente. Fã de gravações do selo europeu, visitou seu estande em uma feira de jazz, em abril último, na Alemanha, onde foi divulgar os discos de sua gravadora. Semanas depois recebeu um e-mail do diretor de vendas do ECM, interessado em um parceiro comercial no Brasil.

“Dizem que as melhores coisas no mundo dos negócios acontecem por acaso”, festeja Grecco, contando que nem imaginava a possibilidade de um dia poder disponibilizar discos do catálogo ECM no Brasil, já que a Borandá tem como prioridade produzir, promover e exportar música brasileira. Mas, o fato de Manfred Eicher ter contribuído para desenvolver a carreira internacional do brasileiro Egberto Gismonti, que já gravou dezenas de discos pelo ECM, torna a parceria mais interessante ainda.

“Além de trabalhar de forma integral o catálogo ECM, no trabalho que iremos desenvolver haverá um grande foco na obra do Gismonti”, explica Grecco, que pretende disponibilizar, já no próximo ano, todos os álbuns do instrumentista e compositor a preços mais atrativos do que os cobrados hoje nas importadoras, que chegam a R$ 70. “Graças ao licenciamento, esse valor pode se aproximar de R$ 40 para o consumidor final”, calcula.

Inaugurando a parceria, já neste mês, dois discos de Gismonti voltam ao mercado brasileiro. O cultuado “Danças das Cabeças”, gravado em duo com o percussionista Naná Vasconcelos, em 1976, inclui alguns clássicos de sua obra, como “Celebração de Núpcias” e “Tango”, além da releitura de “Fé Cega, Faca Amolada” (Milton Nascimento). Lançado em 1991, o CD “Infância” foi gravado com uma formação que combina instrumentos de corda, o piano de Gismonti e os sintetizadores de Nando Carneiro.

Outro destaque desse primeiro suplemento é um álbum inédito de Keith Jarrett: o CD duplo “Rio”, gravado ao vivo, em abril deste ano, no Teatro Municipal carioca. O lançamento praticamente imediato se deve a um fato inusitado: conhecido por seu temperamento blasé, o pianista norte-americano ainda esperava o voo de volta, no aeroporto do Galeão, quando ligou para Eicher, pedindo que ele lançasse logo o registro desse concerto, por achar que havia feito ali uma das melhores apresentações de sua carreira.

O pacote se completa com o relançamento de outros 35 álbuns do catálogo ECM, nos formatos CD, DVD e vinil, assinados por músicos como Pat Metheny, Jan Garbarek, Charlie Haden, Charles Loyd, Chick Corea, Zakir Hissain e Steve Reich.

(reportagem publicada originalmente no caderno “Eu & Fim de Semana” do jornal “Valor Econômico”, em 2/12/2011)


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Geraldo Maia: cantor resgata pérolas musicais do pernambucano Manezinho Araújo

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Na história da música brasileira, o compositor e cantor pernambucano Manezinho Araújo (1910-1993), bastante popular entre as décadas de 1930 e 1950, costuma ser lembrado como o “rei da embolada”. Em merecida homenagem a seu conterrâneo, o cantor Geraldo Maia demonstra, em “Ladrão de Purezas”, que o universo musical de Manezinho é mais amplo. Bem acompanhado por Vinicius Sarmento (violão) e Lucas dos Prazeres (percussão), Maia abre o álbum, interpretando com leveza o samba “Vatapá”, que já exibe na letra o característico humor de Manezinho – presente também no choro “Seu Dureza da Rocha Pedreira” e no samba “Nana Roxa”, que ganhou um arranjo bossa nova.

Menos conhecido, o lirismo do "rei da embolada" também comparece na seleção de Maia, tanto na singela valsa “Novo Amanhecer” como na nostálgica toada “Adeus, Pernambuco”. Um tributo musical que atualiza e rejuvenesce a obra desse mestre da canção sem jamais desfigurá-la. 

(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 28/10/2011)

Canoas Jazz Mercosul: aprovado pelo público, festival já anuncia a segunda edição

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                       Yamandu Costa, no encerramento do Canoas Jazz Mercosul /Photo by Carlos Calado

Com sua próxima edição já anunciada para 2012, terminou domingo (27/11), na região metropolitana de Porto Alegre (RS), o primeiro festival Canoas Jazz Mercosul. Atração final do evento, o trio comandado pelo violonista Yamandu Costa fez uma apresentação primorosa, aplaudida de pé pela plateia que foi ao Parque Getúlio Vargas – também conhecido como Capão do Corvo.

Muito bem acompanhado pelo violinista Nicolas Krassic e pelo contrabaixista Guto Wirtti, Yamandu exibiu composições próprias escolhidas a dedo para a plateia de Canoas, como a leve “Missionerita”, a emotiva milonga “Lida” (seu tributo aos peões dos pampas) ou a vibrante “Ida e Volta”, definida por ele como “um flamenco gaúcho”. Bem-humorado, o violonista arrancou muitos risos do público, ao contar vários “causos” protagonizados por sua avó.


                                                         Hermeto Pascoal e seu grupo / Photo by Carlos Calado

No sábado, Hermeto Pascoal também provou que seu carisma continua poderoso. Assim que ele e sua banda entraram no palco, para fechar a noite de estreia, depois de outras quatro atrações, dezenas de fãs bem jovens correram para se sentar no chão, mais perto do palco. Recém-chegado de uma turnê pela Europa, o Bruxo foi recebido como um herói, com muita festa e gritaria.

Como de hábito, Hermeto tocou diversos instrumentos, inclusive um berrante e uma chaleira, e se divertiu, desafiando alguns de seus criativos parceiros – Marcio Bahia (bateria), Itiberê Zwarg (baixo), Vinicius Dorin (sopros), André Marques (piano) e Fabio Pascoal (percussão), além da vocalista Aline Morena. Já ao final do show, ele homenageou a plateia rio-grandense, improvisando com uma típica gaita-ponto.


                                                Integrantes do grupo chileno La Kut / Photo by Carlos Calado

Entre as quatro atrações estrangeiras do festival, a surpresa maior veio justamente com o grupo menos conhecido. Formado por jovens graduados em algumas das melhores escolas de música do Chile, o sexteto La Kut chamou atenção com composições próprias que transitam entre a música contemporânea de vanguarda e o free jazz, apoiadas em improvisações bem livres e cacofonias. Houve até quem percebesse uma identidade sonora, em alguns momentos, com a vanguarda paulista de Arrigo Barnabé.

Também com um pé na vanguarda e outro no jazz moderno, o talentoso pianista argentino Ernesto Jodos exibiu seu trabalho autoral, extraído do recém lançado álbum “Fragmentos del Mundo”. Com um quinteto de formação incomum (piano, dois contrabaixos e duas baterias), ele correu o risco de exibir uma música densa e soturna, que talvez funcionasse melhor em uma sala de concerto, mas saiu do palco bastante aplaudido. 


                                O pianista Ernesto Jodos e os baixistas de seu grupo / Photo by Carlos Calado

Com um repertório mais leve, até mesmo dançante, o baixista, violonista e cantor argentino Mariano Otero se apresentou com um septeto que destaca um naipe de sopros. Combinou temas instrumentais de essência jazzística (um deles, bem funkeado, com evidente influência do também baixista Jaco Pastorius) e algumas canções, que parecem indicar que sua faceta de cantor tende a ganhar mais espaço em seu trabalho musical.

Veterano do jazz e da música instrumental, o uruguaio Trio Fattoruso também fez uma apresentação que agradou bastante a plateia, no domingo. O pianista Hugo Fattoruso, seu irmão baterista Osvaldo Fattoruso e o baixista Daniel Maza homenagearam a música brasileira, recriando o balançado samba “Sentimental”, de Luizão Maia. “New Candombe” (composição de Maza) revelou que o esse ritmo uruguaio de origem africana e o samba são parentes próximos.


                                               O músico argentino Mariano Otero / Photo by Carlos Calado

Os grupos locais escalados para o palco principal também se saíram muito bem. No sábado, os integrantes do Quartchêto – Luciano Maia (acordeon), Hilton Vaccari (violão), Julio Rizzo (trombone) e Ricardo Arenhaldt (percussão) – exibiram seu virtuosismo instrumental, em composições próprias calcadas em ritmos platinos, como a chacarera, o chamamé e a polca.

De orientação mais jazzística, o grupo liderado pelo saxofonista Claudio Sander recriou clássicos da bossa nova, como “O Telefone” (de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli) e “Rapaz de Bem” (Johnny Alf), em arranjos bem suingados. No show de domingo, o pianista Paulo Dorfman preferiu não repetir a intrigante versão de “Wave” (Tom Jobim), na qual reproduz fielmente o estilo de Thelonious Monk, mas esbanjou personalidade, nas releituras que fez de “Cravo e Canela” (Milton Nascimento) e da própria “Wave”.


                                                   O grupo uruguaio Trio Fattoruso / Photo by Carlos Calado  

Realizado ao longo de uma semana, em diversos locais do município, o Canoas Jazz Mercosul estreou com um formato inovador, criado com a assumida intenção de formar e ampliar o público local para o jazz e a música instrumental. Nos cinco primeiros dias de programação, 24 grupos locais e de Porto Alegre se exibiram em cinco estações do Trensurb de Canoas, pela série Estação Jazz, preparando a população para o programa principal do evento, no final de semana, ao ar livre, em uma bela área do Parque Getúlio Vargas.

Já nas dependências da Biblioteca Municipal foram realizadas quatro audições de discos clássicos dos jazzistas Thelonious Monk, Miles Davis, John Coltrane e Duke Ellington, comandadas por dois experts: o jornalista Paulo Moreira e o músico Sergio Karam (também um dos curadores do evento, ao lado do músico Marcelo Armani e de Flavio Adonis, secretário municipal de Cultura). Durante essas audições, Jorginho do Trompete, o saxofonista Luizinho Santos e os pianistas Paulo Dorfman, Bethy Krieger e Michel Dorfman fizeram shows compactos, que ilustraram os comentários dos especialistas.


                         Jorginho do Trompete, numa das audições comentadas / Photo by Carlos Calado

Detalhe importante: as gravações ouvidas nesses eventos pertencem a um acervo com quase 700 CDs, comprados no ano passado. Esses álbuns formam uma discoteca pública de jazz, que cobre praticamente toda a história desse gênero, e podem ser apreciados pelos frequentadores da Biblioteca Municipal de Canoas, gratuitamente. Uma iniciativa preciosa para estudantes de música, ou mesmo para simples fãs do jazz, que poderão ampliar sua educação musical por meio desse acervo.

Na contramão de muitos festivais patrocinados que não param de surgir pelo país, às vezes com ingressos a preços exorbitantes, a Secretaria Municipal de Canoas realizou um evento totalmente gratuito, que merece aplausos, tanto por seu compromisso com a música de alta qualidade, como por facilitar à população local o aceso a essa arte. Tomara que outras cidades do país sigam esse exemplo promissor. 






Choro Jazz Jericoacoara: festival reúne mestres da música instrumental e da canção

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A beleza natural da praia de Jericoacoara, tranquila vila de pescadores situada entre dunas de areia, no Estado do Ceará (a 300km da capital Fortaleza), serve de privilegiado cenário ao Choro Jazz Jericoacoara, festival que vai realizar sua terceira edição de 29/11 a 4/12. Durante essa semana conceituados artistas da música instrumental, do jazz, do choro e da canção brasileira vão se encontrar, em apresentações que prometem avançar pelas madrugadas afora.

A noite de estreia já anuncia três atrações nacionais de peso: o grupo do bandolinista Hamilton de Holanda e o encontro dos cantores e compositores Ivans Lins e Celso Viáfora. Nas noites seguintes alternam-se no palco do evento: grupos instrumentais, como o Nenê Trio, o Choro Rasgado e o Pife Muderno, liderado pelo saxofonista e flautista Carlos Malta; cantores e compositores, como Eudes Fraga, Nilson Chaves, Luis Felipe Gama e Ana Luiza; ou instrumentistas, como o acordeonista Toninho Ferragutti (na foto acima) e os violonistas Zé Menezes e Natan Marques.


O elenco também destaca músicos estrangeiros, como os jazzistas norte-americanos Bob Mintzer (na foto ao lado) e Russell Ferrante, mais conhecidos, respectivamente, como saxofonista e tecladista da banda fusion Yellowjackets, e o grupo instrumental venezuelano Ensamble Gurrufiu. O show de encerramento ficará a cargo dos sambistas da Velha Guarda da Portela.

A programação do Choro Jazz Jericoacoara também oferece workshops e outras atividades pedagógicas com ênfase na música instrumental, como cursos de instrumento e prática de conjunto. Mais informações sobre o evento no site www.chorojazzjericoacoara.com.br

Funk Como Le Gusta: banda paulistana combina black music, ritmos latinos e bom humor

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Criada no final da década de 1990, a big band Funk Como Le Gusta logo se tornou popular na noite paulistana com seu dançante e bem humorado repertório, recheado de sambas, ritmos latinos, funks e soul music. “A Cura Pelo Som” (lançamento Radar), quarto álbum da banda, traz composições inéditas dos últimos cinco anos, tanto instrumentais como vocais, mantendo a diversidade de influências que sempre a identificou.
 
Entre as faixas mais atraentes, a dançante “Putz!” remete ao funk instrumental dos anos 1970, com destaque para o naipe de sopros. De cara, “Balacobaco” chama atenção pelos sons bizarros do arranjo, mas a semelhança melódica com canções do soulman Ray Charles não deve ser mera coincidência. “Agente 69” é uma divertida paródia das trilhas sonoras dos filmes de James Bond, que mistura rhythm & blues e ska. Se a música do FCLG tem poder terapêutico é outra história, mas seu novo CD pode melhorar o humor de muitos ouvintes.

(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", edição de 28/10/2011)

Canoas Jazz Mercosul: festival instrumental oferece mais de 30 atrações gratuitas

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No início deste mês, a cidade de Buenos Aires realizou um original festival de jazz, com dezenas de atrações locais, vários músicos europeus e raros norte-americanos. O Canoas Jazz Mercosul, que estreou na tarde de hoje (21/11), com shows gratuitos na região metropolitana de Porto Alegre (RS), foi mais longe nesse aspecto: sem qualquer jazzista norte-americano, seu elenco reúne conceituados músicos uruguaios, argentinos e chilenos, além de dezenas de instrumentistas e grupos locais.

“Nem cogitamos seriamente trazer músicos norte-americanos a Canoas”, comenta o músico Sérgio Karam, que assina a curadoria do festival com Flávio Adonis e Marcelo Armani, explicando que o termo Mercosul (Mercado Comum do Sul) sintetiza da melhor maneira o conceito artístico desse evento.

Entre mais de 30 atrações musicais, que serão exibidas gratuitamente até domingo (27/11), em cinco estações do Trensurb de Canoas (veja alguns videos abaixo) e em dois palcos instalados no Parque Getúlio Vargas, destacam-se o grupo uruguaio Trio Fattorusso (na foto acima), os
argentinos Mariano Otero e Ernesto Jodos (“um pianista excepcionalmente talentoso”, elogia Karam), na foto abaixo, além do grupo chileno Lakut.

A música instrumental brasileira está muito bem representada pelo genial multi-instrumentista Hermeto Pascoal, pelo violonista Yamandu Costa e outros talentosos músicos locais, como os guitarristas Frank Solari e Daniel Sá, o grupo Quartchêto, o pianista Paulo Dorfman e o sexteto do saxofonista Claudio Sander, entre outros.  

Maior festival de jazz e música instrumental já realizado no Rio Grande do Sul, o Canoas Jazz Mercosul também oferece workshops e audições comentadas. Mais informações sobre o evento podem ser encontradas no site www.canoasjazz.mus.br 



Miles Davis: DVD sintetiza fases eletrificadas do inventivo camaleão do jazz

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Sem o poder de sedução do produtor Claude Nobs, que transformou a pequena cidade suíça de Montreux em ponto de encontro anual de fãs do jazz, este DVD não existiria. Não bastasse a proeza de levar o trompetista Miles Davis (1926-1991) a seu festival, em sete dos últimos oito anos de vida do arredio jazzista, Nobs ainda conseguiu permissão para registrar seus concertos em vídeo.

Esta compilação (lançada no Brasil pela ST2)  reúne trechos das aparições de Miles no Montreux Jazz, entre 1984 e 1991, além da extensa “Ife”, extraída de sua estreia no evento, em 1973. O resultado é uma reveladora síntese da última (e eletrificada) fase da obra desse camaleão sonoro, que mudou diversas vezes as cores de sua música, sem abandonar sua essência. As faixas finais, “The Pan Piper” e “Solea”, são emocionantes: dois meses antes de morrer, já abatido, ele revive com uma orquestra regida por Quincy Jones o som acústico de seu cultuado álbum “Sketches of Spain” (1959). Uma das raras concessões musicais de Miles em sua obra.

(resenha publicada originalmente no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 28/10/2011)



Ella Fitzgerald: a sofisticada diva do jazz em quatro diferentes apresentações

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A referência aos arquivos da rede de TV inglesa BBC, no título "Best of the BBC Vaults" (lançamento Som Livre), pode levar fãs da cantora Ella Fitzgerald (1917-1996) a pensar que se trata de gravações recém-descobertas ou muito raras. Nem tanto. Este DVD (mais um CD com o áudio de 18 das 35 faixas) exibe quatro apresentações da grande intérprete do jazz, na Europa. A última delas, captada no suíço Montreux Jazz Festival, em 1977, com o ótimo trio do pianista Tommy Flanagan, até já foi lançada aqui, numa edição diferente, cinco anos atrás.

Claro que isso não diminui o valor musical destes registros. Ella estava em grande forma, em 1965, quando fez dois programas para a BBC, interpretando clássicos da canção norte-americana com a classe e o swing de sempre. Já em uma aparição no clube londrino Ronnie Scott’s, em 1974, mesmo dando sinais de não estar bem de saúde, sua performance ainda é capaz de envergonhar muitas das cantoras de hoje. No sofisticado jazz de Ella, elegância e inventividade jamais dependeram de figurinos ou rebolados.

(resenha publicada originalmente no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 28/10/2011)


Música instrumental brasileira: gênero vem se aproximando mais do formato da canção

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Com uma produção bastante fértil e diversificada, que hoje se destaca tanto pela alta qualidade como pela quantidade de solistas e grupos revelados durante a última década, a música instrumental brasileira parece ter encontrado novo fôlego para superar as dificuldades e preconceitos que enfrentou nos anos 1990, quando foi esnobada pelas grandes gravadoras e quase deixou de ser veiculada pelas rádios do país.

Lançamentos recentes dessa vertente musical, produzidos em quatro Estados brasileiros, sugerem que, assim como o idioma que falamos, diferentes sotaques e referências sonoras marcam a música instrumental de cada região do país. Outro aspecto que se tornou mais frequente nesse gênero: os instrumentistas estão aderindo com mais frequência ao formato da canção.

Basta ouvir uma ou duas faixas de "Música para Ouvir Sentado" (lançamento independente), o quinto CD de Arthur de Faria & Seu Conjunto - na foto acima - para se notar que esse irreverente pianista e compositor, assim como sua banda de formação incomum (com sax, fagote, trombone e acordeom), são de Porto Alegre (RS). Como bem define o líder, trata-se de um “trabalho de fronteira”, tanto por transitar entre a música popular, o erudito e o jazz, como pelas influências argentinas e uruguaias. Faixas como “Solostrágicos”, que funde tango, bolero e marcha carnavalesca, ou “Contrabandeada Milonga”, quase um rock, escancaram o fino humor do grupo.

Desde os anos 1980 os teclados e arranjos do mineiro Túlio Mourão (na foto abaixo) já estiveram a serviço de astros da MPB, como Milton Nascimento e Chico Buarque, assim como de seus projetos instrumentais. Agora ele aproxima essas duas vertentes, no CD “Em Oferta” (lançamento independente), gravando canções de sua autoria, algumas em parceria com letristas do Clube da Esquina, como Fernando Brant e Márcio Borges. Chega a cantar três delas, sem abrir mão dos eficazes arranjos e solos.


Adepto das fusões jazzísticas, o carioca Arthur Maia é conhecido por sua intimidade com ritmos dançantes, como o funk e o reggae. Em “O Tempo e a Música” (lançamento Biscoito Fino), seu quinto álbum, surpreende ao usar seu baixo elétrico para interpretar alguns clássicos da música brasileira, como a valsa “Abismo de Rosas” (Canhoto) e o choro “Brejeiro” (Ernesto Nazareth). E no samba “Minha Palhoça” (J. Cascata) ainda divide os vocais com a cantora Mart’nália.

O pianista Michel Freidenson despontou na cena instrumental de São Paulo, ainda  na década de 1980, integrando a banda Zonazul. Em “Notas no Ar" (lançamento Azul), ele também utiliza sua bagagem jazzística para reler com liberdade e personalidade algumas pérolas da canção brasileira, como “Roda” (Gilberto Gil), “Samba de Verão” (Marcos Valle) e “Viola Violar” (Milton Nascimento), além de exibir composições próprias.

Se você ainda é um daqueles que torciam o nariz para as melodias pouco assobiáveis da música instrumental, está na hora de dar a ela uma nova chance.

(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 28/10/2011) 

Buenos Aires Jazz: o balanço de um festival de música com muita personalidade

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                                                   Tommy Smith e Arild Andersen / Photo by Carlos Calado

Acompanhar um festival de música como o Buenos Aires Jazz, que terminou ontem, na Capital Federal argentina, não é uma tarefa fácil. Quem decidiu ir à noite de encerramento, por exemplo, foi obrigado a optar entre os concertos do grupo da baterista norte-americana Marilyn Mazur e do trio do guitarrista francês Nguyên Lê, no Teatro Coliseo, ou as apresentações gratuitas do sexteto Los Argentos e da cantora Roxana Amed, no Centro Cultural da Recoleta.

Situações como essa se repetiram em outras noites desse festival porteño, que pelo quarto ano consecutivo contou com a direção artística do pianista Adrián Iaies. Ter que escolher entre diversas atrações, exibidas simultaneamente em palcos distantes, pode ser um pouco frustrante para alguns apreciadores, mas essa consequência está longe de caracterizar um defeito do evento, que investe em um perfil artístico diferente do que se encontra na maioria dos festivais desse gênero pelo mundo.



                                              Baptiste Trotignon e Minino Garay / Photo by Carlos Calado

Se me pedissem para indicar, entre os concertos que acompanhei, qual sintetizaria melhor o espírito do Buenos Aires Jazz, provavelmente, eu sugeriria o do pianista francês Baptiste Trotignon com o percussionista argentino Minino Garay. Faria essa escolha não só porque a formação desse duo, idealizada por Iaies, concretizou com perfeição o projeto de promover encontros dos jazzistas estrangeiros com os músicos locais, mas também porque essa informal associação proporcionou alguns dos momentos mais saborosos do festival.

Radicado há duas décadas na Europa, Garay esbanja aquela ginga malandra típica de muitos percussionistas. Bem-humorado, divertiu a plateia entre um número e outro, contando como ele e Trotignon se encontraram pela primeira vez. Ou como definiram o eclético repertório do show, que inclui tangos clássicos do repertório de Carlos Gardel, uma inventiva releitura de “A Night in Tunisia”, impulsionada por Garay com um cajón, além de improvisos bastante livres e criativos.


                                 O trompetista Charles Tolliver / Photo by Carlos Calado  

Liberdade e imaginação também não faltaram aos concertos do pianista norte-americano Kenny Werner (já comentado aqui), que abriu o festival, ou do telepático trio do contrabaixista norueguês Arild Andersen, que também destaca o sax tenor do escocês Tommy Smith e a bateria do italiano Paolo Vinaccia. Misturando encantadoras melodias da tradição nórdica com temas de origem árabe, Andersen e seus parceiros hipnotizaram a plateia com improvisos inventivos, que em alguns momentos simularam sons da natureza. 

Depois de uma apresentação tão impressionante como de a Andersen, ficou dificil não achar convencional o trio do pianista espanhol Albert Bover, que abriu seu concerto com uma comportada versão de “Monk’s Dream” (de Thelonious Monk), seguida por baladas e temas em andamento médio de sua autoria. Bover demonstrou que até sabe construir melodias atraentes, mas, no pouco inspirado concerto no Teatro 25 de Maio, suas composições e improvisos não chegaram a emocionar a plateia.



                               Paolo Fresu (no centro), com Bebo Ferra e Stefano Bagnoli / Photo by Carlos Calado

Algo semelhante se passou na apresentação do quarteto liderado pelo trompetista Charles Tolliver, que incluiu os argentinos Ernesto Jodos (piano), Pepi Taveira (bateria) e Jerónimo Carmona (contrabaixo). O veterano jazzista norte-americano entrou em cena como se tivesse saído de uma nave capaz de viajar no tempo, diretamente da década de 1950. Sua música segue rigidamente a estética do bebop, com temas em andamentos velozes, que em algumas passagens pareciam deixá-lo quase sem fôlego.

Alguns fãs do trompetista italiano Paolo Fresu podem preferir sua faceta mais lírica e acústica, mas a vibrante apresentação de seu Devil Quartet não deve tê-los desapontado. Com esse grupo eletrificado, que destaca a guitarra de Bebo Ferra e a bateria de Stefano Bagnoli, Fresu explora altas intensidades sonoras. Chega até a distorcer o som de seu flugelhorn, em alguns números, como numa versão funkeada de “Satisfaction” (dos Rolling Stones). Mostrando ser um artista conectado com seu tempo, o italiano dedicou “Hino a la Vida” ao incerto futuro de seu filho. E, já no bis, referindo-se à difícil situação econômica vivida hoje pela Europa, relembrou um antigo sucesso da cantora Mina, “E Se Domani”, exibindo seu romantismo.


                                                           A cantora Roxana Amed / Photo by Carlos Calado

O programa de encerramento, realizado ao ar livre, no terraço do Centro Cultural da Recoleta, no domingo, também expressou de modo particular a forte personalidade desse festival. Ainda sob a luz do dia, o sexteto Los Argentos, comandado pelo trompetista Ricardo Nant, interpretou arranjos para prelúdios e danças do erudito compositor argentino Alberto Ginastera (1916-1983), como “Triste” e “Danza Criolla”, com uma formação tipicamente jazzística, que inclui sopros e guitarra elétrica. Um projeto muito válido e enriquecedor para qualquer plateia, mas que certamente funcionaria melhor em uma sala de concerto. 

Já a cantora e compositora Roxana Amed conseguiu aquecer com sua voz expressiva a plateia que enfrentou o vento frio da noite de domingo para ouvi-la ao ar livre, na Recoleta. Em vez de suas conhecidas incursões jazzísticas pelas obras de Billie Holiday e Bill Evans, ela preferiu um repertório centrado em canções de diversos momentos de sua carreira, como a melancólica “La Sombra” ou a sensível “Piedra Y Camino” (de Atahualpa Yupanqui), em belo arranjo do compositor Guillermo Klein, que assumiu o piano para acompanhá-la, ao lado de outros dois convidados – o saxofonista Ricardo Cavalli e o trompetista Mariano Loiácomo.

Entre cada canção, Roxana fez vários comentários, ressaltando o valor que dispensa à música capaz de revelar a identidade de um povo. Seu concerto pode não ter sido o que um desavisado esperaria para o encerramento um festival de jazz, mas não poderia ter sido mais fiel ao espírito original do Buenos Aires Jazz.



Festival Paraty Latino: Omara Portuondo, Lopez-Nussa e outras saborosas atrações

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                                                                     A cantora cubana Omara Portuondo

As simpáticas ruas de pedra de Paraty, cidade histórica do litoral fluminense, voltam a receber por três dias um elenco de conceituadas atrações internacionais e nacionais de diversas vertentes da música latina. De 4 a 6/11 acontece a segunda edição do Festival Paraty Latino, que oferece 20 shows gratuitos, ao ar livre, em palcos instalados na praça da Matriz e na praça Santa Rita.

Maior estrela desse evento, a veterana cantora cubana Omara Portuondo retorna ao Brasil à frente da Orquestra Buena Vista Social. Traz seu conhecido repertório, recheado de boleros clássicos, que a transformaram em estrela mundial, ainda no final da década de 1990, ao integrar o cultuado coletivo musical Buena Vista Social Club.

De Cuba também é o jovem pianista Harold Lopez-Nussa, revelação do jazz e da música instrumental. Ele vai dividir o palco com o violonista e compositor paulista Swami Jr., um de nossos músicos mais versáteis e criativos, que acaba de lançar o belo álbum “Mundos e Fundos”.

                                                                         O pianista Harold Lopez-Nussa

Também de origem cubana é o cantor Fernando Ferrer, que participou da primeira edição desse festival. Sobrinho do cantor Ibrahim Ferrer (1927-2005), já integrou grupos de prestígio no gênero, como o Cubanismo, e tem rejuvenescido a tradição do “son” e de outros gêneros da música cubana.

No elenco nacional, o cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro promete mais uma animada versão de seu Baile do Baleiro, dessa vez com participação especial da cantora Marina De La Riva. Já o cantor e compositor carioca Paulinho Moska vai reencontrar o argentino Lisandro Aristimuño, com o qual tem se apresentado em outros países da América do Sul.

A programação inclui ainda outras saborosas atrações musicais, como o grupo argentino Violentango, o cantor chileno Pedro La Colina & Grupo Cañaveral, o trio uruguaio La Soleá, o pianista cubano Pepe Cisneros e a cantora peruana Adriana Mezzadri. Vale repetir, tudo de graça.

Outras informações no site do festival: paratylatino.com.br/

Buenos Aires Jazz: trio do pianista Kenny Werner abre festival portenho

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                                     O pianista Kenny Werner, no show de ontem / Photo by Carlos Calado

Um belo concerto do pianista norte-americano Kenny Werner marcou a abertura do Festival Internacional Buenos Aires Jazz, ontem, no Teatro Coliseo, no centro da capital argentina. Até o próximo domingo (dia 6/11) esse evento oferece dezenas de atrações dos EUA, da Europa e da Argentina, em quatro teatros e três clubes da cidade.

Ao apresentar seus parceiros à plateia portenha, Werner expressou satisfação por estar voltando a tocar, depois de alguns anos, com o baterista norte-americano Ari Hoenig e o baixista alemão Johannes Weidenmueller. A empatia musical entre os três impressiona, especialmente durante os improvisos.

No repertório, Werner combinou standards do jazz com composições de sua autoria, como a introspectiva “Beauty Secrets”, que em algumas passagens revela sua bagagem erudita. Etérea, a versão da balada “If I Should Loose You” (de Robin e Rainger) veio repleta de silêncios e sons suspensos. Bem lírica também foi a releitura de “In Your Sweet Way” (Dave Brubeck). Mais vibrante, “Peace” (Horace Silver) incluiu um solo de bateria do criativo Hoenig, que excitou a plateia. 


                                                               Kenny Werner Trio / Photo by Carlos Calado

Entre as atrações desta edição do Buenos Aires Jazz destacam-se também o trio do baixista norueguês Arild Andersen, o quarteto do trompetista norte-americano Charles Tolliver, o quarteto do trompetista italiano Paolo Fresu, a baterista norte-americana Marilyn Mazur e o trio do guitarrista francês (de origem vietnamita) Nguyên Lê.

O Brasil também está bem representado no elenco desse festival. O programa de sexta-feira (4/11), no palco do recém-reformado Teatro 25 de Maio, reúne o quinteto do bandolinista e compositor Hamilton de Holanda e o duo formado pela cantora paulista Tatiana Parra com o pianista e compositor argentino Andrés Beeuwsaert, que lançaram o ótimo álbum “Aqui”, neste ano.

Uma das características mais originais do Buenos Aires Jazz, que tem com diretor artístico o pianista Adrián Iaies, é justamente a de exibir parcerias entre músicos estrangeiros e locais, que compõem a série Cruces. Entre os destaques desta edição estão o duo do pianista francês Baptiste Trotignon com o percussionista argentino Minino Garay e o encontro dos italianos Stefano Bagnoli (bateria) e Paolino Dalla Porta (baixo) com os argentinos Ricardo Cavalli (sax) e Guillermo Romero (piano).

Grande parte da programação vespertina de shows é gratuita. Mesmo a série de concertos noturnos de artistas internacionais tem ingressos vendidos a preços bem inferiores a eventos similares no Brasil, variando entre 20 e 60 pesos (de R$ 8,50 a R$ 25). A programação do evento também inclui workshops e mostras de fotografia e cinema.


Outras informações no site do festival: 


 

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