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Dom Salvador e Garoto: músicos brilhantes em documentários do 12.º In-Edit Brasil

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                                                               O pianista Dom Salvador - Foto de Phoebe Landrum / Divulgação

Dois brilhantes instrumentistas e compositores paulistas – ainda pouco conhecidos entre o grande público – chamam atenção na seleção de filmes do festival In-Edit Brasil. Em versão online pela primeira vez, a 12ª edição dessa mostra dedicada a documentários musicais reúne mais de 60 filmes nacionais e internacionais inéditos.

“Garoto - Vivo Sonhando” (projeto de Henrique Gomide, Lucas Nobile e Rafael Veríssimo, que também assina a direção) resgata a breve trajetória musical do paulistano Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto (1915-1955). Em composições de sua autoria, como o samba-canção “Duas Contas” ou o samba “Lamentos do Morro”, esse virtuose do violão (na foto abaixo) antecipou inovações harmônicas e rítmicas consolidadas anos mais tarde pela geração da bossa nova.

Por meio de depoimentos (Paulinho da Viola, João Gilberto, Roberto Menescal, Paulo Bellinati e Zé Menezes, entre vários outros), o filme credita o papel essencial de Garoto na modernização da música popular brasileira. Mas o que surpreende nesse documentário é a sólida construção da narrativa a partir de fotos, gravações de programas de rádio e até anotações das agendas pessoais de Garoto, que as usava como diários de suas realizações musicais.

A narrativa é tão rica em imagens, registros musicais e outros elementos que, provavelmente, muitos espectadores nem vão perceber que o protagonista do documentário só é visto e ouvido, em movimento, uma única vez. Trata-se de uma cena do filme “Serenata Tropical” (Down Argentine Way, de 1940), onde Garoto dedilha seu violão, em segundo plano, atrás de Carmen Miranda, que canta “Bambu, Bambu”. 

Essa cena foi filmada durante a viagem aos Estados Unidos, que Garoto fez para acompanhar a cantora, como integrante do conjunto Bando da Lua, no final dos anos 1930. Frustrado por ser tratado como coadjuvante, o violonista retornou ao Brasil. Chegou a receber propostas para voltar, meses depois, mas não foi. A morte precoce, aos 39 anos (vítima de um infarto), o impediu de realizar o desejo de se estabelecer como músico solista, na terra do jazz. 

O pianista, compositor e arranjador Dom Salvador – paulista de Rio Claro, que completa 82 anos neste sábado (12/9)  – também tinha esse sonho e conseguiu realizá-lo. Expoente do samba-jazz, na década de 1960, e pioneiro das fusões do samba com o soul e o funk à frente de seu grupo Abolição, no início dos anos 1970, ele desembarcou com a cara e a coragem, em Nova York, em 1973. Até se tornar reconhecido na cena do jazz, batalhou muito. Chegou a ficar 30 anos sem tocar em palcos brasileiros.

Artur Ratton e Lilka Hara, brasileiros que vivem em Nova York, enfrentaram um duplo desafio ao filmar e dirigir o documentário “Dom Salvador & Abolition”. Além da difícil tarefa de sintetizar em 88 minutos as seis décadas da diversificada carreira musical de Salvador, a dupla também decidiu registrar, nos últimos anos, cenas de seu cotidiano – do trabalho diário no sofisticado restaurante River Café (onde começou a tocar em 1977) até questões familiares.

Especialmente comoventes são as cenas de Salvador com a cantora Mariá, parceira musical e de vida, com qual se casou, em 1965, e teve dois filhos. Desde 2004, quando ela começou a exibir sintomas de demência, até os últimos meses de vida de sua amada (que morreu em abril deste ano), Salvador fez questão de cuidar dela sozinho.

O acesso ao acervo pessoal do pianista permitiu que os cineastas pudessem incluir na trilha sonora do filme algumas gravações inéditas, como trechos da primeira sessão de ensaio da banda Abolição. Ou uma sessão de gravação de Salvador com o percussionista norte-americano Steve Thornton, que conheceu quando se tornou diretor musical da banda do cantor e ator Harry Belafonte, pouco tempo depois de se instalar em Nova York.

Expoentes de diferentes épocas da música popular brasileira, os inovadores Garoto e Dom Salvador merecem ser mais conhecidos e ouvidos pelas gerações mais jovens. Estes documentários certamente podem contribuir para isso.

Veja os documentários do 12.º In-Edit Brasil (com ingressos a R$ 3), neste link: https://br.in-edit.org/ 



Dorival Caymmi: compilação mostra que o compositor é um de seus grandes intérpretes

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Tom Jobim referia-se a ele como “gênio universal”. Na canção-retrato que dedicou a esse mestre da música popular brasileira, Gilberto Gil o chamou de “buda nagô”. Já Carlos Drummond de Andrade destacou, em crônica publicada em 1984, a perenidade da obra desse compositor tão original: “Não há dia seguinte para o cancioneiro Caymmi. A flor que o vento joga no colo da morena de Itapoã não murchou ainda. Murchará um dia? Não creio.”

Cultor da espontaneidade e da síntese, Dorival Caymmi compôs pouco mais de cem canções, em seus 94 anos de vida. Algumas dessas joias musicais só foram concluídas por ele depois de passar anos à espera de uma inspiração definitiva – como o samba-canção “João Valentão”, que levou quase uma década para terminar. Sinal de preguiça no entender de detratores insensíveis, esse fato só revela o grau de perfeccionismo praticado por esse ourives da canção.

Para comemorar o centenário do influente baiano nascido em Salvador, o produtor Carlos Alberto Sion e o músico Henrique Cazes criaram a compilação “Dorival Caymmi 100 Anos”, que reúne em dois CDs um total de 28 faixas. Em meio a intérpretes prestigiosos, como Clara Nunes, Dick Farney ou Elza Soares, além dos talentos dos herdeiros Nana, Dori e Danilo, o próprio Caymmi – talvez o melhor intérprete de suas canções – surge como cantor em 17 gravações.

As faixas não estão organizadas por ordem cronológica, mas a seleção começa justamente com a mais antiga. Gravado em 1939, por Carmen Miranda, o requebrado samba “O Que É Que a Baiana Tem” serviu de veículo para apresentar ao público o então jovem compositor (na época com 25 anos), que dividiu os vocais com a cantora, discretamente, nesse histórico registro.

Algumas faixas depois, na gravação de “Saudade da Bahia” (em 1967), já surge o maduro Dorival, com sua voz grave e dicção perfeita, acompanhado pelas garotas do Quarteto em Cy e uma pequena orquestra. Enfatizando a faceta de intérprete de Caymmi, a compilação inclui também suas versões de dois sucessos de Ary Barroso: o desiludido samba-canção “Risque” e o hoje clássico “Na Baixa do Sapateiro”, ambos gravados em 1958.

Naturalmente, não faltam exemplares das canções praieiras de Caymmi, que o projetaram como um grande compositor de essência popular. “O Mar”, “Promessa de Pescador”, “O Vento (Vamos Chamar o Vento)”, “É Doce Morrer no Mar” e “O Bem do Mar” são ouvidas na voz de seu autor, em gravações originais lançadas no final da década de 1950.

Seus filhos o homenageiam em cinco faixas. Nana imprime emoção ao samba-canção “João Valentão”. Dori empresta seu vozeirão potente à trágica “Sargaço Mar”. Danilo divide com o sambista João Nogueira os vocais em “Fiz Uma Viagem”, um dançante ijexá. Já em um show realizado em 1987, na companhia do pai e dos irmãos, Nana relembra o samba- canção “Só Louco”; finalmente, Danilo e Dori se divertem com a sestrosa receita de “Vatapá”.

Há ainda gravações menos conhecidas, como a versão instrumental do samba-canção “Dora”, com Ary Barroso dedilhando o piano, extraída do inusitado álbum “Ary Caymmi / Dorival Barroso: Um Interpreta o Outro” (1958). Ou a hipnótica gravação de “Cala Boca, Menino”, com sons eletrificados, que João Donato incluiu em seu cultuado álbum “Quem É Quem” (1973).

Tomara que outros projetos voltem a lembrar, neste e nos próximos anos, como Caymmi é uma fonte essencial na cultura musical brasileira.


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", edição de 26/4/2014)


"Carmen Miranda Hoje": Henrique Cazes atualiza arranjos de sucessos da cantora

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Alguns vão tachar de heresia este CD com 12 sucessos de Carmen Miranda, lançados originalmente na década de 1930. Com a intenção de acrescentar detalhes aos arranjos dessas gravações, que a precária tecnologia da época era incapaz de captar, o produtor e músico Henrique Cazes tomou a liberdade de mixar aos vocais da cantora uma nova base de violões e cavaquinho, além de sopros e percussão.

Pode-se discutir o direito de alguém interferir na obra gravada de outro artista. Porém, quem se der ao trabalho de ouvir o CD "Carmen Miranda Hoje" (lançamento Biscoito Fino) antes de criticá-lo, tem que admitir que as interpretações de Carmen, em faixas como “Adeus Batucada”, “Uva de Caminhão” ou “E o Mundo Não se Acabou”, entre outras, soam realçadas graças à meticulosa intervenção de Cazes, um sério e apaixonado estudioso da música brasileira daquela época.

Boa sacada também a de incluir no disco, em vídeo, depoimentos de Ruy Castro, biógrafo da cantora, e do próprio Cazes, que justifica sua iniciativa com reveladores exemplos sonoros.

(resenha publicada no "Guia da Folha - Livros, Discos e Filmes", em 30/7/2010)

Ná Ozzetti: recriando os sambas de Carmen Miranda, em "Balangandãs"

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A cantora paulista fala sobre o projeto e a gravação do CD “Balangandãs” (selo MCD), que reúne criativas releituras de 15 sucessos do repertório da Pequena Notável.

Como você se envolveu com a obra musical de Carmen Miranda? O que é mais atraente no estilo dela?
Ná Ozzetti - Sempre admirei a Carmen, mas foi trabalhando com o grupo Rumo, em 1979 e 1980, que tive a oportunidade de ouvir melhor as gravações dela, pois, na época, pesquisávamos canções menos conhecidas de Noel Rosa, Lamartine Babo e Sinhô. Fiquei fascinada pela forma como ela valorizava não só as canções, mas todo conteúdo musical dos arranjos e das performances dos instrumentistas, elementos que ela aproveitava para suas interpretações, numa espécie de contraponto. Além disso, ela sabia extrair o melhor de sua voz para chegar a uma expressão exata do que desejava. Também era atenta e antenada ao contexto musical da época e aos compositores que surgiam.

Quais foram os seus critérios para escolher as canções de Carmen que gravou?
NO - Antes da gravação, trabalhei na escolha do repertório para o show. Para isso escutei quase toda a discografia dela, selecionando, primeiramente, as canções que me causaram empatia imediata. A partir desta fiz outras seleções até chegar às 18 canções do show. Para o CD, achei que 18 seria um número muito grande de faixas, então não gravei "Boneca de Piche", "Fon-fon" e "Thaí", que funcionam melhor em palco.

Muitos discos são gravados antes dos shows. Por que você preferiu o caminho inverso, gravando o disco só depois de fazer vários shows?
NO - Aconteceu naturalmente. A idéia do trabalho nasceu em 2006, mas, em 2007, não surgiram boas oportunidades de realizarmos shows, o que só veio a acontecer a partir de 2008. No final desse ano já tínhamos tocado bastante e amadurecido os arranjos. Nesse momento resolvemos registrar esse trabalho em CD, o que facilitou muito a viabilização, pois gravamos tudo em três dias, tocando ao vivo no estúdio, como se estivéssemos no show.

Os arranjos desse álbum chamam atenção. Como foi esse processo de criação? Você também participou?
NO – Pedi ao Dante [Ozzetti] e ao [Mário] Manga que preparassem pré-arranjos das canções. Partimos do princípio de manter as levadas das gravações originais, justamente para que não se perdessem os pontos principais onde a Carmen apoiava o seu canto. A partir daí os arranjos foram desenvolvidos em grupo e tomaram forma de acordo com as performances de todos e das novas idéias que iam surgindo. O processo foi coletivo e todos opinaram à vontade até a mixagem do CD.

Hoje, 30 anos após sua estréia como cantora do grupo Rumo, como você se sente no palco ou no estúdio de gravação? Tudo ficou mais fácil?

NO - Algumas características continuam bem presentes, felizmente, como o prazer pelo trabalho, tanto no palco, como no estúdio, em iguais proporções, e a sensação de frescor, de novidade, a cada nova experiência. Mas, sem dúvida, o tempo me ajudou a me sentir cada vez mais a vontade.

Sabemos que Luiz Tatit e Zé Miguel Wisnik marcaram as primeiras fases de sua carreira. O que esses compositores trouxeram para a sua maneira de encarar a música?

NO - Luiz, como idealizador do Rumo, foi e continua sendo fundamental na minha trajetória. A experiência que tive no grupo, com o canto falado, foi uma das mais fortes influências na minha forma de cantar. Depois do Rumo, continuamos trabalhando juntos. Luiz foi muito importante no meu processo como compositora, fizemos algumas parcerias e, de certa forma, continuamos presentes no trabalho de um e do outro.
Zé Miguel foi muito marcante no início de minha carreira solo, ocasião em que tomei contato com suas magníficas composições, que tinham características bem diferentes do trabalho com o Rumo e das referências musicais anteriores. Suas composições exigiam diferentes domínios da voz e da interpretação. Cada uma se apresentava como um desafio distinto a ser encarado, o que eu fazia com o maior dos prazeres.

(entrevista publicada parcialmente no “Guia da Folha – Livro, Discos & Filmes”, em 25/06/2009)

Ná Ozzetti: arranjos valorizam suas releituras de sucessos de Carmen Miranda

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Quem segue a carreira de Ná Ozzetti desde sua fase inicial, como vocalista do grupo Rumo, não esperaria por menos. Só uma intérprete madura, que convive há décadas com o repertório e o estilo de Carmen Miranda, poderia se sair tão bem em um projeto de releituras como este.
A banda formada por músicos versáteis – Dante Ozzetti (violão), Mário Manga (guitarra e cello), Sérgio Reze (bateria) e Zé Alexandre Carvalho (contrabaixo) – se mostra fundamental para a construção dos inventivos arranjos. Estes trazem sonoridades mais contemporâneas a clássicos como “Diz que Tem” (Vicente Paiva e Hannibal Crux), “Camisa Listada” (Assis Valente) ou “Tico Tico no Fubá” (Zequinha de Abreu), mantendo a essência de cada canção.
Segura e bem-humorada, Ná brinca com os característicos trejeitos vocais de Carmen, sem abrir mão de seu estilo pessoal. Uma preciosa aula de interpretação musical.

(resenha publicada no “Guia da Folha – Livro, Discos & Filmes”, em 25/06/2009)



 

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