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"Brasileiros do Mundo": nova série da Cultura FM destaca músicos bem-sucedidos no exterior

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             A cantora, pianista e compositora Tânia Maria 
       

Tânia Maria, Dom Salvador, Duduka da Fonseca, Luciana Souza e Romero Lubambo, instrumentistas e intérpretes de alto quilate, têm algo em comum nas suas trajetórias: são brasileiros que, décadas atrás, decidiram viver na Europa ou nos Estados Unidos, onde desenvolveram carreiras bem-sucedidas, tocando e/ou cantando música brasileira e jazz. Ironicamente, hoje esses artistas são mais conhecidos no exterior do que no Brasil.

Essa é a tônica de “Brasileiros do Mundo”, série de cinco programas, que idealizei e vou apresentar na Cultura FM (103,3) de São Paulo. O programa de estreia, que será exibido no dia 29/06 (domingo), às 14h, é dedicado a Tânia Maria. Essa carismática pianista, cantora e compositora decidiu se radicar na França, no início da década de 1970. Graças a seu talento musical, em pouco tempo ela se tornou uma grande estrela da cena internacional do jazz.

Nascida no Maranhão, Tânia tinha apenas dois anos quando sua família se mudou para Volta Redonda, no estado do Rio de Janeiro. Já cantava e tocava piano em casas noturnas, no final dos anos 1960, quando foi vítima de um abuso típico do repressivo regime militar daquela época. Numa noite, ao sair da boate carioca em que se apresentava, foi abordada por uma viatura policial e conduzida a uma delegacia, como se fosse uma prostituta. O policial chegou a rasgar sua carteira de musicista profissional.

“Foi um trauma muito grande, eu tinha 22 anos. Depois daquilo eu não podia ficar mais aqui”, relembrou Tânia, em entrevista à “Folha de S. Paulo”, em 2005, ao se apresentar no Sesc Pompeia, na capital paulista – suas primeiras apresentações em palcos brasileiros, após três décadas de autoexílio na Europa. O programa de estreia da série “Brasileiros do Mundo” destaca algumas das composições mais aplaudidas dessa sensacional artista, como “Euzinha”, “Come with Me” e “Valeu”.

O pianista e compositor carioca Antonio Adolfo (protagonista do programa de 6/07), também passou anos na Europa e nos Estados Unidos, na década de 1970. “Não fui expulso nem banido, mas saí porque estava com nojo daquela situação”, ele afirmou, em 2019, em entrevista ao site Scream & Yell. Autor de sucessos, como “BR-3” e “Juliana” (ambos em parceria com Tibério Gaspar), Adolfo foi perseguido pela ditadura militar, como outros artistas naquela época.

Ao retornar ao país, ele redirecionou sua carreira, ao se aproximar da música instrumental. Desde a década passada tem alternado períodos no Brasil e nos Estados Unidos, onde tem lançado praticamente um álbum por ano, misturando música brasileira e jazz. Alguns desses discos já receberam indicações para os prêmios Grammy e Grammy Latino.   

O caso da cantora paulista Luciana Souza, que pertence a uma geração posterior à de Antonio Adolfo e Tânia Maria, já é um pouco diferente. Ela foi estudar música nos Estados Unidos, na década de 1990, e desde então só tem retornado ao Brasil de vez em quando, para fazer shows. Filha dos compositores Walter Santos e Tereza Souza, Luciana construiu uma sólida carreira internacional na área do jazz vocal.

Os 15 álbuns que Luciana já lançou como intérprete e compositora, combinando diversos gêneros da música brasileira com influências do jazz contemporâneo e da música de câmara, têm sido elogiados por sua sofisticação. O programa protagonizado por ela vai ao ar em 13/07.

O pianista e compositor paulista Dom Salvador e o baterista carioca Duduka da Fonseca se aproximaram ainda nos anos 1970, quando já viviam na área de Nova York. Ali os dois abraçaram uma missão musical: tornaram-se embaixadores informais do samba-jazz. Não foi à toa que, em 2015, ao festejar os 50 anos de seu Rio 65 Trio, em um concerto no Carnegie Hall, Salvador convidou Duduka para substituir o lendário baterista Edison Machado (1934-1990), da formação original do trio.

Duduka retribuiu o convite do mestre paulista com uma bela homenagem: em 2018, lançou um álbum com repertório integralmente dedicado à obra musical de Dom Salvador, que hoje já reúne mais de 300 composições autorais. O programa que focaliza esses craques da música instrumental brasileira será exibido em 20/07.

Dois grandes violonistas protagonizam o último programa dessa série, que irá ao ar em 27/07. O carioca Romero Lubambo já se destacava na cena instrumental brasileira, em 1985, quando se mudou para Nova York. Hoje é admirado por sua versatilidade, ao se apresentar e gravar com artistas de diversos gêneros musicais, como as cantoras Dianne Reeves e Angélique Kidjo, o saxofonista Paquito D’Rivera ou o violinista Yo-Yo Ma.    

Por outro lado, o paulista Chico Pinheiro já era um instrumentista consagrado, em 2016, quando trocou São Paulo por Nova York. Suas colaborações com astros do jazz, como Ron Carter, Brad Mehldau e Esperanza Spalding, assim como João Donato, Dori Caymmi e outros craques da música brasileira, falam por si. A afinidade musical de Lubambo com Pinheiro é evidente em “Two Brothers”, álbum gravado por eles em 2021. Gravações desse disco em parceria abrem o repertório do programa que vai ao ar em 3/08, na Cultura FM de São Paulo, encerrando a série “Brasileiros do Mundo”.     

BRASILEIROS DO MUNDO - Série de cinco programas, que vai ao ar a partir de 29/06, nos domingos, às 14h, pela Cultura FM (103,3) de São Paulo. Roteiros e apresentação: Carlos Calado. Direção: Inez Medaglia. Se preferir, ouça esses programas ao vivo pelo site da Cultura FM no portal UOL, por meio deste link: https://cultura.uol.com.br/aovivo/4_ao-vivo-radio-cultura-fm.html

                        

Música na pandemia: projetos instrumentais em tempos de isolamento

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                                        O músico Walter Areia, no videoclipe "Ensaio sobre a Distância" / Foto de Pedro Escobar

As incertezas em relação ao futuro ainda preocupam bastante os meios musicais de nosso país, cinco meses após a decretação das primeiras medidas de isolamento social – recurso essencial no combate à pandemia. Com o fechamento dos teatros, auditórios, clubes, bares e casas noturnas, os músicos se viram obrigados a enfrentar uma situação inédita e dramática: impedidos de fazer shows, perderam da noite para o dia, literalmente, sua principal fonte de sustento.

Alguns cantores até conseguiram encontrar nas lives, veiculadas pelo YouTube e pelas redes sociais, uma alternativa financeira temporária. Já os instrumentistas – em especial aqueles que utilizam a improvisação como ferramenta de criação instantânea nos palcos – sofreram mais com o distanciamento social. Por ser essencialmente colaborativa, a música instrumental perde muito sem a proximidade física dos parceiros e o calor do público.

Expoente dessa vertente musical, o pianista e compositor paulistano Benjamim Taubkin encara essa situação com um certo humor. “Se, neste momento, o distanciamento social limitou o contato com outros músicos, por outro lado me pôs em contato diário com meu instrumento, como nunca antes na minha vida. Sentindo o benefício, eu brinco: se a pandemia tivesse acontecido na época em que comecei a tocar, teria estudado mais”.

Envolvido com diversos projetos simultâneos durante estes meses de pandemia, Taubkin é um exemplo inspirador de como os músicos têm usado sua criatividade para enfrentar esse período difícil. Dias antes da decretação da quarentena, em março, ele recebeu a notícia do cancelamento de uma turnê que faria por seis países sul-americanos. Como planejava aproveitar os encontros que teria com músicos locais, para colher depoimentos que farão parte de um complemento de seu livro “Viver de Música” (que reúne conversas com músicos brasileiros de várias vertentes), o jeito foi adaptar o projeto à realidade da quarentena.

Taubkin entrevistou músicos como o uruguaio Hugo Fattoruso, a colombiana Lucia Pulido e o venezuelano Otmaro Ruiz, usando aplicativos de videoconferência. Essas conversas vão compor a série “Vivir de Música”, com alguns vídeos já disponibilizados no canal do selo Núcleo Contemporâneo, no YouTube.

“Vidas de músicos têm muitas semelhanças: a paixão, o sonho, a criação. Os artistas que entrevistei são apaixonados pelo que fazem”, comenta Taubkin. “Nesse aspecto, é quase uma família, uma tribo. Nós nos reconhecemos como se houvesse padrões de desenvolvimento, etapas no processo que acontecem a todos, adaptados à realidade local”.





Afeto em forma de música

Também não deixa de ser uma tribo a criativa equipe do projeto A Nossa Música, que a pianista e compositora Júlia Tygel idealizou e coordena com o objetivo de gerar renda para músicos sem trabalho durante a pandemia. Esse projeto oferece um serviço inusitado: os interessados podem encomendar uma música, tanto instrumental como uma canção, pelo valor mínimo de R$ 300, no site do projeto (www.anossamusica.com.br).

Feita a partir de um mote (pode ser um poema, uma foto, a descrição de alguém), a música ou canção será composta e interpretada por dois integrantes de um coletivo de craques e estrelas da cena musical paulistana, como Ricardo Herz, Salomão Soares, Michi Ruzitschka, Daniel Grajew, Fi Maróstica, Louise Wooley, Fabiana Cozza, Vanessa Moreno e Patrícia Bastos, entre outros e outras. A edição dos vídeos com as composições é feita pela cantora Dani Gurgel. Quem indica os autores e intérpretes das futuras músicas é o curador do projeto, Benjamim Taubkin

“O projeto nasceu um pouco como uma brincadeira, uma forma de aproximar os músicos do público e gerar renda nesse período de isolamento, mas rapidamente seu escopo se mostrou muito maior”, avalia Júlia. Depois de contabilizar 60 músicas produzidas em pouco mais de um mês, ela admite que a equipe não esperava por uma demanda tão grande de pedidos. O tempo de entrega das encomendas chegou a ser aumentado, para que os autores pudessem criar com tranquilidade, sem correrem o risco de não cumprir os prazos prometidos.

Júlia considera que seu projeto tem potencial para ir muito além do período de quarentena. “Ele dá oportunidade para os músicos interagirem de uma forma nova e une artistas e público de uma maneira especial. Tem provocado novos encontros entre músicos que já se admiravam de longe, mas nunca tinham trabalhado juntos, resultando em músicas lindas e cheias de afeto”, comenta a coordenadora. “As pessoas que pedem as músicas têm ficado emocionadas ao verem seus sentimentos, memórias ou desejos tomarem a forma de músicas”.




Uma canção sobre a distância

Depois de tantos meses de quarentena e distanciamento social, já é evidente até nas conversas das redes sociais que as pessoas estão bastante carentes de contato pessoal e afeto. Curiosamente, ao abordar esse tema em um recém-lançado single, sua canção “Ensaio Sobre a Distância”, o contrabaixista e compositor pernambucano Walter Areia (ex-integrante da banda Mundo Livre S/A, que vive Portugal desde 2016) enveredou por um caminho um pouco diferente da música instrumental e do jazz que tem praticado nos últimos anos.

Embora já tenha feito parcerias com artistas da cena musical pernambucana, como Juliano Holanda, Monica Feijó ou Cassio Sette, Walter ainda não havia composto sozinho uma canção. “Era um desejo que já estava a me incomodar. Calhou de ser durante essa pandemia, talvez por eu ter mais tempo livre. Não sei ao certo”, admite. “Só sei que encontrei as pessoas certas e achei que fosse o momento certo. Tenho muita vontade de formatar um concerto que una esses dois caminhos: o da canção com o da música instrumental e o jazz”.

Certamente não foi à toa que, para gravar sua bela e emotiva canção, Areia tenha convidado músicos de Portugal e do Brasil. Aos vocais de Mara e à bateria de Joel Silva, ambos lusitanos, ele acrescentou o clarinete e o violão de 10 cordas do paulista Nilson Dourado e o lírico piano do onipresente Benjamim Taubkin. Para retribuir a camaradagem dos parceiros, que fizeram a gravação sem receber cachê, Areia organizou uma campanha de “compra voluntária” no Facebook. Além de ser lançada como single, nas plataformas digitais, “Ensaio Sobre a Distância” também rendeu um videoclipe, dirigido pelo brasileiro Pedro Escobar: 





O adeus do Duofel? Ou um até breve?

Entre tantas mortes, desemprego e outras lamentáveis perdas provocadas pela pandemia também ficará registrado um fato triste para os apreciadores da música instrumental brasileira: o anunciado fim do duo de violões Duofel, uma das parcerias mais longevas e criativas dessa vertente musical. A notícia – confirmada em uma “live” de despedida da dupla, intitulada “The End”, no final de julho – causou surpresa e comoção entre os fãs.

Além de creditar a separação às dificuldades impostas pela pandemia, o violonista Luiz Bueno também observa que, depois de 44 anos tocando com Fernando Mello, é até natural que essa parceria tenha arrefecido. “Nos tornamos adultos, envelhecemos e tomamos rumos diferentes. Fomos perdendo a alegria, elemento químico necessário para uma parceria criativa”, observa o violonista e compositor.

Ainda assim, felizmente, Bueno avisa que a interrupção da parceria não é definitiva. “Não vamos parar de tocar. Quando recebermos um convite, vamos ensaiar e interpretar a nossa obra. A música continua, nossa amizade continua”, diz. De todo modo, os fãs do Duofel não ficarão sem novidades: Bueno lançou em junho seu álbum solo “De Volta à Velha Casa” e Mello também está preparando um projeto solo.





Mesmo abatida pelas drásticas restrições e dificuldades que a pandemia impôs a todos, a resiliente tribo instrumental segue improvisando e criando, sempre em busca de desafios e belezas musicais. A seguir outros álbuns, vídeos e projetos ligados a essa vertente musical que nasceram ou foram lançados durante a pandemia:


"BruMa", de Antonio Adolfo 

Durante a última década, especialmente, o pianista e arranjador carioca tem se superado ano a ano, lançando projetos de música instrumental calcados na linguagem jazzística. Em “BruMa” (selo AAM/Rob Digital), outro álbum brilhante, Adolfo relê com elegância pérolas da obra de Milton Nascimento, ao lado de craques como Marcelo Martins (sax tenor e flauta), Jessé Sadoc (trompete) e Rafael Barata (bateria).




Bebê Kramer, em "Vertical"

“Vertical”, ótimo álbum que o acordeonista e compositor gaúcho Bebê Kramer lançou no final de 2019, rendeu um novo produto. O selo Audio Porto disponibilizou um documentário homônimo, com cenas de bastidores das gravações, que revelam a cumplicidade de Kramer com parceiros no projeto, como o percussionista Armando Marçal, o saxofonista Edu Neves e o contrabaixista Guto Wirtti.




Série de podcasts "Choraço Virtual" 

Podcast em 8 episódios, que narram a história do choro contemporâneo. Idealizada e apresentada pela pandeirista e produtora Roberta Valente, a série aborda as influências que o choro recebeu do maxixe, da valsa e da polca. Também compara os diversos sotaques do choro nas regiões do Brasil. E traça um panorama do gênero em outros países, como o Japão, Estados Unidos, França e Portugal. Estreia 2/9, quartas e sextas, às 21h, no canal de YouTube: https://www.youtube.com/c/Sesc24deMaioYouTube


Álbum de Cristovão Bastos e Rogerio Caetano 

Encontro do conceituado pianista carioca Cristovão Bastos com o goiano Rogério Caetano, mestre do violão de sete cordas. No repertório, a tradição do choro dialoga com a diversidade típica da música brasileira. Destaque para o saboroso “Um Chorinho em Cochabamba” (de Caetano e Eduardo Neves) e o moderno choro “Obrigado Rapha”, homenagem de Caetano ao violonista Raphael Rabello (1962-1995). Lançamento Biscoito Fino.




"Entre Mil... Você", de Daniela Spielman e Sheila Zagury 

Parceiras há duas décadas, a saxofonista Daniela Spielmann e a pianista Sheila Zagury mergulham na obra de Jacob do Bandolim (1918-1969), grande expoente do choro, neste álbum intitulado “Entre Mil... Você” (lançamento Kuarup). Do contagiante choro “Receita de Samba” a uma inusitada releitura da valsa “Santa Morena”, que ganhou um sotaque árabe, a dupla injeta frescor nesse clássico repertório.




"Olayá", de Edu Neves 

Delicioso álbum do saxofonista e flautista, “Olayá” (selo Audio Porto) é um tributo à Cidade Maravilhosa, representada no repertório autoral que vai de diversos estilos de samba à bossa nova e ao funk. Destaque para os inventivos arranjos orquestrais de Neves, como o do samba “Caiu Atirando”, que remete a trilhas sonoras de filmes de ação. Participações de Hamilton de Holanda, Raul de Souza, Zeca Pagodinho e Seu Jorge.




Álbum do Ensemble Choro Erudito 

A formação incomum, com o vibrafone de Ricardo Valverde, o violino de Wanessa Dourado e o contrabaixo de Marcos Paiva, empresta uma sonoridade especial a este trio. Entre o popular e o erudito, o repertório combina conhecidos choros, como “Brejeiro” (Ernesto Nazareth) e “Delicado” (Waldir Azevedo), com peças de Villa-Lobos (“O Trenzinho do Caipira”), Camargo Guarnieri (“Dança Negra”) e Dvorák (“Dança Eslava”). Lançamento Kuarup.




"Solitude", de Flávio Franco Araújo

Pianista, arranjador e produtor paulista, que se dedicou durante décadas à área da publicidade, Araújo decidiu gravar seu primeiro disco: um projeto de piano solo. Autoral, “Solitude” (Azul Music) reúne melodias singelas e introspectivas, inspiradas por episódios pessoais, como a faixa “Flávia Jogando Bola”. “For Bill” é dedicada a um dos ídolos do compositor: o pianista norte-americano Bill Evans (1929-1980).




"Crew in Church", de Joabe Reis 

Se você é um daqueles que criticam a música instrumental por achá-la mais fria ou cerebral do que outros gêneros, vai se surpreender com o primeiro álbum desse talentoso trombonista e compositor capixaba, hoje radicado em São Paulo. A música de Joabe combina os improvisos do jazz e da música instrumental com o balanço e a vibração do funk e do R&B. Tente ficar parado ao ouvir qualquer faixa de “Crew in Church” (selo TFunky Jazz).
Aqui uma entrevista que fiz com Joabe, a convite do Sesc Pinheiros, para o projeto Radar Sonoro:




Álbum de Goio Lima 

A admiração que esse saxofonista, flautista e arranjador paulista demonstra pela música do grande Tom Jobim (1927-1994) é reveladora. Autoral, o repertório de seu primeiro álbum solo inclui composições dedicadas a outros mestres da MPB, como João Donato e Johnny Alf, assim como homenagens aos jazzistas Stan Getz e Charles Mingus. Referências que embasam a consistência musical deste trabalho.




"Sumidouro", de Igor Pimenta 

Conhecido pelas parcerias com Neymar Dias e outros músicos da cena paulistana, o contrabaixista e compositor não deixou por menos. “Sumidouro”, seu primeiro disco solo, surpreende pela arrojada concepção musical, além da diversidade de influências, que vai do Clube da Esquina ao grupo Oregon, passando por Egberto Gismonti, Pat Metheny e até influências do jazz-rock, entre outras. Um disco caleidoscópico que dá vontade de ouvir ao vivo.




"Tempo Sem Tempo", de Joana Queiroz

A clarinetista e compositora carioca, que faz parte do grupo instrumental Quartabê, usa a expressão “sair do caos e olhar para dentro” ao se referir a “Tempo Sem Tempo”, seu quarto álbum solo (lançado pelo selo YB Music, já no auge da pandemia). Música etérea e introspectiva, que reflete este tempo de afastamento social. Participações dos bateristas/percussionistas Mariá Portugal, Domenico Lancellotti e Sergio Krakowski.




Léa Freire, em "CinePoesia" 

A compositora e flautista paulistana inovou ao promover “CinePoesia” (selo Maritaca), seu primeiro álbum que a destaca como pianista. As 12 composições foram lançadas em uma série de “singles” acompanhados por vídeos assinados por Lucas Weglinski, criando assim um diálogo entre os sons e as imagens. “Fazia tempo que eu queria gravar piano-solo, como um desafio pessoal, uma meta a superar”, festeja a multitalentosa Léa.




"De Volta à Velha Casa", de Luiz Bueno 

Finalizado durante a quarentena, com pós-produção de Raul Misturada, este álbum solo do violonista do Duofel nasceu de improvisos (tocar “no fluxo”, como ele costuma dizer). Ao escolher o título “De Volta à Velha Casa” (via selo independente distribuído pela Tratore), Bueno vê este álbum como “uma trilha de cinema, mas sem o filme”. Ela conduz o ouvinte à sua própria experiência de vida, como se voltasse a uma casa, física ou interior.




"Prece", de Noa Stroeter 
O contrabaixista paulistano, que já gravou três discos como integrante do Caixa Cubo Trio, não esconde que as composições de “Prece” (selo Pau Brasil), seu primeiro e promissor álbum solo, têm algo de autobiográficas. A jazzística “Veridiana” e o inusitado “Varanda”, um bolero à Henri Mancini, entre outras faixas, revelam que a cultura musical de Noa é bem mais ampla que a de muitos músicos jovens de sua geração. Ótima estreia.




"Unity", de Paulo Almeida 

O quarto disco do baterista e compositor paulista foi gravado ao vivo, em 2019, no clube de jazz The Bird’s Eye (em Basel, Suíça), durante turnê pela Europa. O quinteto inclui Diego Garbin (trompete), Salomão Soares (piano), Oliver Pellet (guitarra) e Felipe Brisola (baixo). A dramática “From Selma to Montgomery” (composição de Almeida e Pellet) reproduz trecho de um discurso de Martin Luther King. Distribuição Tratore.




Álbum do Shinkansen 

Os craques Toninho Horta (guitarra), Jaques Morelenbaum (cello), Marcos Suzano (percussão) e Liminha (baixo) formaram este supergrupo instrumental, uma década atrás, para se apresentarem no Japão. Sem agenda comum, o projeto ficou interrompido. É retomado agora com o disco do quarteto, que ainda conta com participações especiais de Branford Marsalis (sax), Ryuichi Sakamoto (piano) e Jessé Sadoc (trompete).




(Texto escrito a convite do Sesc SP para o projeto Radar Urbano, com curadoria de Sarah Degelo) 

Jazz em 2019: 20 álbuns de revelações e veteranos do gênero nos Estados Unidos

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Para quem gosta de acompanhar as novidades e os lançamentos na cena internacional do jazz, aqui vai uma lista comentada de 20 álbuns lançados durante 2019, no mercado norte-americano. Não se trata de uma lista de “melhores do ano”, mas de recomendações de álbuns que tive a oportunidade de ouvir e que me agradaram.

Como o acesso a CDs lançados fora do país torna-se mais difícil a cada ano, você pode ao menos ouvir algumas faixas desses álbuns, se clicar no título de cada disco comentado (em streaming gratuito do YouTube). Espero que você curta, como eu, essas novidades do jazz. Boa audição!


Antonio Adolfo - “Samba Jazz Alley”(AAM) – Mais uma joia musical do pianista carioca, que nos últimos anos tem vivido na ponte aérea Miami-Rio. O título do álbum se refere ao lendário Beco das Garrafas, berço do samba-jazz, que Adolfo frequentou ainda adolescente. No repertório, sofisticadas releituras de clássicos da bossa nova (de Tom Jobim, Johnny Alf e Baden Powell), além de temas de sua autoria.

Benett Paster - “Indivisible” (independente) – As composições desse versátil tecladista radicado em Nova York são bem diversificadas: um contagiante soul-jazz (“Gritty Greens”), funk à New Orleans (“Belgrade Booty Call”), jazz-rock que lembra os Brecker Brothers (“Salamander”), um refinado country (“Murfreesboro Waltz”), até samba (“Indian Summer”). Cardápio saboroso para quem não tem gosto restrito.

Carol Sudhalter - “Live at Saint Peter’s Church” (Alfa Projects) – Mulher que toca sax barítono já é algo incomum, mas esta veterana jazzista vai além: também é ótima flautista, além de cantora eventual. Neste concerto gravado em uma igreja nova-iorquina, Carol interpreta composições de Sonny Rollins (“Valse Hot”), Benny Golson (“Park Avenue Petite”) e Tom Jobim (“Luiza”) à frente de um quarteto.

Chris Pasin - “Ornettiquette” (Planet Arts) – Ao batizar seu quarto álbum, este trompetista residente em Nova York já entrega suas referências. Pasin formou sua concepção musical ainda na adolescência, ouvindo discos dos vanguardistas Ornette Coleman e Don Cherry. Cinco composições de Coleman estão no repertório do sexteto, que inclui o vibrafonista e pianista Karl Berger, veterano do jazz “avant-garde”.

Dave Stryker - “Eight Track III” (Strikezone) – Releituras de hits da soul music, como “Move on Up” (Curtis Mayfield), “Everybody Loves the Sunshine” (Roy Ayers) e “Too High” (Stevie Wonder”), destacam-se neste álbum do criativo guitarrista e seu quinteto, que inclui o vibrafonista Stefon Harris. Stryker também lançou há pouco “Eight Track Christmas”, simpático álbum com versões de clássicos natalinos.

Dave Rudolph Quintet - “Resonance” (independente) – Expressivo álbum de estreia do baterista e compositor da Flórida, que assina as nove faixas. Seu quinteto – formado por ex-colegas de universidade, como o guitarrista Larue Nickelson e o saxofonista Zach Bornheimer – soa coeso e inventivo. Faixas como “Atonement”, “Those Clumsy Words” e “Night Squirrel” chamam atenção pelo sabor contemporâneo.

Duduka da Fonseca & Hélio Alves - “Samba Jazz & Tom Jobim” (Sunnyside) – Radicados há décadas em Nova York, o baterista carioca e o pianista paulista têm conquistado plateias de clubes e festivais de jazz, com o repertório deste álbum. Além dos vocais de Maucha Adnet (em belezas jobinianas, como “Dindi” e “A Correnteza”), destacam-se também participações dos trompetistas Claudio Roditi e Wynton Marsalis.

Ernie Watts - “Home Light” (Flying Dolphin) – Este é um daqueles mestres do sax tenor, cuja sonoridade você pode identificar ouvindo apenas duas ou três notas. Watts desenha aqui cenários sonoros bem diversos: da vanguardista “Frequie Flyers” (de sua autoria) à sensível balada “Horizon” (parceria com o pianista Christof Saenger). Já a faixa que empresta o título ao álbum é um sentimental soul-jazz.

Fabrizzio Sciacca Quartet - “Gettin’ in There” (independente) – Em promissor disco de estreia, o contrabaixista italiano de 29 anos lidera um invejável quarteto, com os conceituados Donald Vega (piano), Billy Drummond (bateria) e Jed Levy (sax tenor). Na suingada “For Sir Ron”, sua única composição no álbum, Sciacca homenageia o grande baixista Ron Carter, seu mentor e professor na Manhattan School.

Gretje Angell - “In Any Key” (Grevlinto) – De uma família de bateristas, essa cantora radicada em Los Angeles desponta em promissor disco de estreia. Com um belo timbre vocal, Gretje relê standards do jazz (“I’m Old Fashioned”, “Tea for Two”) e clássicos da bossa (“One Note Samba”, “Berimbau”), além de demonstrar talento nos improvisos (“Them There Eyes”). A seu lado está o guitarrista Dori Amarilio.

Jelena Jovovic - “Heartbeat” (Universal) – Uma bela surpresa o disco de estreia desta talentosa cantora da Sérvia, que já o abre com uma inusitada versão de “Witch Hunt” (de Wayne Shorter). Autora de seis das dez faixas, Jelena canta em inglês, sem sotaque. Em “The Countless Stars”, ela demonstra intimidade com a linguagem do “scat singing”, tão à vontade quanto no dançante boogaloo “Little Freddie Steps”.

Jordon Dixon - “On” (independente) – Natural da Louisiana e radicado em Washington, o saxofonista assina todo o repertório desse álbum. Em faixas como o hard bop “Lee Lee Dee” ou a balada “What You’ve Done for Me”, Dixon exibe seu som volumoso ao sax tenor, que chega a lembrar o do mestre Dexter Gordon. Já em “Fake Flowers”, com um dançante groove à New Orleans, ele se mostra fiel às suas origens.

Jorge Nila - “Tenor Time” (Ninjazz) – Neste tributo a sete mestres do sax tenor, o saxofonista de Nebraska revela sua afinidade com diversos estilos jazzísticos, sem decalcar seus ídolos. Ao lado de Dave Stryker (guitarra), Mitch Towne (órgão) e Dana Murray (bateria), Jorge demonstra sua intimidade com o soul-jazz, nas saborosas faixas “Our Miss Brooks” (de Harold Vick) e “Soul Station (Hank Mobley).

Karl Berger & Jason Kao Hwang - “Conjure” (True Sound Recordings) – O encontro do veterano vibrafonista e pianista alemão com o violinista sino-americano, nomes de destaque na cena do jazz de vanguarda, rendeu um álbum repleto de atmosferas intrigantes. Hwang definiu bem o resultado das gravações que fizeram no estúdio doméstico de Berger, sem partituras: “música espontânea e imprevisível, como a vida”.

Matthew Snow - “Iridescence” (independente) – Ativo na cena jazzística de Nova York há sete anos, esse contrabaixista e compositor faz uma promissora estreia em disco. À frente de um sexteto jovem tão jovem quanto ele, Snow demonstra personalidade musical nas oito composições que assina. Temas como “Amber Glow”, “The Change Agent” e “The Exit Strategy” indicam sua afinidade com a estética do hard bop.

Ray Blue - “Work” (Jazzheads) – Não é demérito algum para esse articulado saxofonista radicado em Nova York se referir a ele como um músico da velha guarda. Ray Blue é um adepto do jazz que não abre mão do swing, o que ele confirma, tanto em sua composição “Attitude”, como em releituras de temas de craques do jazz moderno, como “Amsterdam After Dark” (de George Coleman) ou “Sweet Emma” (de Nat Adderley).

Roger Kellaway - “The Many Open Minds of Roger Kellaway” (IPO) – Aos 80 anos, este pianista e arranjador já fez muita coisa ao lado de músicos de perfis bem diversos, como Duke Ellington, Elvis Presley ou Yo-Yo Ma. Neste álbum, em trio com o guitarrista Bruce Forman e o baixista Dan Lutz, ele revisita clássicos do jazz, como “52nd Street Theme” (T. Monk), “Take Five” (P. Desmond) e “Doxy” (S. Rollins).

The Doug MacDonald Quartet - “Organisms” (independente) – Bem conhecido nos estúdios e clubes de jazz de Los Angeles, o guitarrista toca neste álbum um repertório de standards e temas próprios, com um quarteto que destaca o sax de Bob Sheppard. Num ano bem produtivo, MacDonald lançou mais dois álbuns: “Califournia Quartet”, com outro quarteto, e “Jazz Marathons 4”, com os 10 músicos do Tarmac Ensemble.

The Gil Evans Orchestra - “Hidden Treasures Monday Nights” (GEO) – Os brasileiros que tiveram o privilégio de ouvi-la ao vivo, nos anos 1980, jamais se esqueceram dessa eletrizante orquestra. Décadas depois, o trompetista Miles Evans e o produtor Noah Evans, filhos do grande arranjador (morto em 1988), resgatam o espírito original da orquestra, que inclui vários craques da cena jazzística nova-iorquina.

Tucker Brothers - “Two Parts” (independente) – Os irmãos Joel (guitarra) e Nick Tucker (baixo) já são bem conhecidos na cena musical de Indianapolis. Como líderes do quarteto Tucker Brothers, eles exibem nove composições próprias, neste que é o terceiro álbum do grupo. Da emotiva “Warm Heart” à encantatória “Return to Balance”, o grupo demonstra personalidade musical e gosto pelas improvisações.


Mauro Senise: saxofonista ensaia parceria com a coreógrafa Deborah Colker

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O vigésimo projeto autoral do saxofonista e flautista carioca Mauro Senise é, talvez, o mais ambicioso de sua carreira. Além de contar com composições e arranjos de músicos com os quais já se associou em outras épocas, como os pianistas Antonio Adolfo, Jota Moraes e Gilson Peranzzetta (seu parceiro mais constante), agora Senise ensaia também uma parceria de outro gênero: com a dança.

No DVD que acompanha o CD "Danças" (lançamento Biscoito Fino), três composições – a valsa “Garoto de POA” (de Jota Moraes), o sentimental “Choro dos Mestres” (Cristóvão Bastos) e a contemplativa “Harmonia das Esferas” (do pianista Gabriel Geszti) – foram coreografadas por Deborah Colker, que as dança em duo com o ator Chico Diaz. Evanescentes, as belas imagens em preto e branco têm a assinatura do cineasta Walter Carvalho. Uma experiência criativa que merece ser retomada.


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", edição de 25/10/2015)




Melhores de 2013: vale a pena ouvir estes 10 discos em 2014 também

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                                                O pianista Stefano Bollani e o bandolinista Hamilton de Holanda

Com a pulverização da indústria musical em milhares de selos e gravadoras independentes, a cada ano fica mais difícil acompanhar o crescente número de discos lançados. Por isso cheguei a pensar, no início de dezembro, em tentar escapar da complicada tarefa de escolher os melhores álbuns do ano.

Porém, o convite para participar de uma enquete para o jornal gaúcho Zero Hora – organizada pelo crítico Juarez Fonseca, colega de profissão que admiro há décadas – me fez aceitar mais uma vez essa missão.

Considero que os meus 10 escolhidos, mais que propriamente “os melhores”, são discos para se conhecer e continuar ouvindo em 2014. Até porque vários deles foram lançados por selos alternativos, com distribuição menos abrangente.

Esta é a minha lista, em ordem alfabética:



• André Mehmari e Mário Laginha, “Ao Vivo no Auditório Ibirapuera” (Estudio Monteverdi)

• Antonio Adolfo, “Finas Misturas” (AAM)

• Cacá Machado, “Eslavosamba” (Circus/YB)

• Charles Bradley, “Victim of Love” (Daptone)

• Gian Correa, “Mistura 7” (YB)

• Marcelo Martins, “Do Outro Lado” (independente)

• Scott Feiner & Pandeiro Jazz, “A View From Below” (independente)

• Stefano Bollani & Hamilton de Holanda, “O Que Será” (ECM/Borandá)

• Vitor Ramil, “Foi no Mês que Vem” (Satolep)

• Wayne Shorter, “Without the Net” (Blue Note/EMI)



Recomendo que você também confira as listas dos críticos Antônio Carlos Miguel (portal G1), Hagamenon Brito (Correio de Bahia), Irlam da Rocha Lima (Correio Braziliense), Kiko Ferreira (Estado de Minas), Paulo Moreira (FM Porto Alegre), Roger Lerina (Zero Hora) e do próprio Juarez Fonseca, que participaram da mesma enquete, neste link do Facebook:

https://www.facebook.com/juarez.fonseca/posts/778706435477536

 

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