Canoas Jazz Mercosul: aprovado pelo público, festival já anuncia a segunda edição

|

                       Yamandu Costa, no encerramento do Canoas Jazz Mercosul /Photo by Carlos Calado

Com sua próxima edição já anunciada para 2012, terminou domingo (27/11), na região metropolitana de Porto Alegre (RS), o primeiro festival Canoas Jazz Mercosul. Atração final do evento, o trio comandado pelo violonista Yamandu Costa fez uma apresentação primorosa, aplaudida de pé pela plateia que foi ao Parque Getúlio Vargas – também conhecido como Capão do Corvo.

Muito bem acompanhado pelo violinista Nicolas Krassic e pelo contrabaixista Guto Wirtti, Yamandu exibiu composições próprias escolhidas a dedo para a plateia de Canoas, como a leve “Missionerita”, a emotiva milonga “Lida” (seu tributo aos peões dos pampas) ou a vibrante “Ida e Volta”, definida por ele como “um flamenco gaúcho”. Bem-humorado, o violonista arrancou muitos risos do público, ao contar vários “causos” protagonizados por sua avó.


                                                         Hermeto Pascoal e seu grupo / Photo by Carlos Calado

No sábado, Hermeto Pascoal também provou que seu carisma continua poderoso. Assim que ele e sua banda entraram no palco, para fechar a noite de estreia, depois de outras quatro atrações, dezenas de fãs bem jovens correram para se sentar no chão, mais perto do palco. Recém-chegado de uma turnê pela Europa, o Bruxo foi recebido como um herói, com muita festa e gritaria.

Como de hábito, Hermeto tocou diversos instrumentos, inclusive um berrante e uma chaleira, e se divertiu, desafiando alguns de seus criativos parceiros – Marcio Bahia (bateria), Itiberê Zwarg (baixo), Vinicius Dorin (sopros), André Marques (piano) e Fabio Pascoal (percussão), além da vocalista Aline Morena. Já ao final do show, ele homenageou a plateia rio-grandense, improvisando com uma típica gaita-ponto.


                                                Integrantes do grupo chileno La Kut / Photo by Carlos Calado

Entre as quatro atrações estrangeiras do festival, a surpresa maior veio justamente com o grupo menos conhecido. Formado por jovens graduados em algumas das melhores escolas de música do Chile, o sexteto La Kut chamou atenção com composições próprias que transitam entre a música contemporânea de vanguarda e o free jazz, apoiadas em improvisações bem livres e cacofonias. Houve até quem percebesse uma identidade sonora, em alguns momentos, com a vanguarda paulista de Arrigo Barnabé.

Também com um pé na vanguarda e outro no jazz moderno, o talentoso pianista argentino Ernesto Jodos exibiu seu trabalho autoral, extraído do recém lançado álbum “Fragmentos del Mundo”. Com um quinteto de formação incomum (piano, dois contrabaixos e duas baterias), ele correu o risco de exibir uma música densa e soturna, que talvez funcionasse melhor em uma sala de concerto, mas saiu do palco bastante aplaudido. 


                                O pianista Ernesto Jodos e os baixistas de seu grupo / Photo by Carlos Calado

Com um repertório mais leve, até mesmo dançante, o baixista, violonista e cantor argentino Mariano Otero se apresentou com um septeto que destaca um naipe de sopros. Combinou temas instrumentais de essência jazzística (um deles, bem funkeado, com evidente influência do também baixista Jaco Pastorius) e algumas canções, que parecem indicar que sua faceta de cantor tende a ganhar mais espaço em seu trabalho musical.

Veterano do jazz e da música instrumental, o uruguaio Trio Fattoruso também fez uma apresentação que agradou bastante a plateia, no domingo. O pianista Hugo Fattoruso, seu irmão baterista Osvaldo Fattoruso e o baixista Daniel Maza homenagearam a música brasileira, recriando o balançado samba “Sentimental”, de Luizão Maia. “New Candombe” (composição de Maza) revelou que o esse ritmo uruguaio de origem africana e o samba são parentes próximos.


                                               O músico argentino Mariano Otero / Photo by Carlos Calado

Os grupos locais escalados para o palco principal também se saíram muito bem. No sábado, os integrantes do Quartchêto – Luciano Maia (acordeon), Hilton Vaccari (violão), Julio Rizzo (trombone) e Ricardo Arenhaldt (percussão) – exibiram seu virtuosismo instrumental, em composições próprias calcadas em ritmos platinos, como a chacarera, o chamamé e a polca.

De orientação mais jazzística, o grupo liderado pelo saxofonista Claudio Sander recriou clássicos da bossa nova, como “O Telefone” (de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli) e “Rapaz de Bem” (Johnny Alf), em arranjos bem suingados. No show de domingo, o pianista Paulo Dorfman preferiu não repetir a intrigante versão de “Wave” (Tom Jobim), na qual reproduz fielmente o estilo de Thelonious Monk, mas esbanjou personalidade, nas releituras que fez de “Cravo e Canela” (Milton Nascimento) e da própria “Wave”.


                                                   O grupo uruguaio Trio Fattoruso / Photo by Carlos Calado  

Realizado ao longo de uma semana, em diversos locais do município, o Canoas Jazz Mercosul estreou com um formato inovador, criado com a assumida intenção de formar e ampliar o público local para o jazz e a música instrumental. Nos cinco primeiros dias de programação, 24 grupos locais e de Porto Alegre se exibiram em cinco estações do Trensurb de Canoas, pela série Estação Jazz, preparando a população para o programa principal do evento, no final de semana, ao ar livre, em uma bela área do Parque Getúlio Vargas.

Já nas dependências da Biblioteca Municipal foram realizadas quatro audições de discos clássicos dos jazzistas Thelonious Monk, Miles Davis, John Coltrane e Duke Ellington, comandadas por dois experts: o jornalista Paulo Moreira e o músico Sergio Karam (também um dos curadores do evento, ao lado do músico Marcelo Armani e de Flavio Adonis, secretário municipal de Cultura). Durante essas audições, Jorginho do Trompete, o saxofonista Luizinho Santos e os pianistas Paulo Dorfman, Bethy Krieger e Michel Dorfman fizeram shows compactos, que ilustraram os comentários dos especialistas.


                         Jorginho do Trompete, numa das audições comentadas / Photo by Carlos Calado

Detalhe importante: as gravações ouvidas nesses eventos pertencem a um acervo com quase 700 CDs, comprados no ano passado. Esses álbuns formam uma discoteca pública de jazz, que cobre praticamente toda a história desse gênero, e podem ser apreciados pelos frequentadores da Biblioteca Municipal de Canoas, gratuitamente. Uma iniciativa preciosa para estudantes de música, ou mesmo para simples fãs do jazz, que poderão ampliar sua educação musical por meio desse acervo.

Na contramão de muitos festivais patrocinados que não param de surgir pelo país, às vezes com ingressos a preços exorbitantes, a Secretaria Municipal de Canoas realizou um evento totalmente gratuito, que merece aplausos, tanto por seu compromisso com a música de alta qualidade, como por facilitar à população local o aceso a essa arte. Tomara que outras cidades do país sigam esse exemplo promissor. 






0 comentários:

 

©2009 Música de Alma Negra | Template Blue by TNB