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Cesaria Evora: "Mãe Carinhosa", álbum póstumo da diva de Cabo Verde, traz faixas inéditas

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Já a compararam a grandes damas da canção universal, como a francesa Edith Piaf, a portuguesa Amália Rodrigues, a cubana Celia Cruz ou a norte-americana Billie Holiday. Ao longo de sua carreira musical ela foi chamada de “Diva dos pés descalços”, de “Rainha da morna”, até de “Bessie Smith dos Trópicos”. 

Cesaria Evora, maior estrela da música de Cabo Verde, encantou durante décadas plateias de vários continentes, com sua voz doce e expressiva, interpretando canções carregadas de melancolia. Graças a ela, a morna (modalidade cabo-verdiana de canção, que se assemelha ao fado português e ao blues norte-americano) tornou-se conhecida internacionalmente.

Para os fãs dessa grande intérprete, que lamentaram sua morte (em 17 de dezembro de 2011), o selo SESC tem uma ótima notícia: está lançando no mercado brasileiro o álbum “Mãe Carinhosa”, com gravações inéditas da cantora cabo-verdiana, realizadas entre 1997 e 2005, que ficaram de fora de seus álbuns.

Quando esse disco foi lançado na Europa, em 2013, o cabo-verdiano José da Silva (“descobridor” da cantora e produtor de seus discos) revelou à imprensa portuguesa que ele e Cesaria tinham o hábito de gravar um número maior de canções do que as necessárias para compor os álbuns. Assim tinham mais possibilidades para equilibrar os temas e ritmos do repertório de maneira harmoniosa.

O produtor contou também que se surpreendeu ao encontrar, no arquivo de sua gravadora Lusáfrica, gravações das quais nem se lembrava mais. Entre as 13 treze canções incluídas no álbum, 12 são inéditas na voz de Cesaria. A única exceção é a belíssima morna “Sentimento” (de Epifania “Tututa” Evora), que a cantora gravou, em versão diferente, no seu último álbum oficial, “Nhá Sentimento” (2009).

No repertório de “Mãe Carinhosa”, os fãs vão reencontrar veteranos compositores que Cesaria gravou em seus discos: B.Leza, expoente da canção cabo-verdiana, que assina “Dor di Sodade” e “Talvez”, duas dolentes mornas; Gregorio Gonçalves, autor da nostálgica “Caboverdeanos D’Angola”; ou Frank Cavaquinho, que assina a cáustica “Quem Tem Ódio”, canção que remete à rivalidade entre dois grupos carnavalescos de Mindelo – a cidade portuária da ilha de Cabo Verde em que Cesaria nasceu.

Também há canções de autores da nova geração cabo-verdiana, como Teofilo Chantre, autor da faixa-título do álbum, com uma saborosa influência caribenha, ou Nando Cruz, que assina a dançante “Tchon de França” e a abolerada “Esperança”. Há também um sincopado cha cha chá, “Dos Palabras” (de Humberto “Chicuco” Palomo) gravado originalmente pelo grupo mexicano Los Bribones, que Cesaria canta em espanhol. Já no restante do álbum, ela canta em crioulo cabo-verdiano, dialeto derivado do português.

Em um texto incluído no encarte de “Mãe Carinhosa”, Caetano Veloso se recorda de ter presenciado (em maio de 1994, no Teatro do SESC Pompeia, em São Paulo) o emocionante encontro de Cesaria Evora com Angela Maria – a grande cantora brasileira, que serviu de referência à cabo-verdiana durante seus anos de formação. Não foi à toa que Cesaria sempre demonstrou uma afinidade especial com o Brasil.

Mesmo que esse histórico encontro não tenha sido registrado em som e imagem, restou ao menos uma foto bastante reveladora. Ela pode ser encontrada na biografia de Cesaria, escrita pela jornalista francesa Véronique Mortaigne. Nesse retrato, Caetano aparece entre as duas cantoras, abraçando-as. Curiosamente, ele e Angela Maria sorriem, demonstrando alegria. Já Cesaria está com os olhos bem fechados, como se estivesse sentindo uma forte emoção.

Essa imagem me fez lembrar de algo que Cesaria me disse, em 2005, quando tive o privilégio de entrevista-la. Por alguma razão, o assunto caiu no carnaval brasileiro e, para minha surpresa, ela disse que gostava das folias carnavalescas. Mais que isso, afirmou que, pessoalmente, não era melancólica como as mornas que cantava nos faziam supor.

“Posso não ser muito alegre, mas triste também não sou. A alegria e a tristeza são vizinhas”, filosofou a diva dos pés descalços. Preciso dizer mais alguma coisa?


(Texto escrito a convite do Selo Sesc, por ocasião do lançamento do disco de Cesaria Evora)


Super Divas: série resgata vozeirões de cantoras brasileiras de outras épocas

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Antes que a Bossa Nova se estabelecesse com sua estética minimalista e contenção “cool”, no final dos anos 1950, cantores com vozeirões, interpretações melodramáticas e repertórios bem ecléticos davam o tom na cena da música popular brasileira. O sopro de modernidade trazido por João Gilberto e sua geração bossa novista praticamente varreu do cenário musical esses artistas, que passaram a soar extemporâneos aos ouvidos mais antenados daquela época. 
 
Até por serem menos lembradas hoje, originais cantoras brasileiras, como Leny Eversong (na foto acima), Eliana Pittman (abaixo), Ademilde Fonseca, Carmélia Alves, Rosana Toledo, Waleska e Cláudia, merecem atenção entre os 13 volumes da série Super Divas (lançamento EMI), que acaba de chegar às lojas. A coleção inclui também intérpretes mais consagradas e de estilos diversos, como Maysa, Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira, Angela Maria, Aracy de Almeida e Maria Alcina.

Mesmo quem conheceu durante os anos 1950 ou 1960 a espetacular paulista (nascida em Santos) Leny Eversong, ainda pode se surpreender ao ouvir hoje seu canto grandiloquente. Artista de extremos, ela extraía dramaticidade de tudo que cantava: de sambas canções (“Nunca”, de Lupicinio Rodrigues) a standards do jazz (“Tenderly”, de Lawrence e Gross); de baiões (“Do Pilá”, de Jararaca) a ritmos afro-cubanos.


Sua interpretação para o medley “El Cumbanchero/Tierra va Tembra” (de Hernandez/Merceron; veja o video abaixo) é uma aula quase teatral de kitsch. Num arranjo hiperdramático e repleto de nuances e mudanças inesperadas, Leny grita, dá gargalhadas, repete com seu vozeirão potente as divisões rítmicas da percussão, simula o som estridente dos metais da orquestra. Divertidíssima também é a versão orquestral da canção latina “Jezebel”, seu maior sucesso. Uma intérprete que cantava com o útero.

Também eclética e adepta de efeitos teatrais, a carioca Eliana Pittman mistura sambas (“Esse Mar é Meu”, de João Nogueira), música judaica (“Tzena, Tzena, Tzena”), folclore brasileiro (“Estrela é Lua Nova”, recolhido por Villa-Lobos), pop dos anos 1970 (“Maria Joana”, de Roberto e Erasmo Carlos, canção censurada na época por se referir à maconha) e marcha-rancho (“O Castelo”, de Mara). Enteada do saxofonista norte-americano Booker Pittman, ela também costumava enveredar pelo jazz, como em “Summertime” (dos irmãos Gershwin), num suingado arranjo orquestral de Erlon Chaves.

 
Uma das poucas remanescentes da chamada Era do Rádio, a fluminense Angela Maria estabeleceu-se na década de 1950, cantando sambas-canções e boleros, em geral com um viés melodramático. Já nesta antologia, que focaliza sua carreira durante os anos 1970, ela injeta malicia no cha-cha-chá “Usei Você” (Silvio Cesar), derrama bom humor na marchinha carnavalesca “Casamento da Zezé” (Augusto e Maria) e romantismo na versão de “I’ll Never Love This Way Again”, o hit de Dionne Warwick.

Idealizada e produzida pelo jornalista e pesquisador Rodrigo Faour, a série inclui cerca de 250 gravações remasterizadas e privilegia algumas faixas mais raras, em vez de se concentrar nos batidos sucessos de cada artista. Dois dos 13 CDs são duplos: o da “rainha do choro” Ademilde Fonseca, que morreu em março último, e o da “rainha da voz” Dalva de Oliveira. Aliás, no quesito excessos, seja de dramaticidade ou de arroubos vocais, a série Super Divas está repleta de gravações de rainhas. Para serem ouvidas sem preconceitos. 


(Texto publicado no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 28/7/2012)

Cesária Évora: diva de Cabo Verde dizia que "a alegria e a tristeza são vizinhas"

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Cesária Évora (1941-2012) foi a maior estrela musical de Cabo Verde. Sem sua voz emotiva e seu discreto carisma, a música popular desse arquipélago africano, ex-colônia de Portugal, não seria hoje tão conhecida mundialmente.

Pelo que representou na cena musical do último século, é justo equipará-la a outras grandes divas do canto, como Amália Rodrigues (1920-1999), principal intérprete do fado português, Bessie Smith (1894-1937), maior cantora do blues clássico norte-americano, ou Celia Cruz (1925-2003), “rainha” da salsa cubana.

Sobrinha do compositor B. Leza, que ajudou a dar forma à moderna canção cabo-verdiana, Cesária nasceu no porto de Mindelo. Sua carreira musical levou décadas para engrenar. Chegou a fazer gravações em Portugal, na década de 1970, mas só alcançou o sucesso quando já era cinquentona. Lançado em 1992, “Miss Perfumado” foi o álbum que a projetou mundialmente.

Nenhum dos gêneros musicais que faziam parte de seu repertório identificou-se tão bem com sua imagem artística como a “morna”. Hoje um símbolo cultural de seu país, essa modalidade de canção em andamento lento caracteriza-se por versos carregados de melancolia, que falam de amores frustrados, saudade e exílio – como “Sodade”, o maior sucesso de Cesária.

O hábito de entrar nos palcos sem sapatos, que a tornou conhecida como “a diva dos pés descalços”, não era apenas uma idiossincrasia. Soava também como um gesto que expressava seu apego às raízes da música que cultivou por toda a vida.

“Quem quiser se afastar da tradição, que se afaste. Sempre cantei e vou continuar cantando música típica de Cabo Verde”, afirmava, quando lhe perguntavam se não pensava em “modernizar” seu repertório ou trocar por instrumentos eletrônicos o cavaquinho, os violões, o piano e a percussão que costumavam acompanhá-la.

Essa determinação não a impediu de se aproximar da música brasileira, pela qual tinha grande admiração. Fã da fluminense Angela Maria, cantora da chamada “era de ouro” do rádio brasileiro, Cesária gravou dois de seus sucessos: o samba-canção “Negue” e o bolero “Beijo Roubado” (ambos de Adelino Moreira). Também fez parcerias com Caetano Veloso, Gal Costa e Marisa Monte.

Em uma entrevista que fiz com ela para a "Folha de S. Paulo", em 2005, ao revelar que gostava das folias do Carnaval, Cesária me disse que não era tão melancólica quanto faziam supor as mornas que cantava. “Posso não ser muito alegre, mas triste também não sou. A alegria e a tristeza são vizinhas”, filosofou com sabedoria a diva descalça.


(texto publicado na "Folha de S. Paulo", em 20/12/2011)





 

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