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Cesaria Evora: "Mãe Carinhosa", álbum póstumo da diva de Cabo Verde, traz faixas inéditas
Marcadores: angela maria, B.Leza, Cabo Verde, caetano veloso, Cesaria Evora, Frank Cavaquinho, Gregorio Gonçalves, Humberto Palomo, José da Silva, morna, Nando Cruz, Teófilo Chantre | author: Carlos CaladoJá a compararam a grandes damas da canção universal, como a francesa Edith Piaf, a portuguesa Amália Rodrigues, a cubana Celia Cruz ou a norte-americana Billie Holiday. Ao longo de sua carreira musical ela foi chamada de “Diva dos pés descalços”, de “Rainha da morna”, até de “Bessie Smith dos Trópicos”.
Cesaria Evora, maior estrela da música de Cabo Verde, encantou durante décadas plateias de vários continentes, com sua voz doce e expressiva, interpretando canções carregadas de melancolia. Graças a ela, a morna (modalidade cabo-verdiana de canção, que se assemelha ao fado português e ao blues norte-americano) tornou-se conhecida internacionalmente.
Para os fãs dessa grande intérprete, que lamentaram sua morte (em 17 de dezembro de 2011), o selo SESC tem uma ótima notícia: está lançando no mercado brasileiro o álbum “Mãe Carinhosa”, com gravações inéditas da cantora cabo-verdiana, realizadas entre 1997 e 2005, que ficaram de fora de seus álbuns.
Quando esse disco foi lançado na Europa, em 2013, o cabo-verdiano José da Silva (“descobridor” da cantora e produtor de seus discos) revelou à imprensa portuguesa que ele e Cesaria tinham o hábito de gravar um número maior de canções do que as necessárias para compor os álbuns. Assim tinham mais possibilidades para equilibrar os temas e ritmos do repertório de maneira harmoniosa.
O produtor contou também que se surpreendeu ao encontrar, no arquivo de sua gravadora Lusáfrica, gravações das quais nem se lembrava mais. Entre as 13 treze canções incluídas no álbum, 12 são inéditas na voz de Cesaria. A única exceção é a belíssima morna “Sentimento” (de Epifania “Tututa” Evora), que a cantora gravou, em versão diferente, no seu último álbum oficial, “Nhá Sentimento” (2009).
No repertório de “Mãe Carinhosa”, os fãs vão reencontrar veteranos compositores que Cesaria gravou em seus discos: B.Leza, expoente da canção cabo-verdiana, que assina “Dor di Sodade” e “Talvez”, duas dolentes mornas; Gregorio Gonçalves, autor da nostálgica “Caboverdeanos D’Angola”; ou Frank Cavaquinho, que assina a cáustica “Quem Tem Ódio”, canção que remete à rivalidade entre dois grupos carnavalescos de Mindelo – a cidade portuária da ilha de Cabo Verde em que Cesaria nasceu.
Também há canções de autores da nova geração cabo-verdiana, como Teofilo Chantre, autor da faixa-título do álbum, com uma saborosa influência caribenha, ou Nando Cruz, que assina a dançante “Tchon de França” e a abolerada “Esperança”. Há também um sincopado cha cha chá, “Dos Palabras” (de Humberto “Chicuco” Palomo) gravado originalmente pelo grupo mexicano Los Bribones, que Cesaria canta em espanhol. Já no restante do álbum, ela canta em crioulo cabo-verdiano, dialeto derivado do português.
Em um texto incluído no encarte de “Mãe Carinhosa”, Caetano Veloso se recorda de ter presenciado (em maio de 1994, no Teatro do SESC Pompeia, em São Paulo) o emocionante encontro de Cesaria Evora com Angela Maria – a grande cantora brasileira, que serviu de referência à cabo-verdiana durante seus anos de formação. Não foi à toa que Cesaria sempre demonstrou uma afinidade especial com o Brasil.
Mesmo que esse histórico encontro não tenha sido registrado em som e imagem, restou ao menos uma foto bastante reveladora. Ela pode ser encontrada na biografia de Cesaria, escrita pela jornalista francesa Véronique Mortaigne. Nesse retrato, Caetano aparece entre as duas cantoras, abraçando-as. Curiosamente, ele e Angela Maria sorriem, demonstrando alegria. Já Cesaria está com os olhos bem fechados, como se estivesse sentindo uma forte emoção.
Essa imagem me fez lembrar de algo que Cesaria me disse, em 2005, quando tive o privilégio de entrevista-la. Por alguma razão, o assunto caiu no carnaval brasileiro e, para minha surpresa, ela disse que gostava das folias carnavalescas. Mais que isso, afirmou que, pessoalmente, não era melancólica como as mornas que cantava nos faziam supor.
“Posso não ser muito alegre, mas triste também não sou. A alegria e a tristeza são vizinhas”, filosofou a diva dos pés descalços. Preciso dizer mais alguma coisa?
(Texto escrito a convite do Selo Sesc, por ocasião do lançamento do disco de Cesaria Evora)
Mayra Andrade: voz e carisma para brilhar em qualquer lugar do mundo
Marcadores: Cabo Verde, cesária évora, coladeira, Lovely Difficult, mayra andrade, morna, pop, reggae | author: Carlos Calado
Mayra Andrade colore tudo o que canta com um irresistível tom de melancolia. É isso o que faz dessa cantora e compositora cubana criada no arquipélago de Cabo Verde, hoje radicada na França, uma artista tão especial. Mais até, talvez, do que o fato de ser ela a grande voz da música cabo-verdiana depois de Cesária Évora.
Com canções em inglês, francês, crioulo cabo-verdiano e português, "Lovely Difficult" (lançamento Sony), o quarto álbum de Mayra é uma assumida tentativa de introduzi-la no mercado anglo-americano –- especialmente por meio de canções pop, como “96 Days”, “We Use to Call It Love” (que até ganhou um videoclipe bobinho) ou o reggae “Rosa”.
Felizmente, não faltam composições da própria cantora, como a nostálgica “Ténpu ki Bai”, a doce “A-mi N Kre-u Txeu” ou a dançante “Téra Lonji”, derivadas das mornas e coladeiras de Cabo Verde. Desde que não deixe de lado sua essência musical para buscar um público maior, Mayra tem voz e carisma para brilhar em qualquer lugar do mundo.
(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 28/6/2014)
Aqui um 'making of' das gravações do álbum "Lovely Difficult":
E no link abaixo a emocionante interpretação de Mayra em "Lamento Sertanejo", a canção de Dominguinhos, que ela gravou com Hamilton de Holanda e Yamandu Costa para a websérie "Dominguinhos+!":
Com canções em inglês, francês, crioulo cabo-verdiano e português, "Lovely Difficult" (lançamento Sony), o quarto álbum de Mayra é uma assumida tentativa de introduzi-la no mercado anglo-americano –- especialmente por meio de canções pop, como “96 Days”, “We Use to Call It Love” (que até ganhou um videoclipe bobinho) ou o reggae “Rosa”.
Felizmente, não faltam composições da própria cantora, como a nostálgica “Ténpu ki Bai”, a doce “A-mi N Kre-u Txeu” ou a dançante “Téra Lonji”, derivadas das mornas e coladeiras de Cabo Verde. Desde que não deixe de lado sua essência musical para buscar um público maior, Mayra tem voz e carisma para brilhar em qualquer lugar do mundo.
(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 28/6/2014)
Aqui um 'making of' das gravações do álbum "Lovely Difficult":
E no link abaixo a emocionante interpretação de Mayra em "Lamento Sertanejo", a canção de Dominguinhos, que ela gravou com Hamilton de Holanda e Yamandu Costa para a websérie "Dominguinhos+!":
Cesária Évora: diva de Cabo Verde dizia que "a alegria e a tristeza são vizinhas"
Marcadores: angela maria, Cabo Verde, caetano veloso, cesária évora, gal costa, marisa monte, morna | author: Carlos Calado
Cesária Évora (1941-2012) foi a maior estrela musical de Cabo Verde. Sem sua voz emotiva e seu discreto carisma, a música popular desse arquipélago africano, ex-colônia de Portugal, não seria hoje tão conhecida mundialmente.
Pelo que representou na cena musical do último século, é justo equipará-la a outras grandes divas do canto, como Amália Rodrigues (1920-1999), principal intérprete do fado português, Bessie Smith (1894-1937), maior cantora do blues clássico norte-americano, ou Celia Cruz (1925-2003), “rainha” da salsa cubana.
Sobrinha do compositor B. Leza, que ajudou a dar forma à moderna canção cabo-verdiana, Cesária nasceu no porto de Mindelo. Sua carreira musical levou décadas para engrenar. Chegou a fazer gravações em Portugal, na década de 1970, mas só alcançou o sucesso quando já era cinquentona. Lançado em 1992, “Miss Perfumado” foi o álbum que a projetou mundialmente.
Nenhum dos gêneros musicais que faziam parte de seu repertório identificou-se tão bem com sua imagem artística como a “morna”. Hoje um símbolo cultural de seu país, essa modalidade de canção em andamento lento caracteriza-se por versos carregados de melancolia, que falam de amores frustrados, saudade e exílio – como “Sodade”, o maior sucesso de Cesária.
O hábito de entrar nos palcos sem sapatos, que a tornou conhecida como “a diva dos pés descalços”, não era apenas uma idiossincrasia. Soava também como um gesto que expressava seu apego às raízes da música que cultivou por toda a vida.
“Quem quiser se afastar da tradição, que se afaste. Sempre cantei e vou continuar cantando música típica de Cabo Verde”, afirmava, quando lhe perguntavam se não pensava em “modernizar” seu repertório ou trocar por instrumentos eletrônicos o cavaquinho, os violões, o piano e a percussão que costumavam acompanhá-la.
Essa determinação não a impediu de se aproximar da música brasileira, pela qual tinha grande admiração. Fã da fluminense Angela Maria, cantora da chamada “era de ouro” do rádio brasileiro, Cesária gravou dois de seus sucessos: o samba-canção “Negue” e o bolero “Beijo Roubado” (ambos de Adelino Moreira). Também fez parcerias com Caetano Veloso, Gal Costa e Marisa Monte.
Em uma entrevista que fiz com ela para a "Folha de S. Paulo", em 2005, ao revelar que gostava das folias do Carnaval, Cesária me disse que não era tão melancólica quanto faziam supor as mornas que cantava. “Posso não ser muito alegre, mas triste também não sou. A alegria e a tristeza são vizinhas”, filosofou com sabedoria a diva descalça.
(texto publicado na "Folha de S. Paulo", em 20/12/2011)
Pelo que representou na cena musical do último século, é justo equipará-la a outras grandes divas do canto, como Amália Rodrigues (1920-1999), principal intérprete do fado português, Bessie Smith (1894-1937), maior cantora do blues clássico norte-americano, ou Celia Cruz (1925-2003), “rainha” da salsa cubana.
Sobrinha do compositor B. Leza, que ajudou a dar forma à moderna canção cabo-verdiana, Cesária nasceu no porto de Mindelo. Sua carreira musical levou décadas para engrenar. Chegou a fazer gravações em Portugal, na década de 1970, mas só alcançou o sucesso quando já era cinquentona. Lançado em 1992, “Miss Perfumado” foi o álbum que a projetou mundialmente.
Nenhum dos gêneros musicais que faziam parte de seu repertório identificou-se tão bem com sua imagem artística como a “morna”. Hoje um símbolo cultural de seu país, essa modalidade de canção em andamento lento caracteriza-se por versos carregados de melancolia, que falam de amores frustrados, saudade e exílio – como “Sodade”, o maior sucesso de Cesária.
O hábito de entrar nos palcos sem sapatos, que a tornou conhecida como “a diva dos pés descalços”, não era apenas uma idiossincrasia. Soava também como um gesto que expressava seu apego às raízes da música que cultivou por toda a vida.
“Quem quiser se afastar da tradição, que se afaste. Sempre cantei e vou continuar cantando música típica de Cabo Verde”, afirmava, quando lhe perguntavam se não pensava em “modernizar” seu repertório ou trocar por instrumentos eletrônicos o cavaquinho, os violões, o piano e a percussão que costumavam acompanhá-la.
Essa determinação não a impediu de se aproximar da música brasileira, pela qual tinha grande admiração. Fã da fluminense Angela Maria, cantora da chamada “era de ouro” do rádio brasileiro, Cesária gravou dois de seus sucessos: o samba-canção “Negue” e o bolero “Beijo Roubado” (ambos de Adelino Moreira). Também fez parcerias com Caetano Veloso, Gal Costa e Marisa Monte.
Em uma entrevista que fiz com ela para a "Folha de S. Paulo", em 2005, ao revelar que gostava das folias do Carnaval, Cesária me disse que não era tão melancólica quanto faziam supor as mornas que cantava. “Posso não ser muito alegre, mas triste também não sou. A alegria e a tristeza são vizinhas”, filosofou com sabedoria a diva descalça.
(texto publicado na "Folha de S. Paulo", em 20/12/2011)
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