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Sesc Jazz: improvisos e humor de Stefano Bollani conquistam a plateia do festival

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Uma das melhores experiências que um festival de música pode proporcionar a uma plateia é a de ser surpreendida pela performance de um artista que ela ainda desconhece. Os sorrisos nos rostos da plateia do Sesc Jundiaí, ao final do show do pianista Stefano Bollani, eram transparentes: muitas daquelas pessoas nem imaginaram, ao saírem de casa, que se emocionariam ou mesmo se divertiriam tanto naquela noite de sábado, que começou com um belo show do trio do pianista Salomão Soares.

Bollani vem cultivando há décadas uma prolífica paixão pela música brasileira, depois de descobrir a bossa nova quando ainda era adolescente. O resultado mais recente dessa afinidade musical é seu álbum “Que Bom” (já lançado no Brasil pelo selo Biscoito Fino), com um delicioso repertório de composições próprias, que ele exibiu em sua apresentação no festival Sesc Jazz.

“Vou tocar a música de um compositor contemporâneo, muito vivo, que sou eu”, brincou, falando à plateia, em bom português. Quem já o conhecia e teve a chance de apreciar alguns de seus discos sabe que esse jazzista nascido em Milão (ele costuma dizer que não se considera um cidadão italiano, propriamente, por acreditar que a divisão do mundo em países é artificial) jamais reproduz nos palcos o que registrou nos estúdios de gravação.

Composições como o baião “Ho Perduto il Mio Pappagalino” (inspirada pela lembrança de um periquito que fugiu de sua casa, quando ainda era menino), a quase bossa “Uomini e Polli” (tema com marcante influência de João Donato), assim como o contagiante samba “Galápagos”, ganharam um tempero mais percussivo no show. Em alguns momentos, como no samba-jazz “Olha a Brita”, Bollani chega a percutir as cordas e o próprio corpo do piano com as mãos.

“Se vocês não gostaram do que tocamos aqui, sugiro que ouçam o disco, porque ele está muito melhor”, brincou novamente, já quase ao final do show. Ele sabe que, em seu caso, não se trata de uma versão ser melhor do que a outra. São apenas diferentes – e no palco a música costuma ganhar um calor que, muitas vezes, não existe nas gravações. Mas Bollani é um músico carismático e engraçado, daqueles que jamais perdem uma oportunidade de fazer sua plateia sorrir.

Bem acompanhado pela percussão de Armando Marçal, pela bateria de Thiago da Serrinha e pelo contrabaixo de João Rafael (trio que em alguns momentos soa como uma compacta escola de samba), Bollani também oferece à plateia boas surpresas, em seus improvisos. Como uma divertida releitura de “Cheek to Cheek” (de Irving Berlin), clássico da canção norte-americana, em andamento acelerado.

Mais inusitada foi a citação da canção-manifesto “Tropicália” (de Caetano Veloso), ao improvisar o clássico choro “Segura Ele”. “Eu gostaria de ter composto essa música. Pixinguinha e eu tivemos a mesma ideia, mas ele nasceu antes de mim”, disparou Bollani, com a maior cara de pau, arrancando risos da plateia.

Ao voltar ao palco para atender os pedidos de bis, cantou a lírica “La Nebbia a Napoli” (“Caetano Veloso não está aqui, então eu mesmo vou canta-la”, brincou), mas ainda reservou outra surpresa. Tocou o choro “Tico-tico no Fubá” (de Zequinha de Abreu), convidando a plateia a participar com palmas, em uma versão tão maluca e hilariante, que chegou a lembrar as estripulias de Chico, o pianista dos comediantes irmãos Marx, nas telas do cinema. A plateia de Jundiaí não vai esquecer dessa noite tão cedo.


(Resenha escrita a convite da produção do festival Sesc Jazz. Leia outras críticas de shows desse evento, no site do Sesc SP: https://www.sescsp.org.br/online/revistas/tag/12411_CRITICAS+SESC+JAZZ)



Stefano Bollani: pianista italiano cultiva paixões pelo jazz e pela MPB no CD 'Que Bom'

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                                                                                     Foto de Valentina Cenni/Divulgação

A paixão de Stefano Bollani pela música brasileira, tudo indica, não vai esfriar tão cedo. O pianista italiano descobriu a cadência do samba ainda na adolescência e agora, aos 45 anos, lança o álbum “Que Bom”, com participações especiais de Caetano Veloso e João Bosco, além de uma compacta seleção de craques da música instrumental brasileira. 

Um dos músicos europeus de maior prestígio na cena atual do jazz, Bollani tem reforçado durante a última década sua intimidade com as harmonias e os ritmos do Brasil. Em 2007, gravou o álbum “Carioca” no Rio, com músicos locais. Já em 2013, dividiu o CD “O Que Será” com o bandolinista Hamilton de Holanda, que também está no novo disco do italiano. 

“Hoje eu sei que existe muita música brasileira que eu ainda não conheço”, diz Bollani, com certa modéstia, falando à Folha por telefone. Quando a conversa se volta para os pianistas brasileiros que admira, por exemplo, ele desfia uma lista extensa: de mestres do choro, como Radamés Gnattali e Carolina Cardoso de Menezes, a expoentes de nossa moderna música instrumental, como João Donato e César Camargo Mariano.

Bollani já tocava piano, aos 15 anos, quando ouviu o clássico disco de bossa nova que João Gilberto gravou com o jazzista Stan Getz (“Getz/Gilberto”, 1963). “Me apaixonei pelas harmonias, parecidas com as do bebop e as do cool jazz, das quais eu já gostava muito”, relembra, em bom português.

“Mais tarde, quando fui ao Brasil para gravar meu disco ‘Carioca’, encontrei o choro, o samba, o forró e outras músicas brasileiras”, diz o italiano, que fez questão de voltar a tocar com Armando Marçal (percussão), Jurim Moreira (bateria) e Jorge Helder (baixo), nas gravações de “Que Bom” (selo Alobar/Biscoito Fino). Esse mesmo trio vai acompanha- lo na turnê de lançamento, além de Thiago da Serrinha (percussão).

No repertório de seu saboroso álbum, Bollani exibe 14 composições próprias, quase todas instrumentais. Inclui também a conhecida “Nação” (de João Bosco, Paulo Emílio e Aldir Blanc), cantada pelo próprio Bosco, e “Michelangelo Antonioni”, que Caetano Veloso, o autor, interpreta em italiano.

“Adoro Caetano cantando em italiano. Ele pode até cantar os itens de uma lista telefônica que eu vou gostar”, brinca o pianista. “No projeto original, ele iria cantar outras coisas em português, mas, na véspera da gravação, escrevi uma letra para a instrumental ‘La Nebbia a Napoli’. Caetano gostou, aprendeu rapidamente e a gravou”.

Bollani lança seu álbum nesta terça (14/8), no Bourbon Street, em São Paulo. Depois toca em Belo Horizonte (15/8) e faz duas apresentações pelo festival Sesc Jazz, no interior paulista, em Ribeirão Preto (17/8) e Jundiaí (18/8). Também toca em Brasília (20/8) e no Rio (21/8).

“Nos shows, tudo é mais improvisado do que no disco. É um grande prazer estar no palco com esses músicos incríveis. Ainda quero tocar muito com eles”, diz o italiano, que voltará a se apresentar com sua banda carioca, na Europa, em novembro.

Bourbon Street Music Club (r. dos Chanés, 194, Moema). Terça (14/8), às 21h30. Couvert artístico: de R$ 95,00 a R$ 150,00. 

(Texto publicado parcialmente na "Folha de S. Paulo", em 14/8/2018)







Orquestra Mundana Refugi: imigrantes e refugiados se unem a músicos brasileiros

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                                                                                                  Músicos da Orquestra Mundana Refugi

Não poderia ser mais oportuno o lançamento do primeiro disco da Orquestra Mundana Refugi. Ver músicos refugiados e imigrantes de diversos países se unirem a brasileiros em uma orquestra é um alento, num momento em que mães imigrantes são separadas de suas crianças, nos Estados Unidos. Ou que imigrantes continuam a morrer afogados, no Mar Mediterrâneo, ao buscarem refúgio na Europa.

Por essas e outras razões foi emocionante o concerto da Orquestra Mundana Refugi, ontem, no teatro do Sesc Vila Mariana, em São Paulo. Além de apresentar o original repertório do CD (lançamento do Selo Sesc), a orquestra surpreendeu a plateia com uma criativa versão de “As Caravanas” -- a perturbadora canção de Chico Buarque, que descreve o medo e o preconceito social da classe média frente aos moradores da periferia do Rio de Janeiro, quando eles se atrevem a frequentar as praias da zona sul.

O encanto dessa orquestra cosmopolita não está apenas no fato de incluir em seu repertório músicas tradicionais de diversos países, mas especialmente no diálogo musical que o diretor e multi-instrumentista Carlinhos Antunes promove em suas composições e arranjos. Como em “Trilogia”, que mistura melodias tradicionais da Palestina, do Irã e da Andaluzia com “Cajuína” (a bela canção de Caetano Veloso). Ou em “Barqueiros do Rio” (parceria de Antunes com Mauro Iasi) que inclui temas originários do Haiti e da Bahia.

Como não pensar em uma estimulante utopia, ao ouvir instrumentos musicais que não existem na tradição brasileira (como o bouzouki do palestino Yousef Saif ou o kemanche do iraniano Arash Azadeh) serem misturados aos saxofones do cubano Luis Cabrera e aos vocais da moçambicana Lenna Bahule e do congolês Hidras Tuale?

Ao demonstrar que músicos de culturas bem diversas podem conviver de maneira tão harmônica, Carlinhos Antunes e seus 22 parceiros dão um exemplo de humanidade, um pouco de esperança para quem não se conforma com um mundo marcado por tantos preconceitos e desigualdades. A música da Orquestra Mundana Refugi emociona e faz refletir. 






50 Anos do Montreux Jazz: figuras estranhas que conheci nesse festival

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                                             Sharon Jones e Charles Bradley, na edição 2014 do Montreux Jazz


O Montreux Jazz, um dos mais influentes, ecléticos e antigos festivais de música no mundo, está comemorando 50 anos. Só o fato de grandes astros de diversos gêneros musicais, como Miles Davis, Hermeto Pascoal, Bill Evans, Ray Charles, João Gilberto ou Stevie Ray Vaughan, terem gravado discos "ao vivo" nesse evento anual suíço já demonstra sua importância.

Embora não conte mais com o carisma de Claude Nobs (1936-2013)
 – seu criador e condutor por mais de quatro décadas, além de maior responsável por transformar essa pequena cidade suíça em referência mundial , a produção do Montreux Jazz se superou na escalação dos artistas para sua 50.ª edição, que começou ontem. 

Quincy Jones, Herbie Hancock, John Scofield, Brad Mehldau, Al Jarreau, John McLaughlin, Dave Holland, Charles Lloyd, Steps Ahead, Randy Weston, Buddy Guy, Shemekia Copeland, Van Morrison, Charles Bradley, Richard Bona, Patti Austin, Robben Ford, Avishai Cohen, Neil Young, Marcus Miller, Santana, Angélique Kidjo e Gonzalo Rubalcaba se destacam na programação.

Presente em Montreux desde 1978, a música brasileira terá mais uma vez sua noite exclusiva, em 10/7. Organizada pelo produtor Marco Mazzola, vai contar neste ano com João Bosco, Ivan Lins, Hamilton de Holanda, Elba Ramalho, Martinho da Vila, Maria Rita, Vanessa da Mata e Ana Carolina.  


No texto abaixo, eu relembro alguns causos curiosos que vivi em Montreux durante a década de 1990, quando cobria o festival como repórter e crítico musical da "Folha de S. Paulo". Escrevi esse artigo a pedido do amigo Claudinê Gonçalves, que na época era jornalista da Rádio Suíça Internacional. Hoje ele é um dos editores do SwissInfo, site que publica notícias e informações sobre a Suíça em 10 idiomas.


Surpresas e esquisitices nos bastidores do Montreux Jazz
Por Carlos Calado

Imagine a excitação de um jornalista brasileiro especializado em música, ao chegar à Suíça para acompanhar pela primeira vez o Montreux Jazz Festival. Quando desci na estação de trem, no final de uma tarde de julho de 1990, sonolento após quase um dia inteiro de viagem, cheguei a pensar por um instante que não estava na lendária Montreux, onde Gilberto Gil, Hermeto Pascoal e Elis Regina, entre outros, gravaram cultuados discos.

Não era fácil acreditar que aquela cidadezinha tão pacata iria receber, durante duas semanas, uma constelação de grandes astros da música como Miles Davis, Ella Fitzgerald, B.B. King, Etta James, Dizzy Gillespie, Nina Simone, John Lee Hooker, Herbie Hancock, George Benson, Neville Brothers, George Clinton e Bob Dylan. Um elenco musical para deixar eufórico qualquer ouvinte sem preconceitos.

Naquela época, a música popular brasileira vivia uma fase de grande prestígio no cenário internacional. Tanto que a habitual “noite brasileira” do Montreux Jazz foi escolhida para abrir a programação daquele ano, com shows dos consagrados Jorge Benjor e Beth Carvalho, além da recente revelação Marisa Monte e Luiz Caldas 
 cantor baiano que vivia seus meses de fama graças aos modismos da lambada e do fricote. 

Caetano Veloso também estava no elenco do festival. Foi escalado para uma noite organizada pelo selo Nonesuch, que lançara seu disco gravado em Nova York, em formato voz e violão. Mesmo sabendo que Caetano evitava falar à imprensa brasileira já havia alguns anos, após as críticas negativas que seu filme “O Cinema Falado” recebera, pedi uma entrevista com ele, sem expectativas.

Minha surpresa foi dupla: Caetano não só aceitou falar à “Folha de S. Paulo” (jornal diário com o qual colaboro até hoje), como fez uma crítica contundente à política cultural do então presidente do Brasil, Fernando Collor. Concluiu a entrevista com uma declaração pessoal que ainda soa forte duas décadas mais tarde.

“Posso estar totalmente fora de moda, mas eu sou socialista. Sou filho de um funcionário público que dedicou toda sua vida a trabalhar pelo bem público. Quero uma sociedade que possa ser baseada nessa ideia estúpida, mas que é a minha sociedade ideal. Se for inerente à natureza humana competir e ser atraído só pelo lucro, foda-se a natureza humana”, disse ele, em tom de indignação.

Durante os 16 dias daquele festival me deparei com outras surpresas, nem todas positivas. Foi triste receber a notícia de que Ella Fitzgerald, a grande diva do jazz, não iria mais a Montreux, por ter sido internada em um hospital na Holanda, com sintomas de esgotamento físico. Como ela já enfrentava problemas de saúde há tempos, as chances que eu teria de ouvi-la ao vivo pela primeira vez seriam mínimas. Ironicamente, foi graças à ausência de Ella que pude conhecer Dee Dee Bridgewater, a sensacional cantora norte-americana, então radicada na Europa, que a substituiu no festival.  


Também foi bem frustrante encontrar o cantor e compositor irlandês Van Morrison (foto ao lado), na recepção do hotel em que eu me hospedara. O Eden au Lac estava a poucos metros do Montreux Casino, que na época ainda servia de palco para o festival. Como eu não sabia que Morrison era pouco sociável, não pensei duas vezes para me aproximar dele. Pedi licença, disse que era jornalista, admirador de suas canções, e perguntei se disporia de alguns minutos para uma breve entrevista.

Morrison me olhou com uma expressão assustada, meio paranoica, como se eu tivesse pedido a ele que me passasse sua carteira ou entregasse a chave de seu carro. “Não, não tenho tempo para entrevistas. Estou muito cansado”, respondeu, quase rosnando. Sem o mínimo de gentileza, virou as costas e saiu pela porta do hotel. Que sujeito estranho!

Felizmente, minha frustração durou pouco. Horas depois, num restaurante italiano em que eu costumava almoçar, encontrei Dave Holland, um dos maiores contrabaixistas do jazz. Típico “gentleman” britânico, ele me recebeu com um grande sorriso, quando o cumprimentei e disse que acompanhava suas gravações desde a época em que tocava com Miles Davis. Talvez amedrontado pelo incidente daquela manhã, não pedi para entrevistá-lo, mas, posteriormente, tive o prazer de conversar com ele algumas vezes.


Jamais esqueci também de um episódio com a cantora Nina Simone (na foto ao lado). Eu a encontrei num dos almoços que Claude Nobs, criador e diretor do festival, promovia no seu sofisticado chalé, em Caux, vilarejo na região mais alta do município de Montreux. Ali, entre muitas obras de arte e os originais dos pôsteres criados para o festival por famosos artistas, estava o grande tesouro de Nobs (na foto abaixo): a videoteca com os registros de todos os concertos do Montreux Jazz desde 1967.

Naquela manhã chegara a notícia de que o Free Jazz, único festival brasileiro do gênero na época, seria cancelado por causa da crise econômica que afligia o país. Depois de conseguir um simpático depoimento de Nobs, lamentando a suspensão do evento, tomei coragem para enfrentar o conhecido mau humor de Nina Simone. Para minha surpresa, fui bem recebido por ela 
 ou quase. 

“O Free Jazz não deveria acabar. Assim, eu e meus músicos poderemos voltar logo ao Brasil”, disse ela, pronunciando as palavras lentamente, depois de comentar que havia gostado de se apresentar no festival brasileiro, dois anos antes. Recostada em uma cadeira de jardim, ela falou todo o tempo sem olhar para mim, como se estivesse conversando consigo mesma. 



Nina Simone parecia viver em um mundo à parte, mas se eu fosse eleger o artista mais esquisito que conheci em Montreux, durante os seis anos em que cobri o festival, sem dúvida, escolheria outro irlandês: o cantor e compositor Shane MacGowan. Ex-integrante da banda punk The Pogues, ele já se apresentava como solista, à frente da banda The Popes, em 1995.  

Longe de ser fã da música de MacGowan, fui entrevista-lo a pedido de um de meus editores na “Folha”. A assessora de imprensa do festival me avisou que ele me receberia após o show, junto com um radialista e uma equipe de TV europeia. Esperamos 35 minutos até que ele abrisse a porta do camarim. Mal nos cumprimentou, desapareceu por mais 10 minutos, deixando todos constrangidos. Voltou de óculos escuros, visivelmente embriagado.

Talvez eu tenha sido duro demais com MacGowan, por não aceitar seu descaso, mas reproduzo aqui um trecho da reportagem que escrevi no dia seguinte: “Seu visual desleixado impressiona. Como parente distante de um homem-elefante, tem orelhas enormes e abertas. Piores são os dentes, que lembram um teclado sujo e torcido, sem as teclas brancas”, descrevi, depois de introduzi-lo como “alcoólatra, debochado e portador da boca mais repugnante de toda a história do rock”.

Juro que não tentei provoca-lo, ao mencionar durante a entrevista, de maneira positiva, o fato de alguns críticos já terem comparado sua música à de Van Morrison. “Tenho a mesma barriga de Van Morrison? Meu cabelo é igual ao dele? Ele tem uma cabeça legal, mas eu não acho que tenha muito em comum com ele”, retrucou, meio irritado. Depois desses encontros com MacGowan e Morrison, eu até poderia pensar que os irlandeses são campeões em bizarrices.

Hoje, ainda tentando exercer a ameaçada profissão de crítico musical, tenho de reconhecer que, graças às coberturas do Montreux Jazz, pude conhecer no palco alguns dos maiores músicos do século XX. Tive outras oportunidades para ouvir vários deles, posteriormente, inclusive no Brasil, mas a primeira vez sempre guardará um sabor especial.


Leia mais sobre os 50 anos do Montreux Jazz Festival no site SwissInfo, no qual esse texto foi publicado originalmente.



Dona Ivone Lara: um tributo à pioneira compositora por astros do samba e da MPB

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Sambista e compositora pioneira, em um universo dominado pelos homens, Dona Ivone Lara foi a primeira mulher a frequentar a tradicional ala de compositores da escola Império Serrano, cinquenta anos atrás. Numa época em que a presença feminina nas escolas de samba era ainda restrita às panelas da cozinha ou aos coros, Dona Ivone foi parceira de Silas de Oliveira e Bacalhau, na autoria do belo samba-enredo “Os Cinco Bailes da História do Rio”, no carnaval de 1965.

Hoje, aos 94 anos, considerada por muitos a principal figura feminina na história do samba, a carioca do bairro de Botafogo é também a primeira mulher homenageada pelo projeto “Sambabook” (lançamento do selo Musickeria), que veicula sua obra em dois CDs, DVD, blu-ray, um especial de TV e um livro biográfico assinado pelo jornalista Lucas Nóbile, entre outras mídias.

Os dois CDs somam um total de 26 faixas. Trazem os sucessos e sambas menos conhecidos de Dona Ivone, nas vozes de astros da MPB e do samba, como Maria Bethânia (“Sonho Meu”), Martinho da Vila (“Andei pra Curimá”) e Caetano Veloso (“Alguém me Avisou”). Não faltam também intérpretes da nova geração do gênero, como a baiana Mariene de Castro (“Sorriso de Criança”) e a mineira Aline Calixto (“Não Chora, Neném”).

O tom reverente das interpretações e arranjos é compreensível, num tributo como esse. A opção por utilizar a mesma banda e o mesmo coro para acompanhar todos os cantores garante a uniformidade das gravações. Mesmo assim, algumas interpretações se destacam, como o emotivo duo da cantora portuguesa Carminho com o bandolinista Hamilton de Holanda (em “Nasci pra Sonhar e Cantar”) ou a festiva performance do Jongo da Serrinha (“Axé de Ianga”).

Com as mesmas faixas dos CDs, o DVD inclui um extenso “making of” das gravações, que reúne depoimentos dos intérpretes e da própria Dona Ivone. “Jamais pensei que, antes de morrer, tivesse essa alegria”, diz a homenageada, abrindo um sorriso. 


(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", edição de 26/9/2015)






 

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